Majjhima Nikaya 14
Culadukkhakkhandha Sutta
O Pequeno Discurso da Massa de Sofrimento
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1. Assim
ouvi. Em certa ocasião o Abençoado estava entre os Sakyas, em Kapilavatthu, no
Parque de Nigrodha.
2. Então o
Sakya Mahanama [1] foi até o Abençoado e depois de cumprimentá-lo sentou a um lado e
disse: “Venerável senhor, faz muito tempo compreendi o Dhamma ensinado pelo
Abençoado assim: ‘Cobiça é uma imperfeição que contamina a mente, raiva é uma
imperfeição que contamina a mente, delusão é uma imperfeição que contamina a
mente.’ Mas apesar de entender assim o Dhamma ensinado pelo Abençoado, certas vezes
estados de cobiça, raiva e delusão invadem a minha mente e permanecem. Eu tenho
me perguntado, venerável senhor, que estado no meu interior ainda não foi
abandonado por mim, devido ao qual, certas vezes, estados de cobiça, raiva e
delusão invadem a minha mente e
permanecem.” [2]
3. “Mahanama, existe ainda um estado no seu interior não abandonado por
você, devido ao qual, certas vezes, estados de cobiça, raiva e delusão invadem
a sua mente e permanecem; pois se esse estado no seu interior já tivesse sido
abandonado, você não estaria vivendo a vida em família, você não estaria
gozando dos prazeres sensuais.[3] É pelo fato desse estado no seu interior não ter sido
abandonado que você está vivendo a vida em família e gozando dos prazeres
sensuais.
4. “Embora
um nobre discípulo tenha visto com clareza como na verdade é, com correta
sabedoria, que os prazeres sensuais oferecem pouca satisfação, muito sofrimento
e muito desespero, e que tão grande perigo existe neles, enquanto ele não tiver
alcançado o êxtase e prazer que estão afastados dos prazeres sensuais, afastados
dos estados prejudiciais, ou algo ainda mais pleno de paz do que isso, ele
ainda poderá ser atraído pelos prazeres sensuais. [4] Mas quando um nobre discípulo
tiver visto com clareza como na verdade é, com correta sabedoria, que os
prazeres sensuais oferecem pouca satisfação, muito sofrimento e muito
desespero, e que tão grande perigo existe neles, e tiver alcançado o êxtase e
prazer que estão afastados dos prazeres sensuais, afastados dos estados
prejudiciais, ou algo ainda mais pleno de paz do que isso, ele não será mais
atraído pelos prazeres sensuais.
5. “Antes da
minha iluminação, quando eu ainda era apenas um Bodisatva não iluminado, eu
também vi com clareza como na verdade é, com correta sabedoria, que os prazeres
sensuais oferecem pouca satisfação, muito sofrimento e muito desespero, e que
tão grande perigo existe neles, mas enquanto eu não alcancei o êxtase e prazer que estão afastados dos prazeres
sensuais, afastados dos estados prejudiciais, ou algo ainda mais pleno de paz
do que isso, eu reconheci que ainda poderia ser atraído pelos prazeres
sensuais. Mas quando eu vi com clareza como na verdade é, com correta sabedoria,
que os prazeres sensuais oferecem pouca satisfação, muito sofrimento e muito
desespero, e que tão grande perigo existe neles, e quando eu alcancei o êxtase
e prazer que estão afastados dos prazeres sensuais, afastados dos estados
prejudiciais, ou algo ainda mais pleno de paz do que isso, eu reconheci que não
era mais atraído pelos prazeres sensuais.
6-14. “E
qual é a gratificação no caso dos prazeres sensuais? Mahanama, existem esses
cinco elementos do prazer sensual ... (igual ao MN 13, versos 7-15) ... Agora esse também é um perigo no
caso dos prazeres sensuais, uma massa de sofrimento na vida que está por vir,
tendo o prazer sensual como condição, tendo o prazer sensual como fonte, tendo o
prazer sensual como base, tendo como causa, simplesmente, os prazeres sensuais.
15. “Agora,
Mahanama, em certa ocasião eu estava em Rajagaha no Pico do Abutre.
Naquela ocasião muitos Niganthas que estavam na Rocha Negra nas
encostas do Isigili praticavam o ficar em pé de forma contínua,
rejeitando os assentos, experimentando sensações dolorosas,
torturantes, penetrantes devido ao esforço. [5]
16. “Então, ao anoitecer, levantei da meditação e fui até os Niganthas e
lhes perguntei: ‘Amigos, porque vocês praticam o ficar em pé de forma contínua,
rejeitando os assentos, e experimentam sensações dolorosas, torturantes,
penetrantes devido ao esforço?’
17. “Quando isso foi dito, eles responderam: ‘Amigo, o Nigantha
Nataputta é onisciente e capaz de ver tudo, e reivindica ter conhecimento
completo e visão desta forma: “Quer eu esteja caminhando ou em pé, ou dormindo,
ou desperto, o conhecimento e visão estão presentes em mim de forma contínua e
ininterrupta.” Ele diz o seguinte: ‘Niganthas, vocês cometeram más ações no
passado, vocês têm que esgotá-las com a realização de austeridades penetrantes.
E só quando vocês estão aqui e agora com o corpo, linguagem e mente contidos, é
que não estão cometendo más ações para o futuro. Assim, aniquilando através do
ascetismo as ações passadas e não cometendo novas ações, não haverá
conseqüência no futuro. Sem conseqüência no futuro, ocorre a destruição da
ação. Com a destruição da ação, ocorre a destruição do sofrimento. Com a
destruição do sofrimento, ocorre a destruição da sensação. Com a destruição da
sensação, todo o sofrimento será extinto.” Essa é a doutrina que nós aprovamos
e aceitamos e estamos satisfeitos com ela.’
18. “Quando
isso foi dito, eu lhes disse: ‘Mas, amigos, vocês sabem que existiram no
passado, e que não é o caso que não
existiram? – ‘Não, amigo.’ – ‘Mas, amigos, vocês sabem que cometeram más ações
no passado e não se abstiveram delas?’ – ‘Não, amigo,’ – ‘Mas, amigos, vocês
sabem que cometeram tais e tais más ações?’ – ‘Não, amigo.’ – ‘Mas, amigos,
vocês sabem qual o tanto de sofrimento que já foi extinto ou o tanto de
sofrimento que ainda falta ser extinto, ou que quando este tanto de sofrimento
for extinto todo o sofrimento terá sido extinto?’ – ‘Não, amigo.’ – ‘Mas,
amigos, vocês sabem o que é, no aqui e agora, o abandono de estados
prejudiciais e o que é o cultivo de estados benéficos?’ – ‘Não, amigo.’
19.
“’Portanto amigos, parece que vocês não sabem que existiram no passado e que
não é o caso que não existiram; ou que cometeram más ações no passado e não se
abstiveram delas; ou que cometeram tais e tais más ações; ou que tanto
sofrimento já foi extinto, ou que tanto sofrimento falta ser extinto, ou
que quando este tanto de sofrimento for extinto todo o sofrimento terá sido
extinto; ou o que é, no aqui e agora, o
abandono de estados prejudiciais e o que é o cultivo de estados benéficos. Em
sendo assim, aqueles que são assassinos, com as mãos manchadas de sangue, que
cometem o mal no mundo, quando renascem entre os seres humanos, seguem a vida
santa como Niganthas.’ [6]
20.”’Amigo Gotama, o prazer não é obtido
através do prazer; o prazer é obtido através da dor. Pois se o prazer fosse
obtido através do prazer, então o Rei Seniya Bimbisara de Magadha obteria
prazer, já que ele vive com mais prazer que o venerável Gotama.’
“’Com
certeza os veneráveis Niganthas pronunciaram essas palavras de forma imprudente
e sem reflexão. Ao invés disso sou eu quem deveria ser perguntado: “Quem vive
com mais prazer, o Rei Seniya Bimbisara de Magadha ou o venerável Gotama?’”
“’Com
certeza, amigo Gotama, nós pronunciamos essas palavras de forma imprudente e
sem reflexão. Mas deixe estar. Nós agora perguntamos ao venerável Gotama: Quem
vive com mais prazer, o Rei Seniya Bimbisara de Magadha ou o venerável Gotama?’
21.
“’Então, amigos, eu lhes farei uma pergunta em retorno. Respondam como
quiserem. O que vocês pensam, amigos? O Rei Seniya Bimbisara de Magadha é capaz
de experimentar o máximo do prazer, permanecendo sem mover o corpo ou dizer uma
palavra durante sete dias e noites?’ – ‘Não, amigo.’ – ‘O Rei Seniya Bimbisara
de Magadha é capaz de experimentar o máximo do prazer, permanecendo sem mover o
corpo ou dizer uma palavra durante seis, cinco, quatro, três, dois dias e
noites? ... durante um dia e noite?’ – ‘Não, amigo.’
22. “’Mas,
amigos eu sou capaz de experimentar o máximo do prazer, permanecendo sem mover
o corpo ou dizer uma palavra durante um dia e noite ... durante dois, três, quatro,
cinco e seis dias e noites ... durante sete dias e noites.[7] O que vocês pensam, amigos? Em
sendo assim, quem vive com maior prazer, o Rei Seniya Bimbisara de Magadha ou
eu?’
“’Em sendo
assim, o venerável Gotama vive com maior prazer que o Rei Seniya Bimbisara de
Magadha.’”
Isso foi o
que disse o Abençoado. O Sakya Mahanama ficou satisfeito e contente com as
palavras do Abençoado.
Notas:
[1] O Sakya Mahanama era primo do Buda e irmão dos veneráveis Anuruddha
e Ananda. Ele preferiu permanecer como chefe de família permitindo que
Anuruddha se tornasse um bhikkhu. [Retorna]
[2] De acordo com MA, Mahanama havia realizado o fruto do ‘que retorna
uma vez’ fazia muito tempo. Esse fruto apenas enfraquece a raiva e a delusão
sem no entanto erradicá-las. MA diz que ele tinha a noção equivocada de que a
cobiça, raiva e delusão eram eliminadas ao alcançar o caminho do que retorna
uma vez. Assim, ao ver que elas ainda surgiam na sua mente, compreendeu que
elas não haviam sido abandonadas e questionou o Buda das razões para o seu
surgimento. Os Nobres discípulos podem se enganar quanto a quais contaminações são
abandonadas por qual caminho supramundano. [Retorna]
[3] Da discussão que segue sobre os perigos dos prazeres sensuais,
parece que o “estado” (dhamma) não abandonado por Mahanama era o desejo
sensual, que o mantinha preso à vida em família e ao gozo dos prazeres
sensuais.[Retorna]
[4] MA: O “êxtase e prazer que estão afastados dos prazeres sensuais” é o
êxtase e prazer que pertencem ao primeiro e segundo jhanas; os estados “ainda
mais plenos de paz do que isso” são os jhanas mais elevados. Por este trecho
parece que um discípulo pode até mesmo alcançar os frutos do segundo caminho supramundano
(que retorna uma vez) sem ter realizado os jhanas mundanos.[Retorna]
[5] Os Niganthas ou Jainistas, discípulos
do mestre Nigantha Nataputta (também conhecido como Mahavira), enfatizavam a
prática de austeridades para desgastar o kamma ruim acumulado. O propósito
deste trecho, de acordo com MA, é mostrar a escapatória, que não havia sido
mostrada antes junto com a satisfação e o perigo dos prazeres sensuais. O Buda
usa a prática ascética dos Jainistas para demonstrar que o seu ensinamento é um
“Caminho do Meio” entre os dois extremos, o da entrega aos prazeres sensuais e
o da mortificação. [Retorna]
[6] Os Jainistas tinham a idéia que qualquer coisa que a pessoa
experimentasse seria causado por kamma passado. Se fosse assim, diz o Buda, as
dores intensas às quais eles se submetiam como parte da disciplina ascética
teriam que estar enraizadas em ações inábeis cometidas em vidas passadas. [Retorna]
[7] MA: Isto se refere ao prazer experimentado com a realização do fruto do estado de arahant, (arahattaphalasamapatti). [Retorna]
Revisado: 10 Junho 2005
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