Uma Mente Pura, Concentrada, e Luminosa:
Uma entrevista com Leigh Brasington
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Pergunta: Você descreve os jhanas como “o
coração da prática do Buda.” Porque eles são tão pouco conhecidos pela maioria
dos praticantes hoje em dia?
Leigh
Brasington: (Risos)
“Eu não sei” é a resposta curta. Eles estão sem nenhuma dúvida em todos os
lugares nos suttas – eles são mencionados em cerca de metade dos suttas do Digha Nikaya e em cerca de um terço dos
suttas do Majjhima Nikaya. O Buda
definiu a Concentração
Correta como a prática dos quatro jhanas, portanto parece óbvio que eles
sejam conhecidos por todos, mas não são. Ao que parece, depois da morte do
Buda, houve uma divisão concernente à importância dos jhanas, e essa disputa
continua até hoje.
P: Porque a prática de jhana parece
ter ficado do lado perdedor nessa divisão?
LB: Uma especulação que posso fazer é
que à medida que a comunidade monástica
se isolou nas florestas e começou a praticar os jhanas, eles passaram a levar a
concentração para níveis cada vez mais profundos. Existe seguramente uma
tendência humana de dizer “Se você não estiver fazendo tão bem quanto eu posso
fazer, você não está fazendo o que deve ser feito.” A idéia de níveis de
concentração extremamente profundos foi promovida pelo Visuddhimagga, que diz
que um meditador tem a probabilidade de um em cem milhões de aprender todos os
oito jhanas. Enquanto que, se você for consultar os suttas, os discípulos estão
entrando em jhanas em todas as partes.
P: Então os Ocidentais nunca foram
muito expostos aos jhanas.
LB: Não é a prática que foi trazida para
o Ocidente. O que principalmente veio para cá foi a tradição Vipassana de Mahasi Sayadaw, ou a meditação de insight da
Birmânia, e algumas das tradições Tailandesas. Eu ouvi que apenas uma pequena
porcentagem dos monges na Tailândia meditam. Agora, dessa pequena porcentagem,
quantos estão de fato praticando jhanas? Minha professora, Ayya
Khema, aprendeu por
si mesma os jhanas, lendo os suttas e o Visuddhimagga. Mas ela não sabia se estava
meditando corretamente. E assim, quando ela estava no Sri Lanka, ela começou a
inquirir sobre um mestre nos jhanas com quem ela poderia estudar. Por fim ela
encontrou Matara Sri Nanarama Mahathera e teve uma entrevista com ele. Ela
descreveu o que estava fazendo e perguntou, “Estou fazendo do modo correto?”
Ele disse, “Sim. E além disso, você precisa ensiná-los. Os jhanas estão
correndo o risco de se tornarem uma arte perdida.” Portanto, mesmo num lugar
como o Sri Lanka, que se considera o guardião do Budismo Theravada, os jhanas
correm o risco de se tornarem uma prática desaparecida.
P: O que é conhecido sobre a história
pré–Budista dos jhanas?
LB: Eles definitivamente existiam antes
do Buda – ele aprendeu do primeiro ao sétimo jhana com o seu primeiro mestre e
o oitavo, com o seu segundo mestre. Acredita-se que Anapanasati – observar a
respiração como objeto de meditação – é uma prática com 5.000 anos. O Buda
surgiu 2.500 anos depois e com certeza nesse intervalo as pessoas devem ter se
deparado com esses estados elevados de consciência. Isso ocorre com muita
freqüência. Na maioria dos retiros que ensino, um número significativo de novos
praticantes se deparam com um ou mais
desses estados. Portanto, considerando que houve 2.500 anos de prática de
anapanasati, é de se supor que muitas pessoas descobriram esses estados, e na
época do Buda eles os teriam sistematizado numa ordem crescente de sutileza do
objeto de meditação.
É
interessante notar que o Buda experimentou os jhanas pela primeira vez quando
criança, sentado sob uma árvore durante um festival de semeadura. E na noite da
sua iluminação, a primeira coisa que ele fez foi percorrer os jhanas. No estado
mental pós-jhana, na última vigília da noite, ele penetrou as Quatro Nobres
Verdades.
P: Nós sabemos exatamente o que o Buda
estava fazendo?
LB: Nós não sabemos com certeza o que
exatamente o Buda estava praticando. Há muitas disputas sobre como definir ou
interpretar os jhanas. Talvez a pergunta mais útil seja, ‘Qual é a definição
pragmática? Há algum nível de jhana que as pessoas podem de fato aprender e que
irá ajudá-las no seu desenvolvimento espiritual?’ Espero que esse seja o nível
que eu ensino.
P: Qual é a sua definição dos jhanas?
LB: Eu os definiria como oito estados de
consciência elevada, cada um exigindo mais concentração do que o anterior, e
cada um gerando mais concentração do que o anterior. A definição padrão dos
jhanas, que é encontrada nos suttas, descreve os primeiros quatro estados em
termos muito precisos [Veja Jhana]. Os últimos quatro jhanas se fundamentam no
quarto jhana e são chamados de jhanas imateriais.
Cada jhana
tem vários fatores. No primeiro jhana, os primeiros dois fatores são vitaka e
vicara, que têm sido traduzidos desde “pensar e ponderar” até “atenção
aplicada e sustentada no objeto da meditação.” Eu tendo a preferir “atenção
aplicada e sustentada no objeto da meditação.” Isto é, colocar a sua atenção no
objeto e manter a sua atenção no objeto. Depois há piti e sukha, piti sendo uma sensação física de
êxtase, de gozo percorrendo o corpo, uma libertação de energia; e sukha, uma
sensação mental ou emocional de alegria e felicidade.
O primeiro
jhana, então, é um estado no qual há a libertação dessa energia física
elevadora, prazerosa, acompanhada por uma sensação mental de alegria e
felicidade sobre a qual a atenção pode ser aplicada e sustentada.
No segundo
jhana, piti decresce um pouco, mas não completamente. A alegria e
felicidade passam para o primeiro plano e a atenção aplicada e sustentada
desaparecem, sendo substituídas pela tranqüilidade interna e unicidade da mente
- ekodi-bhavam. A consciência fica absorta em sukha - ekagatta.
No terceiro
jhana, o êxtase – o componente físico desaparece e sukha se acalma da
alegria para o contentamento/satisfação. A concentração se torna mais refinada
e há a difusão do contentamento que permeia tudo. É um estado desprovido de
desejos, um estado de completa satisfação.
O
contentamento que surge no terceiro jhana contém prazer. No quarto jhana, o
prazer se vai e a mente fica neutra. Os suttas dizem que “com o abandono da felicidade e do
sofrimento e com o anterior desaparecimento da alegria e tristeza, um bhikkhu
entra e permanece no quarto jhana, que possui nem felicidade nem sofrimento e a
atenção plena purificada devido à equanimidade.” Esse estado é muito pacífico,
muito repousante, muito quieto, muito tranqüilo.
P: E os quatro seguintes?
LB: Os quatro jhanas seguintes são
refinamentos adicionais da concentração. A mente toma objetos cada vez mais
sutis até que ela alcança um estado onde ela simultaneamente tem uma pequena noção do que realmente está
acontecendo, apesar da consciência permanecer estável. Ela está muito
concentrada.
P: Você disse que esses são estados
que ocorrem naturalmente na mente. Os praticantes chegam a esses estados por si
mesmos?
LB: Todos os oito jhanas, raramente. No
entanto, com uma freqüência surpreendente os praticantes se deparam com um ou
mais de um dos primeiros sete. E algumas pessoas relatam ter experimentado
esses estados quando crianças.
P: Mas as pessoas não alcançam os
jhanas assim de cara. Você recomenda que os praticantes tenham feito pelo menos
dois retiros longos e que mantenham
diligentemente uma prática diária de meditação para participar de um retiro de
jhanas. Você poderia nos explicar como as pessoas alcançam os jhanas?
LB: Você tem que ter um certo nível de
concentração para que o primeiro jhana surja. Isso é chamado de concentração de
acesso. A concentração de acesso tem sila – virtude, como pré-requisito.
A descrição do primeiro jhana começa com “Afastado dos prazeres sensuais,
afastado das qualidades não hábeis” (veja Jhana). Se você não estiver vivendo
uma vida com virtude, você não pode esperar que irá sentar numa almofada de
meditação e ficará afastado dos prazeres sensuais e afastado das qualidades não
hábeis. Se não houver sila suficiente, há desejo em demasia, há raiva ou
medo em demasia, há preocupações em demasia. A concentração de acesso também
exige que você esteja numa postura corporal que proporcione tanto conforto como
vigilância; de outro modo, você sentirá dor ou estará muito sonolento para
meditar. A concentração de acesso pode ser induzida de várias formas. Há cerca
de quarenta objetos distintos de meditação mencionados nos suttas e cerca de
trinta são adequados para alcançar os jhanas. Por exemplo, se você tiver
escolhido anapanasati como objeto de meditação, você coloca a atenção na
respiração e mantém a atenção na respiração até que a concentração de acesso se
estabeleça.
P: Como alguém sabe que a concentração
é suficiente?
LB: Em geral, você está totalmente com o
objeto de meditação. Se houver pensamentos, eles são fracos e em segundo plano,
são incapazes de afastá-lo do objeto da meditação. Além disso, no caso da
atenção plena na respiração, a respiração fica muito sutil, quase não
detectável.
P: Esse tipo de concentração
evidentemente também é alcançada por praticantes Zen e Tibetanos. Mas eu nunca
ouvi esses estados mencionados como jhanas ou categorizados dessa forma. São
jhanas?
LB: Esse tipo de concentração é apenas
acesso – não é jhana, que é um refinamento adicional, específico. No entanto,
curiosamente, a palavra jhana é dhyana em sânscrito, ch’an em chinês e em
japonês, zen. Literalmente, ela significa meditar. Os praticantes zen com os
quais trabalhei não aprendem os jhanas. Eu vi todos os oito jhanas descritos na
literatura tibetana, mas nunca ouvi que eles são ensinados. Além disso, as
tradições zen e tibetana possuem a maioria do cânone em pali, então a
informação está disponível, mas não tem sido um elemento central nas práticas
dessas tradições, pelo menos da forma como as conhecemos no Ocidente.
Sabemos
também que os jhanas aparecem nos ensinamentos dos iogues. Uma possibilidade
interessante é que a energia da kundalini seja o mesmo que a energia de piti
– talvez uma manifestação ligeiramente diferente, mas eu diria que são
muito semelhantes. Ambas, kundalini e piti são descritas como geradoras
de calor em certas ocasiões. As mulheres com quarenta e cinqüenta anos me
dizem, “Tudo que você está fazendo é gerar ondas de calor!” Na tradição
tibetana há a prática de tumo, gerar calor. Eu não me surpreenderia em
descobrir que isso está relacionado com gerar piti. Se a partir disso
eles evoluem para uma prática avançada que seriam os jhanas, eu não sei.
P: Então como os jhanas podem nos
ajudar?
LB: O Buda diz que eles são a Concentração
Correta e portanto, um dos fundamentos básicos do caminho para a libertação. Na
noite da sua iluminação, depois de percorrer os jhanas, ele se descreveu como possuidor de “uma mente concentrada,
purificada, luminosa, pura, imaculada, livre de defeitos, flexível, maleável,
estável, atingindo a imperturbabilidade.” Essa foi a mente que ele direcionou
para os três verdadeiros conhecimentos. O propósito dos jhanas é gerar uma
mente que possa de modo mais eficiente obter o insight da natureza das coisas
como elas na verdade são. É por isso que eles são importantes.
P: Eles também são descritos como a
base para desenvolver poderes supra-humanos.
LB: Eu diria que qualquer busca de
poderes supra-humanos é uma distração do caminho. O Buda com certeza advertiu
contra a sua busca. Então, eu diria que os jhanas devem ser usados para gerar
uma mente mais adaptada para o insight – particularmente sobre a mente e o
corpo e as Quatro Nobres Verdades.
P: Como você disse, a meditação de
insight é o tipo de meditação mais comumente ensinada no Ocidente. Mas, dadas
as suas idéias e aquilo que aparece nos suttas, como as pessoas podem se
dedicar à prática de insight sem preparar a mente com os jhanas?
LB: Bem, até o Buda ensinou a prática de
insight sem os jhanas. Se você ler o Anapanasati Sutta, Majjhima Nikaya
118, dois dos
dezesseis passos são piti e sukha, mas esses passos não são
jhanas. Os primeiros quatro passos, pode-se dizer, estão gerando a concentração
de acesso. Os oito passos seguintes estão gerando uma mente mais calma,
tranqüila, concentrada e os últimos quatro passos são a prática de insight. O
Buda ensinou a prática da atenção plena na respiração em muitas ocasiões
diferentes, então é óbvio que ele não pensava que os jhanas eram o único
caminho, mas, sem dúvida, eles são um caminho proveitoso.
P: Mas você enxerga a prática da
concentração como essencial, não é mesmo?
LB: Minha opinião é que qualquer grau de
concentração, que uma pessoa for capaz de alcançar, tornará a sua prática de
insight muito melhor. Então, se você só conseguir obter a concentração de
acesso e aí passar para o método do Mahasi Sayadaw, você terá um envolvimento menor do ‘eu’. Se você
conseguir concentrar a mente até o nível de concentração dos jhanas, o ‘eu’ irá
se calar e ficar num canto. Qualquer prática de insight será aprimorada por ter
uma perspectiva menos egocêntrica.
P: Você se vê numa posição divergente
em relação à tradição Vipassana?
LB: De modo algum. Eu penso que aquilo
que é ensinado [em lugares como Insight Meditation Society e Spirit Rock] é
muito benéfico, muito profundo – no entanto, poderia ser ‘turbinado’ com a
adição da prática de jhana como preliminar. Não é que eu tenha uma posição
divergente dos mestres de Vipassana; é que eu simplesmente penso que a prática
de jhana poderia ser uma adição útil – especialmente para aqueles praticantes
que acabam topando com esses estados.
P: Eu ouço as pessoas falarem que
chegaram a um limite na sua prática de Vipassana. Você crê que os jhanas
poderiam ter um papel nesses casos?
LB: Eles seguramente são um modo de
superar os limites. Eu já ouvi de várias pessoas que participaram dos meus
retiros dizerem que sentiam que a sua prática havia estagnado. E de repente,
aqui estava algo que a colocou em movimento. Parte daquilo que elas estavam
experimentando é um pouco de êxtase e alegria que faz com que a prática de
“insight seco” se torne muito mais cheia de vida, mas mesmo que seja só um
pouco mais cheia de vida, e elas ficarem mais interessadas na prática, isso já
é uma vantagem. No longo prazo, a habilidade de concentrar a mente em níveis
cada vez mais profundos aumenta a capacidade da mente para a prática de
Vipassana. O entendimento da experiência tem o potencial de ser muito mais
profundo.
P: Conte-nos sobre o seu
relacionamento com a sua professora, Ayya Khema.
LB: Eu a ouvi falar pela primeira
vez no San Francisco Zen Center. Uma amiga, Mary Wall, a quem eu sou eternamente
grato, sugeriu que eu comparecesse à palestra e considerasse participar do
retiro de Ayya que estava para acontecer. Eu participei do retiro sem nunca
antes ter meditado na minha vida. Eu pensava que meditava, mas rapidamente aprendi que aquilo que eu fazia não
era o que a Ayya Khema considerava ser meditação. Eu mal era capaz de seguir a
minha respiração ao final daqueles dez dias. Mas uma das coisas que Ayya Khema
ensinou foi o método da varredura. E isso eu podia fazer.
P: Você pode explicar o que é isso?
LB: A varredura é um movimento
sistemático da atenção sobre cada centímetro quadrado do corpo, simplesmente
observando quaisquer sensações que possam ser notadas. Pode haver sensações
físicas como calor, frio, pressão, formigamento e também pode haver emoções que
surgem. Você simplesmente observa aquilo que está presente naquele momento e
segue em frente com a varredura sistemática da atenção sobre o corpo. A
varredura tem o efeito de gerar concentração suficiente para que algumas pessoas
entrem nos jhanas. É também uma prática de insight bastante eficaz.
P: Então foi assim que você chegou aos
jhanas.
LB: Não exatamente. Ayya Khema também
ensinava metta, (meditação do amor bondade), e eu gostava de praticar
metta. Então, a minha prática durante os três primeiros anos era fazer dez
minutos de metta, em seguida a varredura e depois observar a respiração. Isso
me manteve seguindo adiante, e eu também participei de retiros com outros
professores quando Ayya não estava disponível.
No meu segundo
retiro, que foi no centro de meditação do [mestre Tailandês Ajaan] Buddhadasa
na Tailândia, eu acabei topando com piti enquanto praticava a atenção
plena na respiração.
A
experiência de piti com certeza fez com que eu me interessasse muito
mais pela meditação. Eu me tornei um viciado em piti durante alguns anos
(risos). Algumas vezes eu ouço as pessoas preocupadas com o “vício do jhana”.
Mas eu superei aquele hábito, mesmo sem um mestre – eu sabia que tinha que
haver algo mais do que simplesmente “estar em transe”.
Então,
participei de um outro retiro com Ayya Khema. Eu não fazia idéia que aquilo que
eu estava experimentando estava relacionado com os jhanas. Quando eu tive a
minha entrevista com ela, ela disse, “Conte-me sobre a sua prática de meditação,”
e eu disse, “Eu posso experimentar piti,” e ela disse, “Ah! Que bom!
Isso é o primeiro jhana; assim é como você alcança o segundo.” Não era
exatamente o primeiro jhana porque eu não tinha nenhum controle sobre aquilo,
mas eu aprendi rápido como controlar e comecei a aprender mais jhanas com ela.
Durante
dois anos eu experimentei piti sem obter qualquer encorajamento de
outros mestres – na verdade, recebi algum desencorajamento – mas eu insisti
nessa prática porque eu senti que era isso que eu devia fazer. Quando
compreendi que Ayya sabia o que estava acontecendo, e nessa altura tendo algum
conhecimento do Budismo, eu pude realmente dar valor aos seus ensinamentos.
Quando o praticante
está pronto, o mestre aparece.
P: Você seguiu praticando os jhanas? Ou
você fez outras práticas?
LB: Na verdade, a maior parte do que fiz
com Ayya Khema foi a prática de insight. Quando comecei a fazer o trabalho de
insight empregando o estado mental pós-jhana, descobri que o número e amplitude
dos insights eram surpreendentes. Aprendi muito mais num retiro de um mês com
ela do que havia aprendido nos seis anos anteriores. Isso mudou a minha vida
completamente. Até mesmo os meus amigos notaram a diferença.
P: Falando em retiros, como são os
seus retiros de jhanas?
LB: Antes de mais nada, embora algumas
vezes um retiro seja anunciado como um retiro de jhanas, na verdade é um retiro
sobre o dhamma com os jhanas incluídos. Eu falo sobre os preceitos éticos, as
Quatro Nobres Verdades, os cinco obstáculos e assim por diante. Depois falo em
detalhe sobre os jhanas, dou as instruções para o primeiro jhana e mais tarde,
volto a falar sobre a prática de insight. Em geral uso como base o Grande
Discurso sobre os Fundamentos da Atenção Plena (DN 22), ensinando e guiando
meditações baseadas nas práticas descritas nesse discurso. Mas se for o
primeiro retiro de uma pessoa comigo, e
ela não tiver feito prática de jhana antes, então, em geral ela irá passar a
maior parte do tempo trabalhando com a concentração, ao invés de trabalhar com
as práticas de insight que eu estiver ensinando.
P: As pessoas vêm pensando que irão
experimentar os jhanas com facilidade?
LB: Em todos os meus retiros, a primeira
coisa que faço é alertar as pessoas para o fato de que nem todos no retiro irão
experimentar os jhanas. Há uma porcentagem de participantes, que é
relativamente constante, que experimenta pelo menos um jhana, uma vez. E há uma
porcentagem menor que consegue ganhar uma boa habilidade na prática de jhana. A
pior coisa que alguém pode trazer consigo para qualquer retiro é a expectativa de qualquer tipo que seja. E
num retiro de jhana isso irá realmente atrapalhar muito.
A segunda
coisa que explico é que se você começar
a se envolver com estados profundos de concentração, você tem de estar
preparado no caso da sua bagagem psicológica vir à tona. Normalmente, andamos
por aí com toda a nossa bagagem sob controle, mas uma vez que você entre em
concentração profunda, a energia que é empregada para manter a bagagem sob
controle não está mais presente e você terá de se defrontar com essa bagagem. O
principal objetivo de realizar entrevistas individuais é falar sobre o dhamma e
as técnicas de prática. Mas se aquilo que estiver emergindo na prática for a
sua bagagem, então podemos usar as entrevistas para tentar trabalhar com ela.
P: Você dá instruções mais específicas
durante as entrevistas?
LB: Sim, eu checo com o praticante
e ofereço instruções um pouco mais específicas. Como eu disse, para entrar no
primeiro jhana é necessário que você
gere um certo nível de concentração. Para algumas pessoas a atenção plena na
respiração é o melhor método para gerar a concentração de acesso. Outras pessoas
percebem que metta funciona melhor, e para outras ainda, o melhor é o método da
varredura. É interessante notar que alguns dos antigos praticantes de TM,
(Meditação Transcendental), ressuscitam os antigos mantras e os empregam para
obter a concentração de acesso. Então, parte do meu trabalho nas entrevistas é
descobrir qual método de concentração de acesso funcionará melhor para um
determinado praticante.
P: Por que você é o único discípulo
americano de Ayya Khema que ensina os jhanas?
LB: Ela tinha outros discípulos que eram
mais capazes nos jhanas do que eu, mas eles não se entusiasmaram pelo ensino.
Você tem de encontrar alguém que tenha proficiência nos jhanas, compreenda como
eles operam e tenha vontade de ensinar. Essa combinação parece um tanto rara.
Eu sou o único na América do Norte, mas há cerca de oito discípulos de Ayya
Khema que ensinam os jhanas na Alemanha, e há mais um na Austrália.
P: Se os jhanas são estados mentais
que ocorrem naturalmente e nos quais os meditadores acabam entrando mesmo sem
querer, como foi a sua experiência, como é possível que os mestres não os
ensinem? Você crê que isso seja um problema?
LB: Você está perguntando para a pessoa
errada. Eu fiz essa mesma pergunta para Ayya Khema. Ela também não sabia.
Depois da minha experiência, vendo o insight que pode ser produzido, eu fiquei
surpreso que mais pessoas não os ensinem. Mas no meu caso, eu não vejo como não
ensiná-los. A concentração mais profunda simplesmente parece conduzir a
verdades mais profundas.
Fonte: Tricycle – The Buddhist Review. Winter 2004
Revisado: 28 Maio 2005
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