II. Compêndio dos Fatores Mentais (Cetasika)
O segundo
capítulo do Abhidhammattha Sangaha é dedicado à análise de cetasika,
fatores mentais, a segunda das quatro realidades últimas. Os cetasikas são
fenômenos mentais que ocorrem em conjunção imediata com citta ou
consciência e assistem citta realizando tarefas mais específicas no ato
completo da cognição. Os fatores mentais não surgem sem citta, nem citta
pode surgir segregada dos fatores mentais. Mas embora ambos sejam
funcionalmente interdependentes, citta é considerada como fator primário
porque os fatores mentais ajudam na cognição do objeto na dependência de
citta, que é o principal elemento cognitivo. A relação entre citta e
os cetasikas é comparada com aquela de um rei e o seu séquito. Embora
alguém diga “o rei está vindo,” o rei não vem só, ele sempre vem acompanhado do
seu séquito. De modo semelhante, sempre que uma citta surge, ela nunca
surge só, pois está sempre acompanhada pelo seu séquito de cetasikas.
Os cetasikas
compartem quatro características em comum:
1. surgem junto com a consciência
2. cessam junto com a consciência
3. possuem o mesmo objeto que a
consciência
4. possuem a mesma base que a
consciência
Os Cinqüenta e Dois Fatores Mentais
O
Abhidhamma reconhece 52 fatores mentais que estão classificados em quatro
categorias:
7 universais
6 ocasionais
14 fatores insalubres
25 fatores belos
A tabela
abaixo lista os 52 fatores mentais:
1.
Variáveis sob o ponto de vista ético
1.1 Universais
(1) Contato
(2) Sensação
(3) Percepção
(5) Unicidade num único ponto
(6) Faculdade vital
(7) Atenção
1.2 Ocasionais
(8) Pensamento aplicado
(9) Pensamento sustentado
(10) Decisão sustentado
(11) Energia
(12) Êxtase
(13) Aspiração
2. Fatores Insalubres
2.1 Universais insalubres
(14) Delusão
(15) Ausência de
vergonha moral
(16) Destemor moral
(17) Inquietação
2.2 Ocasionais Insalubres
(18) Cobiça
(19) Entendimento
Incorreto
(20) Presunção
(21) Raiva
(22) Inveja
(23) Avareza
(24) Ansiedade
(25) Preguiça
(26) Torpor
(27) Dúvida
3. Fatores Belos
3.1 Universais belos
(28) Convicção
(29) Atenção Plena
(30) Vergonha moral
(31) Temor moral
(32) Não-cobiça
(33) Não-raiva
(34) Neutralidade mental
(35) Tranqüilidade do
corpo mental
(36) Tranqüilidade da
consciência
(37) Leveza do corpo
mental
(38) Leveza da
consciência
(39) Maleabilidade do
corpo mental
(40) Maleabilidade da
consciência
(41) Manuseabilidade do
corpo mental
(42) Manuseabilidade da
consciência
(43) Proficiência do
corpo mental
(44) Proficiência da
consciência
(45) Retidão do corpo
mental
(46) Retidão da
consciência
3.2 Abstinências
(47) Linguagem correta
(48) Ação correta
(49) Modo de Vida
correto
3.3 Ilimitados
(50) Compaixão
(51) Alegria altruísta
3.4 Não-delusão
(52) Faculdade da sabedoria
1. Variáveis sob o ponto de vista ético (aññasamanacetasika)
As
primeiras duas categorias de fatores mentais – os sete universais e os seis
ocasionais – são denominados aññasamana que é interpretado como
“variável sob o ponto de vista ético.” Literalmente, a expressão quer dizer
“comum aos demais.” As cittas não-belas são chamadas de “outras” (añña)
em relação às cittas belas, e as cittas belas são chamadas de
outras em relação às cittas não-belas. Os treze cetasikas das
duas primeiras categorias são comuns, (samana), a ambos os cetasikas,
belos e não-belos e assumem a qualidade ética transmitida para a citta
pelos demais cetasikas, particularmente pelas raízes, (hetu),
associadas.
1.1 Universais (sabbacittasadharana)
Esses sete
universais são os cetasikas comuns a todas as consciências. Estes
fatores desempenham as funções cognitivas mais rudimentares e essenciais, sem
as quais a consciência de um objeto seria absolutamente impossível.
(1)
Contato, (phassa): A palavra phassa é derivada do verbo phusati
que significa “tocar,” mas o contato não deve ser compreendido como o mero
impacto do objeto na faculdade do sentido. Ele é na verdade o fator mental
através do qual a consciência mentalmente “toca” o objeto que tenha surgido, dessa
forma dando início a todo o evento cognitivo.
(2)
Sensação, (vedana): Sensação é o fator mental que sente o objeto: é o
tom emocional com o qual o objeto é experimentado. Assim, vedana é um
tipo de julgamento, não sob a forma intelectual mas sob um critério subjetivo
de aceitação, rejeição ou indiferença. A natureza da sensação em si não pode
ser definida porque toda definição tem que ser dada intelectualmente e o
intelecto e as sensações não são comensuráveis. Dessa forma as sensações
possuem um certo caráter autônomo, indicado pelo símile de um rei que devido
à virtude da sua nobreza, habilidade e
maestria, saboreia e desfruta de toda a refeição preparada por outros, e já que
cada cozinheiro esteve apenas parcialmente envolvido na preparação da refeição,
eles não são capazes de se dar conta disso. Ou seja, vedana desfruta o
sabor do objeto de forma plena e completa. A palavra em Pali vedana não
significa emoção, (que é um fenômeno complexo envolvendo vários fatores mentais
concomitantes), mas a qualidade emocional básica de uma experiência, que pode
ser prazerosa, dolorosa ou neutra.
(3)
Percepção, (sañña): O sufixo “ñña” pode ser interpretado como
conhecimento enquanto que “sa” significa juntar/reunir ou seja “juntar
aquilo que conhecemos.” A característica de sañña é perceber as
qualidades de um objeto. A sua função é fazer uma marca ou sinal como condição para
perceber, numa outra ocasião, que “é a mesma coisa,” ou, a sua função é
reconhecer aquilo já que havia sido percebido antes. Ela se manifesta ao interpretar
o objeto através das marcas ou sinais que foram compreendidos. O seu
procedimento se compara ao do carpinteiro que reconhece os tipos de madeira
pelas distintas marcas que fez nelas.
(4) Volição
ou intenção, (cetana): Cetana, que possui a mesma raiz que citta,
é o fator mental que está relacionado com a realização de um objetivo ou de um
determinado resultado. Sua função é estimular ou dirigir os demais cetasikas
numa certa direção. Pode ser comparado a
um comandante numa batalha, que ao começar a lutar, estimula os seus comandados
a lutarem também, assim ao realizar a sua tarefa em relação ao objeto, cetana
faz com que os cetasikas associados também cumpram o seu papel. Volição
ou intenção é o fator mental mais significativo na geração de kamma.
(5)
Unicidade num único ponto, (ekaggata): a unificação da mente no objeto.
Embora este fator ganhe proeminência nos jhanas, onde ele funciona como
um fator de jhana, o Abhidhamma ensina que o germe da capacidade para a
unificação da mente está presente em todos os tipos de consciência, até mesmo
nos mais rudimentares. A sua função é fixar a mente no seu objeto. A sua
característica é a não-distração.
(6)
Faculdade vital, (jivitindriya): Existem dois tipos de faculdade vital,
a mental, que vitaliza ou mantém os fenômenos mentais associados, e a física,
que vitaliza ou mantém os fenômenos materiais. A sua função é fazer com que os
fenômenos ocorram.
(7)
Atenção, (manasikara): A atenção é o fator mental que tem a responsabilidade
de advertir a mente para o objeto, fazendo com que ele se torne presente para a
consciência. A sua característica é a condução dos fatores mentais associados
para o objeto. A sua função é unir os fatores mentais associados ao objeto. A
atenção é como o leme de um barco, que o conduz ao seu destino, ou como um
condutor de uma carruagem que conduz os cavalos, (fatores mentais ), ao seu
destino, (o objeto). Manasikara deve ser diferenciado de vitakka:
enquanto que o primeiro dirige os seus concomitantes em direção ao objeto, o
último os aplica ao objeto. Manasikara é um fator cognitivo
indispensável presente em todos os estados de consciência; vitakka é um
fator especializado que não é indispensável para a cognição.
1.2 Ocasionais (pakinnaka)
Os seis cetasikas
deste grupo são semelhantes aos universais por serem fatores variáveis sob o
ponto de vista ético, que assumem a qualidade moral da citta,
determinada por outros fatores concomintantes. Eles diferem dos universais por
serem encontrados apenas em tipos particulares de consciência, não em todas.
(8)
Pensamento aplicado, (vitakka): Nos suttas, vitakka é com
freqüência usado como sinônimo para pensamento, mas no Abhidhamma ele é usado
de um modo tecnicamente mais preciso significando o fator mental que aplica a
mente ao objeto. A sua característica é dirigir a mente para o objeto. Vitakka
pode ser comparado a uma pessoa que tem amizade ou é parente do rei e
estabelece uma conexão entre o rei e uma outra pessoa que quer se encontrar com
ele. Quando é cultivado através da concentração, vitakka se torna um dos
fatores de jhana, (inibindo o obstáculo da preguiça e torpor), é a
absorção da mente no objeto. Vitakka também é chamado sankappa, e
sammasankappa, (pensamento correto), é o segundo elemento do Nobre
Caminho Óctuplo.
(9)
Pensamento sustentado, (vicara): A palavra vicara em geral
significa investigação, mas neste caso significa a sustentação da
mente no objeto. Vicara também é um fator de jhana, (inibindo o
obstáculo da dúvida), e tem como característica a pressão contínua sobre o
objeto no sentido de examiná-lo. A sua função é a sustentação dos
fatores mentais associados ao objeto. Os comentários empregam vários símiles
para mostrar a relação entre vitakka e vicara. Vitakka é
como uma abelha mergulhando em direção a uma flor, enquanto que vicara é
a abelha zumbindo em volta da flor. Vitakka é como a mão que segura uma
peça de metal manchada, vicara é como a outra mão que limpa a peça. Ou vitakka
é como a ponta de um compasso fixa no meio da folha de papel enquanto que vicara
é a ponta que desenha o círculo.
(10)
Decisão, (adhimokkha): A palavra adhimokkha significa
literalmente a deliberação da mente em relação ao objeto. Assim foi
interpretada como decisão ou resolução. Possui a característica da decisão. É
comparada a uma pilastra de pedra devido à sua decisão inabalável em relação ao
objeto.
(11)
Energia, (viryia): Viriya é o estado ou a ação de alguém que
tenha vigor. A energia tem a natureza da perseverança. A energia suporta e
mantém os demais fatores associados e não permite que eles esmoreçam. Da mesma
forma como pilastras novas de madeira não permitem que a casa desabe ou como
reforços numa batalha permitem que o exército do rei derrote o inimigo.
(12)
Êxtase, (piti): Piti é derivado do verbo pinayati
significando “refrescar” e pode ser explicado como o deleite ou prazer em
relação ao objeto. Piti se diferencia de vedana por ser uma
sensação agradável intensa com distintos estímulos no corpo físico. A tradução
mais freqüente é êxtase, que é uma qualificação adequada quando ele é um dos
fatores de jhana, mas que pode não ser suficientemente ampla para
capturar todas as suas nuances. Os comentários distinguem cinco graus de piti
que surgem ao desenvolver a concentração: êxtase menor, êxtase momentâneo,
êxtase como uma ducha, êxtase que causa elação e êxtase impregnante. O êxtase
menor pode fazer subir os pêlos do corpo. Êxtase momentâneo é igual a lampejos
de relâmpagos. Êxtase como ducha atravessa o corpo como ondas do oceano. Êxtase
que causa elação pode fazer o corpo levitar. E o êxtase impregnante que inunda
todo o corpo como numa inundação que enche uma caverna. Este último é piti
tal como se apresenta em jhana. Como um fator de jhana, piti
inibe o obstáculo da má vontade.
(13)
Aspiração, (chanda): Chanda significa o desejo de agir, isto é,
realizar uma ação ou lograr um resultado. Aqui foi traduzido como aspiração
para diferenciar do desejo, (tanha), e cobiça, (lobha). Estes
dois últimos são sempre insalubres, (inábeis), mas chanda é um fator
variável sob o ponto de vista ético, que quando combinado com concomitantes
saudáveis pode funcionar como o desejo virtuoso de lograr um objetivo digno.
2. Fatores Insalubres (akusalacetasika)
2.1 Universais Insalubres
(14)
Delusão, (moha): Moha é um sinônimo de avijja, ignorância. A sua
característica é a cegueira mental ou o desconhecimento (aññana). A sua
função é não penetrar ou encobrir a real natureza do objeto. A sua manifestação
é a ausência do entendimento correto ou como obscuridade mental. A sua causa
mais próxima é a atenção sem sabedoria, (ayoniso manasikara). Moha
deve ser vista como a raiz de tudo aquilo que é insalubre.
(15, 16)
Ausência de vergonha moral ou de cometer transgressões, (ahirika),
e ausência de temor moral ou de cometer transgressões, (anottappa):
A característica da ausência de vergonha de cometer
transgressões é a falta de auto-respeito, aquilo que nos refreia de cometer atos que colocariam
em risco o respeito que temos por nós mesmos; a característica da ausência de temor de cometer transgressões, é a
falta de temor dos resultados de kamma desfavoráveis e da crítica e da punição imposta por outros.
Ambas possuem a função de praticar ações insalubres. A sua causa mais próxima é
a falta de respeito por si mesmo e pelos outros, respectivamente.
(17)
Inquietação, (uddhacca): Inquietação, (ou agitação), possui como
característica a intranqüilidade, como a água agitada pelo vento. A sua função
é fazer com que a mente fique desequilibrada.
2.2 Ocasionais Insalubres
(18)
Cobiça, (lobha): Cobiça, a primeira raiz insalubre, abrange todas as
graduações de desejo egoísta, anseio, ligação sentimental e apego. A sua
característica é agarrar-se ao objeto. A sua função é grudar, como a carne que
gruda numa frigideira quente.
(19)
Entendimento Incorreto, (ditthi): Ditthi neste caso significa ver
de modo incorreto. A sua característica é a interpretação das coisas sem
sabedoria. A sua função é pressupor. A sua manifestação é a crença ou
interpretação incorreta.
(20)
Presunção, (mana): Presunção tem a característica da arrogância. A sua
função é a auto-exaltação. A sua manifestação é o orgulho.
(21) Raiva,
(dosa): Dosa, a segunda raiz insalubre, compreende todas as
graduações da aversão, má vontade, raiva, irritação, aborrecimento e
animosidade.
(22)
Inveja, (issa): A inveja tem como característica o ciúme do sucesso dos
outros. A sua função é estar insatisfeito com o sucesso dos outros. Ela se
manifesta como aversão a isso.
(23)
Avareza, (macchariya): A característica da avareza é ocultar o próprio
sucesso. A sua função é não tolerar compartí-lo com os outros.
(24)
Ansiedade, (kukkucca): Kukkucca é a preocupação, remorso,
arrependimento com relação a coisas feitas de modo incorreto e coisas corretas que foram negligenciadas. A sua característica é o
arrependimento. A sua função é causar tristeza em relação ao que foi feito
e ao que não foi feito. Ela se manifesta como remorso.
(25)
Preguiça, (thina): Preguiça é a indolência ou entorpecimento. A
sua característica é a falta de energia. A sua função é dissipar energia. Ela
se manifesta como o afundamento da mente. A sua causa mais próxima é a atenção
sem sabedoria em relação ao tédio, entorpecimento, etc.
(26)
Torpor, (middha): Torpor é o estado deprimido dos fatores mentais. A sua
função é oprimir. A sua causa mais próxima é a mesma da preguiça.
Preguiça e
torpor sempre ocorrem em conjunto e são opostos à energia. A preguiça é
identificada como a enfermidade da consciência e o torpor como a enfermidade
dos fatores mentais. Como um par, eles constituem um dos cinco obstáculos que é
superado pelo pensamento aplicado, (vitakka).
(27)
Dúvida, (vicikiccha): Neste caso significa dúvida espiritual, sob a perspectiva
Budista, a incapacidade de depositar confiança no Buda, Dhamma e Sangha e no
treinamento Budista. Ela se manifesta como indecisão e a toma de vários
partidos. A sua causa mais próxima é a atenção sem sabedoria.
3. Fatores Belos (sobhanasadharana)
Os fatores
mentais belos estão subdivididos em quatro grupos, sendo que o primeiro inclui
dezenove cetasikas que estão sempre presentes em todas as consciências
belas.
3.1 Universais Belos
(28)
Convicção, (saddha): O primeiro dos cetasikas belos é a convicção,
fé, certeza, reverência, respeito, que possui a característica de depositar fé
ou confiança. A sua função é aclarar, como uma substância que clarifica a água e faz
com que a água barrenta se torne clara; ou colocar-se a caminho, como alguém
que se ponha a caminho para cruzar uma correnteza. Ela se manifesta como não
obscuridade, isto é, a remoção das impurezas da mente e de todos os obstáculos.
(29)
Atenção Plena, (sati): A palavra sati é derivada de uma raiz que
significa “memória,” mas como fator mental significa presença de espírito,
estar atento ao presente, ao invés da faculdade da memória em relação ao
passado. A sua característica é a não vacilação, isto é, não se afastar do
objeto. A sua função é a ausência de confusão ou não-esquecimento. A sua causa
mais próxima é a percepção intensa ou os quatro fundamentos da atenção plena.
(30, 31)
Vergonha moral ou de cometer transgressões, (hiri), e temor moral ou de cometer transgressões, (ottappa):
Hiri equivale à vergonha de cometer transgressões ou o auto-respeito, aquilo que nos refreia de
cometer atos que colocariam em risco o respeito que temos por nós mesmos; ottappa equivale ao temor de cometer
transgressões que produzam resultados de kamma desfavoráveis ou o temor da crítica e da punição imposta por outros.
A sua causa mais próxima é o auto-respeito e o respeito pelos
outros, respectivamente. Esses dois estados são chamados pelo Buda de guardiões
do mundo porque eles protegem o mundo evitando que ele caia na imoralidade
desenfreada.
(32)
Não-cobiça, (alobha): A não-cobiça tem como característica a ausência de
desejo na mente, ou de não aderência ao objeto, como uma gota d’água numa flor
de lótus. A sua função é não segurar e a sua manifestação é o desapego. Deve
ser compreendido que a não-cobiça não é a mera ausência de cobiça, mas a
presença de qualidades positivas como a generosidade e a renúncia também.
(33)
Não-raiva, (adosa): A não-raiva tem como característica a ausência de
ferocidade, ou não-oposição. A sua função é remover o aborrecimento ou remover
a febre. A não-raiva compreende qualidades positivas como amor bondade,
gentileza, amizade, etc.
Quando a
não-raiva aparece como qualidade sublime de amor bondade, (metta), ela
tem como característica a promoção do bem estar dos seres vivos. A sua função é
dar preferência ao bem estar dos outros. A sua manifestação é a remoção da má
vontade. A sua causa mais próxima é ver os seres como passíveis de serem
amados.
(34)
Neutralidade mental, (tatramajjhattata): É um sinônimo para
equanimidade, (upekkha), não como uma sensação neutra, mas uma atitude
mental de equilíbrio, desapego e imparcialidade.
Os próximos
doze cetasikas universais se encaixam dentro de seis pares, cada um
contendo um termo que se aplica ao “corpo mental”, (kaya), e outro que
se aplica à consciência, (citta). Neste contexto o corpo mental é a
coleção dos cetasikas associados, chamados de corpo no sentido de
agregação.
(35, 36)
Tranqüilidade, (passaddhi): Tem como característica acalmar as
perturbações no corpo mental e na consciência. Deve ser considerado como o
oposto das contaminações, inquietação e ansiedade, que causam aflição.
(37, 38)
Leveza, (lahuta): Tem como característica aplacar o peso no corpo mental
e na consciência. Ela se sua manifesta
como não- indolência. Deve ser considerada como o oposto das contaminações
preguiça e torpor que causam peso.
(39, 40)
Maleabilidade, (muduta): Tem como característica aplacar a rigidez no
corpo mental e na consciência. Ela se manifesta como não-resistência. Deve ser
considerada como o oposto das contaminações das idéias incorretas e presunção,
que criam rigidez.
(41, 42)
Manuseabilidade,(kammaññata): Tem como característica aplacar a falta de
manuseabilidade no corpo mental e na consciência. Deve ser considerada como o
oposto dos demais obstáculos que criam a falta de manuseabilidade no corpo
mental e na consciência.
(43, 44)
Proficiência, (paguññata): Tem como característica a saúde do corpo
mental e da consciência. A sua manifestação é como a ausência de deficiência.
Deve ser considerada como o oposto à falta de convicção que provoca a
insalubridade do corpo mental e da consciência..
(45, 46)
Retidão, (ujjukata): Tem como característica a integridade do corpo
mental e da consciência. Deve ser considerada como o oposto à hipocrisia e à
fraude que criam a desonestidade no corpo mental e na consciência.
3.2 Abstinências (virati)
Os viratis
são três fatores mentais belos responsáveis pela abstinência deliberada de
conduta imprópria através da linguagem, ação e modo de vida. Na consciência
mundana, os viratis operam apenas no momento da existência da abstenção
de uma conduta imprópria e para a qual tenha surgido uma oportunidade. Quando
uma pessoa se abstém de atos impróprios, sem que tenha surgido uma oportunidade
para praticá-los, este não é um caso de virati, mas de pura conduta
moral (sila).
(47)
Linguagem Correta, (sammavaca): Abstenção deliberada da linguagem
incorreta: linguagem mentirosa, linguagem maliciosa, linguagem grosseira e
linguagem frívola.
(48) Ação
Correta, (sammamammanta): Abstenção deliberada da conduta corporal
imprópria: matar, roubar e conduta sexual imprópria.
(49) Modo
de Vida Correto, (samma-ajiva): Abstenção deliberada do modo de vida
incorreto: lidar com venenos, substâncias embriagantes, armas, escravos,
animais para abate.
3.3 Ilimitados (appamanna)
Existem
quatro atitudes em relação aos seres vivos chamadas de ilimitadas porque elas
se aplicam a todos os seres vivos, e dessa forma possuem uma abrangência
potencial ilimitada. Os quatro estados ilimitados são amor bondade, (metta),
compaixão, (karuna), alegria altruísta, (mudita),e equanimidade,
(upekkha). Esses quatro também são chamados de moradas divinas, estados
divinos ou brahmaviharas.
Embora
sejam reconhecidos quatro estados ilimitados como as atitudes ideais em relação
aos demais seres, apenas dois – compaixão e alegria altruísta – estão incluídos
como cetasikas neste grupo dos ilimitados. Isso se deve ao fato de, como
foi visto, o amor bondade ser uma forma do cetasika adosa, não-raiva, e
a equanimidade ser uma forma do cetasika tatramajjhattata, neutralidade
da mente. Enquanto a não-raiva e a neutralidade da mente – fatores que suportam
o amor bondade e a equanimidade – estão presentes em todas as cittas belas,
os dois fatores do grupo dos ilimitados, (alegria altruísta e compaixão), estão
presentes apenas nas ocasiões em que as suas funções individuais são exercidas.
(50)
Compaixão, (karuna): Tem como característica promover a remoção do
sofrimento dos outros. A sua função é não ser capaz de tolerar o sofrimento dos
outros. Ela se manifesta como não crueldade.
(51)
Alegria altruísta, (mudita): Mudita tem como característica o
contentamento com o sucesso dos outros. A sua função é não ter inveja do
sucesso dos outros. Ela se manifesta como a eliminação da aversão.
3.4 Não-Delusão (amoha)
(52) A
faculdade da sabedoria: Pañña é
sabedoria ou a compreensão das coisas tal como elas na verdade são. É aqui
chamada de faculdade porque exerce predominância na compreensão das coisas como
elas na verdade são. No Abhidhamma, os três termos – sabedoria, (pañña), conhecimento,
(ñana) e não-delusão, (amoha) – são usados como sinônimos. A
sabedoria tem como característica apreender as coisas de acordo com a sua
característica intrínseca. A sua causa mais próxima é atenção com sabedoria, (yoniso
manasikara).
A seguir o
Abhidhammattha Sangaha detalha as associações e combinações dos fatores
mentais. Essa análise não faz parte do escopo deste trabalho. No entanto, a
título de ilustração daremos alguns exemplos abaixo.
Tomando os
exemplos mencionados no Capítulo I. Compêndio da
Consciência, vejamos quais são os fatores mentais envolvidos num momento de
consciência:
Com alegria, um menino, com a idéia de que não existe mal em roubar, rouba espontaneamente uma maçã de uma feira.
Citta: Raiz na cobiça, com sensação de
alegria, associada ao entendimento incorreto, não estimulada
Cetasikas: Variáveis Universais -
Todos; Variáveis Ocasionais - Todos;
Insalubres Universais – Todos; Insalubres Ocasionais:Cobiça,
(18), e Entendimento Incorreto, (19) .
Com
raiva, um homem assassina um outro num ataque espontâneo de ódio.
Citta: Raiz na raiva, com sensação de
desprazer, associada à aversão, não estimulada
Cetasikas: Variáveis Universais -
Todos; Variáveis Ocasionais: Pensamento aplicado, (8), Pensamento sustentado, (9), Decisão, (10),
Energia, (11), Aspiração, (13); Insalubres
Universais – Todos; Insalubres Ocasionais: Raiva, (21), Inveja,
(22), Avareza, (23), Ansiedade, (24).
Alguém com alegria pratica um ato generoso, compreendendo que isso é uma ação saudável, (benéfica, hábil), depois de deliberação ou estímulo de alguém.
Citta: Com sensação de alegria, associada ao
conhecimento, estimulada.
Cetasikas: Variáveis Universais - Todos; Variáveis
Ocasionais - Todos; Belos Universais – Todos; Abstinências,
Ilimitados, Não delusão – Todos.
Para finalizar
este compêndio, vale a pena lembrar alguns aspectos importantes destacados pelo
Venerável Nyanaponika Thera no seu livro Abhidhamma Studies.
Um momento de
consciência pode ser inferido de uma
lista de fatores mentais, e estes à primeira vista podem dar a impressão de
serem partes rígidas, justapostas como num mosaico. Na verdade, os fatores
mentais apresentam uma estrutura mais sutil e complicada de relações e
correlações dinâmicas, tanto sob o ponto de vista interno, dentro do mesmo
momento de consciência, como externo, com outros momentos de consciência. Sob a
perspectiva interna, a multidão de fatores coopera no sentido de alcançar um
objetivo comum, quer seja mundano ou espiritual. Sob o ponto de vista externo,
um estado de consciência, com os seus respectivos fatores mentais, tem conexões
com consciências do passado e do futuro através da sua natureza condicionada e
condicionadora, (algo que será explorado em mais detalhe no Capítulo V. Compêndio da Condicionalidade).
Além disso, os
fatores mentais podem apresentar distintos graus de intensidade no seu funcionamento.
Por exemplo, a unicidade em um único ponto, que é um dos fatores mentais
universais, pode variar em intensidade, desde os níveis mais baixos das
consciências insalubres, nas quais a unicidade se caracteriza como mera
estabilidade, até os estágios mais elevados de consciência em que a unicidade
pode ser cultivada de modo deliberado como um fator de absorção meditativa, (jhana),
ou, dando ênfase à sua qualidade libertadora, a unicidade pode ter o caráter do
elemento da concentração correta, (do Nobre Caminho Óctuplo), e pode ser
desenvolvida até o nível de concentração de acesso com o propósito de insight,
(vipassana).
Introdução >> I.
Compêndio da Consciência >> III. Compêndio
da Matéria
Revisado: 5 Abril 2003
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