Digha Nikaya 25
Udumbarika-Sihanada Sutta
O Rugido do Leão em Udumbarika
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1. Assim
ouvi. Em certa ocasião, o Abençoado estava em Rajagaha na montanha do Pico do
Abutre. E naquela ocasião, o errante Nigrodha estava no alojamento de errantes
Udumbarika, [1] com uma grande comitiva de uns
três mil errantes. E numa certa manhã, bem cedo, o chefe de família Sandhana
foi até Rajagaha para ver o Abençoado. Então, ele pensou: “Não é o momento
apropriado para ver o Abençoado. Ele está isolado meditando; não é o momento
apropriado para ver os bhikkhus meditadores, eles estão em retiro. Talvez eu
deva ir para o alojamento de errantes Udumbarika e visitar Nigrodha.” E assim
ele fez.
2. Lá
estava Nigrodha com uma grande assembléia de errantes que estavam fazendo uma
grande baderna, conversando em voz alta e aos berros sobre muitos assuntos
inúteis, tal como falar sobre reis, ladrões, ministros de estado, exércitos,
alarmes e batalhas; comida e bebida, roupas, mobília, ornamentos e perfumes,
parentes; veículos; vilarejos, vilas, cidades, o campo; mulheres e heróis; as
fofocas das ruas e do poço; contos dos mortos; contos da diversidade,
(discussões filosóficas do passado e futuro), a criação do mundo e do mar e
falar sobre a existência ou não das coisas.
3. Então,
Nigrodha viu Sandhana chegando à distância. Ao vê-lo, ele silenciou a
assembléia dizendo o seguinte: “Senhores, fiquem quietos; senhores, não façam
ruído. Ali vem o chefe de família Sandhana, discípulo do contemplativo Gotama.
Ele é um dos muitos discípulos leigos vestidos de branco do contemplativo
Gotama em Rajagaha. Esses veneráveis gostam do silêncio e recomendam o
silêncio. Talvez, se ele encontrar a nossa assembléia em silêncio, pensará em
juntar-se a nós.” Então, os errantes
ficaram em silêncio.
4. Então,
Sandhana foi até Nigrodha e ambos se cumprimentaram. Quando a conversa cortês e
amigável havia terminado ele disse: ‘Veneráveis senhores, o modo como os
errantes de outras seitas se comportam quando se reúnem é uma coisa: eles fazem
muito ruído e conversam sobre muitos assuntos inúteis ... O modo do Abençoado é
diferente: ele procura um local na floresta, nas profundezas da mata, livre de
ruído, com pouco barulho, distante da multidão enlouquecedora, sem a
perturbação de pessoas, bem adequado para o isolamento.”
5. Então,
Nigrodha respondeu: “Muito bem, chefe de família, você sabe com quem o
contemplativo Gotama conversa? Com quem ele fala? De quem ele obtém a sua
sabedoria? A sabedoria do contemplativo Gotama é destruída pela vida solitária,
ele não está habituado às assembléias, ele não tem habilidade para conversar,
ele está desligado. Tal como um búfalo que caminhe em círculos permanece na borda,
da mesma forma ocorre com o contemplativo Gotama. Na verdade, chefe de família,
se o contemplativo Gotama viesse até esta assembléia, nós o confundiríamos com
uma única pergunta, nós o derrubaríamos como um pote vazio.”
6. Agora, o
Abençoado com o elemento do ouvido divino, que é purificado e ultrapassa o
humano, ouviu essa conversa entre Sandhana e Nigrodha. Descendo do Pico do
Abutre ele foi até o pasto do pavão próximo ao reservatório de Sumagadha e ali
ficou caminhando para cá e para lá ao ar livre. Então, Nigrodha o viu e ordenou
que o seu grupo ficasse em ordem, dizendo: “Senhores, fiquem quietos; senhores,
não façam ruído. Ali vem o contemplativo Gotama. Esse venerável gosta do
silêncio e recomenda o silêncio. Talvez, se ele encontrar a nossa assembléia em
silêncio, pensará em juntar-se a nós. Se ele assim fizer nós lhe faremos esta
pergunta: ‘Venerável senhor, qual é a doutrina na qual o Abençoado treina os
seus discípulos, que assim treinados e para poderem dela se beneficiar,
reconhecem como principal suporte e perfeição na vida santa?’ Os errantes
ficaram em silêncio.
7. Então, o
Abençoado foi até Nigrodha, que lhe disse: “Venha Abençoado! Bem vindo
Abençoado! Já faz muito tempo desde que o Abençoado encontrou uma oportunidade
para vir aqui. Que o Abençoado sente; este assento está preparado.” O Abençoado sentou no assento que havia sido
preparado e Nigrodha sentou a um lado, num assento mais baixo. O Abençoado
disse: “Nigrodha, qual é o assunto que faz com que vocês estejam sentados
juntos aqui, agora? E qual é a discussão que foi interrompida?” Nigrodha
respondeu: “Venerável senhor, nós vimos o Abençoado caminhando para cá e para
lá no pasto do pavão próximo ao reservatório de Sumagadha e pensamos: ‘Se o
contemplativo Gotama viesse até aqui nós poderíamos lhe fazer esta pergunta:
Venerável senhor, qual é a doutrina na qual o Abençoado treina os seus
discípulos, que assim treinados e para poderem dela se beneficiar, a reconhecem
como principal suporte e perfeição na vida santa?’”
“Nigrodha,
é difícil para alguém que possui outras idéias, aceita outros ensinamentos,
aprova outros ensinamentos, que se dedica a um outro treinamento e segue um
outro mestre, compreender a doutrina que eu ensino para os meus discípulos ...
Vamos então, Nigrodha, pergunte-me sobre o seu próprio ensinamento, sobre a sua
extrema austeridade. Como são praticadas as condições de austeridade e
mortificação, e como elas não são realizadas?”
Em vista
disso houve uma grande comoção e ruído entre os errantes e eles exclamaram: “É
maravilhoso, é admirável o poder do contemplativo Gotama em conter a sua
própria teoria e convidar os outros que discutam a deles!”
8.
Silenciando-os, Nigrodha disse: “Venerável senhor, nós ensinamos as
austeridades supremas e as consideramos como essenciais, nós nos dedicamos a
elas. Em sendo esse o caso, o que constitui a sua realização ou não
realização?”
“Suponha,
Nigrodha, que um mortificador, permaneça nu, rejeite as convenções ... (igual
ao DN 8.14).
Ele se veste com cânhamo, com mortalhas, com trapos, com casca de
árvores ... Ele arranca cabelos e barba, dedicando-se à prática de arrancar os
cabelos e barba ... Ele se alimenta com imundície, dedicando-se à prática de
comer os quatro tipos de imundície (esterco de vaca, urina de vaca, cinzas e
argila). Ele nunca bebe água fria. Ele purifica o corpo com três imersões na
água a cada dia. O que você pensa, Nigrodha, dessa forma a austeridade suprema
é realizada, ou não?” - “De fato, venerável senhor, ela é realizada.” - “Mas,
Nigrodha, eu sustento que essa austeridade suprema é falha em vários aspectos.”
9. “De que
modo, venerável senhor, você sustenta que ela é falha?” - “Tome o caso, Nigrodha,
de um mortificador que pratique uma certa austeridade. Como resultado, ele fica
satisfeito e contente por ter realizado o seu fim. E isso é uma falha daquele
mortificador. Ou então, ao fazer isso ele elogia a si mesmo e menospreza os
outros. E isso é uma falha daquele mortificador. Ou então, ele se embriaga com
a arrogância, encantado e por conseguinte negligente. E isso é uma falha
daquele mortificador.
10.
“Novamente, um mortificador pratica uma certa austeridade e isto lhe traz
ganhos, honrarias e fama. Como resultado, ele fica satisfeito e contente por
ter realizado o seu fim ... Ou então, ele elogia a si mesmo e menospreza os
outros ... Ou então ele se embriaga com a arrogância, encantado e por
conseguinte negligente. E isso é uma falha daquele mortificador. Novamente, um
mortificador pratica uma certa austeridade e ele divide a sua comida em duas
partes, dizendo: ‘Isto me satisfaz, aquilo não me satisfaz!’ E aquilo que não o
satisfaz ele rejeita com má vontade, enquanto que aquilo que o satisfaz ele
come com cobiça, de modo imprudente e ávido, sem ver o perigo, sem pensar nas
conseqüências. E isso é uma falha daquele mortificador. Novamente, um
mortificador pratica uma certa austeridade por conta dos ganhos, honrarias e
fama, pensando: ‘Os reis e os seus ministros me honrarão, os Khattiyas e
Brâmanes e chefes de família e mestres religiosos.’ E isso é uma falha daquele
mortificador.
11.
“Novamente, um mortificador deprecia algum contemplativo ou Brâmane, dizendo:
‘Veja como ele vive com abundância, comendo todo o tipo de coisas! Quer se
propaguem pelas raízes, caules, juntas, germinações e sementes, ele devora tudo
com aquele seu maxilar feroz, e os outros o chamam de contemplativo!’ E isso é
uma falha daquele mortificador. Ou ele vê outro contemplativo ou Brâmane sendo
superestimado pelas famílias, sendo honrado e respeitado e venerado, e ele
pensa: ‘Eles superestimam aquele ricaço, eles o honram, respeitam e veneram,
enquanto que eu, que sou o verdadeiro contemplativo e mortificador, não recebo
esse tipo de tratamento!’ Assim ele fica invejoso e ciumento por causa daqueles
chefes de família. E isso é uma falha daquele mortificador.
“Novamente,
um mortificador senta numa posição proeminente. E isso é uma falha daquele
mortificador. Ou ele anda pomposamente entre as famílias, como se dizendo:
‘Veja, essa é a minha renúncia!’ E isso é uma falha daquele mortificador. Ou
ele se comporta de forma dissimulada. Ao ser perguntado: ‘Você aprova isso?’
embora ele não aprove, ele diz: ‘Aprovo’, ou embora ele aprove, ele diz: ‘Não
aprovo.’ Dessa forma ele se torna um mentiroso consciente. E isso é uma falha
daquele mortificador.
12.
“Novamente, um mortificador, quando o Tathagata ou um discípulo do Tathagata
apresenta de uma certa forma o Dhamma com o qual ele deveria concordar, ele
evita concordar. E isso é uma falha daquele mortificador. Ou ele é malvado
e mal-humorado. E isso é uma falha daquele mortificador. Ou ele é raivoso e
rancoroso, invejoso e avarento, dissimulador e trapaceiro, teimoso e arrogante, com
desejos inábeis e sob a influência deles, com entendimento incorreto e dado a
opiniões extremadas; ele é maculado com o mundano, muito apegado, não abrindo
mão de nada. E isso é uma falha daquele mortificador. O que você pensa,
Nigrodha? Essas coisas são falhas na austeridade suprema, ou não?” - “Com certeza
elas são, venerável senhor. Poderia ocorrer que um único mortificador possuísse
todas essas falhas, sem falar dos que têm só uma ou outra.”
13.-14.
Agora, Nigrodha, tome o caso de um mortificador que pratique uma certa
austeridade. Como resultado, ele não fica satisfeito e contente por ter
realizado o seu fim. Nesse caso, com relação a isso ele está purificado.
Novamente, ele não elogia a si mesmo e nem menospreza os outros...(de modo
semelhante com todos os exemplos nos versos 10-11). Assim, ele não se torna um
mentiroso consciente. Com relação a isso ele está purificado.
15.
“Novamente, um mortificador, quando o Tathagata ou um discípulo do Tathagata
apresenta o Dhamma de uma maneira que deveria merecer a sua concordância,
concorda. Com relação a isso ele está purificado. E ele não é malvado nem
mal-humorado. Com relação a isso ele está purificado. E ele não é raivoso nem
rancoroso, não é invejoso nem avarento, não é dissimulador nem trapaceiro, não é
teimoso nem arrogante, sem desejos inábeis e não sob a influência deles, sem entendimento
incorreto e não dado a opiniões extremadas; ele não é maculado com o mundano,
não é muito apegado, abrindo mão com facilidade. Com relação a isso ele está
purificado. O que você pensa, Nigrodha? A austeridade suprema é purificada por
essas coisas, ou não?” - “Com certeza ela é, venerável senhor, ela alcança a sua
plenitude, penetrando até o cerne.” - “Não, Nigrodha, ela não alcança a sua
plenitude, penetrando até o cerne. Ela apenas penetra a casca externa.” [2]
16. “Bem então, venerável senhor, como a austeridade alcança a sua
plenitude, penetrando até o cerne? Seria bom se o Abençoado fizesse com que a
minha austeridade alcançasse a sua plenitude, penetrando até o cerne.”
“Nigrodha,
tome o caso de um mortificador que observa a contenção quádrupla. E o que é
isso? Nesse caso, um mortificador não fere um ser vivo, não ocasiona que um ser
vivo seja ferido, não aprova que se cause um ferimento; ele não toma aquilo que
não for dado ou ocasiona que seja tomado aquilo que não for dado, ou aprova que
se tome; ele não diz uma mentira, ou ocasiona que se conte uma mentira, ou
aprova a mentira; ele não deseja os prazeres sensuais, ocasiona que outros
assim façam, ou aprova esse desejo. Dessa forma, um mortificador observa a
contenção quádrupla. E através dessa contenção, através dessa austeridade, ele
toma um curso ascendente e não decai para coisas inferiores.
“Depois ele
busca um local solitário, uma ravina, uma caverna numa encosta, um cemitério,
um matagal, um espaço aberto, uma cabana vazia. Então, depois de retornar da
esmola de alimentos, após a refeição, ele senta com as pernas cruzadas, mantém
o corpo ereto e estabelece a plena atenção à sua frente. Tendo abandonado a
cobiça pelo mundo, ele permanece com a mente livre de cobiça, ele purifica a
sua mente da cobiça. Abandonando a má vontade, ele permanece com a mente livre
de má vontade, compadecido pelo bem-estar de todos os seres vivos; ele purifica
a sua mente da má vontade. Abandonando a preguiça e o torpor, ele permanece livre
da preguiça e do torpor, percebendo a luz, e plenamente consciente; ele
purifica a sua mente da preguiça e do torpor. Abandonando a inquietação e a
ansiedade, ele permanece calmo com a mente tranqüila; ele purifica a sua mente
da inquietação e da ansiedade. Abandonando a dúvida, ele sobrepuja a dúvida,
esclarecido acerca dos estados hábeis; ele purifica a sua mente da dúvida.
17. “Tendo
abandonado esses cinco obstáculos e visando enfraquecer as contaminações
através do insight, ele permanece permeando o primeiro quadrante com a mente
imbuída de amor bondade, da mesma forma o segundo, da mesma forma o terceiro,
da mesma forma o quarto; assim acima, abaixo, em volta e em todos os lugares,
para todos bem como para si mesmo, ele permanece permeando o mundo todo com a
mente imbuída de amor bondade, abundante, transcendente, imensurável, sem
hostilidade e sem má vontade. E ele permanece permeando o primeiro quadrante
com a mente imbuída de compaixão, ... alegria altruísta, ... equanimidade,
abundante, transcendente, imensurável, sem hostilidade e sem má vontade. O que
você pensa, Nigrodha? A austeridade suprema é purificada por essas coisas, ou
não?” - “Com certeza ela é, venerável senhor, ela alcança a sua plenitude,
penetrando até o cerne.” - “Não, Nigrodha, ela não alcança a sua plenitude,
penetrando até o cerne. Ela apenas penetra a casca interna.”
18. “Bem
então, venerável senhor, como a austeridade alcança a sua plenitude, penetrando
até o cerne? Seria bom se o Abençoado fizesse com que a minha austeridade alcançasse
a sua plenitude, penetrando até o cerne.”
“Nigrodha,
tome o caso de um mortificador que observa a contenção quádrupla ... (igual aos
versos 16-17), sem hostilidade e sem má vontade. Ele se recorda das suas muitas
vidas passadas ... Lá eu tinha tal nome, pertencia a tal clã ... ( igual ao DN 2.93) ... Falecendo daquele estado, eu ressurgi
aqui.’ Assim ele se recorda das suas muitas vidas passadas nos seus modos e
detalhes. O que você pensa, Nigrodha? A austeridade suprema é purificada por
essas coisas, ou não?” - “Com certeza ela é, venerável senhor, ela alcança a sua
plenitude, penetrando até o cerne.” - “Não, Nigrodha, ela não alcança a sua
plenitude, penetrando até o cerne. Ela apenas penetra o alburno.”
19. “Bem então,
venerável senhor, como a austeridade alcança a sua plenitude, penetrando até o
cerne? Seria bom se o Abençoado fizesse com que a minha austeridade alcançasse
a sua plenitude, penetrando até o cerne.”
“Nigrodha,
tome o caso de um mortificador que observa a contenção quádrupla ... sem
hostilidade e sem má vontade ... Assim ele se recorda das suas muitas vidas
passadas nos seus modos e detalhes. E depois, por meio do olho divino, que é
purificado e sobrepuja o humano, ele vê seres falecendo e renascendo ... (igual
ao DN 2.95) ... ele compreende como os seres
prosseguem de acordo com as suas ações. O que você pensa, Nigrodha? A
austeridade suprema é purificada por essas coisas, ou não?” - “Com certeza ela é,
venerável senhor, ela alcança a sua plenitude, penetrando até o cerne.”
“Assim é de
fato, Nigrodha, que a austeridade é purificada de tal modo que alcança a sua
plenitude e penetra até o cerne. E, portanto, Nigrodha, quando você pergunta:
‘Qual, Abençoado, é a doutrina na qual o Abençoado treina os seus discípulos
que, assim treinados e para poderem dela se beneficiar, a reconhecem como
principal suporte e perfeição na vida santa?’ Eu digo que é com algo muito mais
abrangente e excelente que eu os treino, através do qual eles ... a reconhecem como seu principal suporte e
perfeição na vida santa.”
Em vista
disso, houve uma grande comoção e ruído entre os errantes e eles exclamaram:
“Nós e o nosso mestre estamos arruinados! Nós não sabemos nada mais elevado ou
abrangente que os nossos ensinamentos!”
20. E
quando o chefe de família Sandhana percebeu: “Esses errantes estão na verdade
ouvindo e acompanhando as palavras do Abençoado e inclinando as suas mentes na direção
da sabedoria superior, ele disse para Nigrodha: ‘Venerável Nigrodha, você disse
para mim: “Muito bem, chefe de família, você sabe com quem o contemplativo
Gotama conversa? ... A sabedoria do contemplativo Gotama é destruída pela vida
solitária, ele não está habituado às assembléias, ele não tem habilidade para
conversar, ele está desligado.” Então, agora o Abençoado veio até aqui, porque
você não o confunde com uma única pergunta e o derruba como um pote vazio?” E
com essas palavras Nigrodha permaneceu sentado em silêncio, consternado, com os
ombros caídos e a cabeça baixa, deprimido e sem resposta.
21. Vendo o
estado em que ele estava, o Abençoado disse: “É verdade, Nigrodha, que você
disse isso?” - “Venerável senhor, é verdade que eu disse isso, de modo tolo,
equivocado e maldoso.” - “O que você pensa, Nigrodha? Você alguma vez ouviu ser
dito por errantes anciãos, veneráveis, mestres de mestres, que aqueles que no
passado foram Arahants, Budas perfeitamente iluminados costumavam, quando se
reuniam, fazer uma grande baderna e conversar em voz alta e aos berros sobre
muitos assuntos inúteis ... da maneira como você e os seus mestres fazem? Ou
eles na verdade disseram que aqueles Abençoados procuravam um local na
floresta, nas profundezas da mata, livre de ruído, com pouco barulho, distante
da multidão enlouquecedora, sem a perturbação de pessoas, bem adequado para o
isolamento, tal qual eu faço agora?” - “Venerável senhor, eu ouvi ser dito que
aqueles que eram Arahants, Budas perfeitamente iluminados não fazem uma grande
baderna ... mas procuram um local isolado na floresta, ... tal qual o Abençoado
faz agora.”
“Nigrodha,
você é uma pessoa inteligente, amadurecida pelos anos. Alguma vez lhe ocorreu
pensar: ‘O Abençoado é iluminado, ele ensina uma doutrina da iluminação, ele é
contido e ele ensina uma doutrina da contenção, ele é tranqüilo e ele ensina
uma doutrina da tranqüilidade. Ele foi além e ele ensina uma doutrina para ir
além, ele realizou nibbana e ele ensina uma doutrina para a realização de
nibbana’?”
22. Em
vista disso, Nigrodha disse para o Abençoado: “Uma transgressão foi cometida
por mim, venerável senhor, em que eu fui tão tolo, tão atrapalhado e tão
inábil, que falei dessa forma com o Abençoado. Que o Abençoado por favor aceite
esta confissão da minha transgressão como tal, de forma que eu possa me refrear
no futuro!”
“Deveras,
Nigrodha, uma transgressão foi cometida por você, em que você foi tão tolo, tão
atrapalhado e tão inábil, em falar de mim dessa forma. Porém, porque você vê a
sua transgressão como tal e faz correções de acordo com o Dhamma, nós aceitamos
a sua confissão. Pois é motivo de crescimento no Dhamma e Disciplina dos nobres
quando, vendo uma transgressão como tal, a pessoa faz correções de acordo com o
Dhamma e pratica a contenção no futuro.
“Mas,
Nigrodha, eu lhe digo isto: Que um homem inteligente, sincero, honesto e
verdadeiro venha até mim e eu o instruirei, eu lhe ensinarei o Dhamma. Se ele
praticar aquilo que for ensinado, então dentro de sete anos ele irá alcançar e
permanecer no objetivo supremo da vida santa pelo qual membros de um clã deixam
a vida em família pela vida santa, tendo conhecido e realizado por si mesmo no
aqui e agora. Sem falar em sete anos, seis anos, cinco anos, quatro anos, três
anos, dois anos, um ano, sete meses, seis meses, cinco, quatro, três, dois
meses, um mês, meio mês. Sem falar em meio mês – em sete dias ele poderá
alcançar aquele objetivo.
23.
“Nigrodha, pode ser que você pense: ‘O contemplativo Gotama diz isso apenas
para obter mais discípulos.’ Mas você não deve pensar dessa forma. Que o seu
mestre continue sendo o seu mestre. [3] Ou
você poderá pensar: ‘Ele quer que nós abandonemos as nossas regras.’ Mas você
não deve pensar dessa forma. Que as suas regras continuem as mesmas. Ou você
poderá pensar: ‘Ele quer que nós abandonemos o nosso modo de vida.’ Mas você
não deve pensar dessa forma. Que o seu modo de vida continue o mesmo. Ou você
poderá pensar: ‘Ele quer que façamos coisas que de acordo com o nosso ensinamento
são erradas e assim são consideradas por nós.’ Mas você não deve pensar dessa
forma. Que aquelas coisas que você considera erradas continuem a ser
consideradas assim. Ou você poderá pensar: ‘Ele quer nos afastar daquelas
coisas que de acordo com o nosso ensinamento são corretas e assim são
consideradas por nós.’ Mas você não deve pensar dessa forma. Que aquelas coisas
que você considera corretas continuem a ser consideradas assim. Nigrodha, eu
não falo devido a nenhuma dessas causas ...
“Há,
Nigrodha, coisas inábeis que não foram abandonadas, contaminadas, que conduzem
ao renascimento, aterrorizantes, que produzem resultados dolorosos no futuro,
associadas ao nascimento, envelhecimento e morte. É para o abandono dessas
coisas que eu ensino o Dhamma. Se você praticar de acordo, essas coisas
contaminadas serão abandonadas, e as coisas que conduzem à purificação irão se
desenvolver e se incrementar, e você irá alcançar e permanecer, realizando por
si mesmo no aqui e agora a plenitude da perfeição da sabedoria.”
24. Em
vista dessas palavras os errantes permaneceram sentados em silêncio,
consternados, com os ombros caídos e a cabeça baixa, deprimidos e sem resposta,
tão tomadas por Mara estavam as mentes deles. Então, o Abençoado disse: “Cada
um desses homens tolos está tomado pelo Senhor do Mal de modo que nenhum deles
pensa: ‘Vamos agora seguir a vida santa proclamada pelo contemplativo Gotama,
que nós possamos aprendê-la - pois o que importam sete dias?’”
Então, o
Abençoado, tendo rugido o rugido do leão no parque de Udumbarika, levitou e
pousou no Pico do Abutre. E o chefe de família Sandhana também regressou para
Rajagaha.
Notas:
[1] Um parque doado para os errantes pela Rainha Udumbarika. [Retorna]
[2] Para um entendimento mais completo deste símile do cerne, veja o MN 18. [Retorna]
[3] Um exemplo da tolerância Budista. Veja também o DN
29.4 [Retorna]
Revisado: 10 Junho 2006
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