Majjhima Nikaya 76
Sandaka Sutta
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1. Assim
ouvi. Em certa ocasião o Abençoado estava em Kosambi no Parque de Ghosita.
2. Agora naquela ocasião o errante Sandaka estava na Caverna da árvore
Pilakkha com uma grande assembléia de errantes.
3. Então ao
anoitecer, o venerável Ananda saiu da meditação e se dirigiu aos bhikkhus da seguinte
forma: “Venham, amigos, vamos até o Lago Devakata para ver a caverna,” –“Sim,
amigo,” aqueles bhikkhus responderam. Então o venerável Ananda foi até o lago
Devakata com um grupo de bhikkhus.
4. Agora naquela ocasião o errante Sandaka estava sentado com uma grande
assembléia de errantes que estavam fazendo uma grande baderna, conversando em
voz alta e aos berros sobre muitos assuntos inúteis, [1] tal como falar sobre reis, ladrões, ministros de estado, exércitos,
alarmes e batalhas; comida e bebida, roupas, mobília, ornamentos e perfumes,
parentes; veículos; vilarejos, vilas, cidades, o campo; mulheres e heróis; as
fofocas das ruas e do poço; contos dos mortos; contos da diversidade
(discussões filosóficas do passado e futuro), a criação do mundo e do mar e
falar sobre a existência ou não das coisas. Então o errante Sandaka viu o
venerável Ananda vindo à distância. Ao vê-lo, ele silenciou a assembléia
dizendo o seguinte: “Senhores, fiquem quietos; senhores, não façam ruído. Ali
vem o contemplativo Ananda, um discípulo do contemplativo Gotama, um dos
discípulos do contemplativo Gotama que está em Kosambi. Esses
veneráveis gostam do silêncio; eles são disciplinados no silêncio; eles
recomendam o silêncio. Talvez, se ele encontrar a nossa assembléia em silêncio,
ele pensará em juntar-se a nós.” Então os errantes ficaram em silêncio.
5. O
venerável Ananda foi até o errante Sandaka que lhe disse: “Venha Mestre Ananda!
Bem vindo Mestre Ananda! Já faz muito tempo desde que o Mestre Ananda encontrou
uma oportunidade para vir aqui. Que o Mestre Ananda sente; este assento está
preparado.”
O venerável
Ananda sentou no assento que havia sido preparado e o errante Sandaka tomou um
assento mais baixo ao lado. Tendo feito isso, o venerável Ananda perguntou:
“Qual é o assunto que faz com que vocês estejam sentados juntos aqui agora,
Sandaka? E qual é a discussão que foi interrompida?”
“Mestre
Ananda, deixemos de lado a discussão pela qual estamos aqui sentados juntos. O
Mestre Ananda poderá ouví-la mais tarde. Seria bom se o Mestre Ananda pudesse
discursar sobre o Dhamma do seu mestre.”
“Então,
Sandaka, ouça e preste muita atenção àquilo que eu vou dizer.”
“Sim,
senhor,” ele respondeu. O venerável Ananda disse o seguinte:
6.
“Sandaka, esses quatro modos que impossibilitam viver a vida santa foram
declarados pelo Abençoado que sabe e vê, um arahant, perfeitamente iluminado e
também esses quatro tipos de vida santa insatisfatória foram declarados, nos
quais um homem sábio com certeza não viveria a vida santa, ou se ele a vivesse,
não realizaria o caminho verdadeiro, o Dhamma que é benéfico.” [2]
“Mas, Mestre Ananda, quais são esses quatro modos que impossibilitam viver
a vida santa, que foram declarados pelo Abençoado que sabe e vê, um arahant,
perfeitamente iluminado, nos quais um homem sábio com certeza não viveria a
vida santa, ou se ele a vivesse, não realizaria o caminho verdadeiro, o Dhamma
que é benéfico?”
7. “Nesse caso, Sandaka, um mestre possui uma doutrina e entendimento
desta forma: [3] 'Não existe nada que é dado, nada que é oferecido, nada que é
sacrificado; não existe fruto ou resultado de ações boas ou más; não existe
este mundo, nem outro mundo; não existe mãe, nem pai; nenhum ser que renasça
espontaneamente; não existem no mundo brâmanes nem contemplativos bons e
virtuosos que, após terem conhecido e compreendido diretamente por eles mesmos,
proclamem este mundo e o próximo. Uma pessoa consiste dos quatro grandes
elementos. Quando ela morre, a terra
retorna e vai para o corpo da terra, a água retorna e vai para o corpo da água,
o fogo retorna e vai para o corpo do fogo, o ar retorna e vai para o corpo do
ar; as faculdades são transferidas para o espaço. Quatro homens com o ataúde
como quinto levam o corpo embora. As orações funerárias duram até chegar no
cemitério; os ossos branqueiam; as oferendas queimadas terminam como cinzas. A
generosidade é uma doutrina dos tolos. Qualquer um que afirme uma doutrina de
que a generosidade existe, isso é vazio, falsa tagarelice. Tolos e sábios são
da mesma forma extintos e aniquilados com a dissolução do corpo; depois da
morte eles não existem.’
8. “Com relação a isso um homem sábio considera o seguinte: ‘Este bom mestre possui esta doutrina e entendimento: “Não existe nada que é dado...depois da morte eles não existem.” Se as palavras desse bom mestre forem verdadeiras, então com respeito a esse ensinamento eu fiz a minha tarefa ao não fazê-la, com respeito a esse ensinamento eu vivi a vida santa ao não vivê-la. [4] Com respeito a esse ensinamento nós dois somos absolutamente iguais, ambos alcançamos a igualdade, no entanto eu não digo que nós dois seremos extintos e aniquilados com a dissolução do corpo, que depois da morte nós não existiremos. Mas é desnecessário que esse bom mestre ande por aí nu, sem barbear, que ele se esforce numa posição agachada e que arranque o seu cabelo e barba, visto que eu, que vivo numa casa cheia de crianças, gozando do sândalo de Benares, usando grinaldas, perfumes e ungüentos, recebendo ouro e prata, irei colher exatamente o mesmo destino, o mesmo curso que esse bom mestre. O que é que sei e vejo, que me levaria a viver a vida santa sob a orientação desse mestre?’ Assim, ao descobrir que esse modo impossibilita viver a vida santa, ele se afasta dele e o abandona.
9. “Esse é o primeiro modo que impossibilita
viver a vida santa, que foi declarado pelo Abençoado que sabe e vê, um arahant, perfeitamente
iluminado, no qual um homem sábio com certeza não viveria a vida santa, ou se
ele a vivesse, não realizaria o caminho verdadeiro, o Dhamma que é benéfico.
10. “Novamente, Sandaka, um mestre possui uma
doutrina e entendimento desta forma: [4a] ‘Agindo ou fazendo com que outros ajam,
mutilando ou fazendo com que outros mutilem, torturando ou fazendo com que
outros torturem, causando sofrimento ou fazendo com que outros causem
sofrimento, atormentando ou fazendo com que outros atormentem, intimidando ou
fazendo com que outros intimidem, matando, tomando o que não é dado, arrombando
casas, pilhando riquezas, roubando, emboscando nas estradas, cometendo
adultério, dizendo mentiras - a pessoa não faz o mal. Se com uma lâmina afiada
como uma navalha alguém convertesse todos os seres vivos sobre a terra num
único amontoado de carne, uma única pilha de carne, não haveria mal por isso,
nenhum resultado do mal. Mesmo se alguém fosse ao longo da margem direita do
rio Gânges, matando e fazendo com que outros matem, mutilando e fazendo com que
outros mutilem, torturando e fazendo com que outros torturem, não haveria mal
por isso, nenhum resultado do mal. Mesmo se alguém fosse ao longo da margem
esquerda do rio Gânges, dando dádivas e fazendo com que outros dêem dádivas,
dando oferendas e fazendo com que outros dêem oferendas, por causa disso não
haveria mérito e nenhum resultado do mérito. Através da generosidade, do
autocontrole, da contenção e dizendo a verdade não há mérito por essa causa,
nenhum resultado do mérito.’
11. “Com relação a isso um homem sábio
considera o seguinte: ‘Este bom mestre possui esta doutrina e entendimento:
“Agindo ou fazendo com que outros ajam...não há mérito por essa causa, nenhum
resultado do mérito.” Se as palavras desse bom mestre forem verdadeiras, então
com respeito a esse ensinamento eu fiz a minha tarefa ao não fazê-la, com
respeito a esse ensinamento eu vivi a vida santa ao não vivê-la. Com respeito a
esse ensinamento nós dois somos absolutamente iguais, ambos alcançamos a igualdade,
no entanto, eu não digo que, o que quer que nós dois façamos, nenhum mal será
feito. Mas é desnecessário que esse bom mestre ande por aí nu…O que é que sei e
vejo, que me levaria a viver a vida santa sob a orientação desse mestre?’ Assim
ao descobrir que esse modo impossibilita viver a vida santa, ele se afasta dele
e o abandona.
12. “Esse é
o segundo modo que impossibilita viver a vida santa que foi declarado pelo
Abençoado que sabe e vê, um arahant, perfeitamente iluminado...
13. “Novamente, Sandaka, um mestre possui uma doutrina e entendimento
desta forma:[4b] ‘Não existem causas e condições para a contaminação dos seres. Os
seres são contaminados sem causas e condições. Não há causas e condições para
a purificação dos seres. Os seres são purificados sem causas e condições. A
realização de uma dada condição, de qualquer caráter, não depende quer seja das
próprias ações, ou das ações dos outros, ou do esforço humano. Não há tal coisa
como o poder ou energia, nem o poder humano ou a energia humana. Todos os
animais, todas as criaturas, todos os seres, todas as almas, não têm força,
poder e energia por si mesmos. Eles se inclinam nesta ou naquela direção de
acordo com o seu destino, moldado de acordo com as circunstâncias e natureza da
classe à qual pertencem, de acordo com a sua respectiva natureza: e é de acordo
com a sua posição numa dessas seis classes que eles experimentam o prazer e a
dor.’
14. “Com
relação a isso um homem sábio considera o seguinte: ‘Este bom mestre possui esta
doutrina e entendimento: “Não existem causas e condições para a contaminação
dos seres...numa dessas seis classes que eles experimentam o prazer e a dor.”
Se as palavras desse bom mestre forem verdadeiras, então com respeito a esse
ensinamento eu fiz a minha tarefa ao não fazê-la, com respeito a esse
ensinamento eu vivi a vida santa ao não vivê-la. Com respeito a esse
ensinamento nós dois somos absolutamente iguais, ambos alcançamos a igualdade,
no entanto eu não digo que nós dois seremos purificados sem causa e condição.
Mas é desnecessário que esse bom mestre ande por aí nu…O que é que sei e vejo,
que me levaria a viver a vida santa sob a orientação desse mestre?’ Assim ao
descobrir que esse modo impossibilita viver a vida santa, ele se afasta dele e
o abandona.
15. “Esse é
o terceiro modo que impossibilita viver a vida santa que foi declarado pelo
Abençoado que sabe e vê, um arahant, perfeitamente iluminado...
16.
“Novamente, Sandaka, um mestre possui uma doutrina e entendimento desta forma:
[5] ‘Existem sete elementos - não feitos, não
causados, não criados, sem um criador, estéreis como o pico de uma montanha,
plantados firmes como um pilar - que não se alteram, não mudam, não interferem
uns com os outros, são incapazes de causar um ao outro o prazer, a dor, ou
ambos. Quais sete? O elemento terra, o elemento água, o elemento fogo, o
elemento ar, prazer, dor e alma como sétimo. Esses são os sete elementos não
feitos, não causados, não criados, sem um criador, estéreis como o pico de uma
montanha, plantados firmes como um pilar
– que não se alteram, não mudam, não interferem uns com os outros, são
incapazes de causar um ao outro o prazer, a dor, ou ambos. Portanto não há
matador ou morto, ouvinte ou falante, conhecedor ou explicador. Quando alguém
com uma espada afiada corta a cabeça de outra pessoa, não é tirada a vida de
ninguém, a espada simplesmente passa no espaço entre os sete elementos. Existem
1.400.000 tipos principais de nascimento, 6.000 outros, e mais 600; existem 500
tipos de kamma, ou 5 tipos e 3 tipos, e meio kamma; existem 62 caminhos (modos
de conduta), 62 ciclos cósmicos intermediários, 6 classes (diferenças entre os
seres humanos), 8 estágios na existência humana, 4.900 ocupações, 4.900 tipos
de errantes, 4.900 moradas dos Nagas, 2.000 existências sencientes, 3.000
infernos, 36 lugares com poeira, 7 classes de renascimento de seres com
consciência, 7 sem consciência, 7 classes de seres ‘livres dos grilhões’, 7
tipos de divindades, 7 tipos de seres humanos, 7 tipos de demônios, 7 lagos, 7
nós, 7 grandes e 7 pequenos precipícios, 7 grandes e 7 pequenos tipos de
sonhos. Existem 8 milhões e 400 mil grandes ciclos cósmicos durante os quais,
ambos os sábios e os tolos, transmigrando e perambulando através do ciclo de renascimentos
darão um fim ao sofrimento da mesma forma. Embora os sábios aspirem: ‘Através
desta virtude ou observância ou ascetismo ou desta vida santa eu amadurecerei o
kamma que não está maduro e aniquilarei o kamma amadurecido na medida em que
ele surgir.’ Embora os tolos tenham a mesma aspiração, nenhum deles será capaz
de fazer isso. O prazer e a dor são repartidos e não podem ser alterados ao
longo da transmigração, não pode haver o seu incremento nem a sua diminuição,
nao há excesso nem falta. Tal como uma bola de linha, quando arremessada, chega
ao seu fim simplesmente desenrolando, da mesma forma, tendo transmigrado e
perambulado através do ciclo de renascimentos, durante o tempo determinado, e
somente depois disso, ambos os sábios e os tolos darão um fim ao sofrimento.’ [6]
17. “Com
relação a isso um homem sábio considera o seguinte: ‘Este bom mestre possui
esta doutrina e entendimento: “Existem sete elementos...os sábios e os tolos
darão um fim ao sofrimento.” Se as palavras desse bom mestre forem verdadeiras,
então com respeito a esse ensinamento eu fiz a minha tarefa ao não fazê-la, com
respeito a esse ensinamento eu vivi a vida santa ao não vivê-la. Com respeito a
esse ensinamento nós dois somos absolutamente iguais, ambos alcançamos a
igualdade, no entanto eu não digo que nós dois daremos um fim ao sofrimento
transmigrando e perambulando através do ciclo de renascimentos. Mas é
desnecessário que esse bom mestre ande por aí nu…O que é que sei e vejo, que me
levaria a viver a vida santa sob a orientação desse mestre?’ Assim ao descobrir
que esse modo impossibilita viver a vida santa, ele se afasta dele e o
abandona.
18. “Esse é o quarto modo
que impossibilita viver a vida santa, que foi declarado pelo Abençoado que sabe
e vê, um arahant, perfeitamente iluminado...
19. “Esses, Sandaka, são os
quatro modos que impossibilitam viver a vida santa, que foram declarados pelo
Abençoado que sabe e vê, um arahant, perfeitamente iluminado, nos quais um homem
sábio com certeza não viveria a vida santa, ou se ele a vivesse, não realizaria
o caminho verdadeiro, o Dhamma que é benéfico.” [A]
20. “É maravilhoso, Mestre
Ananda, é admirável, como os quatro modos que impossibilitam viver a vida santa
foram declarados pelo Abençoado que sabe e vê, um arahant, perfeitamente
iluminado ... Mas, Mestre Ananda, quais são os quatro tipos de vida santa insatisfatória que foram declarados pelo Abençoado que sabe e vê, um arahant,
perfeitamente iluminado, nos quais um homem sábio com certeza não viveria a
vida santa, ou se ele a vivesse, não realizaria o caminho verdadeiro, o Dhamma
que é benéfico?”
21. “Nesse caso, Sandaka,
um mestre declara ser onisciente e capaz de ver tudo, reivindica ter
conhecimento completo e visão desta forma: ‘Quer eu esteja caminhando ou em pé,
ou dormindo, ou desperto, o conhecimento e visão estão presentes em mim de
forma contínua e ininterrupta.’ [7] Ele entra
numa casa vazia, ele não obtém comida esmolada, um cachorro o morde, ele
encontra um elefante selvagem, um cavalo selvagem, um touro selvagem, ele
pergunta o nome e o clã de uma mulher ou um homem, ele pergunta o nome de um
vilarejo ou cidade e o caminho para chegar lá. Ao ser questionado: ‘Como é
isso?’ ele responde: ‘Eu tinha que entrar numa casa vazia, é por isso que
entrei. Eu não tinha que obter comida esmolada, é por isso que não obtive. Eu
tinha que ser mordido por um cachorro, é por isso que fui mordido. Eu tinha que
encontrar um elefante selvagem, um cavalo selvagem, um touro selvagem, é por
isso que os encontrei. Eu tinha que perguntar o nome e o clã de uma mulher ou
um homem, é por isso que perguntei. Eu tinha que perguntar o nome de um vilarejo ou cidade e o
caminho para chegar lá, é por isso que perguntei.’
22. “Com relação a isso um
homem sábio considera o seguinte: ‘Este bom mestre declara ser onisciente e
capaz de ver tudo, reivindica ter conhecimento completo e visão desta forma ...
Ao ser questionado: “Como é isso?” ele responde: “Eu tinha que ... é por isso
que perguntei.” Assim ao descobrir que esta vida santa é insatisfatória, ele se
afasta dela e a abandona.
23. “Esse é o primeiro tipo
de vida santa insatisfatória, que foi declarado pelo Abençoado que sabe e vê,
um arahant, perfeitamente iluminado, no qual um homem sábio com certeza não viveria
a vida santa, ou se ele a vivesse, não realizaria o caminho verdadeiro, o
Dhamma que é benéfico.
24. “Novamente, Sandaka, um
mestre é um tradicionalista, que considera a tradição oral como verdade; ele
ensina o Dhamma por meio da tradição oral, através de lendas que foram
transmitidas, através do que foi registrado nas escrituras. Mas quando um
mestre é um tradicionalista, que considera a tradição oral como verdade,
algumas coisas são lembradas da forma correta e algumas são lembradas da forma
incorreta, algumas são verdadeiras outras não.
25. “Com relação a isso um
homem sábio considera o seguinte: ‘Este bom mestre é um
tradicionalista ... algumas são verdadeiras outras não.’ Assim ao descobrir que
esta vida santa é insatisfatória, ele se afasta dela e a abandona.
26. “Esse é o segundo tipo
de vida santa insatisfatória, que foi declarado pelo Abençoado que sabe e vê,
um arahant, perfeitamente iluminado...
27. “Novamente, Sandaka, um
mestre é um racionalista, um investigador. Ele ensina um Dhamma elaborado com o
raciocínio seguindo uma linha de investigação conforme ela lhe ocorrer. Mas
quando um mestre é um racionalista, um investigador, algumas coisas são
raciocinadas da forma correta e algumas são raciocinadas da forma incorreta,
algumas são verdadeiras outras não.
28. “Com relação a isso um
homem sábio considera o seguinte: ‘Este bom mestre é um racionalista ... algumas
são verdadeiras outras não.’ Assim ao descobrir que esta vida santa é insatisfatória, ele se afasta dela e a abandona.
29. “Esse é o terceiro tipo
de vida santa insatisfatória que foi declarado pelo Abençoado que sabe e vê,
um arahant, perfeitamente iluminado...
30. “Novamente, Sandaka, um mestre é tolo e confuso. Porque ele é tolo e
confuso, ao ser questionado, ele recorre à evasão verbal, contorcendo-se como
uma enguia: ‘Eu não digo que é dessa forma. E eu não digo que é daquela forma.
E eu não digo que é de outra forma. E eu não digo que não é dessa forma. E eu
não digo que não não é dessa forma.’ [8]
31. “Com relação a isso um homem sábio considera o seguinte: ‘Este bom
mestre é tolo e confuso ... ele recorre à evasão verbal, contorcendo-se como uma
enguia.’ Assim ao descobrir que esta vida santa é insatisfatória, ele se afasta
dela e a abandona.
32. “Esse é o quarto tipo
de vida santa insatisfatória, que foi declarado pelo Abençoado que sabe e vê,
um arahant, perfeitamente iluminado...
33. “Esses, Sandaka, são os
quatro tipos de vida santa insatisfatória, que foram declarados pelo Abençoado
que sabe e vê, um arahant, perfeitamente iluminado, nos quais um homem sábio com
certeza não viveria a vida santa, ou se ele a vivesse, não realizaria o caminho
verdadeiro, o Dhamma que é benéfico.”
34. “É
maravilhoso, Mestre Ananda, é admirável, como os quatro tipos de vida santa insatisfatória foram declarados pelo Abençoado que sabe e vê, um arahant, perfeitamente
iluminado ... Mas, Mestre Ananda, o que esse mestre afirma, o que ele declara,
através do que um homem sábio com certeza viveria a vida santa, e enquanto a
vivesse, realizaria o caminho verdadeiro, o Dhamma que é benéfico?”
35-42.
“Neste caso, Sandaka, um Tathagata surge no mundo, um arahant, perfeitamente
iluminado ... (igual ao MN 51, versos 12-19) ... ele
purifica a mente da dúvida.
43. “Tendo assim
abandonado esses cinco obstáculos, imperfeições da mente que enfraquecem a
sabedoria, um bhikkhu afastado dos prazeres sensuais, afastado das qualidades não hábeis,
entra e permanece no primeiro jhana, que é caracterizado pelo pensamento
aplicado e sustentado, com o êxtase e felicidade nascidos do afastamento.
Um homem sábio com certeza viveria a vida santa sob a orientação
de um mestre com o qual um discípulo obtém tão eminente distinção, e enquanto a
vivesse ele realizaria o caminho verdadeiro, o Dhamma que é benéfico.
44-46.
“Além disso, abandonando o pensamento aplicado e sustentado, ele entra e
permanece no segundo jhana ... Abandonando o êxtase ... ele entra e
permanece no terceiro jhana ... Com o completo desaparecimento da felicidade ...
ele entra e permanece no quarto jhana. Um homem sábio com certeza
viveria a vida santa sob a orientação de um mestre com o qual um discípulo
obtém tão eminente distinção ...
47.
"Com a sua mente assim concentrada, purificada, luminosa, pura, imaculada,
livre de defeitos, flexível, maleável, estável e atingindo a imperturbabilidade, ele a dirige
para o conhecimento da recordação de vidas passadas. Ele se recorda das suas
muitas vidas passadas, isto é, um nascimento, dois nascimentos ... (igual ao MN 51, verso 24) ... Assim ele se recorda das suas
muitas vidas passadas nos seus modos e detalhes. Um homem sábio com certeza
viveria a vida santa sob a orientação de um mestre com o qual um discípulo
obtém tão eminente distinção ...
48. "Com
a sua mente assim concentrada, purificada, luminosa, pura, imaculada, livre de
defeitos, flexível, maleável, estável e atingindo a imperturbabilidade, ele a
dirige para o conhecimento do falecimento e reaparecimento dos seres ... (igual
ao MN 51, verso 25) ... Dessa forma - por meio do olho
divino, que é purificado e sobrepuja o humano
- ele vê seres falecendo e renascendo, inferiores e superiores, bonitos
e feios e ele compreende como os seres continuam de acordo com as suas ações.
Um homem sábio com certeza viveria a vida santa sob a orientação de um mestre
com o qual um discípulo obtém tão eminente distinção ...
49.
"Com a sua mente assim concentrada, purificada, luminosa, pura, imaculada,
livre de defeitos, flexível, maleável, estável e atingindo a
imperturbabilidade, ele a dirige para o conhecimento do fim das impurezas
mentais. Ele compreende como na verdade é que: ‘Isto é sofrimento’ ... (igual ao MN 51, verso 26) ... ele compreende como na verdade é
que: ‘este é o caminho que conduz à cessação das impurezas.’
50. “Ao
conhecer e ver, a sua mente está livre da impureza do desejo sensual, da
impureza de ser/existir, da impureza da ignorância. Quando ela está libertada
surge o conhecimento, ‘Libertada.’ Ele compreende que ‘O nascimento foi
destruído, a vida santa foi vivida, o que deveria ser feito foi feito, não há
mais vir a ser a nenhum estado.’ Um homem sábio com certeza viveria a vida
santa sob a orientação de um mestre com o qual um discípulo obtém tão eminente
distinção e enquanto a vivesse ele realizaria o caminho verdadeiro, o Dhamma
que é benéfico.”
51. “Mas, Mestre Ananda, quando um bhikkhu é um arahant com as impurezas
destruídas, aquele que viveu a vida santa, fez o que devia ser feito, depôs o
fardo, alcançou o objetivo verdadeiro, destruiu os grilhões da existência e
está completamente libertado através do conhecimento supremo, poderia ele
desfrutar de prazeres sensuais?”
“Sandaka,
quando um bhikkhu é um arahant com as impurezas destruídas ... completamente
libertado através do conhecimento supremo, ele é incapaz de transgressão em
cinco casos. Um bhikkhu cujas impurezas foram destruídas é incapaz de
deliberadamente tirar a vida de um outro ser vivo; ele é incapaz de tomar aquilo
que não for dado, isto é, de roubar; ele é incapaz de entregar-se a uma relação
sexual; ele é incapaz de dizer uma mentira; ele é incapaz de desfrutar de
prazeres sensuais armazenando-os como ele antes fazia na vida mundana. [9] Quando um bhikkhu é um arahant com as
impurezas destruídas...ele é incapaz de transgressão em cinco casos” [10]
52. “Mas, Mestre Ananda, quando um bhikkhu é um arahant com as impurezas
destruídas ... o seu conhecimento e visão de que as impurezas foram destruídas
estão presentes nele de forma contínua e ininterrupta quer ele esteja andando
ou em pé, ou dormindo, ou desperto?”
“Quanto a
isso, Sandaka, eu explicarei com um símile pois alguns sábios compreendem o
significado de um enunciado através de um símile. Suponha que as mãos e os pés
de um homem tenham sido cortados. Ele saberia que ‘Minhas mãos e pés foram
cortados’ de forma contínua e ininterrupta quer ele estivesse andando ou em pé,
ou dormindo, ou desperto, ou ele saberia que ‘Minhas mãos e pés foram cortados’
apenas quando ele revisasse esse fato?”
“O homem,
Mestre Ananda, não saberia que ‘Minhas mãos e pés foram cortados’ de forma
contínua e ininterrupta; ao invés disso, ele saberia que ‘Minhas mãos e pés
foram cortados’ apenas quando ele revisasse esse fato.”
“Da mesma
forma, Sandaka, quando um bhikkhu é um arahant com as impurezas destruídas ...
o seu conhecimento e visão de que as impurezas foram destruídas não estão
presentes nele de forma contínua e ininterrupta quer ele esteja andando ou em
pé, ou dormindo, ou desperto; ao invés disso, ele sabe que ‘Minhas impurezas
foram destruídas’ apenas quando ele revisa esse fato.”
53.
“Quantos emancipados existem nesse Dhamma e Disciplina, Mestre Ananda?”
“Não existem
apenas cem, Sandaka, ou duzentos, trezentos, quatrocentos ou quinhentos, mas
muitos mais emancipados do que isso neste Dhamma e Disciplina.”
“É
maravilhoso, Mestre Ananda, é admirável! Não existe o enaltecimento do próprio Dhamma
nem a crítica do Dhamma dos outros; existe o ensino do Dhamma em toda a sua
extensão e existem tantos emancipados. Mas os Ajivakas, aqueles natimortos,
enaltecem a si mesmos e criticam os outros e eles reconhecem apenas três
emancipados, isto é, Nanda Vaccha, Kisa Sankicca e Makkhali Gosala.” [11]
54. Então o errante Sandaka se
dirigiu à sua própria assembléia: “Vão, senhores. A vida santa deve ser vivida
sob a orientação do contemplativo Gotama. Não é fácil para nós renunciarmos aos
ganhos, honrarias e fama.”
Assim foi como o errante Sandaka exortou a sua própria assembléia a
viver a vida santa sob a orientação do Abençoado.
Notas:
[1] Tiracchanakatha. Muitos tradutores interpretam esta expressão
como “conversa de animais.” No entanto o sentido literal de tiracchana é
“ir na horizontal,” e embora este termo seja usado como uma designação para os
animais, MA explica que no contexto deste sutta significa a conversa que segue
na “horizontal” ou “perpendicular” em relação ao caminho que conduz ao paraíso
e à libertação. [Retorna]
[2] Os “quatro modos que impossibilitam viver a vida santa “ (abrahmacariyavasa)
são ensinamentos que em princípio anulam a possibilidade de alcançar os
frutos últimos da disciplina espiritual. Como será mostrado no sutta, os seu
proponentes – inconsistentes com os seus próprios princípios – observavam o
celibato e praticavam austeridades. Os “quatro tipos de vida santa insatisfatória” (anassasikani brahmacariyani) não subvertem os princípios da
vida santa, mas eles também falham em oferecer a possibilidade de alcançar os
frutos últimos da disciplina espiritual. [Retorna]
[3] O trecho a seguir esclarece as premissas materialistas da doutrina
niilista mencionada no MN 60.5. O Samannaphala Sutta (DN 2.23) atribui essa doutrina a
Ajita Kesakambala. [Retorna]
[4] O ponto é que mesmo se a pessoa não vive a vida santa, em última
instância irá colher as mesmas recompensas daquele que assim o faz. [Retorna]
[4a] O trecho a seguir esclarece as premissas da doutrina
da não ação mencionada no MN 60.13. O Samannaphala Sutta (DN 2.16) atribui essa doutrina a
Purana Kassapa. [Retorna]
[4b] O trecho a seguir esclarece as premissas da doutrina
da não causalidade mencionada no MN 60.21. O Samannaphala Sutta (DN 2.19) atribui essa doutrina a
Makkhali Gosala. [Retorna]
[5] No Samannaphala
Sutta (DN 2.26) a
doutrina descrita a seguir, até “o espaço entre os sete elementos,” é atribuída
a Padukha Kaccayana. No entanto, naquele sutta o trecho que abrange um
elaborado sistema de classificações que vai até “os sábios e os tolos darão um
fim ao sofrimento,” está conectado com a doutrina da não causalidade, ou purificação através do
samsara, descrita no verso 13 e nota 4b acima. Essa doutrina é atribuída a Makkhali
Gosala. Como existem evidentes conexões entre a doutrina da purificação através
do samsara e os itens do sistema de classificações (ex.: a referência às “seis
classes”), e como é conhecido que ambas eram típicas do movimento Ajivaka
liderado por Makkhali Gosala, parece que a inclusão do sistema de
classificações neste sutta, sob a doutrina das sete substâncias, ocorreu por um
erro na transmissão oral. A versão correta seria aquela preservada no Samannaphala
Sutta (DN 2). [Retorna]
[6] Esta afirmação reafirma a idéia fatalista da libertação, formulada
no verso 13. [Retorna]
[A] Os quatro modos que impossibilitam viver a vida santa podem ser resumidos da seguinte forma:
1. A doutrina do niilismo ou aniquilação (verso 7, nota 3).
2. A negação de valores morais (verso 10, nota 4a).
3. A negação da responsabilidade moral, isto é, não há uma causa para a degeneração, regeneração ou salvação moral (verso 13, nota 4b).
4. A negação da livre escolha (verso 16, nota 5).
[Retorna]
[7] Essa é a declaração feita pelo mestre Jainista, o Nigantha Nataputta
que aparece no MN14.17 e ambos, este último e Purana
Kassapa, no AN IX.38. O fato de que ele comete julgamentos incorretos e precisa
fazer perguntas coloca em xeque a afirmativa de onisciência. [Retorna]
[8] MA: Esta posição é chamada de ‘contorcer-se como uma enguia’ (amaravikkhepa)
porque a doutrina vai de um lado ao outro, igual a uma enguia que entra e
sai da água e que devido a isso é impossível agarrá-la. No Samannaphala Sutta (DN 2.32) esta doutrina é
atribuída a Sanjaya Belatthiputta. É bem possível que os
adeptos desta doutrina fossem uma categoria de céticos radicais que
questionavam a possibilidade de conhecimento apodítico sobre as questões
últimas. [Retorna]
[9] MA: Ele é incapaz de armazenar alimentos e outros bens que
proporcionam prazer para mais tarde desfrutar deles. [Retorna]
[10] No DN 29.26 são mencionadas outras
quatro coisas que o arahant não é capaz de fazer: ele é incapaz de agir de
forma incorreta devido ao desejo, raiva, medo e delusão. [Retorna]
[11] Sobre esses três mentores dos Ajivakas
veja o MN 36.5. [Retorna]
Revisado: 16 Abril 2013
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