Majjhima Nikaya 101
Devadaha Sutta
Em Devadaha
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1. Em certa
ocasião o Abençoado estava entre os Sakyas numa cidade denominada Devadaha. Lá
ele se dirigiu aos monges desta forma: “Bhikkhus.” – “Venerável Senhor,” eles
responderam. O Abençoado disse o seguinte:
2.
“Bhikkhus, existem alguns contemplativos e brâmanes que possuem a seguinte
doutrina e entendimento: ‘Qualquer coisa que uma pessoa sinta, quer seja prazer
ou dor, ou nem prazer, nem dor, tudo é causado pelo que foi feito no passado. [1] Então aniquilando através do ascetismo as
ações passadas [2] e não cometendo novas
ações, não haverá conseqüência no futuro. Sem conseqüência no futuro, ocorre a
destruição da ação. Com a destruição da ação, ocorre a destruição do
sofrimento. Com a destruição do sofrimento, ocorre a destruição da sensação.
Com a destruição da sensação, todo o sofrimento será extinto.’ Assim dizem os
Niganthas, bhikkhus.
3. “Eu vou
até os Niganthas que assim falam e digo: ‘Amigos Niganthas, é verdade que vocês
possuem a seguinte doutrina e entendimento: “Qualquer coisa que uma pessoa sinta
... todo o sofrimento será extinto “?’ Se, quando assim perguntados, os
Niganthas admitem isso e dizem ‘Sim,’ eu lhes digo:
4. “‘Mas,
amigos, vocês sabem que existiram no passado e que não é o caso que não existiram? – ‘Não, amigo.’ – ‘Mas,
amigos, vocês sabem que cometeram más ações no passado e não se abstiveram
delas?’ – ‘Não, amigo,’ – ‘Mas, amigos, vocês sabem que cometeram tais e tais
más ações?’ – ‘Não, amigo.’ – ‘Mas, amigos, vocês sabem qual o tanto de
sofrimento que já foi extinto ou o tanto de sofrimento que ainda falta ser
extinto, ou que quando este tanto de sofrimento for extinto todo o sofrimento
terá sido extinto?’ – ‘Não, amigo.’ – ‘Mas, amigos, vocês sabem o que é, no
aqui e agora, o abandono de estados prejudiciais e o que é o cultivo de estados
benéficos?’ – ‘Não, amigo.’
5.
“’Portanto, amigos, parece que vocês não sabem que existiram no passado e que
não é o caso que não existiram; ou que cometeram más ações no passado e não se
abstiveram delas; ou que cometeram tais e tais más ações; ou que tanto
sofrimento já foi extinto, ou que tanto sofrimento falta ser extinto, ou que
quando este tanto de sofrimento for extinto todo o sofrimento terá sido
extinto; ou o que é, no aqui e agora, o abandono de estados prejudiciais e o que
é o cultivo de estados benéficos. Sendo assim, não é apropriado que os
veneráveis Niganthas declarem: “Qualquer coisa que uma pessoa sinta, quer seja
prazer ou dor, ou nem prazer, nem dor, tudo é causado pelo que foi feito no
passado. Então aniquilando através do ascetismo as ações passadas e não
cometendo novas ações, não haverá conseqüência no futuro. Sem conseqüência no
futuro ... todo o sofrimento será extinto.”
6. “Se, amigos
Niganthas, vocês soubessem que existiram no passado e que não é o caso que não existiram; ou que cometeram más ações no
passado e não se abstiveram delas; ou que cometeram tais e tais más ações; ou
que tanto sofrimento já foi extinto, ou que tanto sofrimento falta ser
extinto, ou que quando este tanto de sofrimento for extinto todo o
sofrimento terá sido extinto; ou o que é, no aqui e agora, o abandono de
estados prejudiciais e o que é o cultivo de estados benéficos; sendo assim,
seria apropriado que os veneráveis Niganthas declarassem: “Qualquer coisa que
uma pessoa sinta .... todo o sofrimento será extinto.”
7. “Amigos
Niganthas, suponham que um homem fosse ferido por uma flecha besuntada com
muito veneno e devido a isso ele sentisse sensações dolorosas, torturantes e
penetrantes. Então, os seus amigos e companheiros, seus pares e parentes,
trouxessem um cirurgião para tratá-lo. O cirurgião faria uma incisão ao redor
da ferida com uma faca, examinaria a flecha com uma sonda, retiraria a flecha e
aplicaria um medicamento na ferida para cauterização e a cada passo o homem
sentiria sensações dolorosas, torturantes e penetrantes. Então mais tarde,
quando a ferida estivesse curada e coberta com pele, o homem se sentiria feliz,
independente, senhor de si mesmo, capaz de ir aonde desejasse. Ele poderia
pensar: ‘Antes eu fui ferido por uma flecha besuntada com muito veneno e devido
a isso senti sensações dolorosas, torturantes e penetrantes. Então,os meus
amigos e companheiros, meus pares e parentes, trouxeram um cirurgião. O
cirurgião fez uma incisão ao redor da ferida com uma faca, examinou a flecha
com uma sonda, retirou a flecha e aplicou um medicamento na ferida para
cauterização e a cada passo eu senti sensações dolorosas, torturantes e penetrantes.
Mas agora que a ferida está curada e coberta com pele, eu me sinto bem e feliz,
independente, senhor de mim mesmo e capaz de ir aonde eu desejar.”
8. “’Da
mesma forma, amigos Niganthas, se vocês soubessem que existiram no passado, e
que não é o caso que não existiram ...
ou o que é, no aqui e agora, o abandono de estados prejudiciais e o que é o
cultivo de estados benéficos; sendo assim, seria apropriado que os veneráveis
Niganthas declarassem: “Qualquer coisa que uma pessoa sinta .... todo o sofrimento
será extinto.”
9. “’Mas
visto que, amigos Niganthas, vocês não sabem que existiram no passado, e que
não é o caso que não existiram ... ou o
que é, no aqui e agora, o abandono de estados prejudiciais e o que é o cultivo
de estados benéficos, não é apropriado que os veneráveis Niganthas declarem:
“Qualquer coisa que uma pessoa sinta .... todo o sofrimento será extinto.”’
10. “Quando
isso foi dito, eles responderam: ‘Amigo, o Nigantha Nataputta é onisciente e
tudo vê, e reivindica ter pleno conhecimento e visão assim: “Quer eu esteja
caminhando ou em pé, ou dormindo, ou desperto, o conhecimento e visão estão
presentes em mim de forma contínua e ininterrupta.” Ele diz o seguinte:
‘Niganthas, vocês cometeram más ações no passado, vocês têm de esgotá-las com a
realização de austeridades severas. E só quando vocês estão aqui e agora com o
corpo, linguagem e mente contidos é que não estão cometendo más ações para o
futuro. Assim, aniquilando através do ascetismo as ações passadas e não
cometendo novas ações, não haverá conseqüência no futuro. Sem conseqüência no
futuro, ocorre a destruição da ação. Com a destruição da ação, ocorre a
destruição do sofrimento. Com a destruição do sofrimento, ocorre a destruição
da sensação. Com a destruição da sensação, todo o sofrimento será extinto.”
Essa é a doutrina que nós aprovamos e aceitamos e estamos satisfeitos com ela.’
11. “Quando
isso foi dito, eu disse para os Niganthas: [3] Existem
cinco coisas, amigos Niganthas, que podem ter dois tipos de resultados no aqui
e agora. Quais cinco? [Conhecimento baseado na] Fé, preferência, tradição, razão e idéias. Essas cinco coisas podem ter dois tipos de resultados no aqui
e agora. Em vista disso, que tipo de fé os veneráveis Niganthas possuem num
mestre que fala sobre o passado? Que tipo de preferência, que tipo de tradição,
que tipo de razão, que tipo de idéia?’ Dizendo isso, bhikkhus, eu
não vi qualquer justificativa legítima pelos Niganthas da posição deles.
12. “Outra
vez, bhikkhus, eu disse para os Niganthas: ‘O que vocês pensam, amigos
Niganthas? Quando há esforço intenso, intensa diligência, vocês sentem
sensações dolorosas, torturantes e penetrantes devido ao esforço? Mas quando
não há intenso esforço, não há intensa diligência, vocês então não sentem
sensações dolorosas, torturantes e penetrantes devido ao esforço?’ – ‘Quando há
esforço intenso, amigo Gotama, intensa diligência, então sentimos sensações
dolorosas, torturantes e penetrantes devido ao intenso esforço; mas quando não
há intenso esforço, não há intensa diligência, então não sentimos sensações
dolorosas, torturantes e penetrantes devido ao esforço.’
13. “’Assim
parece, amigos Niganthas, que quando há esforço intenso ... vocês sentem sensações dolorosas,
torturantes e penetrantes devido ao esforço; mas quando não há esforço intenso
... vocês não sentem sensações dolorosas, torturantes e penetrantes devido ao
esforço. Sendo assim, não é apropriado que os veneráveis Niganthas declarem: [4] “Qualquer coisa que uma pessoa sinta, quer
seja prazer ou dor, ou nem prazer, nem dor, tudo é causado pelo que foi feito
no passado. Então, aniquilando através do ascetismo as ações passadas e não
cometendo novas ações, não haverá conseqüência no futuro. Sem conseqüência no
futuro ... todo o sofrimento será extinto.”
14. “’ Se,
amigos Niganthas, quando houvesse esforço intenso, intensa diligência, então as
sensações dolorosas, torturantes e penetrantes devidas ao esforço estivessem
presentes, e quando não houvesse esforço intenso, não houvesse intensa
diligência, então as sensações dolorosas, torturantes e penetrantes devidas ao
esforço ainda estivessem presentes; sendo assim, seria apropriado que os
veneráveis Niganthas declarassem: “Qualquer coisa que uma pessoa sinta ... todo
o sofrimento será extinto.”
15. “’Mas
visto que, amigos Niganthas, quando há esforço intenso, intensa diligência,
vocês sentem sensações dolorosas, torturantes e penetrantes devido ao esforço,
mas quando não há intenso esforço, não há intensa diligência, vocês então não
sentem sensações dolorosas, torturantes e penetrantes devido ao esforço, vocês
estão, portanto, sentindo só as sensações dolorosas, torturantes e penetrantes
do esforço auto-imposto e é através da ignorância, desconhecimento e delusão
que vocês equivocadamente acreditam que: “Qualquer coisa que uma pessoa sinta
... todo o sofrimento será extinto.”’ Dizendo isso, bhikkhus, eu não vi
qualquer justificativa legítima da posição dos Niganthas.
16.“Outra
vez, bhikkhus, eu disse para os Niganthas: ‘O que vocês pensam, amigos
Niganthas? É possível que uma ação, [cujo resultado] é para ser experimentado
aqui e agora, [5] possa, através do esforço e
da diligência, se tornar uma [cujo resultado] passe a ser experimentado na vida
seguinte?’ – ‘Não, amigo.’ – ‘Mas é possível que uma ação, [cujo resultado] é
para ser experimentado na vida seguinte, possa, através do esforço e da
diligência, se tornar uma [cujo resultado] passe a ser experimentado aqui e
agora?’ – ‘Não, amigo.’
17. “’O que
vocês pensam, amigos Niganthas? É possível que uma ação, [cujo resultado] é
para ser experimentado como prazeroso, possa, através do esforço e da
diligência, se tornar uma [cujo resultado] passe a ser experimentado como
doloroso?’ – ‘Não, amigo.’ – ‘Mas é possível que uma ação, [cujo resultado] é
para ser experimentado como doloroso, possa, através do esforço e da
diligência, se tornar uma [cujo resultado] passe a ser experimentado como
prazeroso?’ – ‘Não, amigo.’
18. “’O que
vocês pensam, amigos Niganthas? É possível que uma ação, [cujo resultado] é
para ser experimentado numa personalidade madura, possa, através do esforço e
da diligência, se tornar uma [cujo resultado] passe a ser experimentado numa personalidade
imatura?’ [6] – ‘Não, amigo.’ – ‘Mas é
possível que uma ação, [cujo resultado] é para ser experimentado numa
personalidade imatura, possa, através do esforço e da diligência, se tornar uma
[cujo resultado] passe a ser experimentado numa personalidade madura?’ – ‘Não,
amigo.’
19. “’O que
vocês pensam, amigos Niganthas? É possível que uma ação, [cujo resultado] é
para ser experimentado com muita intensidade, possa, através do esforço e da
diligência, se tornar uma [cujo resultado] passe a ser experimentado com pouca intensidade?’ – ‘Não,
amigo.’ – ‘Mas é possível que uma ação, [cujo resultado] é para ser
experimentado com pouca intensidade, possa, através do esforço e da diligência,
se tornar uma [cujo resultado] passe a ser experimentado com muita
intensidade?’ – ‘Não, amigo.’
20. “’O que
vocês pensam, amigos Niganthas? É possível que uma ação, [cujo resultado] é
para ser experimentado, possa, através do esforço e da diligência, se tornar
uma [cujo resultado] passe a não ser experimentado?’ [7] – ‘Não, amigo.’ – ‘Mas é possível que uma ação, [cujo resultado]
não é para ser experimentado, possa, através do esforço e da diligência, se
tornar uma [cujo resultado] passe a ser experimentado?’ – ‘Não, amigo.’
21.
“’Assim, amigos Niganthas, parece que é impossível que uma ação, [cujo
resultado] é para ser experimentado aqui e agora, possa, através do esforço e
da diligência, se tornar uma [cujo resultado] passe a ser experimentado na vida
seguinte; impossível que uma ação, [cujo
resultado] é para ser experimentado na vida seguinte, possa, através do esforço
e da diligência, se tornar uma [cujo resultado] passe a ser experimentado aqui
e agora; impossível que uma ação, [cujo resultado] é para ser experimentado como prazeroso,
possa, através do esforço e da diligência, se tornar uma [cujo resultado] passe
a ser experimentado como doloroso;
impossível que uma ação, [cujo resultado] é para ser experimentado como
doloroso, possa, através do esforço e da diligência, se tornar uma [cujo
resultado] passe a ser experimentado como prazeroso; impossível que uma ação,
[cujo resultado] é para ser experimentado numa personalidade madura, possa,
através do esforço e da diligência, se tornar uma [cujo resultado] passe a ser
experimentado numa personalidade imatura; impossível que uma ação, [cujo
resultado] é para ser experimentado numa personalidade imatura possa, através
do esforço e da diligência, se tornar uma [cujo resultado] passe a ser
experimentado numa personalidade madura; impossível que uma ação, [cujo
resultado] é para ser experimentado com muita intensidade, possa, através do
esforço e da diligência, se tornar uma [cujo resultado] passe a ser
experimentado com pouca intensidade;
impossível que uma ação, [cujo resultado] é para ser experimentado com
pouca intensidade, possa, através do esforço e da diligência, se tornar uma
[cujo resultado] passe a ser experimentado com muita intensidade; impossível
que uma ação, [cujo resultado] é para ser experimentado, possa, através do
esforço e da diligência, se tornar uma [cujo resultado] passe a não ser
experimentado; impossível que uma ação, [cujo resultado] não é para ser
experimentado, possa, através do esforço e da diligência, se tornar uma [cujo
resultado] passe a ser experimentado. Sendo assim, o esforço e a diligência dos
veneráveis Niganthas são infrutíferos.’
22. “Assim
falam os Niganthas, bhikkhus. E porque os Niganthas falam assim, há dez
deduções legítimas das suas afirmativas que proporcionam motivo suficiente para
censurá-los:
(1) “Se o
prazer e a dor que os seres sentem é causado por aquilo que foi feito no
passado, então os Niganthas com certeza devem ter cometido ações ruins no
passado, visto que eles agora sentem essas sensações dolorosas, torturantes e
penetrantes.
(2) “Se o
prazer e a dor que os seres sentem é causado pela ação criadora de um Deus
Supremo, [8] então os Niganthas
com certeza devem ter sido criados por um Deus Supremo malevolente, visto que
eles agora sentem essas sensações dolorosas, torturantes e penetrantes.
(3) “Se o
prazer e a dor que os seres sentem é causado pelas circunstâncias e pela
natureza, [9] então os Niganthas
com certeza devem ter má sorte, visto que eles agora sentem essas sensações
dolorosas, torturantes e penetrantes.
(4) “Se o
prazer e a dor que os seres sentem é causado pela classe [dentre as seis
classes de nascimento], [10] então os Niganthas com certeza devem pertencer a uma
classe ruim, visto que eles agora sentem
essas sensações dolorosas, torturantes e penetrantes.
(5) “Se o
prazer e a dor que os seres sentem é causado pelo esforço aqui e agora, então
os Niganthas com certeza devem se esforçar mal aqui e agora, visto que eles
agora sentem essas sensações dolorosas, torturantes e penetrantes.
(6) “Se o
prazer e a dor que os seres sentem é causado por aquilo que foi feito no
passado, então os Niganthas devem ser censurados; se não, então ainda assim os
Niganthas devem ser censurados.
(7) Se o
prazer e a dor que os seres sentem é causado pela ação criadora de um Deus
Supremo, então os Niganthas devem ser censurados; se não, então ainda assim os
Niganthas devem ser censurados.
(8) “Se o
prazer e a dor que os seres sentem é causado pelo acaso, então os Niganthas
devem ser censurados; se não, então ainda assim os Niganthas devem ser
censurados.
(9) “Se o
prazer e a dor que os seres sentem é causado pela classe, então os Niganthas
devem ser censurados; se não, então ainda assim os Niganthas devem ser
censurados.
(10) “Se o
prazer e a dor que os seres sentem é causado pelo esforço aqui e agora, então
os Niganthas devem ser censurados; se não, então ainda assim os Niganthas devem
ser censurados.
“Assim
falam os Niganthas, bhikkhus. E porque os Niganthas falam assim, essas são as
dez deduções legítimas das suas afirmativas que proporcionam motivo suficiente
para censurá-los. Dessa forma, o esforço deles é infrutífero, a diligência
deles é infrutífera.
23. “E como
o esforço é frutuoso, bhikkhus, como a diligência é frutuosa? Nesse caso,
bhikkhus, um bhikkhu não é subjugado pelo sofrimento e não subjuga a si mesmo
com o sofrimento; e ele não renuncia ao prazer que está de acordo com o Dhamma,
todavia ele não está apaixonado por esse prazer. [11] Ele compreende da seguinte
forma: ‘Quando me esforço com determinação, essa fonte em particular de
sofrimento desaparece devido ao esforço determinado; e quando vejo com equanimidade,
essa fonte em particular de sofrimento desaparece enquanto desenvolvo a
equanimidade.’ [12] Ele se esforça com determinação com relação àquela fonte em
particular do sofrimento, que desaparece devido a esse esforço determinado; e
ele desenvolve a equanimidade com relação àquela fonte em particular do
sofrimento, que desaparece enquanto ele está desenvolvendo a equanimidade.
Quando ele se esforça com determinação, tal e tal fonte de sofrimento
desaparece devido a esse esforço determinado; dessa forma aquele sofrimento
está exaurido nele. Quando ele vê com equanimidade, tal e tal fonte de
sofrimento desaparece enquanto ele desenvolve a equanimidade; assim, aquele
sofrimento está exaurido nele.
24.
“Suponha, bhikkhus, que um homem amasse uma mulher com a sua mente atada a ela
através do intenso desejo e paixão. Pode ser que ele visse aquela mulher junto
de um outro homem, conversando, gracejando e rindo. O que vocês pensam,
bhikkhus? A tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero surgiriam naquele
homem ao ver aquela mulher junto de um outro homem, conversando, gracejando e
rindo?”
“Sim,
venerável senhor. Por que isso? Porque aquele homem ama aquela mulher com a sua
mente atada a ela através do intenso desejo e paixão; é por isso que a
tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero surgiriam nele ao vê-la junto
de um outro homem, conversando, gracejando e rindo.”
25. “Então,
bhikkhus, o homem poderia pensar: ‘Eu amo essa mulher com a minha mente atada a ela através de intenso desejo e
paixão; devido a isso a tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero surgem
em mim ao vê-la junto de um outro homem, conversando, gracejando e rindo. E se
eu abandonasse o meu desejo e paixão por essa mulher?’ Ele abandona o seu desejo
e paixão por aquela mulher. Mais tarde em uma outra ocasião ele veria
aquela mulher junto de um outro homem,
conversando, gracejando e rindo. O que vocês pensam, bhikkhus? A tristeza,
lamentação, dor, angústia e desespero surgiriam naquele homem ao ver aquela
mulher junto de um outro homem, conversando, gracejando e rindo?”
“Não,
venerável senhor. Por que isso? Porque aquele homem não ama aquela mulher com a
sua mente atada a ela através do intenso desejo e paixão; é por isso que a
tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero não surgiriam nele ao vê-la
junto de um outro homem…”
26. “Da
mesma forma, bhikkhus, quando um bhikkhu não é subjugado pelo sofrimento e não
subjuga a si mesmo com o sofrimento ... (igual ao verso 23 acima) ... assim,
aquele sofrimento está exaurido nele. Dessa forma, bhikkhus, o esforço é
frutuoso, a diligência é frutuosa.
27. “Outra
vez, bhikkhus, um bhikkhu considera do seguinte modo: ‘Enquanto vivo de acordo
com aquilo que me dá prazer, qualidades inábeis aumentam em mim e qualidades
hábeis diminuem; mas quando me esforço naquilo que é doloroso, qualidades
inábeis diminuem em mim e qualidades hábeis aumentam. E se eu me esforçasse
naquilo que é doloroso?’ Ele se esforça naquilo que é doloroso. Ao fazer isso,
qualidades inábeis diminuem e qualidades hábeis aumentam. [13] Mais tarde, ele já não se
esforça naquilo que é doloroso. Por que isso? O objetivo pelo qual aquele
bhikkhu se esforçou naquilo que é doloroso foi atingido; é por isso que mais
tarde ele não se esforça naquilo que é doloroso.
28.
“Suponham, bhikkhus, que um artesão de flechas estivesse aquecendo e
esquentando uma flecha entre duas chamas, fazendo com que ela se torne
maleável e reta. Quando a flecha estivesse aquecida e quente entre as duas
chamas e estivesse maleável e reta, então, mais tarde ele não iria novamente
aquecer e esquentar a flecha e torná-la maleável e reta. Por que isso? O
propósito pelo qual o artesão havia aquecido e esquentado a flecha para
torná-la maleável e reta já havia sido alcançado; é por isso que mais tarde ele
não iria novamente aquecer e esquentar a flecha e torná-la maleável e reta.
29. “Da
mesma forma, um bhikkhu considera do seguinte modo ... (igual ao verso 27 acima)
… é por isso que mais tarde ele não se esforça naquilo que é doloroso. Assim
também, bhikkhus, o esforço é frutuoso, a diligência é frutuosa.
30-37.
“Outra vez, bhikkhus, aqui um Tathagata surge no mundo, um arahant, perfeitamente
iluminado ... (igual ao MN 51, versos 12-19) … ele purifica a mente da dúvida.
38. “Tendo
assim abandonado esses cinco obstáculos, imperfeições da mente que enfraquecem
a sabedoria, um bhikkhu afastado dos prazeres sensuais, afastado das qualidades não hábeis, entra e permanece no primeiro jhana, que é caracterizado pelo pensamento aplicado e sustentado, com o êxtase e felicidade nascidos do afastamento. Assim também, bhikkhus, o esforço é frutuoso, a diligência é
frutuosa.
39. “Além
disso, abandonando o pensamento aplicado e sustentado, um bhikkhu entra e permanece no segundo jhana, que é caracterizado pela segurança interna e perfeita unicidade da mente, sem o pensamento aplicado e sustentado, com o êxtase e felicidade nascidos da concentração. Assim também, bhikkhus, o esforço é
frutuoso, a diligência é frutuosa.
40. “Além
disso, abandonando o êxtase, um bhikkhu entra e permanece no terceiro jhana que é caracterizado pela felicidade sem o êxtase, acompanhada pela atenção plena, plena consciência e equanimidade, acerca do qual os nobres declaram: ‘Ele permanece numa estada feliz, equânime e plenamente atento.’ Assim também,
bhikkhus, o esforço é frutuoso, a diligência é frutuosa.
41. “Além
disso, com o completo desaparecimento da felicidade, um bhikkhu entra e permanece no quarto jhana, que possui nem felicidade nem sofrimento, com a atenção plena e a equanimidade purificadas. Assim também, bhikkhus, o esforço é frutuoso, a
diligência é frutuosa.
42. “Com a
sua mente dessa forma concentrada, purificada, luminosa, pura, imaculada, livre
de defeitos, flexível, maleável, estável e
atingindo a imperturbabilidade, ele a dirige para o conhecimento da
recordação de vidas passadas. Ele se recorda das suas muitas vidas passadas,
isto é, um nascimento, dois nascimentos ... (igual ao MN 51,
verso 24) ... Assim
ele se recorda das suas muitas vidas passadas nos seus modos e detalhes. Assim
também, bhikkhus, o esforço é frutuoso, a diligência é frutuosa.
43. “Com a
sua mente dessa forma concentrada, purificada, luminosa, pura, imaculada, livre
de defeitos, flexível, maleável, estável e atingindo a imperturbabilidade, ele
a dirige para o conhecimento do falecimento e reaparecimento dos seres ...
(igual ao MN 51, verso 25) ... Dessa forma - por meio do olho divino, que é purificado e
sobrepuja o humano - ele vê seres
falecendo e renascendo, inferiores e superiores, bonitos e feios, e ele
compreende como os seres continuam de acordo com as suas ações. Assim também,
bhikkhus, o esforço é frutuoso, a diligência é frutuosa.
44. “Com a
sua mente dessa forma concentrada, purificada, luminosa, pura, imaculada, livre
de defeitos, flexível, maleável, estável e atingindo a imperturbabilidade, ele
a dirige para o conhecimento do fim das impurezas mentais. Ele compreende como
na verdade é que: ‘Isto é sofrimento’; ele compreende como na verdade é que:
‘Esta é a origem do sofrimento’; ele compreende como na verdade é que: ‘esta é
a cessação do sofrimento’; ele compreende como na verdade é que: ‘este é o
caminho que conduz à cessação do sofrimento’; ele compreende como na verdade é
que: ‘essas são impurezas mentais’; ele compreende como na verdade é que: ‘esta
é a origem das impurezas’; ele compreende como na verdade é que: ‘esta é a
cessação das impurezas’; ele compreende como na verdade é que: ‘este é o caminho
que conduz à cessação das impurezas.’ Assim também, bhikkhus, o esforço é
frutuoso, a diligência é frutuosa
45. “Ao
conhecer e ver, a sua mente está livre da impureza do desejo sensual, da
impureza de ser/existir, da impureza da ignorância. Quando ela está libertada
surge o conhecimento, ‘Libertada.’ Ele compreende que ‘O nascimento foi
destruído, a vida santa foi vivida, o que deveria ser feito foi feito, não há
mais vir a ser a nenhum estado.’ Assim também, bhikkhus, o esforço é frutuoso,
a diligência é frutuosa.
46. “Assim
fala o Tathagata, bhikkhus. E porque o Tathagata diz isso, há dez deduções
legítimas das suas afirmativas que proporcionam motivo suficiente para
elogiá-lo:
(1) “Se o
prazer e a dor que os seres sentem é causado por aquilo que foi feito no
passado, então o Tathagata com certeza deve ter cometido boas ações no passado,
visto que ele agora sente essas sensações prazerosas imaculadas.
(2) “Se o
prazer e a dor que os seres sentem é causado pela ação criadora de um Deus
Supremo, então o Tathagata com certeza deve ter sido criado por um Deus Supremo
benevolente, visto que ele agora sente essas sensações prazerosas imaculadas.
(3) “Se o
prazer e a dor que os seres sentem é causado pelas circunstâncias e pela
natureza, então o Tathagata com certeza deve ter boa sorte, visto que ele agora
sente essas sensações prazerosas imaculadas.
(4) “Se o
prazer e a dor que os seres sentem é causado pela classe [dentre as seis
classes de nascimento], então o Tathagata
com certeza deve pertencer a uma classe boa, visto que ele agora sente
essas sensações prazerosas imaculadas.
(5) “Se o
prazer e a dor que os seres sentem é causado pelo esforço aqui e agora, então o
Tathagata com certeza deve se esforçar bem aqui e agora, visto que ele agora
sente essas sensações prazerosas imaculadas.
(6) “Se o
prazer e a dor que os seres sentem é causado por aquilo que foi feito no
passado, então o Tathagata deve ser elogiado; se não, então ainda assim o
Tathagata deve ser elogiado.
(7) Se o
prazer e a dor que os seres sentem é causado pela ação criadora de um Deus
Supremo, então o Tathagata deve ser elogiado; se não, então ainda assim o
Tathagata deve ser elogiado.
(8) “Se o
prazer e a dor que os seres sentem é causado pelo acaso, então o Tathagata deve
ser elogiado; se não, então ainda assim o Tathagata deve ser elogiado.
(9) “Se o
prazer e a dor que os seres sentem é causado pela classe, então o Tathagata
deve ser elogiado; se não, então ainda assim o Tathagata deve ser elogiado.
(10) “Se o
prazer e a dor que os seres sentem é causado pelo esforço aqui e agora, então o
Tathagata deve ser elogiado; se não, então ainda assim o Tathagata deve ser
elogiado."
Assim fala
o Tathagata, bhikkhus. E porque o Tathagata fala assim, essas são as dez
deduções legítimas das suas afirmativas que proporcionam motivo suficiente para
elogiá-lo.”
Isso foi o
que disse o Abençoado. Os bhikkhus ficaram satisfeitos e contentes com as
palavras do Abençoado.
Notas:
Veja o comentário de Ajaan Thanissaro.
[1] Esta doutrina que aqui é atribuída aos
Jainistas, também é criticada pelo Buda no SN XXXVI.21
e AN III.61. O ensinamento do Buda reconhece a
existência de sensações que não são resultado de ações passadas, mas um
concomitante de ações presentes e também admite sensações que nem são ativas do
ponto de vista de produzir kamma, nem resultado de kamma. [Retorna]
[2] Deste ponto até o verso 5, “Sendo
assim...,” também aparece no MN 14.17-19. A
afirmação de Nigantha Nataputta, que no MN 14.17 apresenta a posição dos
Niganthas, aqui ocorre depois, no verso 10, como justificativa para a afirmação
dos Niganthas. [Retorna]
[3] Igual ao MN
95.14. [Retorna]
[4] Não é apropriado que eles façam essa
afirmação porque o “esforço intenso,” isto é, as suas práticas ascéticas, são a
causa das sensações dolorosas, afirmado pelo Buda no verso 14. [Retorna]
[5] Esta é uma expressão técnica para uma ação
que irá produzir seus frutos na vida presente. [Retorna]
[6] MA: “Uma ação [cujo resultado] é para ser
experimentado numa personalidade madura” é um sinônimo para uma ação [cujo
resultado] é para ser experimentado aqui e agora. “Uma ação [cujo resultado] é
para ser experimentado numa personalidade imatura” é um sinônimo para uma ação
[cujo resultado] é para ser experimentado na vida seguinte. Mas uma
especificação é feita da seguinte forma: qualquer ação que produza o seu
resultado na mesma vida é para ser experimentada aqui e agora, mas somente uma
ação que produza o seu resultado dentro de sete dias é chamada de uma ação para
ser experimentada numa personalidade madura. [Retorna]
[7] Esta é uma ação que não obtém a
oportunidade para produzir o seu resultado e dessa forma se torna extinta. [Retorna]
[8] Issaranimmanahetu. Esta doutrina
dos teístas é criticada pelo Buda no AN III.61. [Retorna]
[9] Sangatibhavahetu. Isto alude à
doutrina de Makkhali Gosala, criticada em detalhe no MN
60.21 e AN III.61. [Retorna]
[10] Abhijatihetu. Isto também se
refere a uma afirmação de Makkhali Gosala. [Retorna]
[11] Esta é uma formulação do Caminho do Meio
do Buda, que evita os extremos da mortificação sem cair no outro extremo da
entrega aos prazeres sensuais. [Retorna]
[12] MA explica que a fonte do sofrimento é o
desejo, porque é a raiz do sofrimento compreendida nos cinco agregados. O
trecho mostra duas abordagens alternativas para a superação do desejo – uma
empregando o esforço e outra
empregando a equanimidade desapegada. O “desaparecimento” da fonte é
identificado por MA com o caminho supramundano. É dito que o trecho ilustra a
prática de alguém que avança por um caminho prazeroso com a rápida obtenção do
conhecimento direto (sukhapatipada khippabhiña). [Retorna]
[13] Este trecho é apresentado para mostrar as
razões do Buda para permitir que os bhikkhus adotassem as práticas ascéticas, (dhutanga):
o uso moderado de práticas austeras auxilia na eliminação das impurezas. Mas
estas não são adotadas para desgastar o kamma passado e para purificar a alma,
tal como sustentado pelos Jainistas e outras seitas ascéticas. MA diz que este
trecho ilustra a prática de alguém que avança por um caminho difícil, com uma
lenta obtenção do conhecimento direto, (dukkhapatipada dandhabhiña). [Retorna]
Revisado: 21 Fevereiro 2008
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