Digha Nikaya 19
Mahagovinda Sutta
O Grande Administrador – Uma Vida Passada de Gotama
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1. Assim
ouvi. Em certa ocasião, o Abençoado estava
em Rajagaha, no Pico do Abutre. Então, quando a noite estava bem
avançada, o gandhabba Pancasikha [1] iluminou
todo o Pico do Abutre com uma belíssima luminosidade [2] e se aproximou do Abençoado. Ao se aproximar ele homenageou o
Abençoado e ficando em pé a um lado Pancasikha disse: “Venerável senhor, eu
gostaria de relatar aquilo que vi e observei pessoalmente quando estava na
presença dos devas do Trinta e Três.” - “Diga Então, Pancasikha”, o Abençoado
disse.
2. -3.
“Venerável senhor, no passado, há muito tempo, no uposatha do décimo quinto
dia, no final da estação das chuvas, na noite de lua cheia, todos os devas do
Trinta e Três estavam reunidos no Salão Sudhamma ... (igual ao DN 18.12) ... E por essa razão os devas do Trinta e Três ficavam
satisfeitos, felizes, cheios de prazer e alegria, dizendo: “A hoste dos devas está crescendo,
a hoste dos asuras está diminuindo!”. Então, Sakka recitou estes versos:
‘Os devas do Trinta e Três se alegram, o seu líder também,
elogiando o Tathagata e a verdade do Dhamma,
vendo devas recém-chegados, luminosos e gloriosos
que viveram a vida santa, agora bem renascidos.
Eclipsando todos os demais em fama e esplendor,
os discípulos distinguidos do Sábio poderoso.
Vendo isso, os devas do Trinta e Três se alegram, o seu líder também,
elogiando o Tathagata e a verdade do Dhamma.’
Em vista disso,
os devas do Trinta e Três se alegraram ainda mais dizendo: ‘A hoste dos devas
está crescendo, a hoste dos asuras está diminuindo!’
4.
[Pancasikha continua:] “Então, Sakka, vendo a satisfação deles, disse para os
devas do Trinta e Três: ‘Senhores, vocês gostariam de ouvir oito afirmações
verdadeiras em louvor do Abençoado?’ E obtendo a concordância deles ele
declarou:
5. “’O que
pensam os senhores do Trinta e Três? Com relação ao modo como o Abençoado se
esforçou pelo bem-estar e pela felicidade de devas e humanos, por compaixão
pelo mundo e pelo bem-estar e felicidade de muitos – não podemos encontrar um outro mestre
dotado dessas qualidades, quer consideremos o passado ou o presente, que não
seja o Abençoado.
6. “’Bem
proclamado, deveras, é o Dhamma do Abençoado, visível no aqui e agora, com
efeito imediato, que convida ao exame, que conduz para adiante, para ser
experimentado pelos sábios por eles mesmos – e não podemos encontrar nenhum
outro proclamador de uma doutrina que conduza para adiante como essa, quer seja
no passado ou no presente, que não seja o Abençoado.
7. “’O
Abençoado explicou bem o que é correto e o que é incorreto, o que é censurável
e o que não é, o que deve ser praticado e o que não deve, o que é vulgar e o
que é nobre, o que tem qualidade inferior, superior ou mista. [3]
E não podemos encontrar nenhum outro proclamador dessas coisas
.... que não seja o Abençoado.
8.
“’Novamente, o Abençoado explicou bem para os seus discípulos o caminho que
conduz a Nibbana, [4] e eles coalescem,
Nibbana e o caminho, igual às águas do Ganges e do Yamuna coalescem e fluem
juntas. E não podemos encontrar nenhum outro proclamador do caminho para nibbana .... que não seja o Abençoado.
9. “’ E o
Abençoado obteve companheiros, tanto treinandos [5] como aqueles que, tendo vivido a vida santa eliminaram as
impurezas, [6] e o Abençoado permanece junto
deles, todos regozijando-se naquela única coisa. E não podemos encontrar nenhum outro mestre
.... que não seja o Abençoado.
10. “’As
oferendas dadas ao Abençoado são bem dadas, a fama dele está bem estabelecida,
tanto assim que, eu penso, os Khattiyas continuarão apegados a ele, no entanto
o Abençoado aceita as suas esmolas de alimentos sem presunção. E não podemos
encontrar nenhum outro mestre que faça isso.... que não seja o Abençoado.
11. “’E o
Abençoado age de acordo com o que ele fala, e fala de acordo com as suas ações.
E não podemos encontrar nenhum outro mestre que faça isso, com relação a cada
detalhe da doutrina .... que não seja o Abençoado.
12. “’O
Abençoado superou a dúvida, foi além do ‘como’ e ‘porque’, ele realizou o
objetivo da vida santa suprema. E não
podemos encontrar nenhum outro mestre que tenha feito isso, quer consideremos o
passado ou o presente, que não seja o Abençoado.’
“E quando
Sakka assim proclamou essas oito afirmações verdadeiras em louvor do Abençoado,
os devas do Trinta e Três ficaram ainda mais satisfeitos, felizes, cheios de
prazer e alegria com aquilo que haviam ouvido em louvor ao Abençoado.
13. “Então,
alguns devas exclamaram: ‘Ah, se pelo menos quatro Budas perfeitamente
iluminados surgissem no mundo e ensinassem o Dhamma como o Abençoado! Isso
seria pelo bem-estar e pela felicidade de muitos, por compaixão pelo mundo,
pelo bem-estar e felicidade de devas e humanos!’ E alguns disseram: ‘Que não
fossem quatro Budas perfeitamente iluminados – três bastariam!’ E outros
disseram: ‘Que não fossem três – dois bastariam!’
14. “Com
relação a isso Sakka disse: ‘É impossível, senhores, não pode acontecer que
dois Budas perfeitamente iluminados, possam surgir ao mesmo tempo no mundo -
não existe essa possibilidade. Que este Abençoado continue a viver por muitos
anos, livre da doença e enfermidade! Isso seria pelo bem-estar e pela
felicidade de muitos, por compaixão pelo mundo, pelo bem-estar e felicidade de
devas e humanos!’
“E Então,
os devas do Trinta e Três consultaram e deliberaram juntos sobre o assunto pelo
qual eles haviam se reunido no salão Sudhamma, e os Quatro Grandes Reis
aconselharam e alertaram com relação a esse assunto, permanecendo imóveis nos
seus assentos.
15-16. “Uma
luminosidade gloriosa surgiu, surgiu do norte e o esplendor visto era mais intenso que o brilho dos devas
E Sakka disse para os devas do Trinta e Três: “Senhores, quando esses sinais são vistos, quando essa
luz aparece e surge um brilho, então Brahma irá aparecer. Pois esses sinais são os
presságios da aparição de Brahma.” ... (igual ao DN 18.15-17).
17. “Então,
o Brahma Sanankumara, tendo descido do seu mundo, e vendo o contentamento
deles, recitou estes versos:
‘Os devas do Trinta e Três se alegram, o seu líder também ... ’ (igual
verso 2 acima)
18. “Agora
com relação ao discurso do Brahma Sanankumara ... (igual ao DN 18.19).
19. “Então,
os devas do Trinta e três disseram para o Brahma Sanankumara: ‘Muito bem,
Brahma! Nós nos regozijamos com aquilo que ouvimos. Sakka, o senhor dos devas
também nos declarou oito afirmações verdadeiras em louvor do Abençoado, e nós
também nos regozijamos com isso.’ Então, Brahma disse para Sakka: ‘Muito bem,
senhor dos devas. E nós também gostaríamos de ouvir essas oito afirmações
verdadeiras em louvor do Abençoado.’ ‘Muito bem, Grande Brahma’, Sakka disse, e
ele repetiu aquelas oito afirmações:
20.-27. “’O
que você pensa, venerável Brahma ...? (igual aos versos 5-12). E o Brahma
Sanankumara ficou satisfeito, feliz, cheio de prazer e alegria com aquilo que
ouviu em louvor do Abençoado.
28. “Então,
o Brahma Sanankumara depois de assumir uma forma mais grosseira, apareceu para os devas do
Trinta e Três com a forma do jovem Pancasikha ... (igual ao DN18.18) [7]
... E assim de pernas cruzadas ele disse para os devas do Trinta e
Três: ‘Há quanto tempo o Abençoado possui poderosa sabedoria?’
29. “’Certa
vez, houve um rei chamado Disampati. O seu ministro era um Brâmane chamado
Administrador. [8] O filho do rei era um jovem
chamado Renu e o filho do administrador se chamava Jotipala. O príncipe Renu e
Jotipala, junto com outros seis Khattiyas, formavam um grupo de oito amigos.
Depois de um certo tempo o Administrador morreu e o Rei Disampati enlutado
dizia: “Ai de mim, exatamente agora que havíamos transferido todas as nossas
responsabilidades para o Administrador e estávamos nos entregando aos prazeres
dos cinco sentidos, o Administrador morreu!”
“’Ouvindo
isso, o príncipe Renu disse: “Senhor, não se entristeça tanto pela morte do
Administrador! O filho dele, Jotipala, é mais esperto que o pai era e sabe
distinguir bem o que é vantajoso. Você deveria deixar que Jotipala administre
todos os negócios que você havia delegado ao pai dele.” - “É verdade isso, meu
filho?” - “Sim, senhor.”
30.
“’Então, o Rei chamou um homem e disse: “Venha, meu bom homem, vá até o jovem
Jotipala e diga: ‘Que o venerável Jotipala esteja bem! o Rei Disampati o chama,
ele gostaria de vê-lo.’” - “Muito bem, Majestade”, o homem respondeu, e comunicou
a mensagem. Ao receber a mensagem, Jotipala disse: “Muito bem, senhor’, e foi
ver o Rei. Ao chegar na presença do Rei eles se cumprimentaram de forma cortês
e ele sentou a um lado. O Rei disse: “Desejamos que o venerável Jotipala
administre os nossos negócios. Não recuse. Eu o colocarei no lugar do seu pai e
o ungirei como Administrador.” - “Muito bem, venerável senhor”, Jotipala
respondeu.
31.
“’Assim, o rei Disampati nomeou Jotipala como administrador no lugar do seu
pai. E uma vez nomeado, Jotipala realizou os negócios que o seu pai realizava,
não fazendo nenhum tipo de negócio que o seu pai não havia feito. Ele completou
todas as tarefas que o seu pai havia contemplado, nenhuma outra. E as pessoas
diziam: “Esse Brâmane é deveras um administrador! De fato ele é um grande
administrador!” E assim foi como o jovem Brâmane Jotipala passou a ser
conhecido como o Grande Administrador.
32. “’E um
certo dia, o Grande Administrador foi até o grupo de seis nobres e disse: “O
rei Disampati está velho, com a idade avançada, atribulado pelos anos, avançado na vida, já no
último estágio. A sua vida está
próxima do fim e ele não irá durar muito mais. Quem poderá dizer quanto tempo
as pessoas irão viver? Quando o rei Disampati morrer, os ‘fazedores de reis’ [9] com certeza irão ungir o príncipe Renu como
rei. Vocês devem ir até o príncipe Renu e dizer: ‘Nós somos os amigos amados,
estimados e favoritos do príncipe Renu, compartindo das suas alegrias e
tristezas. Nosso rei Disampati está velho ... Quando ele morrer, os fazedores
de reis com certeza irão ungir o príncipe Renu como rei. Se o príncipe Renu
obtiver o reinado, que ele o comparta conosco.’”
33. “’Muito
bem, senhor’, os seis nobres disseram e foram até o príncipe Renu e falaram com
ele da forma proposta pelo Grande Administrador. ‘Muito bem, senhores, quem,
além de mim, deveria prosperar? Vocês. Senhores, se eu obtiver o reinado,
comparti-lo-ei com vocês.’
34. “’No
seu devido tempo o rei Disampati morreu e os fazedores de reis ungiram o
príncipe Renu como rei. E tendo sido feito rei, Renu se entregou aos prazeres
dos cinco sentidos. Então, o Grande Administrador foi até os seis nobres e disse:
“Senhores, agora que o rei Disampati morreu, o príncipe Renu que foi ungido
como rei, se entregou aos prazeres dos cinco sentidos. Quem sabe o que irá
resultar disso? Os prazeres sensuais são embriagantes. Vocês deveriam ir ter
com ele e dizer: ‘O Rei Disampati está morto e o príncipe Renu foi ungido como
Rei. Você lembra da sua promessa, senhor?’”
“’Eles
assim fizeram e o Rei disse: “Senhores, eu lembro da minha palavra. Quem é
capaz de dividir este reino poderoso tão largo no norte e tão estreito no sul,
em sete partes iguais?” - “Quem de fato, senhor, exceto o Grande Administrador?”
35. “”Assim
o rei Renu mandou um homem até o Grande Administrador dizendo: “Senhor, o Rei o
chama.” O homem foi e o Grande Administrador veio até o Rei e depois de cumprimentá-lo
com cortesia sentou a um lado. Então, o Rei disse: “Venerável Administrador, vá
e divida este reino poderoso, tão largo no norte e tão estreito no sul, em sete
partes iguais.” - “Muito bem, Senhor,” disse o Grande Administrador, e assim ele
fez.
36. “’ E o
reino de Renu estava no centro:
Dantapura vai para os Kalingas, Potaka para os Assakas,
Mahissati para os Avantis, Roruka para os Soviras.
Mithila para os Videhas, Campa para os Angas,
Benares para os Kasi, assim distribuiu o Administrador.
Os seis
nobres ficaram satisfeitos com os seus ganhos respectivos e o êxito do plano:
“Aquilo que queríamos, desejávamos, objetivávamos e nos esforçamos para
conseguir, nós obtivemos!”
Sattabhu, Brahmadatta, Vessabhu e Bharata,
Renu e dois Dhataratthas, esses são os sete
reis Bharat.’
[Fim da
primeira recitação]
37.
“’Então, os seis nobres foram até o Grande Administrador e disseram:
“Venerável
Administrador, você tem sido um amigo fiel, sincero e amado pelo Rei Renu e
assim também por nós. Por favor administre os nossos negócios! Nós esperamos
que você não recuse.” Assim ele administrou os reinos de sete reis ungidos e
ele ensinou os mantras para sete Brâmanes ilustres e setecentos pupilos
avançados.
38. “’Com o
passar do tempo, esta boa reputação havia se espalhado com relação ao Grande
Administrador: “O Grande Administrador pode ver Brahma com os seus próprios
olhos, conversa com ele cara a cara e o consulta!” E ele pensou: “Agora essa
boa reputação tem se espalhado a meu respeito, que eu posso ver Brahma com os
meus próprios olhos, ... mas isso não é verdade. No entanto, eu ouvi, dito por
anciãos e Brâmanes respeitados, mestres de mestres, que qualquer um que se
isole em meditação durante os quatro meses das chuvas, desenvolvendo a absorção
na compaixão, poderá ver Brahma com os próprios olhos, conversar com ele cara a
cara e consultá-lo. E se eu fizesse isso!” [10]
39. “’Assim, o Grande Administrador foi até o Rei Renu e relatou o que havia
acontecido e do seu desejo de ir para um retiro e desenvolver a absorção na
compaixão. “E ninguém deve se aproximar de mim, exceto para me trazer comida.”
- “Venerável Administrador, faça como julgar adequado.”
40. “’Os
seis nobres responderam da mesma forma: “Venerável Administrador, faça como
julgar adequado.”
41. “’Ele
foi até os sete Brâmanes e os setecentos pupilos e contou sobre a sua intenção,
adicionando: “Portanto, senhores, vocês sigam recitando os mantras que ouviram
e aprenderam e ensinem-nos para os outros.” - “Venerável Administrador, faça como
julgar adequado”, eles responderam.
42.
“’Então, ele foi falar com as suas quarenta esposas, e elas disseram:
“Venerável Administrador, faça como julgar adequado.”
43.
“’Assim, o Grande Administrador construiu uma nova moradia no lado leste da
cidade e lá se isolou durante os quatro meses das chuvas, desenvolvendo a
absorção na compaixão, e ninguém se aproximou dele, exceto para levar comida.
Mas ao final dos quatro meses ele não sentiu nada além de cansaço e
insatisfação pensando: “Eu ouvi, dito ... que qualquer um que se isole em
meditação durante os quatro meses das chuvas, desenvolvendo a absorção na
compaixão, poderá ver Brahma com os próprios olhos ... Mas eu não consigo ver
Brahma com os meus próprios olhos e não posso conversar ou discutir com ele ou
consultá-lo!”
44.
“’Agora, o Brahma Sanankumara soube com a sua mente o pensamento na mente dele.
Então, com a mesma rapidez com que um homem forte pode estender o seu braço
flexionado ou flexionar o seu braço estendido, Brahma Sanankumara desapareceu
do mundo de Brahma e apareceu na frente do Grande Administrador. E o Grande
Administrador sentiu medo e terror, seus cabelos ficaram em pé em vista daquela
aparição que ele nunca havia visto antes. E assim medroso e aterrorizado, com
os cabelos em pé, ele se dirigiu ao Brahma Sanankumara com estes versos:
“Oh visão esplêndida, gloriosa e divina,
quem é você, Senhor? Eu anseio saber o seu nome.”
“’No paraíso eu sou conhecido por todos:
Brahma Sanankumara – assim sou conhecido.”
“Um assento, água para os pés, doces,
são apropriados para um Brahma. Que o Venerável
decida pela hospitalidade.”
“Nós aceitamos aquilo que é oferecido: agora diga
o que você deseja de nós – um favor,
benefício nesta mesma vida ou na seguinte.
Diga, Venerável Administrador, o que você deseja.”
45.
“’Então, o Grande Administrador pensou: “O Brahma Sanankumara me oferece um
favor. O que devo pedir – benefício nesta vida ou naquelas que virão?” Então, ele
pensou: “Eu sou um experto nas vantagens nesta vida e outros me consultam sobre
isso. E se eu pedisse para o Brahma Sanankumara algo que beneficie a vida que
virá?” E ele se dirigiu ao Brahma com estes versos:
“Eu pergunto ao Brahma Sanankumara o seguinte,
duvidando, pergunto a quem não tem dúvidas
(em nome de outros também pergunto): fazendo o quê
os mortais podem alcançar o imortal mundo de Brahma?”
“Aquele que rejeita todos os pensamentos possessivos,
só, diligente, cheio de compaixão,
afastado do fedor, livre da cobiça -
assim estabelecido, treinando assim,
os mortais poderão alcançar o imortal mundo de Brahma.”[11]
46. “’”Eu compreendo ‘Rejeita todos os pensamentos possessivos’. Isso
significa que ele renuncia todas as suas posses, grandes ou pequenas, abandona
os seus familiares, muitos ou poucos, raspa o cabelo e barba, deixa a vida em
família e segue a vida santa. Assim é como entendo ‘Rejeita todos os
pensamentos possessivos’. Eu compreendo ‘Só, diligente’. Isso significa que ele
vai só e escolhe um local na floresta, à sombra de uma árvore, uma montanha,
uma ravina, uma caverna numa encosta, um cemitério, um matagal, um espaço
aberto, uma cabana vazia ... Eu compreendo ‘Cheio de compaixão’. Isso significa
que ele permanece permeando o primeiro quadrante com a mente imbuída de
compaixão, da mesma forma o segundo, da mesma forma o terceiro, da mesma forma
o quarto; assim acima, abaixo, em volta e em todos os lugares, para todos bem
como para si mesmo, ele permanece permeando o mundo todo com a mente imbuída de
compaixão, abundante, transcendente, imensurável, sem hostilidade e sem má
vontade. Assim é como entendo ‘Cheio de compaixão’. Mas as palavras do
Venerável sobre ‘Afastado do fedor’ eu não entendo:
O que você quer dizer, Brahma, com ‘fedor’ entre os homens?
Perdoe a minha ignorância, Oh sábio, com relação a isso.
Qual obstáculo faz com que alguém feda e supure,
direcionado ao inferno, separado do mundo de Brahma?”
“Raiva, mentira, dissimulação e trapaça,
avareza, arrogância e inveja,
cobiça, dúvida e o dano a outrem,
ambição e ódio, estupor e delusão:
o fedor repulsivo que emana disso
direciona ao inferno, separa do mundo de Brahma.”
“Entendo as
palavras do Venerável acerca do fedor, mas essas coisas não são fáceis de superar
vivendo a vida em família. Portanto, eu deixarei a vida em família pela vida
santa.” “Venerável Administrador, faça como julgar adequado.”
47.
“’Assim, o Grande Administrador foi até o Rei Renu e disse: “Venerável Senhor,
por favor nomeie um outro ministro para cuidar dos seus negócios. Eu quero
deixar a vida em família para seguir a vida santa. Depois do que Brahma me
disse sobre o fedor do mundo, que não pode ser superado com facilidade vivendo
a vida em família, eu seguirei a vida santa:
Rei Renu, soberano deste reino, eu declaro,
você mesmo deve governar, eu não mais o aconselharei!”
“Se lhe falta algo, eu proverei,
se algo o magoa, meu abraço real o protegerá.
Você é o meu pai, eu o seu filho, Administrador, fique!”
“Nada me falta, ninguém aqui me magoa;
não ouvi voz humana – em casa não
posso ficar.”
“’Não-humano’ – quem é ele que pede que você
de uma vez abandone a sua casa e todos nós?”
“Antes de ir para o retiro eu pensei num sacrifício,
acendendo o fogo sagrado, espalhando o capim kusa.
Mas agora – o Brahma eterno do mundo de Brahma
apareceu.
Eu perguntei, ele respondeu: agora não posso mais ficar.”
“Venerável Administrador, nas suas palavras eu confio. Essas palavras
uma vez ouvidas, você não tem outra escolha.
Nós o seguiremos: Administrador, seja o nosso Mestre.
Como uma pedra de berilo, da mais pura água,
assim purificada, nós seguiremos a sua trilha.
Se o Venerável Administrador deixar a vida em família
pela vida santa, eu farei o mesmo.
Onde quer que você vá, nós o seguiremos.”
48.
“’Então, o Grande Administrador foi até os seis nobres e disse: “Meus senhores,
por favor nomeiem um outro ministro para cuidar dos seus negócios. Eu quero
deixar a vida em família para seguir a vida santa ...” E os seis nobres se afastaram para
conversar: “Esses Brâmanes cobiçam o dinheiro. Talvez possamos convencer o
Grande Administrador oferecendo-lhe dinheiro.” Assim eles voltaram e disseram:
“Senhor, há muita riqueza nestes sete reinos. Tome quanto quiser.” - “Basta,
senhores, eu já recebi riqueza suficiente dos senhores. É exatamente isso que
estou renunciando para deixar a vida em família e seguir a vida santa, como
expliquei antes.”
49.
“’Então, os seis nobres se afastaram para conversar: “Esses Brâmanes cobiçam as
mulheres. Talvez possamos convencer o Grande Administrador oferecendo-lhe
mulheres.” Assim eles voltaram e disseram: “Senhor, há muitas mulheres nestes
sete reinos. Escolha aquelas que quiser.” - “Basta, senhores, eu já tenho
quarenta esposas e estou deixando-as
para deixar a vida em família e seguir a vida santa, como expliquei antes.”
50. “’Se o
Venerável Administrador deixar a vida em família pela vida santa, nós faremos o
mesmo. Onde quer que você vá, nós o seguiremos:
“Se vocês renunciarem a esses prazeres que aprisionam as pessoas comuns,
esforcem-se, sejam fortes e agüentem com paciência!
Esse é o caminho direto, o caminho incomparável,
o caminho da verdade, protegido pelo bem, para o mundo de Brahma.”
51.
“’”Assim, Venerável Administrador, espere apenas sete anos e depois nós também
iremos seguir a vida santa. Onde quer que você vá, nós o seguiremos.”
“’”Senhores,
sete anos é muito tempo, eu não posso esperar sete anos! Quem pode dizer quanto
tempo as pessoas viverão? Nós temos que prosseguir para o próximo mundo, temos
que aprender através da sabedoria, temos que fazer aquilo que é certo e viver a
vida santa, pois nada que nasce é imortal. Agora seguirei a vida santa como
expliquei antes.”
52.
“’”Muito bem, Venerável Administrador, espere apenas seis anos, ... cinco anos,
... quatro anos, ... três anos, ... dois anos, ... um ano e depois nós também
iremos seguir a vida santa. Onde quer que você vá, nós seguiremos.”
53.
“’”Senhores, um ano é muito tempo ...” - “Então, espere sete meses ...”
54.
“’”Senhores, sete meses é muito tempo ...” - “Então, espere seis meses,... cinco
meses, ... quatro meses, ... três meses, ... dois meses, ... um mês, ... meio
mês ...”
55.
“’”Senhores, meio mês é muito tempo ...” - “Então, Venerável Administrador, espere
apenas sete dias enquanto transferimos os nossos reinos para os nossos filhos e
filhas. Ao final de sete dias seguiremos a vida santa. Onde quer que você vá,
nós o seguiremos.” - “Sete dias não é muito tempo, senhores. Eu concordo com sete
dias.”
56. “’Então,
o Grande Administrador foi até os sete Brâmanes e os seus setecentos pupilos e
disse: “Agora, veneráveis senhores, vocês precisam buscar um outro mestre que
lhes ensine os mantras. Eu quero deixar a vida em família para seguir a vida
santa. Depois do que Brahma me disse sobre o fedor do mundo, que não pode ser
superado com facilidade vivendo a vida em família, eu seguirei a vida santa.” -
“Venerável Administrador, não faça isso! Há pouco poder e benefício na vida
santa e muito poder e benefício na vida de um Brâmane!” - “Não digam isso,
senhores! Além do mais, quem tem mais poder e benefícios do que eu? Eu tenho
sido tratado como se fosse um rei dos reis, como Brahma para os Brâmanes, como
uma divindade para os chefes de família e eu estou renunciando a tudo isso para
deixar a vida em família e seguir a vida santa, como expliquei antes.” - “Se o
Venerável Administrador deixar a vida em família pela vida santa, nós faremos o
mesmo. Onde quer que você vá, nós o seguiremos.'
57. “’Então,
o Grande Administrador foi até as suas quarenta esposas e disse: “Quem assim
desejar poderá retornar para a sua própria família ou buscar um outro esposo.
Eu quero deixar a vida em família ...” - “Você é o único esposo que desejamos, o
único companheiro. Se o Venerável Administrador deixar a vida em família pela
vida santa, nós faremos o mesmo. Onde quer que você vá, nós o seguiremos.”
58. “’E
assim, ao final de sete dias, o Administrador raspou o cabelo e a barba, vestiu
os mantos de cor ocre e deixou a vida em família e seguiu a vida santa. E com
ele foram os sete reis Khattiya ungidos, os sete Brâmanes prósperos e
distinguidos com os seus setecentos pupilos, as suas quarenta esposas, muitos
milhares de Khattiyas, muitos milhares de Brâmanes, muitos milhares de chefes
de família, até mesmo algumas mulheres do harém.
“’E assim,
seguido por essa comitiva o Grande Administrador perambulava pelos vilarejos,
vilas e cidades reais. E sempre que ele chegava num vilarejo ou cidade, ele era
tratado como se fosse um rei dos reis, como Brahma para os Brâmanes, como uma
divindade para os chefes de família. E naqueles tempos, sempre que alguém
espirrasse ou tropeçasse, o costume era dizer: “Que o Grande administrador seja
louvado! Que o Ministro de Sete seja louvado!”
59. “’E o
Grande Administrador permanecia permeando o primeiro quadrante com a mente
imbuída de amor bondade, da mesma forma o segundo, da mesma forma o terceiro,
da mesma forma o quarto; assim acima, abaixo, em volta e em todos os lugares,
para todos bem como para si mesmo, ele permanecia permeando o mundo todo com a
mente imbuída de amor bondade, abundante, transcendente, imensurável, sem
hostilidade e sem má vontade. Ele permanecia ... permeando o mundo todo com a
mente imbuída de compaixão, ... com a mente imbuída de alegria altruísta, ...
com a mente imbuída de equanimidade, abundante, transcendente, imensurável, sem
hostilidade e sem má vontade. E assim ele ensinava aos seus discípulos o
caminho para a união com o mundo de Brahma.
60. “’E todos
aqueles que naquela época foram os pupilos do Grande Administrador e que
obtiveram completa proficiência nos seus ensinamentos, ao morrerem, com a
dissolução do corpo, renasceram num destino feliz, no mundo de Brahma. E
aqueles que não obtiveram completa proficiência nos seus ensinamentos
renasceram entre os devas do Paranimmita-Vasavatti ou entre os devas do
Nimmanarati, ou entre os devas do Tusita, ou entre os devas do Yama, ou entre
os devas do Trinta e Três, ou entre os devas dos Quatro Grandes Reis. E nenhum
deles renasceu num mundo mais baixo do que o dos gandhabbas. Portanto, a vida
santa de todas aquelas pessoas não foi infrutífera ou estéril, mas produtora de
frutos e benefícios.’
61. “Você se recorda disso, Abençoado?” - “Eu lembro, Pancasikha. Naquela
ocasião, eu era o Brâmane, o Grande Administrador, e eu ensinei para aqueles
discípulos o caminho para a união com o mundo de Brahma.”
“No
entanto, Pancasikha, aquela vida santa não conduz ao desencantamento, ao
desapego, à cessação, à paz, ao conhecimento direto, à iluminação, a Nibbana,
mas somente ao renascimento no mundo de Brahma, enquanto que a minha vida santa
conduz inevitavelmente ao desencantamento, ao desapego, à cessação, à paz, ao
conhecimento direto, à iluminação, a Nibbana. [12] Esse é o Nobre Caminho Óctuplo, isto é, Entendimento Correto,
Pensamento Correto, Linguagem Correta, Ação Correta, Modo de Vida Correto,
Esforço Correto, Atenção Plena Correta. Concentração Correta.
62. “E,
Pancasikha, aqueles meus discípulos que obtiveram completa proficiência nos
meus ensinamentos, compreendendo por si mesmos com o conhecimento direto, eles
aqui e agora entram e permanecem na libertação da mente e na libertação através
da sabedoria que são imaculadas com a destruição de todas as impurezas. E aqueles
que não obtiveram completa proficiência, alguns com a destruição dos cinco
primeiros grilhões, irão reaparecer espontaneamente [nas Moradas Puras] para lá
realizar o parinibbana sem nunca mais retornar daquele mundo; alguns com a
destruição de três grilhões, e com a atenuação da cobiça, raiva e delusão, se
tornarão aqueles que retornam uma vez, retornando uma vez a este mundo para dar
um fim ao sofrimento; e alguns com a destruição de três grilhões, se tornarão
aqueles que entraram na correnteza, não mais destinados aos mundos inferiores,
com o destino fixo, eles têm a iluminação como destino. Portanto, a vida santa
de todas essas pessoas não foi infrutífera ou estéril, mas produtora de frutos
e benefícios.”
Isso foi o
que disse o Abençoado. O gandhabba Pancasikha ficou satisfeito e contente com
as palavras do Abençoado. E depois de homenagear o Abençoado, mantendo-o à sua
direita, ele desapareceu em seguida.
Notas:
[1] Mencionado no DN 18.18. [Retorna]
[2] A luminosidade dos devas é uma característica padrão: no Devata
Samyutta há uma
sucessão de suttas nos quais os devas “iluminam todo o bosque de Jeta”. A
luminosidade de Brahma é muito mais intensa e no DN 14.1.17 consta que há uma luminosidade
ainda mais intensa na concepção e nascimento de um Bodisatva. [Retorna]
[3] Igual ao DN 18.25. [Retorna]
[4] Neste caso o ‘caminho’ é na verdade a prática, patipada. O
Nobre Caminho Óctuplo é o ‘Caminho do Meio’ ou ‘Prática do Meio’, majjhima-patipada.
[Retorna]
[5] Sekha: treinandos que realizaram algum dos três primeiros
caminhos supramundanos, mas que ainda não realizaram o estado de Arahant. [Retorna]
[6] Arahants. [Retorna]
[7] Este trecho repetido inclui uma referência a Brahma adotando a forma
de Pancasikha, muito embora o próprio Pancasikha esteja contando a história. [Retorna]
[8] Govinda. Literalmente, “Senhor dos Rebanhos”,
é provavelmente um título, ao invés de um nome, com o significado de Tesoureiro
ou Administrador. [Retorna]
[9] DA não explica o significado disso. Talvez fosse uma assembléia de
nobres (Khattiyas). [Retorna]
[10] No DN 13 esse
também é o método recomendado pelo Buda. [Retorna]
[11] Para os Budistas, o mundo de Brahma não é imortal. Mas para os pré-Budistas esse era o objetivo máximo que poderia ser aspirado. [Retorna]
[12] É interessante observar que
esta afirmação do Buda coloca em dúvida de que todas as práticas do Bodisatva em
vidas passadas tinham como objetivo a busca pela iluminação. Veja também o MN 83.21. [Retorna]
Revisado: 5 Agosto 2006
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