Os Caminhos e os Frutos

Por

Bhikkhu Bodhi

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Comparando aquilo que está nos Nikayas com os comentários há uma certa tensão na forma como são descritos os caminhos e os frutos.

No Abhidhamma, os quatro estágios do despertar são considerados como eventos temporais, cada um composto por duas fases, conectadas numa sucessão imediata.

Primeiro vem um único momento mental conhecido como o caminho, (magga), que é seguido de imediato por sua fruição correspondente, (phala). Assim, existem os caminhos de entrar na correnteza, retornar uma vez, não-retorno, e arahant, cada um seguido de imediato, respectivamente, pelo fruto de entrar na correnteza e assim por diante. O caminho é às vezes chamado de "caminho supramundano", (lokuttaramagga), para distingui-lo da prática preliminar ou preparatória, (pubbabhagapatipada), o curso de treinamento que conduz ao caminho supramundano. Os comentários assumem esse esquema do Abhidhamma e o aplicam como uma ferramenta de exegese, interpretando os suttas sob essa ótica, como se já tivesse sido essa a intenção original nos Nikayas.

Nos Nikayas é dito que a nobre Sangha consiste de oito tipos de pessoas nobres, que são unidas em quatro pares em relação aos quatro estágios do despertar: a pessoa que pratica para a realização de um fruto em particular e a pessoa que realizou o fruto. [1] Os comentários identificam a pessoa que pratica para a realização do fruto com aquela que realizou o caminho do Abhidhamma, e aquela que realizou o fruto correspondente com aquela que passou pela experiência de fruição.

Nos Nikayas, esse tipo de princípio não é discernível, pelo menos não dessa forma. Os Nikayas chamam a experiência crucial de "penetrar o Dhamma", (dhammabhisamaya), ou de "obter o olho Dhamma", (dhammacakkhupatilabha). A experiência parece ser súbita, mas não está identificada com o caminho como tal, nem é dito durar apenas um único momento mental. Vários suttas sugerem, ao contrário, que o caminho é um curso de treinamento temporalmente prolongado que começa com a entrada no "curso da integridade moral", (sammattaniyama), e depois, continua de forma irreversível em direção a nibbana. Assim o SN XXV.1 afirma que o discípulo pela fé e o discípulo do Dhamma, os dois subtipos entre as pessoas que praticam para realizar o fruto de entrada na correnteza, não podem falecer sem realizar o fruto de entrar na correnteza. Disso, parece que o fruto não segue imediatamente à entrada no caminho, mas pode até mesmo levar anos para ser realizado.

Os Nikayas às vezes se referem ao evento transformativo no treinamento do discípulo como "o surgimento do caminho" ou "a realização do caminho." Por exemplo, no AN IV.170 Ananda afirma que no desenvolvimento da tranquilidade e insight, "o caminho surge." O praticante então "segue aquele caminho, o desenvolve e o cultiva", como resultado "os seus grilhões são abandonados, as suas tendências subjacentes são destruídas." Essas expressões sugerem que o caminho é um longo processo de cultivo, em vez de um evento instantâneo. Embora o treinamento seja pontuado por conquistas revolucionárias repentinas, a palavra "caminho" se refere a todo o processo de desenvolvimento ao invés de um evento momentâneo, e o fruto parece ser simplesmente a realização da etapa relevante de despertar, não uma experiência especial contemplativa.

Um suporte adicional para a natureza estendida do caminho é o AN VIII.22. Aqui, o chefe de família Ugga declara que quando ele está servindo uma refeição para a Sangha, embora os devas o informem das realizações espirituais dos monges, ele ainda assim os serve igualmente, sem ser tendencioso com base em seu status espiritual. Entre aqueles que recebem suas oferendas estão os discípulos pela fé e os discípulos do Dhamma. Se esse estágio existisse apenas durante um momento mental ao realizar a penetração do Dhamma, é difícil ver como poderia ser dito que aqueles discípulos poderiam ser beneficiários de uma oferenda de comida. Com certeza demora mais de um momento mental para receber e comer uma refeição.

 


 

Nota do Tradutor:

A descrição dos caminhos e frutos de acordo com os suttas (sublinhado do tradutor):

"E além disso, da mesma forma como o oceano é a residência de seres poderosos como as baleias, os devoradores de baleias, e os devoradores dos devoradores de baleias; asuras, nagas, e gandhabbas e existam no oceano seres com comprimento de cem léguas, duzentas ... trezentas ... quatrocentas ... quinhentas léguas; da mesma forma, esta Doutrina e Disciplina é a residência de seres poderosos como aqueles ‘que entraram na correnteza’ e aqueles que praticam para realizar os frutos do estado dos ‘que entraram na correnteza’; os ‘que retornarão apenas uma vez mais’ e aqueles que praticam para realizar os frutos do estado dos ‘que retornarão apenas uma vez mais’; os ‘que não retornarão mais’ e aqueles que praticam para realizar os frutos do estado dos ‘que não retornarão mais’; os Arahants e aqueles que praticam para realizar os frutos do estado de arahant. [Retorna]

Uposatha Sutta (Ud V.5)

 

 

Revisado: 8 Setembro 2012

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