Majjhima Nikaya 57
Kukkuravatika Sutta
O Contemplativo Nu com Deveres de Cão
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Introdução (por Bhikkhu
Khantipalo)
Havia pessoas muito estranhas na época do Buda que acreditavam em coisas muito
estranhas – porém não é muito diferente dos nossos dias de hoje em que as
pessoas ainda acreditam nas idéias mais estranhas e desequilibradas. Neste
sutta encontramos pessoas que acreditavam que imitando animais elas seriam
salvas. Talvez elas ainda se encontrem entre nós!
Freqüentemente crença é uma coisa, ação outra. Enquanto para algumas
pessoas as crenças às vezes influenciam as ações, para outras pessoas as suas
crenças estão bem separadas do que elas fazem. Mas o Buda disse que todas ações
intencionais, quer sejam pensamentos, linguagem ou ações corporais, não importa
como sejam expressadas, são kamma e
conduzem aquele que comete a ação a experimentar uma conseqüência cedo ou
tarde. Neste sutta o Buda classifica kamma em quatro grupos:
(i) escuro com um resultado sombrio,
(ii) claro com um resultado luminoso,
(iii) escuro e claro com um resultado sombrio e luminoso,
(iv) nem escuro nem claro com um resultado nem sombrio nem luminoso.
Kamma escuro (prejudicial) não tem um resultado luminoso (feliz), nem o
kamma claro (benéfico) tem um resultado sombrio (infeliz). O Kamma pode ser
misto, em que uma ação é cometida por uma variedade de motivos, alguns
benéficos, alguns prejudiciais. E o tipo de kamma que abre mão do apego e
interesse pelos outros três também existe e assim conduz para além do alcance do kamma.
1. Assim ouvi. Em certa ocasião o Abençoado estava entre os Koliyas em
uma cidade denominada Haliddavasana.
2. Então Punna, um filho dos Koliyas e um contemplativo com deveres
de boi e também Seniya um contemplativo
nu com deveres de cão, foram até o Abençoado. [1] Punna, o contemplativo com
deveres de boi cumprimentou o Abençoado e
sentou a um lado, enquanto que Seniya o contemplativo nu com deveres de cão cumprimentou o Abençoado, e quando a
conversa cortês e amigável havia
terminado, ele também ficou a um lado enrolado como um cão. Punna, o
contemplativo com deveres de boi, perguntou
ao Abençoado: “Venerável senhor, este Seniya é um contemplativo nu com deveres
de cão que faz tudo aquilo que é
difícil: ele come a comida que é jogada no chão. Ele adotou e pratica os
deveres de cão há muito tempo. Qual será
o seu destino? Qual será o seu futuro percurso?"
"Já chega, Punna, deixe isso para lá. Não me pergunte isso."
Uma segunda vez ...Uma terceira vez Punna, o contemplativo com deveres
de boi disse para o Abençoado:
“Venerável senhor, este Seniya, é um contemplativo nu com deveres de cão que faz tudo aquilo que é difícil: ele
come a comida que é jogada no chão. Ele adotou e pratica os deveres de cão há muito tempo Qual será o seu destino?
Qual será o seu futuro percurso?"
"Bem, Punna, já que eu certamente não consigo persuadi-lo quando
digo ‘Já chega, Punna, deixe isso para lá. Não me pergunte isso,’ eu então
responderei.
3. "Aqui, Punna, alguém desenvolve os deveres de um cão
completamente e sem interrupção, ele desenvolve os hábitos de um cão
completamente e sem interrupção, ele desenvolve a mente de um cão completamente
e sem interrupção, ele desenvolve o comportamento de um cão completamente e sem
interrupção. Tendo feito isso, na dissolução do corpo, após a morte, ele
renasce na companhia de cães. Porém se a sua opinião é esta: ‘Por essa virtude
ou dever ou ascetismo ou vida religiosa eu me tonarei um (grande) deva ou algum
deva (de menor importância),' esse é um entendimento incorreto. Agora, eu digo,
existem duas destinações para uma pessoa com o entendimento incorreto: o
inferno ou o ventre animal. [2] Assim, Punna, se o dever
de um cão for aperfeiçoado, o levará para a companhia de cães; se não for, o
levará para o inferno."
4. Quando isto foi dito, Seniya o contemplativo nu com deveres de cão chorou e derramou lágrimas. Então o
Abençoado disse a Punna, filho dos Koliyas e contemplativo com deveres de boi:
"Punna, eu não consegui persuadi-lo quando disse ‘Já chega, Punna,
deixe isso para lá. Não me pergunte isso."
[Então Seniya, o contemplativo nu com deveres de cão disse:] "Venerável senhor, eu não
estou chorando porque o Abençoado disse isso a meu respeito, mas porque este
dever de cão foi adotado e praticado por mim por muito tempo. Venerável senhor,
esse Punna, um filho dos Koliyas é um contemplativo com deveres de boi. Ele
adotou e pratica os deveres de boi há muito tempo. Qual será o seu destino?
Qual será o seu percurso futuro?"
"Já chega, Seniya, deixe isso para lá. Não me pergunte isso."
Uma segunda vez ... Uma terceira vez Seniya, o contemplativo nu com deveres
de cão perguntou ao Abençoado:
“Venerável senhor, ali está Punna, um filho dos Koliyas e contemplativo com
deveres de boi; ele adotou e pratica os deveres de boi há muito tempo. Qual
será o seu destino? Qual será o seu futuro percurso?"
"Bem, Seniya, já que eu certamente não consigo persuadi-lo quando
digo ‘Já chega, Seniya, deixe isso para lá. Não me pergunte isso,’ eu então
responderei."
5. "Aqui, Seniya, alguém desenvolve os deveres de um boi
completamente e sem interrupção, ele desenvolve os hábitos de um boi
completamente e sem interrupção, ele desenvolve a mente de um boi completamente
e sem interrupção, ele desenvolve o comportamento de um boi completamente e sem
interrupção. Tendo feito isso, na dissolução do corpo, após a morte, ele
renasce na companhia de bois. Mas se a sua opinião é esta: ‘Por essa virtude ou
dever ou ascetismo ou vida religiosa eu me tonarei um (grande) deva ou algum
deva (de menor importância),' esse é um
entendimento incorreto. Agora, eu digo, existem duas destinações para uma
pessoa com o entendimento incorreto: o inferno ou o ventre animal. Assim,
Seniya, se o dever de um boi for aperfeiçoado, o levará para a companhia de
bois; se não for, o levará para o inferno."
6. Quando isto foi dito, Punna, o filho dos Koliyas com deveres de boi chorou e derramou lágrimas. Então o
Abençoado disse a Seniya o contemplativo nu com deveres de cão:
"Seniya, eu não consegui persuadi-lo quando disse ‘Já chega,
Seniya, deixe isso para lá. Não me pergunte isso."
[Então, Punna, o contemplativo com deveres de boi disse:]
"Venerável senhor, eu não estou chorando porque o Abençoado disse
isso a meu respeito, mas porque este dever de boi foi adotado e praticado por
mim por muito tempo. Venerável senhor, eu tenho confiança no Abençoado,
portanto: 'O Abençoado é capaz de me ensinar o Dhamma de tal forma que eu possa
abandonar esse dever de boi e que Seniya, o contemplativo nu com deveres de
cão, possa abandonar esse dever de cão?'"
"Então, Punna, ouça
e preste muita atenção àquilo que eu vou dizer."
"Sim, venerável senhor," ele respondeu. O Abençoado disse
isto:
7. "Punna, existem quatro tipos de ações proclamadas por mim após
tê-las compreendido por mim mesmo com conhecimento direto. Quais quatro? Existe a
ação escura com um resultado sombrio, existe a ação clara com resultado
luminoso, existe a ação escura e clara com resultado sombrio e luminoso, e
existe a ação que não é escura nem clara com resultado nem sombrio, nem
luminoso, ação que conduz à destruição da ação.
8. “E o que, Punna, é ação
escura com resultado sombrio? Aqui alguém gera
uma formação corporal aflitiva,
uma formação verbal aflitiva, uma formação mental aflitiva. [3] Tendo gerado uma formação corporal
aflitiva, uma formação verbal aflitiva, uma formação mental aflitiva, ele
renasce em um mundo com aflição. [4] Quando
ele renasce em um mundo com aflição, contatos aflitivos o tocam. Sendo tocado por
contatos aflitivos, ele sente sensações aflitivas, extremamente dolorosas como
no caso de seres no inferno. Assim o renascimento de um ser se deve ao
próprio ser: [5] ele renasce devido às ações
que realizou. Quando ele renasce, contatos o tocam. Assim eu digo que os seres
são os herdeiros das suas ações. A isto se denomina ação escura com resultado
sombrio.
9. “E o que, Punna, é ação clara com resultado luminoso? Aqui alguém
gera uma formação corporal sem
aflição, uma formação verbal sem
aflição, uma formação mental sem aflição. [6] Tendo
gerado uma formação corporal sem aflição, uma formação verbal sem aflição, uma
formação mental sem aflição, ele renasce num mundo sem aflição.[7]
Quando ele renasce num mundo sem aflição, contatos sem aflição o
tocam. Sendo tocado por contatos sem aflição, ele sente sensações sem aflição,
extremamente prazerosas como no caso dos devas Subhakinna. Assim o
renascimento de um ser se deve ao próprio ser: ele renasce devido às ações
que realizou. Quando ele renasce, contatos o tocam. Assim eu digo que os seres
são os herdeiros das suas ações. A isto se denomina ação clara com resultado
luminoso.
10. “E o que, Punna, é ação escura e clara com resultado sombrio e
luminoso? Aqui alguém gera uma formação
corporal que é tanto aflitiva como sem aflição, uma formação verbal que é tanto
aflitiva como sem aflição, uma formação mental que é tanto aflitiva como sem
aflição.[8] Tendo gerado uma formação corporal
que é tanto aflitiva como sem aflição, uma formação verbal que é tanto aflitiva
como sem aflição, uma formação mental que é tanto aflitiva como sem aflição,
ele renasce num mundo que é tanto aflitivo como sem aflição. Quando ele renasce
num mundo que é tanto aflitivo como sem aflição, contatos que são tanto
aflitivos como sem aflição o tocam. Sendo tocado por contatos que são tanto
aflitivos como sem aflição, ele sente sensações que são tanto aflitivas como
sem aflição, prazer e dor misturados, como no caso dos seres humanos e alguns
devas e alguns seres nos mundos inferiores. Assim o renascimento de um ser se
deve ao próprio ser: ele renasce devido às ações que realizou. Quando ele
renasce, contatos o tocam. Assim eu digo que os seres são os herdeiros das suas
ações. A isto se denomina ação escura e luminosa com resultado sombrio e
radiante
11. “E o que, Punna, é ação que não é escura nem clara com resultado
nem sombrio, nem luminoso, ação que conduz à exaustão da ação? Nisto, a volição
de abandonar o tipo de ação que é escura com resultado sombrio, a volição de
abandonar o tipo de ação clara com resultado luminoso e a volição de abandonar
o tipo de ação que é escura e clara com resultado sombrio e luminoso: a isto se
denomina a ação que não é escura nem clara com resultado nem sombrio nem
luminoso, ação que conduz à destruição da ação. [9] Essas são os quatro tipos de
ações proclamadas por mim após tê-las realizado por mim mesmo com conhecimento
direto."
12. Quando isto foi dito, Punna, um filho dos Koliyas e contemplativo
com deveres de boi, disse ao Abençoado:
“Magnífico, venerável senhor! Magnífico, venerável senhor! O Abençoado
esclareceu o Dhamma de várias formas como se tivesse colocado em pé o que estava de cabeça para baixo,
revelasse o que estava escondido, mostrasse o caminho para alguém que estivesse
perdido ou segurasse uma lâmpada no escuro para aqueles que possuem visão
pudessem ver as formas. Eu busco refúgio no Abençoado, no Dhamma e na
Sangha dos bhikkhus. Que a partir de hoje o Abençoado me aceite como um
discípulo leigo que tomou refúgio para o resto da vida."
13. Porém Seniya o contemplativo nu com deveres de cão disse ao Abençoado: “Magnífico, venerável
senhor! Magnífico, venerável senhor! O Abençoado esclareceu o Dhamma de várias
formas, como se tivesse
colocado em pé o que estava de cabeça para baixo, revelasse o que estava
escondido, mostrasse o caminho para alguém que estivesse perdido ou segurasse
uma lâmpada no escuro para aqueles que possuem visão pudessem ver as formas. Eu busco
refúgio no Abençoado, no Dhamma e na Sangha dos bhikkhus. Eu receberia a
admissão na vida santa sob o Abençoado e a admissão completa.
14. "Seniya, quem pertencia anteriormente a uma outra seita e que
quer ser admitido na vida santa e a admissão completa neste Dhamma e Disciplina
terá um período de noviciado de quatro meses.[10] Ao final dos quatro meses se os bhikkhus estiverem satisfeitos com
ele, eles lhe darão a admissão na vida santa e também a admissão completa como
bhikkhu. Eu reconheço diferenças entre indivíduos neste assunto." [11]
"Venerável senhor, se aqueles que pertenceram
anteriormente a uma outra seita querem a admissão na vida santa e a admissão
completa nesse Dhamma e Disciplina vivem
como noviços durante quatro meses e ao final dos quatro meses os bhikkhus que
estiverem satisfeitos com ele lhe darão admissão na vida santa e também a
admissão completa como bhikkhu, eu viverei como noviço durante quatro anos. Ao
final dos quatro anos, se os bhikkhus estiverem
satisfeitos, que me dêem a admissão na vida santa e a admissão completa
como bhikkhu"
18. Então Seniya o contemplativo nu com deveres de cão recebeu a admissão na vida santa sob o
Abençoado e ele recebeu a admissão completa como bhikkhu. E não muito tempo
depois da sua admissão completa, permanecendo só, isolado, diligente, ardente e decidido, o
venerável Seniya, alcançou e permaneceu
no objetivo supremo da vida santa pelo qual membros de um clã deixam a vida em
família pela vida santa, tendo conhecido e realizado por si mesmo no aqui e
agora. Ele soube: “O nascimento foi destruído, a vida santa foi vivida, o que
deveria ser feito foi feito, não há mais vir a ser a nenhum estado.” E assim o venerável Seniya tornou-se mais um dos Arahants.
Notas:
[1] MA: Punna usava
chifres na cabeça, amarrava um rabo nas costas e pastava juntos com as vacas.
Seniya agia tipicamente como um cão [Retorna]
[2] Deve ser notado que
uma prática ascética incorreta tem conseqüências menos severas quando é feita
sem entendimento incorreto do que quando é acompanhada do entendimento
incorreto. Embora poucos nos dias de hoje assumam a prática do contemplativo
com deveres de um cão, muitos outros estilos de vida depravados têm se tornado
freqüentes e, na medida em que eles sejam justificados pelo entendimento
incorreto, as suas conseqüências serão muito mais danosas. [Retorna]
[3] Sabyagajjham
kayasankharam (vasisankharam, manosankharam) abhisankharoti. Aqui uma
“formação corporal aflitiva” pode ser entendida como a volição responsável
pelos três tipos de ações prejudiciais com o corpo; uma “formação verbal
aflitiva” é a volição responsável pelos quatro tipos de ação verbal
prejudiciais; e uma “formação mental aflitiva” é a volição responsável pelos
três tipos de ação mental prejudiciais. Veja o MN 9.4. [Retorna]
[4] Ele renasce em um dos
estados de privação – inferno, o reino animal ou o mundo dos fantasmas. [Retorna]
[5] Bhuta bhutassa upapatti hoti. MA: Os
seres renascem através das ações que realizam e de maneiras que se
ajustam a essas ações. As implicações desta tese são exploradas em mais detalhe
no MN 135 e MN 136. [Retorna]
[6] Aqui se
entende a volição responsável pelos dez tipos de ações benéficas juntamente com
a volição dos jhanas. [Retorna]
[7] Ele renasce nos mundos dos devas. [Retorna]
[8] Estritamente, nenhuma ação volitiva pode ser ao
mesmo tempo benéfica e prejudicial, pois a volição responsável pela ação tem
que ser uma ou outra. Dessa forma aqui devemos entender que o ser engaja em uma
mistura de ações benéficas e prejudiciais, nenhuma das quais é particularmente
predominante. [Retorna]
[9] MA: essa é a volição dos quatro caminhos
supramundanos que culminam com o arahant. Embora o arahant execute ações, as suas
ações não possuem mais nenhum poder cármico para gerar uma nova existência ou
para gerar resultados na presente existência. [Retorna]
[10] MA explica que pabbajja, ‘admitido na
vida santa’, é aqui mencionado como uma figura de linguagem. Na realidade ele é
admitido na vida santa antes do período de noviciado e então vive como noviço durante quatro meses
antes de ter o direito a receber upasampada, a admissão completa na
Sangha. [Retorna]
[11] MA: O Buda pode decidir: “Esta pessoa deve
viver como noviço, esta pessoa não precisa viver como noviço”. [Retorna]
Revisado: 3 Março 2008
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