Digha Nikaya 24
Patika Sutta
Patika o Charlatão
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1.1 Assim
ouvi. Em certa ocasião, o Abençoado estava entre os Mallas em uma cidade
denominada Anupiya. Então, ao amanhecer, o Abençoado se vestiu e tomando a
tigela e o manto externo foi para Anupiya para esmolar alimentos. Então, o
Abençoado pensou: “Ainda é muito cedo para esmolar alimentos em Anupiya. E se
eu fosse até o errante Bhaggava-gotta no Parque dos Errantes.”
1.2. Então,
o errante Bhaggava-gotta disse: “Bem vindo Abençoado! Já faz muito tempo desde
que o Abençoado encontrou uma oportunidade para vir aqui. Que o Abençoado
sente; este assento está preparado.” O Abençoado sentou no assento que havia
sido preparado e Bhaggava tomou um assento mais baixo, sentou a um lado e disse
para o Abençoado: “Venerável senhor, faz alguns dias Sunakkhatta, filho dos
Licchavis, veio até mim e disse: ‘Bhaggava, eu deixei o Abençoado. Eu não estou
mais sob o mando dele.’ Isso é verdade, Abençoado?” - “É verdade, Bhaggava.”
1.3. “Faz
alguns dias, Sunakkhatta veio até mim e depois de me cumprimentar sentou a um
lado e disse: ‘Venerável senhor, eu estou deixando o Abençoado, eu não estou
mais sob o seu mando.’ Então eu disse para ele: ‘Muito bem, Sunakkhatta, em
algum momento eu lhe disse: “Venha, Sunakkhatta, coloque-se sob o meu mando”?’ -
‘Não, venerável senhor.’ - ‘Ou alguma vez você disse para mim: “Venerável senhor,
eu estarei sob o seu mando”?’ - ‘Não, venerável senhor.’ - ‘Então, Sunakkhatta, se
eu não disse isso para você e você não disse isso para mim – homem tolo, quem é
você e do que você está abrindo mão? Considere, homem tolo, que o erro é todo
seu.’
1.4. “’Bem,
venerável senhor, você não realizou nenhum milagre.’ [1] ‘E alguma vez eu lhe disse: “Coloque-se sob o meu mando,
Sunakkhatta, que eu realizarei milagres para você”?’ - ‘Não, venerável senhor.’ -
‘Ou alguma vez você me disse: “Senhor, eu estarei sob o seu mando se você
realizar milagres para mim”?’ - ‘Não, venerável senhor.’ - ‘Então parece, Sunakkhatta,
que eu não fiz esse tipo de promessa e você não impôs essa condição. Em sendo
esse o caso, homem tolo, quem é você e do que você está abrindo mão?
“’O que
você pensa, Sunakkhatta? Quer milagres sejam ou não realizados, o propósito de
eu ensinar o Dhamma é conduzir aquele que o pratica à completa destruição do
sofrimento?’ - ‘Assim é, venerável senhor.’ - ‘Portanto, Sunakkhatta, quer milagres
sejam ou não realizados, o propósito de eu ensinar o Dhamma é conduzir aquele
que o pratica à completa destruição do sofrimento. Então, qual seria o
propósito da realização de milagres? Considere, homem tolo, que o erro é todo
seu.’
1.5. “’Bem,
venerável senhor, você não explica a origem das coisas.’ - ‘E alguma vez eu lhe
disse: “Coloque-se sob o meu mando, Sunakkhatta, que eu explicarei a origem das
coisas para você”?’ - ‘Não, venerável senhor.’ ... Em sendo esse o caso, homem
tolo, quem é você e do que você está abrindo mão?
1.6.
“’Sunakkhatta, de vários modos você falou em meu louvor para os Vajjias,
dizendo: “Esse Abençoado é um arahant, perfeitamente iluminado, consumado
no verdadeiro conhecimento e conduta, bem-aventurado, conhecedor dos mundos, um
líder insuperável de pessoas preparadas para serem treinadas, mestre de devas
e humanos, desperto, sublime. Ele declara - tendo realizado por si próprio com
o conhecimento direto - este mundo com os seus devas, maras e brahmas, esta
população com seus contemplativos e brâmanes, seus príncipes e povo.” De vários
modos você falou em louvor do Dhamma, dizendo: “O Dhamma é bem proclamado pelo
Abençoado, visível no aqui e agora, com efeito imediato, que convida ao exame,
que conduz para adiante, para ser experimentado pelos sábios por eles mesmos.”
De vários modos você falou em louvor da Sangha, dizendo: “A Sangha dos discípulos
do Abençoado pratica o bom caminho, pratica o caminho reto, pratica o caminho
verdadeiro, pratica o caminho adequado, isto é, os quatro pares de pessoas, os
oito tipos de indivíduos; esta Sangha dos discípulos do Abençoado é merecedora
de dádivas, merecedora de hospitalidade, merecedora de oferendas, merecedora de
saudações com reverência, um campo inigualável de mérito para o mundo.”
“’Desses
vários modos você falou em meu louvor, em louvor do Dhamma e em louvor da
Sangha para os Vajjias. E eu lhe digo, eu declaro para você, Sunakkhatta,
haverá aqueles que dirão: “Sunakkhatta, filho dos Licchavis, foi incapaz de
seguir a vida santa sob o contemplativo Gotama e sendo assim incapaz ele
abandonou o treinamento e regressou para a vida comum.” Isso, Sunakkhatta, é o
que eles dirão.’ E, Bhaggava, com essas minhas palavras Sunakkhatta deixou este
Dhamma e Disciplina como alguém condenado ao inferno.
1.7. “Em
certa ocasião, Bhaggava, eu estava entre os Khulus, numa cidade denominada
Uttaraka. Então, ao amanhecer, tomando a minha tigela e o manto externo fui
para Uttaraka esmolar alimentos, tendo Sunakkhatta como meu acompanhante. E
naquela ocasião, o asceta nu Korakkhattiya um “homem cachorro” [2]
estava caminhando nas quatro patas, se espichando sobre o chão e
mastigando e comendo a sua comida apenas com a boca. Vendo aquilo, Sunakkhatta
pensou: ‘Ora, aquele é um verdadeiro Arahant asceta, que caminha nas quatro
patas, se espicha sobre o chão e mastiga e come a sua comida apenas com a
boca.’ E eu, compreendendo o seu pensamento com a minha mente, disse-lhe:
‘Homem tolo, você afirma ser um discípulo do Sakya?’ - ‘Venerável senhor, o que
você quer dizer com essa pergunta?’ - ‘Sunakkhatta, ao ver esse asceta nu
caminhando nas quatro patas, você não pensou: “Ora, aquele é um verdadeiro
Arahant asceta, que caminha nas quatro patas, se espicha sobre o chão e mastiga
e come a sua comida apenas com a boca”?’ - ‘Eu pensei, venerável senhor. O
Abençoado inveja o estado de Arahant dos outros?’ - ‘Eu não invejo o estado de
Arahant dos outros, seu tolo! Só você é capaz de ter essa idéia deturpada.
Deixe isso de lado para que não lhe traga dano e sofrimento por muito tempo!
Esse asceta nu Korakkhattiya, que você considera ser um verdadeiro Arahant, irá
morrer em sete dias de indigestão e depois da morte ele irá renascer entre os
asuras Kalakanjas, que é o nível mais baixo dos asuras. [3] E quando ele estiver morto, o seu corpo será abandonado num monte
de capim birana no cemitério a céu aberto. Se você quiser, Sunakkhatta,
vá até o cadáver e pergunte se ele sabe o seu destino. E pode ser que ele lhe
diga: “Amigo Sunakkhatta, eu sei o meu destino. Eu renasci entre os asuras
Kalakanjas, que é o nível mais baixo dos asuras.’”
1.8. “Então
Sunakkhatta foi até Korakkhattiya e contou-lhe o que eu havia profetizado,
adicionando: ‘Portanto, amigo Korakkhattiya, seja bastante cuidadoso com aquilo
que você comer e beber, para que fique provado que as palavras do contemplativo
Gotama estão erradas!’ E Sunakkhatta tinha tanta certeza que seria provado que
as palavras do Tathagata estavam erradas que ele contou os sete dias um por um.
Mas no sétimo dia Korakkhattiya morreu de indigestão e depois de morrer ele
renasceu entre os asuras Kalakanjas, e o corpo dele foi abandonado num monte de
capim birana no cemitério a céu aberto.
1.9. “E
Sunakkhatta ouviu aquilo e assim ele foi até o monte de capim birana no
cemitério a céu aberto onde Korakkhattiya estava deitado, ele bateu no corpo
três vezes com a mão e disse: ‘Amigo Korakkhattiya, você sabe o seu destino?’ E
Korakkhattiya se sentou, esfregou as costas com a mão e disse: ‘Amigo
Sunakkhatta, eu sei o meu destino. Eu renasci entre os asuras Kalakanjas, que é
o nível mais baixo dos asuras.’ E depois disso, ele novamente caiu de costas.
1.10.
“Então, Sunakkhatta veio até onde eu estava e depois de me cumprimentar, sentou
a um lado e eu disse: ‘Bem, Sunakkhatta, o que você pensa? Aquilo que lhe disse
com respeito ao ‘homem cachorro’ Korakkhattiya aconteceu ou não?’ - ‘Aconteceu da
forma como você disse, venerável senhor, e não de outra forma.’ - ‘Muito bem, o
que você pensa, Sunakkhatta? Um milagre foi realizado ou não?’ - ‘Com certeza,
venerável senhor, em sendo assim, um milagre foi realizado.’ - ‘Muito bem então,
homem tolo, você ainda diz para mim, depois de ter realizado esse milagre:
“Bem, venerável senhor, você não realizou nenhum milagre”? Considere, homem
tolo, que o erro é todo seu.’ E com essas minhas palavras Sunakkhatta deixou
este Dhamma e Disciplina como alguém condenado ao inferno.
1.11. “Em
certa ocasião, Bhaggava, eu estava em Vesali na Grande Floresta no Salão com um
pico na cumeeira. E naquela época havia um asceta nu em Vesali chamado
Kalaramutthaka que desfrutava de grandes ganhos e fama na capital dos Vajjias.
Ele tinha adotado sete regras de treinamento: ‘Enquanto eu viver serei um
asceta nu e nunca vestirei roupas; enquanto eu viver permanecerei casto
abstendo-me das relações sexuais; enquanto eu viver me alimentarei com bebidas
fortes e carne, abstendo-me do arroz cozido e do yogurte; enquanto eu viver não
irei além do templo Udena ao leste de Vesali, o templo Gotamaka ao sul, o
templo Sattamba a oeste, nem o templo Bahuputta ao norte.’ [4]
E foi por ter adotado essas sete regras que ele desfrutava de
grandes ganhos e fama entre todos na capital dos Vajjias.
1.12.
“Agora, Sunakkhatta foi até Kalaramutthaka e fez-lhe uma pergunta que ele não
foi capaz de responder e devido a isso ele demonstrou sinais de raiva, ódio e
petulância. Mas Sunakkhatta pensou: ‘Pode ser que eu ofenda esse verdadeiro
asceta Arahant. Eu não quero que nada aconteça que cause o meu dano e
sofrimento por muito tempo!’
1.13. “Então,
Sunakkhatta veio até onde eu estava e depois de me cumprimentar, sentou a um
lado e eu disse: ‘Homem tolo, você afirma ser um discípulo do Sakya?’ -
‘Venerável senhor, o que você quer dizer com essa pergunta?’ - ‘Sunakkhatta, você
não foi ver Kalaramutthaka para fazer uma pergunta que ele não seria capaz de
responder, e devido a isso ele não demonstrou sinais de raiva, ódio e
petulância? E você não pensou: “Pode ser que eu ofenda esse verdadeiro asceta
Arahant. Eu não quero que nada aconteça que cause o meu dano e sofrimento por
muito tempo”?’ - ‘Eu pensei, venerável senhor. O Abençoado inveja o estado de
Arahant dos outros?’ - ‘Eu não invejo o estado de Arahant dos outros, seu tolo!
Só você é capaz de ter essa idéia deturpada. Deixe isso de lado para que não
lhe traga dano e sofrimento por muito tempo! Esse asceta nu Kalaramutthaka, que
você considera ser um verdadeiro Arahant, estará em pouco tempo vestido e
casado, alimentando-se com arroz cozido e yogurte. Ele irá além de todos os
templos de Vesali e morrerá depois de
perder completamente a sua reputação.’ E de fato tudo isso aconteceu.
1.14.
“Então, Sunakkhatta, depois de ouvir o que havia acontecido, veio até onde eu
estava ... e eu disse: ‘Bem, Sunakkhatta, o que você pensa? Aquilo que lhe
disse com respeito à Kalaramutthaka aconteceu ou não? ... Um milagre foi
realizado ou não?’ ... E com essas minhas palavras Sunakkhatta deixou este
Dhamma e Disciplina como alguém condenado ao inferno.
1.15. “Em
certa ocasião, Bhaggava, eu estava em Vesali na Grande Floresta no Salão com um
pico na cumeeira. E naquela época havia um asceta nu em Vesali chamado
Patikaputta que desfrutava de grandes ganhos e fama na capital dos Vajjias. E
ele fez esta declaração na assembléia de Vesali: ‘O contemplativo Gotama afirma
ser um homem sábio, eu afirmo o mesmo. É correto que um homem sábio demonstre
isso realizando milagres. Se o contemplativo Gotama vier metade do caminho para
me encontrar, eu farei o mesmo. Então, poderemos, ambos, realizar milagres, e
se o contemplativo Gotama realizar um milagre, eu realizarei dois. Se ele
realizar dois, eu realizarei quatro. E se ele realizar quatro, eu realizarei
oito. Não importa quantos milagres o contemplativo Gotama realize, eu
realizarei o dobro!’
1.16.
“Então, Sunakkhatta veio até onde eu estava e depois de me cumprimentar, sentou
a um lado e contou-me aquilo que Patikaputta havia dito. Eu disse:
‘Sunakkhatta, esse asceta nu Patikaputta não será capaz de encontrar-se frente
a frente comigo, exceto se ele retirar as suas palavras, abandonar aqueles
pensamentos e desistir dessas idéias. E se ele pensar de outra forma, a cabeça
dele se partirá em pedaços. [5]
1.17. “’Venerável senhor, que o Abençoado tenha cuidado com o que diz,
que o Iluminado tenha cuidado com o que diz!’ - ‘O que você quer dizer com isso?’ -
‘Venerável senhor, o Abençoado poderá fazer uma afirmação definitiva sobre a
vinda de Patikaputta. Mas ele poderá vir numa forma alterada e dessa forma
falsificar as palavras do Abençoado!’
1.18. “’Mas
Sunakkhatta, o Tathagata faria alguma afirmação ambígua?’ - ‘Venerável senhor, o
Abençoado sabe através da sua própria mente o que aconteceria com Patikaputta?
Ou algum deva contou para o Tathagata?’ - ‘Sunakkhatta, eu sei através da minha
própria mente e também um deva me contou. Pois Ajita, o general dos Licchavis,
morreu noutro dia e renasceu na companhia dos devas do Trinta e Três. Ele veio
me ver e disse: “Venerável senhor, Patikaputta o asceta nu é um mentiroso
insolente! Ele declarou na capital dos Vajjias: ‘Ajita, o general dos
Licchavis, renasceu no grande inferno!’ Pois eu não renasci no grande inferno,
mas na companhia dos devas do Trinta e Três. Ele é um mentiroso, insolente...”
Portanto, Sunakkhatta, eu sei aquilo que disse através da minha própria mente,
mas também um deva me contou. E agora, Sunakkhatta, irei para Vesali esmolar
alimentos. Depois de regressar, após a refeição, irei para o descanso do meio
dia para o parque de Patikaputta. Você pode contar-lhe o que quiser.’
1.19.
“Então, depois de ter-me vestido e tomado a tigela e o manto externo fui para
Vesali esmolar alimentos. Depois de regressar fui até o parque de Patikaputta
para o descanso do meio dia. Nesse ínterim Sunakkhatta foi apressado para
Vesali e declarou para todos os Licchvais proeminentes: ‘Amigos, o Abençoado
foi para Vesali esmolar alimentos e depois disso ele irá para o descanso do
meio dia no parque de Patikaputta. Venham, amigos, venham! Os dois grandes
ascetas irão realizar milagres!’ E todos os Licchavis proeminentes pensaram:
‘Os dois grandes ascetas irão realizar milagres! Vamos acompanhá-lo!’ E ele foi
para os distinguidos e abastados Brâmanes e chefes de família e para os ascetas
de várias escolas e disse-lhes a mesma coisa e assim eles também pensaram:
‘Vamos acompanhá-lo!’ E assim todas aquelas pessoas, centenas e milhares,
vieram juntas para o parque de Patikaputta.
1.20.
“Patikaputta ouviu que todas aquelas pessoas tinham vindo para o seu parque e
que o contemplativo Gotama tinha vindo para o descanso do meio dia. Ao ouvir
essas notícias ele ficou tomado de medo e tremores e com os cabelos em pé. E
assim aterrorizado e tremendo e com os cabelos em pé ele se dirigiu para o
albergue dos errantes, Tinduka. Quando o grupo de pessoas soube que ele havia
ido para o albergue Tinduka, eles instruíram um homem para que fosse até
Patikaputta e lhe dissesse: ‘Amigo Patikaputta, venha! Todas essas pessoas
vieram até o seu parque e o contemplativo Gotama foi até lá para o descanso do
meio dia. Posto que você declarou na assembléia em Vesali: “O contemplativo
Gotama afirma ser um homem sábio, eu afirmo o mesmo ... (igual ao verso 15) ...
Não importa quantos milagres o contemplativo Gotama realize, eu realizarei o
dobro!” Então, agora venha até a metade do caminho, o contemplativo Gotama já
veio até a metade do caminho para encontrá-lo e está sentado para o descanso do
meio dia no seu parque.’
1.21.
“Então, aquele homem foi e comunicou a sua mensagem e ao ouvir aquilo
Patikaputta disse: ‘Eu estou indo, amigo, eu estou indo!’ Mas apesar de se
contorcer de todas as formas, ele não foi capaz de se levantar do seu assento.
Então, aquele homem disse: ‘Qual é o seu problema, amigo Patikaputta? O seu
traseiro está preso ao assento, ou é o assento que está preso ao seu traseiro?
Você segue dizendo: “Eu estou indo, amigo, eu estou indo!”, mas você só se
contorce e não se levanta do assento.’ E mesmo ouvindo essas palavras,
Patikaputta outra vez se contorceu sem conseguir se levantar.
1.22. “E
quando aquele homem compreendeu que Patikaputta seria incapaz de se levantar,
ele regressou para a assembléia e relatou a situação. E então, eu lhes disse:
‘Patikaputta o asceta nu não será capaz de encontrar-se frente a frente comigo
exceto se ele retirar as suas palavras, abandonar aqueles pensamentos e desistir
das suas idéias. E se ele pensar de outra forma, a cabeça dele se partirá em
pedaços.”’
[Fim da
primeira recitação]
2.1.
“Então, Bhaggava, um dos ministros dos Licchavis se levantou do seu assento e
disse: ‘Bem, senhores, esperem um pouco para ver se eu consigo trazer
Patikaputta para a assembléia.’ Assim, ele foi até o albergue Tinduka e disse
para Patikaputta: ‘Venha Patikaputta, será melhor se você vier. Todas essas
pessoas vieram até o seu parque e o contemplativo Gotama foi até lá para o descanso
do meio dia. Se você vier, faremos de você o vencedor e deixaremos que o
contemplativo Gotama seja derrotado.’
2.2.
“Patikaputta disse: ‘Eu estou indo, amigo, eu estou indo!’ Mas apesar de se
contorcer de todas as formas, ele não foi capaz de se levantar do seu assento
...
2.3. “Assim
o ministro regressou para a assembléia e relatou a situação. Depois eu disse:
‘Patikaputta não será capaz de encontrar-se comigo ... Mesmo se os bons Licchavis
pensassem: “Vamos amarrá-lo com correias e tentar arrastá-lo com bois
emparelhados!” ele romperia as correias. Ele não será capaz de encontrar-se
comigo ...’
2-4. Então,
Jaliya, um pupilo do asceta com a tigela de madeira, se levantou do seu assento
..., foi até o albergue Tinduka e disse para Patikaputta: ‘Venha
Patikaputta,... Se você vier, faremos de você o vencedor e deixaremos que o
contemplativo Gotama seja derrotado.’
2.5.
“Patikaputta disse: ‘Eu estou indo, amigo, eu estou indo!’ Mas apesar de se
contorcer de todas as formas, ele não foi capaz de se levantar do seu assento
...
2.6.
“Então, quando Jaliya compreendeu a situação, ele disse: ‘Patikaputta, certa
vez há muito tempo atrás, o leão, o rei dos animais, pensou: “E se eu fizesse o
meu covil perto de certa floresta. Assim eu poderia sair ao anoitecer, me espreguiçar,
inspecionar os quatro quadrantes, rugir o meu rugido de leão três vezes e
depois ir para o pasto do gado. Eu poderia então escolher o melhor do rebanho
como minha caça, teria um festim com carne macia e regressaria para o meu
covil.” E assim ele fez.
2.7.
“’Agora, havia um velho chacal, forte e orgulhoso, que tinha engordado com os
restos do leão. E ele pensou: “Que diferença existe entre eu e o leão, o rei
dos animais? E se eu fizesse o meu covil perto de certa floresta ...’ Assim ele
escolheu um covil e saindo ao anoitecer, inspecionou os quatro quadrantes e
pensou: “Agora rugirei um rugido de leão três vezes”, e ele emitiu um uivo
típico da sua espécie, um uivo de chacal. Pois o que há de comum entre um uivo
miserável de um chacal e o rugido de um leão? Do mesmo modo, Patikaputta, você
vive das realizações do Abençoado e se alimenta dos restos do Abençoado,
imaginando que você pode se colocar ao lado dos Tathagatas, Arahants e Budas
perfeitamente iluminados. Mas o que possuem os miseráveis Patikaputtas em comum
com eles?’
2.8.
“Então, incapaz, mesmo com a ajuda dessa parábola, de fazer com que Patikaputta
se levantasse do seu assento, Jaliya recitou este verso:
‘Pensando ser um leão, o chacal diz:
“Eu sou o rei dos animais”, e tenta rugir
o rugido de um leão, mas ao invés disso só uiva.
Um leão é um leão e um chacal sempre um chacal.
Do mesmo modo, Patikaputta, você vive das realizações do Abençoado ...’
2.9. “E
incapaz, mesmo com a ajuda dessa parábola, de fazer com que Patikaputta se
levantasse do seu assento, Jaliya recitou este verso:
‘Seguindo as pegadas de outrem e alimentando-se
de restos, ele se esquece da sua natureza de chacal,
pensando: “Eu sou um leão”, ele tenta rugir
um rugido poderoso, mas ao invés disso só uiva.
Um leão é um leão e um chacal sempre um chacal.
Do mesmo modo, Patikaputta, você vive das realizações do Abençoado ...’
2.10. “E
incapaz, mesmo com a ajuda dessa parábola, de fazer com que Patikaputta se
levantasse do seu assento, Jaliya recitou este verso:
‘Empanturrando-se com sapos e ratos da eira,
e cadáveres jogados fora nos cemitérios a céu aberto,
nas florestas solitário o chacal pensa:
“Eu sou o rei dos animais”, e tenta rugir
o rugido de um leão, mas ao invés disso só uiva.
Um leão é um leão e um chacal sempre um chacal.
Do mesmo
modo, Patikaputta, você vive das realizações do Abençoado e se alimenta dos
restos do Abençoado, imaginando que você pode se colocar ao lado dos Tathagatas,
Arahants e Budas perfeitamente iluminados. Mas o que possuem os miseráveis
Patikaputtas em comum com eles?’
2.11.
“Então, incapaz, mesmo com a ajuda dessa parábola, de fazer com que Patikaputta
se levantasse do seu assento, Jaliya regressou para a assembléia e relatou a
situação.”
2.12.
“Então, eu disse: ‘Patikaputta não será capaz de encontrar-se comigo... Mesmo
se os bons Licchavis pensassem: “Vamos amarrá-lo com correias e tentar
arrastá-lo com bois emparelhados!” ele romperia as correias. Ele não será capaz
de encontrar-se comigo ...’
2.13.
“Então, Bhaggava, eu instruí, motivei, estimulei e encorajei aquela assembléia
com um discurso do Dhamma. E tendo assim libertado aquela assembléia do
cativeiro, [6] dessa forma resgatando oitenta
e quatro mil seres do caminho do perigo, eu entrei no elemento fogo e levitei
no ar tão alto quanto a altura de sete palmeiras, projetando um raio da altura
de mais sete, chamejante e perfumado, assim reapareci no salão com um pico na
cumeeira na Grande Floresta.
“E lá,
Sunakkhatta veio ter comigo e depois de me cumprimentar sentou a um lado e eu
disse: ‘O Que você pensa, Sunakkhatta? Aquilo que lhe disse com respeito a
Patikaputta aconteceu ou não?’ - ‘Aconteceu, venerável senhor.’ - ‘E um milagre foi
realizado ou não?’ - ‘Foi, venerável senhor.’ - ‘Bem então, homem tolo, você ainda
diz depois de eu ter realizado esse milagre: “Bem, venerável senhor, você não
realizou nenhum milagre”? Considere, homem tolo, que o erro é todo seu.’ E,
Bhaggava, com essas minhas palavras Sunakkhatta deixou este Dhamma e Disciplina
como alguém condenado ao inferno.
2.14.
“Bhaggava, eu sei o começo de todas as coisas, [7] e eu não somente sei isso, mas aquilo que supera isso em valor. Mas
eu não estou sob a influência daquilo que sei e não estando sob essa influência
eu compreendi por mim mesmo esse desatamento, [8]
através do qual é impossível que o Tathagata siga pelo caminho errado. [9] Há, Bhaggava, alguns contemplativos e Brâmanes
que declaram como sua doutrina que todas as coisas começaram através da criação
por um deus, [10] Ao me aproximar deles eu
digo: ‘Veneráveis senhores, é verdade que vocês declaram que todas as coisas
começaram através da criação por um deus, ou Brahma?’ - ‘Sim’, eles respondem.
Então, eu pergunto: ‘Nesse caso, como os veneráveis mestres declaram ter isso
acontecido?’ Mas eles são incapazes de dar-me uma resposta e assim eles me
perguntam em retorno. E eu respondo:
2.15.-17.
“’Haverá um tempo quando, cedo ou tarde, após um longo período, este mundo irá
se contrair... os seres nascem principalmente no mundo de Abhassara ... e
assim eles permanecem por um longo tempo. Mas cedo ou tarde, depois de um longo
período, o mundo começa novamente a se expandir... Então um ser, com a exaustão
do seu tempo... renasce no palácio vazio de Brahma. Ele sente falta de
companhia e outros seres surgem, ele e os outros seres acreditam que ele os
criou (DN1.2.2-6). Assim, veneráveis senhores, é
como ocorre de vocês ensinarem que todas as coisas começaram através da criação
de um deus, ou Brahma.’ E eles dizem: ‘Nós ouvimos isso, Venerável Gotama, tal
como você explicou.’ Mas eu sei o começo de todas as coisas... e não estando
sob essa influência eu compreendi por mim mesmo esse desatamento, através do
qual é impossível que o Tathagata siga pelo caminho errado.
2.18. “Há
alguns contemplativos e Brâmanes que declaram que todas as coisas começaram
devido à corrupção pelo prazer. Tendo me aproximado deles eu perguntei se essa
era a sua doutrina. ‘Sim’, eles responderam. Eu perguntei como isso aconteceu e
quando eles foram incapazes de explicar, eu disse: ‘Há, amigos, certos devas chamados
Corrompidos pelo Prazer. Eles gastam um tempo excessivo se regozijando ... e
com a dissipação da atenção plena aqueles seres deixam aquele estado (DN 1.2.7-9). Assim, veneráveis senhores, é como ocorre
de vocês ensinarem que todas as coisas começaram devido à corrupção pelo
prazer.’ E eles dizem: ‘Nós ouvimos isso, Venerável Gotama, tal como você
explicou.’
2.19. “Há
alguns contemplativos e Brâmanes que declaram que todas as coisas começaram
devido à corrupção da mente. Ao me aproximar deles eu perguntei se essa era a
sua doutrina. ‘Sim’, eles responderam. Eu perguntei como isso aconteceu e
quando eles foram incapazes de explicar, eu disse: ‘Há, amigos, certos devas
chamados Mente Corrompida. Eles gastam um tempo excessivo observando um ao
outro com inveja... Por conta da mente corrompida o corpo e a mente deles ficam
exaustos. E eles deixam aquele estado (DN 1.2.10-13).
Assim, veneráveis senhores, é como ocorre de vocês ensinarem que todas as
coisas começaram devido à corrupção da mente.’ E eles dizem: ‘Nós ouvimos isso,
Venerável Gotama, tal como você explicou.’
2.20. “Há,
Baggava, alguns contemplativos e Brâmanes que declaram que todas as coisas
começaram devido ao acaso. Ao me aproximar deles eu perguntei se essa era a sua
doutrina. ‘Sim’, eles responderam. Eu perguntei como isso aconteceu e quando
eles foram incapazes de explicar, eu disse: ‘Há, amigos, certos devas chamados
não percipientes. Assim que uma percepção surge neles, eles deixam aquele
mundo... eles se recordam da sua última existência, mas não se recordam de
nenhuma antes daquela (DN 1.2.31) Eles pensam:
“antes eu não era, mas agora sou. Não sendo, passei a ser.” Assim, veneráveis senhores,
é como ocorre de vocês ensinarem que todas as coisas começaram devido ao
acaso.’ E eles dizem: ‘Nós ouvimos isso, Venerável Gotama, tal como você
explicou.’ Mas eu sei o começo de todas as coisas, e eu não somente sei isso,
mas aquilo que supera isso em valor. Mas eu não estou sob a influência daquilo
que sei e não estando sob essa influência eu compreendi por mim mesmo esse
desatamento, através do qual é impossível que o Tathagata siga pelo caminho
errado.
2.21. “E, Bhaggava,
eu que ensino isso e declaro isso sou, de modo errôneo, falso, mentiroso e em
vão, acusado por alguns contemplativos e Brâmanes que dizem: ‘O contemplativo
Gotama está no caminho errado e assim estão os seus bhikkhus. Ele declarou que
todos aqueles que alcançaram o estágio de libertação chamado de ‘belo’ vê tudo
como repulsivo.’ Mas eu não digo isso. O que digo é que sempre que alguém
alcançar o estágio de libertação chamado de ‘belo’ ele sabe que é belo.” [11]
“De fato, venerável senhor, aqueles que acusam o Abençoado e os seus
bhikkhus de erro, estão eles mesmos no caminho errado. Estou tão satisfeito com
o Abençoado que creio que o Abençoado poderia me ensinar como alcançar e
permanecer na libertação chamada de ‘belo’.
“É difícil
que você, Bhaggava, possuindo outras idéias, aceitando um outro ensinamento,
aprovando um outro ensinamento, dedicando-se a um outro treinamento e seguindo
um outro mestre, alcance e permaneça na libertação chamada de ‘belo’. Você
precisa se esforçar com determinação depositando a sua convicção em mim,
Bhaggava.”
“Venerável
senhor, mesmo se for difícil para eu alcançar e permanecer na libertação
chamada de ‘belo’, ainda assim deposito a minha convicção no Abençoado.” [12]
Isso foi o que disse o Abençoado. O errante Bhaggava ficou satisfeito e
contente com as palavras do Abençoado.
Notas:
[1] No DN 11.5 a realização de milagres é
condenada pelo Buda, como é aqui também, embora na seqüência o texto contradiga
as palavras do Buda. [Retorna]
[2] Um asceta como Seniya no MN 57. [Retorna]
[3] Os Kalakanjas são descritos como ‘terríveis de olhar’ no DN 20.12. [Retorna]
[4] Com relação a esse templos veja o DN 16.3.2
com as notas respectivas. [Retorna]
[5] Veja o DN 3.1.20. [Retorna]
[6] DA parece sugerir que todos alcançaram o estado de arahant. [Retorna]
[7] Aggañña. Veja o DN 27. [Retorna]
[8] Nibbuti. [Retorna]
[9] Anaya: caminho que conduz
ao sofrimento. [Retorna]
[10] Issara (Skt. Isvara):
‘Deus como criador e soberano.’ [Retorna]
[11] Conforme o DN 15.35.[Retorna]
[12] No DA não há nenhuma informação adicional sobre o interlocutor do
Buda neste sutta. A estrutura deste sutta é um pouco estranha, começando com a
contradição entre a condenação dos milagres pelo Buda e, mais adiante, a sua
realização de vários feitos milagrosos; essa parte termina no verso 2.14, que
parece ter sido adicionado de um modo um tanto desajeitado em resposta às
observações de Sunakkhatta no verso 1.5 (que já haviam sido respondidas a
contento). Em seguida o verso 2.21 é uma adição ainda menos relevante. Uma
outra característica curiosa é que este é um dos poucos suttas no Cânone que
consiste apenas de uma narrativa (ao contrário de um discurso), contada pelo
Buda para um terceiro que é uma figura desconhecida e que não lhe oferece
nenhum tipo de lealdade ou devoção. [Retorna]
Revisado: 5 Agosto 2006
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