Majjhima Nikaya 1

Mulapariyaya Sutta

A Raiz de Todas as Coisas

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1. Assim ouvi. [1] Em certa ocasião, o Abençoado estava em Ukkattha, no Bosque de Subhaga à sombra de uma árvore sala real. Lá ele se dirigiu aos monges desta forma: “Bhikkhus”[2] – “Venerável Senhor,” eles responderam. O Abençoado disse o seguinte:

2. “Bhikkhus, eu vou ensinar para vocês um discurso sobre a raiz de todas as coisas. [3] Ouçam e prestem muita atenção àquilo que eu vou dizer.” – “Sim, venerável senhor,” os bhikkhus responderam. O Abençoado disse o seguinte:

[A PESSOA COMUM]

3. “Aqui, bhikkhus, uma pessoa comum sem instrução que não respeita os nobres, [4] que não é proficiente nem treinada no Dhamma deles, que não respeita os homens verdadeiros, que não é proficiente nem treinada no Dhamma deles, percebe a terra como terra. [5] Tendo percebido a terra como terra, ela concebe [a si mesma como] terra, ela concebe [a si mesma] na terra, ela concebe [a si mesma separada] da terra, ela concebe a terra como ‘minha’, ela se delicia com a terra. [6] Por que isso? Porque ela não a compreendeu completamente, eu digo. [7]

4. “Ela percebe a água como água. Tendo percebido a água como água, ela concebe [a si mesma como] água, ela concebe [a si mesma] na água, ela concebe [a si mesma separada] da água, ela concebe a água como ‘minha’, ela se delicia com a água. Por que isso? Porque ela não a compreendeu completamente, eu digo.

5. “Ela percebe o fogo como fogo. Tendo percebido o fogo como fogo, ela concebe [a si mesma como] fogo, ela concebe [a si mesma] no fogo, ela concebe [a si mesma separada] do fogo, ela concebe o fogo como ‘meu’, ela se delicia com o fogo. Por que isso? Porque ela não o compreendeu completamente, eu digo.

6. “Ela percebe o ar como ar. Tendo percebido o ar como ar, ela concebe [a si mesma como] ar, ela concebe [a si mesma] no ar, ela concebe [a si mesma separada] do ar, ela concebe o ar como ‘meu’, ela se delicia com o ar. Por que isso? Porque ela não o compreendeu completamente, eu digo.

7. “Ela percebe os seres como seres.[8] Tendo percebido os seres como seres, ela concebe os seres, ela concebe [a si mesma] nos seres, ela concebe [a si mesma separada] dos seres, ela concebe os seres como ‘meu’, ela se delicia com os seres. Por que isso? Porque ela não os compreendeu completamente, eu digo.

8. “Ela percebe os devas como devas.[9] Tendo percebido os devas como devas, ela concebe os devas, ela concebe [a si mesma] nos devas, ela concebe [a si mesma separada] dos devas, ela concebe os devas como ‘meu’, ela se delicia com os devas. Por que isso? Porque ela não os compreendeu completamente, eu digo.

9. “Ela percebe Pajapati como Pajapati.[10] Tendo percebido Pajapati como Pajapati, ela concebe Pajapati, ela concebe [a si mesma] em Pajapati, ela concebe [a si mesma separada] de Pajapati, ela concebe Pajapati como ‘meu’, ela se delicia com Pajapati. Por que isso? Porque ela não ocompreendeu completamente, eu digo.

10. “Ela percebe Brahma como Brahma.[11] Tendo percebido Brahma como Brahma, ela concebe Brahma, ela concebe [a si mesma] em Brahma, ela concebe [a si mesma separada] de Brahma, ela concebe Brahma como ‘meu’, ela se delicia com Brahma. Por que isso? Porque ela não o compreendeu completamente, eu digo.

11. “Ela percebe os devas que Emanam Radiância como devas que Emanam Radiância.[12] Tendo percebido os devas que Emanam Radiância como devas que Emanam Radiância, ela concebe os devas que Emanam Radiância, ela concebe [a si mesma] nos devas que Emanam Radiância, ela concebe [a si mesma separada] dos devas que Emanam Radiância, ela concebe os devas que Emanam Radiância como ‘meu’, ela se delicia com os devas que Emanam Radiância. Por que isso? Porque ela não os compreendeu completamente, eu digo.

12. “Ela percebe os devas da Glória Refulgente como devas da Glória Refulgente.[13] Tendo percebido os devas da Glória Refulgente como devas da Glória Refulgente, ela concebe os devas da Glória Refulgente, ela concebe [a si mesma] nos devas da Glória Refulgente, ela concebe [a si mesma separada] dos devas da Glória Refulgente, ela concebe os devas da Glória Refulgente como ‘meu’, ela se delicia com os devas da Glória Refulgente. Por que isso? Porque ela não os compreendeu completamente, eu digo.

13. “Ela percebe os devas do Grande Fruto como devas do Grande Fruto.[14] Tendo percebido os devas do Grande Fruto como devas do Grande Fruto, ela concebe os devas do Grande Fruto, ela concebe [a si mesma] nos devas do Grande Fruto, ela concebe [a si mesma separada] dos devas do Grande Fruto, ela concebe os devas do Grande Fruto como ‘meu’, ela se delicia com os devas do Grande Fruto. Por que isso? Porque ela não os compreendeu completamente, eu digo.

14. “Ela percebe o Senhor Supremo como o Senhor Supremo.[15] Tendo percebido o Senhor Supremo como o Senhor Supremo, ela concebe o Senhor Supremo, ela concebe [a si mesma] no Senhor Supremo, ela concebe [a si mesma separada] do Senhor Supremo, ela concebe o Senhor Supremo como ‘meu’, ela se delicia com o Senhor Supremo. Por que isso? Porque ela não o compreendeu completamente, eu digo.

15. “Ela percebe a base do espaço infinito como a base do espaço infinito.[16] Tendo percebido a base do espaço infinito como a base do espaço infinito, ela concebe [a si mesma como] a base do espaço infinito, ela concebe [a si mesma] na base do espaço infinito, ela concebe [a si mesma separada] da base do espaço infinito, ela concebe a base do espaço infinito como ‘meu’, ela se delicia com a base do espaço infinito. Por que isso? Porque ela não a compreendeu completamente, eu digo.

16. “Ela percebe a base da consciência infinita como a base da consciência infinita. Tendo percebido a base da consciência infinita como a base da consciência infinita, ela concebe [a si mesma como] a base da consciência infinita, ela concebe [a si mesma] na base da consciência infinita, ela concebe [a si mesma separada] da base da consciência infinita, ela concebe a base da consciência infinita como ‘meu’, ela se delicia com a base da consciência infinita. Por que isso? Porque ela não a compreendeu completamente, eu digo.

17. “Ela percebe a base do nada como a base do nada. Tendo percebido a base do nada como a base do nada, ela concebe [a si mesma como] a base do nada, ela concebe [a si mesma] na base do nada, ela concebe [a si mesma separada] da base do nada, ela concebe a base do nada como ‘meu’, ela se delicia com a base do nada. Por que isso? Porque ela não a compreendeu completamente, eu digo.

18. “Ela percebe a base da nem percepção, nem não percepção como a base da nem percepção, nem não percepção. Tendo percebido a base da nem percepção, nem não percepção como a base da nem percepção, nem não percepção, ela concebe [a si mesma como] a base da nem percepção, nem não percepção, ela concebe [a si mesma] na base da nem percepção, nem não percepção, ela concebe [a si mesma separada] da base da nem percepção, nem não percepção, ela concebe a base da nem percepção, nem não percepção como ‘meu’, ela se delicia com a base da nem percepção, nem não percepção. Por que isso? Porque ela não a compreendeu completamente, eu digo.

19. “Ela percebe o visto como visto.[17] Tendo percebido o visto como visto, ela concebe [a si mesma como] visto, ela concebe [a si mesma] no visto, ela concebe [a si mesma separada] do visto, ela concebe o visto como ‘meu’, ela se delicia com o visto. Por que isso? Porque ela não o compreendeu completamente, eu digo.

20. “Ela percebe o ouvido como ouvido. Tendo percebido o ouvido como ouvido, ela concebe [a si mesma como] ouvido, ela concebe [a si mesma] no ouvido, ela concebe [a si mesma separada] do ouvido, ela concebe o ouvido como ‘meu’, ela se delicia com o ouvido. Por que isso? Porque ela não o compreendeu completamente, eu digo.

21. “Ela percebe o sentido como sentido. Tendo percebido o sentido como sentido, ela concebe [a si mesma como] sentido, ela concebe [a si mesma] no sentido, ela concebe [a si mesma separada] do sentido, ela concebe o sentido como ‘meu’, ela se delicia com o sentido. Por que isso? Porque ela não o compreendeu completamente, eu digo.

22. “Ela percebe o conscientizado como conscientizado. Tendo percebido o conscientizado como conscientizado, ela concebe [a si mesma como] conscientizado, ela concebe [a si mesma] no conscientizado, ela concebe [a si mesma separada] do conscientizado, ela concebe o conscientizado como ‘meu’, ela se delicia com o conscientizado. Por que isso? Porque ela não o compreendeu completamente, eu digo.

23. “Ela percebe a unidade como unidade.[18] Tendo percebido a unidade como unidade, ela concebe [a si mesma como unidade], ela concebe [a si mesma] na unidade, ela concebe [a si mesma separada] da unidade, ela concebe a unidade como ‘meu’, ela se delicia com a unidade. Por que isso? Porque ela não a compreendeu completamente, eu digo.

24. “Ela percebe a diversidade como diversidade. Tendo percebido a diversidade como diversidade, ela concebe [a si mesma como] diversidade, ela concebe [a si mesma] na diversidade, ela concebe [a si mesma separada] da diversidade, ela concebe a diversidade como ‘meu’, ela se delicia com a diversidade. Por que isso? Porque ela não a compreendeu completamente, eu digo.

25. “Ela percebe o todo como o todo.[19] Tendo percebido o todo como o todo, ela concebe [a si mesma como] o todo, ela concebe [a si mesma] no todo, ela concebe [a si mesma separada] do todo, ela concebe o todo como ‘meu’, ela se delicia com o todo. Por que isso? Porque ela não o compreendeu completamente, eu digo

26. “Ela percebe Nibbana como Nibbana.[20] Tendo percebido Nibbana como Nibbana, ela concebe [a si mesma como] Nibbana, ela concebe [a si mesma] em Nibbana, ela concebe [a si mesma separada] de Nibbana, ela concebe Nibbana como ‘meu’, ela se delicia com Nibbana. Por que isso? Porque ela não o compreendeu completamente, eu digo.

[O DISCÍPULO NO TREINAMENTO SUPERIOR]

27. “Bhikkhus, um bhikkhu que se encontra no treinamento superior,[21] cuja mente ainda não alcançou o objetivo, e que ainda aspira pela segurança suprema contra o cativeiro, conhece diretamente a terra como terra.[22] Conhecendo diretamente a terra como terra, ele não deve conceber [a si mesmo como] terra, ele não deve conceber [a si mesmo] na terra, ele não deve conceber [a si mesmo separado] da terra, ele não deve conceber a terra como ‘meu,’ ele não deve se deliciar com a terra. Por que isso? Para que ele possa compreendê-la completamente, eu digo.[23]

28-49. “Ele conhece diretamente a água como água ... Ele conhece de modo direto o todo como todo ...

50. “Ele conhece diretamente Nibbana como Nibbana. Conhecendo diretamente Nibbana como Nibbana, ele não deve conceber [a si mesmo como] Nibbana, ele não deve conceber [a si mesmo] em Nibbana, ele não deve conceber [a si mesmo separado] de Nibbana, ele não deve conceber Nibbana como ‘meu,’ ele não deve se deliciar com Nibbana. Por que isso? Para que ele possa compreendê-lo completamente, eu digo.

[O ARAHANT - I]

51. “Bhikkhus, um bhikkhu que é um arahant com as impurezas destruídas, que viveu a vida santa, fez o que devia ser feito, depôs o fardo, alcançou o verdadeiro objetivo, destruiu os grilhões da existência e está completamente libertado através do conhecimento supremo, [24] conhece diretamente a terra como terra. Conhecendo diretamente a terra como terra, ele não concebe [a si mesmo como] terra, ele não concebe [a si mesmo] na terra, ele não concebe [a si mesmo separado] da terra, ele não concebe a terra como ‘meu,’ ele não se delicia com a terra. Por que isso? Porque ele a compreendeu completamente, eu digo.[25]

52-74. “Ele conhece diretamente a água como água ... Nibbana como Nibbana... Por que isso? Porque ele o compreendeu completamente, eu digo.

[O ARAHANT – II]

75. “Bhikkhus, um bhikkhu que é um arahant ... completamente libertado através do conhecimento supremo, conhece diretamente a terra como terra. Conhecendo diretamente a terra como terra, ele não concebe [a si mesmo como] terra, ele não concebe [a si mesmo] na terra, ele não concebe [a si mesmo separado] da terra, ele não concebe a terra como ‘meu,’ ele não se delicia com a terra. Por que isso? Porque ele está livre da cobiça através da destruição da cobiça.[26]

76-98. “Ele conhece diretamente a água como água ... Nibbana como Nibbana... Por que isso? Porque ele está livre da cobiça através da destruição da cobiça.

[O ARAHANT – III]

99. “Bhikkhus, um bhikkhu que é um arahant ... completamente libertado através do conhecimento supremo, conhece diretamente a terra como terra. Conhecendo diretamente a terra como terra, ele não concebe [a si mesmo como] terra, ele não concebe [a si mesmo] na terra, ele não concebe [a si mesmo separado] da terra, ele não concebe a terra como ‘meu,’ ele não se delicia com a terra. Por que isso? Porque ele está livre da raiva através da destruição da raiva.

100-122. “Ele conhece diretamente a água como água ... Nibbana como Nibbana... Por que isso? Porque ele está livre da raiva através da destruição da raiva.

[O ARAHANT - IV]

123. “Bhikkhus, um bhikkhu que é um arahant ... completamente libertado através do conhecimento supremo, conhece diretamente a terra como terra. Conhecendo diretamente a terra como terra, ele não concebe [a si mesmo como] terra, ele não concebe [a si mesmo] na terra, ele não concebe [a si mesmo separado] da terra, ele não concebe a terra como ‘meu,’ ele não se delicia com a terra. Por que isso? Porque ele está livre da delusão através da destruição da delusão.

124-146. “Ele conhece diretamente a água como água ... Nibbana como Nibbana... Por que isso? Porque ele está livre da delusão através da destruição da delusão..

[O TATHAGATA]

147. “Bhikkhus, o Tathagata,[27] um arahant, perfeitamente iluminado, conhece diretamente a terra como terra. Conhecendo diretamente a terra como terra, ele não concebe [a si mesmo como] terra, ele não concebe [a si mesmo] na terra, ele não concebe [a si mesmo separado] da terra, ele não concebe a terra como ‘meu,’ ele não se delicia com a terra. Por que isso? Porque o Tathagata a compreendeu completamente até o fim, eu digo.[28]

148-170. “Ele conhece diretamente a água como água ... Nibbana como Nibbana... Por que isso? Porque o Tathagata o compreendeu completamente até o fim, eu digo.

171. “Bhikkhus, o Tathagata, um arahant, perfeitamente iluminado, conhece diretamente a terra como terra. Conhecendo diretamente a terra como terra, ele não concebe [a si mesmo como] terra, ele não concebe [a si mesmo] na terra, ele não concebe [a si mesmo separado] da terra, ele não concebe a terra como ‘meu,’ ele não se delicia com a terra. Por que isso? Porque o Tathagata compreendeu que o deleite é a raiz do sofrimento, e que com o ser/existir [como condição] há o nascimento, e que para qualquer um que veio a ser há o envelhecimento e morte.[29] Portanto, bhikkhus, através da completa destruição, desaparecimento, cessação, abandono e renúncia aos desejos, o Tathagata despertou para a suprema perfeita iluminação, eu digo.[30]

172-194. “Ele conhece diretamente a água como água ... Nibbana como Nibbana... Por que isso? Porque o Tathagata compreendeu que o deleite é a raiz do sofrimento, e que com o ser/existir [como condição] há o nascimento, e que para qualquer um que veio a ser há o envelhecimento e morte. Portanto, bhikkhus, através da completa destruição, desaparecimento, cessação, abandono e renúncia aos desejos, o Tathagata despertou para a suprema perfeita iluminação, eu digo.”

Isso foi o que disse o Abençoado. Mas aqueles bhikkhus não ficaram contentes com as palavras do Abençoado.[31]

 


 

Notas:

[1] Para um tratamento mais abrangente deste importante e difícil sutta veja a publicação, Discourse on the Root of Existence, Bhikkhu Bodhi. Essa obra contém além da tradução do sutta em Inglês, um detalhado estudo analítico da sua importância filosófica com copiosos extratos dos comentários. [Retorna]

[2] MA explica que o Buda discursou este sutta para dissipar a presunção que havia surgido em quinhentos bhikkhus por conta da sua erudição e maestria intelectual nos ensinamentos do Buda. Esses bhikkhus haviam sido brâmanes educados na literatura Védica e as expressões crípticas empregadas pelo Buda podem muito bem terem sido usadas com a intenção de questionar as idéias bramanistas às quais eles ainda estavam apegados. [Retorna]

[3] Sabbadhammamulapariyaya. MT explica que a palavra “todas”, (sabba), é aqui empregada com o sentido limitado de “tudo o que diz respeito à identidade”, (sakkayasabba), isto é, com referência a todos os fenômenos, (dhamma), compreendidos dentro dos cinco agregados influenciados pelo apego (veja o MN 28.4). Os estados supramundanos – os caminhos, frutos e Nibbana – estão excluídos. A “raiz de todas as coisas” – que é a condição especial que mantém a continuidade do processo de repetidas existências – é explicado por MT como o desejo, a presunção e as idéias (que são as fontes subjacentes da “concepção”), e estas por sua vez são reforçadas pela ignorância, sugerida neste sutta com a frase “ele não compreendeu isso completamente.” [Retorna]

[4] A “pessoa comum sem instrução”, (assutava puthujjana), é a pessoa comum mundana, que não possui nem conhecimento e tampouco realização espiritual no Dhamma dos nobres, e se permite ser dominada pela multidão de contaminações e entendimentos incorretos. [Retorna]

[5] Pathavim pathavito sanjanati. Embora perceber a “terra como terra” parece sugerir ver o objeto tal como este realmente é, que é o objetivo da meditação Budista de insight, o contexto deixa claro que a percepção da pessoa comum de “terra como terra” já introduz uma ligeira distorção do objeto, uma distorção que será ampliada para a completa má interpretação quando o processo cognitivo entrar na fase da “concepção”. MA explica que a pessoa comum se apega à expressão convencional “é terra,” e aplicando-a ao objeto, ela o percebe através de uma “distorção da percepção”, (saññavipallasa). Esta última é uma expressão técnica explicada como percepção do impermanente como permanente, do sofrimento como prazer, daquilo que não é o eu como eu e daquilo que é feio como belo (AN IV.49). [Retorna]

[6] O verbo em Pali “conceber”, (maññati), da raiz man, “pensar”, é freqüentemente usado nos suttas em Pali com o significado de pensamento distorcido – pensamento que atribui ao objeto características e significado derivados não do objeto em si, mas da própria imaginação subjetiva. A distorção cognitiva introduzida pela concepção consiste, em resumo, na intrusão da perspectiva egocêntrica na experiência que já está ligeiramente distorcida pela percepção inicial. De acordo com os comentários, a atividade da concepção é governada por três contaminações que explicam as distintas formas em que ela se manifesta – desejo, (tanha), presunção, (mana), e idéias, (ditthi). MA parafraseia este trecho assim: “Tendo percebido terra com a percepção distorcida, a pessoa comum em seguida a concebe – fabrica ou discrimina – através das tendências para as proliferações mentais, (papañca), do desejo, presunção e idéias, que são chamadas ‘concepções’ ... Ele apreende terra de modo diverso [da realidade].” [Retorna]

[7] MA afirma que aquele que compreende terra completamente assim o faz através de três tipos de compreensão completa: a compreensão completa através do conhecimento, (natapariñña) – a definição do elemento terra através da sua singular característica, função, manifestação e causa próxima; compreensão completa através da investigação, (tiranapariñña) – a contemplação do elemento terra por meio das três características gerais da impermanência, sofrimento e não-eu; e a compreensão completa através do abandono, (pahanapariñña) – o abandono do desejo e cobiça pelo elemento terra através do supremo caminho (do arahant). [Retorna]

[8] Bhuta. MA diz que “seres” neste caso significam apenas os seres vivos abaixo do paraíso dos Quatro Grandes Reis, o mais baixo paraíso da esfera sensual; os seres dos planos superiores estão incluídos nos termos que vêm a seguir. MA exemplifica a aplicação dos três tipos de concepção a esta situação da seguinte forma: Quando uma pessoa se torna apegada aos seres como resultado da visão, audição, etc., ou deseja o renascimento numa certa categoria de seres, essa é a concepção devido ao desejo. Quando a pessoa classifica a si mesma, como superior, igual ou inferior aos outros, essa é a concepção devido à presunção. E quando ela pensa, “Os seres são permanentes, estáveis, eternos, etc.”, essa é a concepção devido às idéias. [Retorna]

[9] MA: A referência é feita aos devas dos seis paraísos da esfera sensual, exceto Mara e a sua comitiva no paraíso dos devas que exercem poder sobre a criação dos outros. Veja Os Trinta e Um Mundos de Existência na cosmologia Budista e uma descrição da cosmologia Budista na Introdução ao Majjhima Nikaya. [Retorna]

[10] Pajapati, “senhor da criação” é o nome dado nos Vedas a Indra, Agni, etc., como a mais elevada das divindades Védicas. Mas de acordo com MA, Pajapati neste caso é um nome para Mara porque ele é o regente desta “população” (paja) composta de seres vivos. [Retorna]

[11] Brahma neste caso é Mahabrahma, a primeira divindade que nasce no início de um novo ciclo cósmico e cujo tempo de vida dura por todo o ciclo. Os ministros de Brahma e o cortejo de Brahma – as outras divindades cuja posição é determinada pela realização do primeiro jhana – também estão incluídos.[Retorna]

[12] MA: Ao mencionar estes, todos os seres que ocupam os mundos correspondentes ao segundo jhana – os devas da Radiância Limitada e os Devas da Radiância Imensurável – devem ser incluídos pois todos estes ocupam o mesmo nível. [Retorna]

[13] MA: Ao mencionar estes, todos os seres que ocupam os mundos correspondentes ao terceiro jhana – os devas da Glória Limitada e os Devas da Glória Imensurável – devem ser incluídos. [Retorna]

[14] Estas são as divindades que ocupam os mundos correspondentes ao quarto jhana. [Retorna]

[15] Abhibhu. MA diz que este termo é uma designação para o mundo não perceptivo, assim chamado porque ele conquista, (abhibhavati), os quatro agregados imateriais. Essa identificação soa artificial especialmente por que a palavra abhibhu é um nome masculino singular. No MN 49.5 a palavra aparece como Baka, a reivindicação de Brahma da hegemonia teocrática, no entanto, MA rejeita a identificação de Abhibhu com Brahma neste caso por ser uma redundância. [Retorna]

[16] Esta e as próximas três seções tratam da concepção relacionada com os quatro mundos imateriais da existência – as contrapartes cosmológicas das quatro realizações meditativas imateriais (jhanas imateriais). No verso 18 a divisão da concepção por meio dos planos de existência está completa. [Retorna]

[17] Nestas quatro seções os fenômenos que compreendem a identidade são considerados como objetos da percepção classificados nas quatro categorias do visto, ouvido, sentido e conscientizado. Neste caso, sentido, (muta), significa as experiências do olfato, paladar e toque, e conscientizado, (viññata), as experiências de introspecção, pensamento abstrato e imaginação. Os objetos da percepção são “concebidos” quando percebidos como “meu” ou “eu” ou de formas que geram o desejo, presunção e idéias. [Retorna]

[18] Nesta seção e na seguinte, os fenômenos que compreendem a identidade são tratados de duas formas - unidade e diversidade. A ênfase na unidade, (ekatta), MA nos informa, é característica daquele que alcança os jhanas, nos quais a mente ocorre de modo único num único objeto. A ênfase na diversidade, (nanatta), prevalece para aqueles que não alcançaram os jhanas faltando-lhes a impressionante experiência unificadora dos jhanas. As concepções que enfatizam a diversidade ganham expressão nas filosofias do pluralismo, aquelas que enfatizam a unidade são típicas das filosofias monísticas. [Retorna]

[19] Nesta seção todos os fenômenos da identidade são reunidos e mostrados de forma única. Essa idéia de totalidade pode constituir a base para as filosofias to tipo panteísta ou monística, dependendo da relação postulada entre o eu e o todo. [Retorna]

[20] MA entende que “Nibbana” neste caso se refere aos cinco tipos de “Nibbana aqui e agora” incluídos dentre os sessenta e dois tipos de entendimento incorreto explicados no Brahmajala Sutta (DN 1.3.19-25), isto é, Nibbana identificado com o gozo pleno dos prazeres sensuais ou com os quatro jhanas. Desfrutando desse estado, ou ansiando por ele, ele o concebe com base no desejo. Orgulhando-se por tê-lo alcançado, ele o concebe com base na presunção. Considerando que esse Nibbana imaginário é permanente, etc., ele o concebe com base em idéias. [Retorna]

[21] O sekha, o discípulo no treinamento superior, é aquele que alcançou algum dos três níveis inferiores de iluminação – que entrou na correnteza, que retorna uma vez, que não retorna – mas que ainda precisa treinar mais para alcançar o objetivo último, o estado de arahant, a suprema segurança contra o cativeiro. O MN 53 explica o treinamento que ele deve seguir. O arahant algumas vezes é descrito como asekha, aquele que está além do treinamento, no sentido de que ele completou o treinamento do Nobre Caminho Óctuplo. [Retorna]

[22] Deve ser observado que, enquanto da pessoa comum se diz que ela percebe cada uma dessas bases, daquele no treinamento superior se diz que ele as conhece diretamente, (abhijanati). MA explica que ele as conhece com o conhecimento diferenciado, as conhece de acordo com a sua própria natureza como impermanentes, insatisfatórias e não-eu. [Retorna]

[23] O discípulo no treinamento superior é instado pelo Buda a se abster da concepção e do deleite porque as inclinações por esses processos mentais ainda permanecem dentro dele. Com a realização do estado de entrar na correnteza, ele erradicou o grilhão da idéia da existência de um eu, e portanto será incapaz de conceber com base no entendimento incorreto. Mas as contaminações do desejo e da presunção apenas são erradicadas com o caminho do arahant, e dessa forma o sekha permanece vulnerável às concepções que possam se originar destas. Enquanto o conhecimento direto, (abhiñña), pertence à esfera tanto do sekha como do arahant, a completa compreensão, (pariñña), é da esfera exclusiva do arahant, visto que envolve o completo abandono de todas as impurezas. [Retorna]

[24] Esta é a descrição padrão de um arahant encontrada em muitos suttas. [Retorna]

[25] Quando a ignorância foi abolida através da realização da compreensão completa, as inclinações mais sutis para o desejo e para a presunção também são erradicadas. Assim, o arahant não mais se ocupa com a concepção e o deleite. [Retorna]

[26] Esta seção e as duas seguintes são incluídas para mostrar que o arahant não concebe, não só porque ele compreendeu completamente o objeto, mas porque ele erradicou as três raízes prejudiciais – cobiça (ou desejo), raiva e delusão. A frase “livre da cobiça através da destruição da cobiça” é empregada para enfatizar que o arahant não está apenas temporariamente sem cobiça, mas que ele destruiu a cobiça no seu nível mais fundamental. O mesmo se aplica à raiva e delusão. [Retorna]

[27] Com relação a esta palavra, que é o epíteto que o Buda usava com mais freqüência ao referir a si próprio, veja a Introdução ao Majjhima Nikaya.[Retorna]

[28] Pariññatantam tathagatassa. MA explica: compreendeu completamente até a conclusão, compreendeu completamente até o limite, compreendeu completamente sem restar nada. Isto explica que enquanto os Budas e os discípulos arahants se assemelham no abandono de todas as impurezas, há, no entanto, uma distinção na abrangência da sua completa compreensão: enquanto os discípulos podem alcançar Nibbana depois de compreenderem com o insight apenas um número limitado de formações, os Budas compreendem completamente todas as formações sem exceção. [Retorna]

[29] Esta sentença proporciona um enunciado altamente comprimido da fórmula da origem dependente, (paticca samuppada), em geral explicada com doze fatores (tal qual no MN 38). Conforme interpretado no MA, “deleite” é o desejo da vida passada que resultou no “sofrimento” dos cinco agregados da vida presente, “ser/existir” é o aspecto determinativo de kamma na vida presente, que causará o futuro nascimento seguido de envelhecimento e morte. Este trecho mostra que a causa da eliminação da concepção no Buda foi a compreensão da origem dependente na noite da sua iluminação. A menção do “deleite”, (nandi), como a raiz do sofrimento, estabelece uma conexão com o título do sutta; além disso, no enunciado anterior, em que a pessoa comum se delicia com a terra, etc., mostra que o sofrimento é a conseqüência última do deleite. [Retorna]

[30] MA explica a seqüência de idéias da seguinte forma: O Tathagata não concebe a terra e não se delicia com a terra porque ele compreendeu que o deleite é a raiz do sofrimento. Além disso, por ter compreendido a origem dependente, ele abandonou por completo o desejo, aqui chamado de “deleite” e despertou para a suprema perfeita iluminação. Como resultado ele não concebe a terra ou se delicia com a terra. [Retorna]

[31] Os bhikkhus não ficaram contentes com as palavras do Buda, aparentemente porque o discurso acabou atingindo fundo os Brâmanes no seu orgulho e talvez nas suas idéias brâmanes residuais. Mais tarde, relata MA, quando o orgulho deles havia diminuído, o Buda explicou para esses mesmos bhikkhus o Gotamaka Sutta (AN 3:12) durante o qual todos alcançaram o estado de arahant. [Retorna]

 

 

Revisado: 27 Dezembro 2006

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