1. Yamakavagga
Versos Gêmeos
|
Todas as ações são comandadas pela mente: |
|
Todas as ações são comandadas pela mente: |
|
Quem abriga pensamentos de hostilidade como: |
|
Quem não abriga pensamentos de hostilidade como: |
|
Pois neste mundo a raiva |
|
Há os que não percebem |
|
Quem apenas a beleza contempla, |
|
Quem o repulsivo contempla, |
|
Aquele que veste o manto dos bhikkhus, |
|
Mas aquele que se purificou das impurezas, |
|
Aqueles que dão importância àquilo que não é importante |
|
Aqueles que dão importância àquilo que é importante, |
|
Tal como a chuva penetra |
|
Tal como a chuva nunca penetra |
|
Aqui ele se aflige e no futuro se afligirá, |
|
Aqui ele se alegra, e no futuro se alegrará, |
|
Aqui ele sofre e no futuro sofrerá, |
|
Aqui ele fica contente e no futuro ficará contente |
|
Embora alguém recite muitos dos ensinamentos, |
|
Embora alguém recite poucos dos ensinamentos, |
Notas:
[Nota 1 - Versos 1 e 2] Os primeiros dois versos do Dhammapada revelam um importante conceito do Budismo. Enquanto a maioria das religiões sustentam, como uma parte importante de seus dogmas que o mundo foi criado por um ser sobrenatural chamado "Deus", o Budismo ensina que tudo que experienciamos (o "mundo" e também o "eu") é criado pelo pensamento, ou o processo cognitivo de percepções e conceitos originados dos sentidos. Isso também prova que as pessoas que escrevem sobre o Budismo estão erradas em afirmar que o Buda não falava nada sobre o surgimento do mundo. No Rohitassa Sutta do Samyutta Nikaya, o Buda afirma claramente que é exatamente nesta carcaça com uma braça de comprimento, dotada de percepção e mente, que é encontrado o mundo, a origem do mundo, a cessação do mundo e o caminho que conduz à cessação do mundo.
A palavra mano é comumente traduzida como "mente". Mas o Buda adota o ponto de vista do fenomenalismo na controvérsia mente-matéria que deixou muitos filósofos perplexos ao longo da história. A dualidade - mente e corpo - é rejeitada pelo Buda. O Buda explica no Sabba Sutta do Samyutta Nikaya que tudo o que podemos falar é sobre as "experiências dos sentidos", incluindo o pensamento ou concepção como sendo o sexto sentido. Os termos nama e rupa, traduzidos geralmente como "mentalidade-materialidade" (nome e forma) não são duas "entidades" que coexistem numa relação mútua. Elas são apenas duas formas de olhar para uma única "atividade" chamada "experiência".
Nama (nomear) é a "experiência" vista subjetivamente como o "processo mental de identificação de um objeto" (rupa kaye adhivacana sampassa). Rupa (forma) é a "experiência" vista objetivamente como uma "entidade" que é percebida e concebida através do processo mental de identificação (nama kaye pathigha sampassa). Mano se refere ao "pensamento" ou ao processo mental de formulação de conceitos, que integra e dá significado às diferentes percepções trazidas pelos diferentes meios dos sentidos. Essa "experiência" significativa completa é dhamma, vista subjetivamente como "identificação de uma entidade" (nama) e objetivamente como "a entidade identificada" (rupa). Dhamma, que é essa "experiência significativa completa" é geralmente vista como sendo uma circunstância agradável ou desagradável (lokadhamma).
A forma como experienciamos as circunstâncias depende da forma como as interpretamos. Se as interpretarmos da forma incorreta, experienciamos sofrimento. Se as interpretarmos da forma correta, experienciamos felicidade. Em outras palavras, nossa felicidade e infelicidade dependem da forma como pensamos.
O pensamento também cria situações num sentido futurista. Se abrigarmos a má-vontade e falarmos e agirmos com má-vontade, as pessoas passarão a nos detestar. Seremos punidos pela sociedade e pela lei. Também, depois da morte, renasceremos em um mundo de sofrimento. Aqui "pensamento" se refere a kamma (ação intencional) e "experiência" refere-se à vipaka (frutos ou conseqüências de kamma).
Por fim, a mensagem transmitida por esse par de versos é: "Pense errado e sofra, pense correto e seja feliz." Esse par de versos ditos pelo Buda expressa a inevitável conseqüência (vipaka) do bom e mau pensamento. O homem colherá aquilo que plantou, tanto no passado como no presente. O que plantar agora, ele colherá no presente e no futuro. O homem é responsável por sua própria felicidade e sofrimento. Ele cria seus próprios infernos e paraísos. Ele é o arquiteto de seu próprio destino. O que ele faz, ele pode desfazer. O Budismo ensina o caminho para se libertar do sofrimento através do entendimento e o uso da lei de causa e efeito. O Budismo é muito realista e otimista. Ao invés de depender cegamente de forças sobrenaturais desconhecidas, na esperança de felicidade, o Budismo encontra o verdadeiro caminho para a felicidade de forma realista.
Manasa ce Pasannena: estado mental claro com serena confiança. Pasannena/Pasada é uma atitude mental e emotiva que compreende um sentimento profundo abrangendo ao mesmo tempo o apreço intelectual, a satisfação, a claridade de pensamentos, a serenidade e a confiança. [Retorna]
[Nota 2 - Versos 3 e 4] Esse par de versos revela o princípio psicológico que é a base do controle emocional. A emoção é uma excitação do corpo que começa com um pensamento. Um pensamento cria uma figura mental que, se agarrada, faz surgir a emoção correspondente. Somente quando essa figura mental é descartada e não recebe atenção, é que a emoção se apazigua. O conselho constante do Buda aos seus discípulos era para não retaliarem, mas praticarem a paciência, em todas as ocasiões e lugares, mesmo quando provocados. O Buda elogia aqueles que toleram as ofensas dos outros, mesmo que eles tenham capacidade para retaliar. No próprio Dhammapada há várias ocasiões que mostram que o Buda praticava a paciência, mesmo quando severamente criticado, abusado, ou atacado. A paciência não é um sinal de fraqueza ou derrotismo, mas é uma infalível força dos grandes homens e mulheres. O segredo da paciência é mudar a figura mental ou como a situação é interpretada. Um exemplo é dado no Shantivadi Jataka, onde o monge Shantidavi era o Buda Gotama numa vida anterior. O monge continuou repetindo no pensamento, "Longa vida ao rei e que ele esteja livre do mal", enquanto seus membros eram decepados até a morte, por esse rei cruel que queria testar sua paciência. [Retorna]
[Nota 3 - Verso 5] O princípio revelado nesse verso está bem claro. As brigas nunca cessam através de brigas. A guerra nunca vai chegar ao fim através de outras guerras. A hostilidade nunca cessará retribuindo a hostilidade com hostilidade. Somente colocando um fim na raiva e hostilidade, é que males como brigas e guerras podem cessar. É através da amizade, perdão e esquecimento que a hostilidade cessa. [Retorna]
[Nota 4 - Verso 6] A essência do Budismo é encarar a realidade da morte e da impermanência. Sofremos porque fugimos da realidade, arrebatados pelas emoções. As emoções estão em conflito com a realidade; portanto, elas estão destinadas a serem frustradas pela realidade. Não somente a raiva, mas também todas as emoções egocêntricas cessam quando encaramos a realidade da morte. É um pensamento realista que coloca um fim em toda infelicidade. Aqueles que não encaram a realidade da morte desse modo Budista, continuam frustrados e com raiva, e consequentemente, sofrem.
Geralmente, as pessoas não estão atentas de que a morte irá surpreendê-las um dia. Elas agem desatentas a essa verdade universal. Tanto monges como laicos, desatentos à morte, considerando-se imortais, frequentemente negligenciam o cultivo de virtudes. Envolvem-se em disputas e discussões e com freqüência ficam desapontados, com suas esperanças e aspirações destruídas. Algumas vezes, adiam seu trabalho na esperança de fazê-lo em larga escala no futuro, mas terminam sem terem sido capazes de fazer nada. Portanto, só há vantagens em refletir diariamente sobre a morte.
Estar atento à morte é algo essencial para o modo Budista de entender a real natureza da vida. Há pessoas neste mundo, pessoas com distintos estilos de vida, que se ofendem com a mera palavra "morte". Imaginem então, como reagiriam ao refletir sobre a morte. Apaixonadas pela vida longa, boa saúde, juventude e prosperidade, elas se esquecem completamente do fato de que estão sujeitas à morte. Imersas nos prazeres evanescentes dos cinco sentidos, elas somente buscam satisfação material no mundo, desconsiderando completamente uma existência futura, e se entregando aos vícios através da mente, corpo e fala. Elas consideram essa vida impermanente e evanescente como sendo permanente e perpétua.
O Buda disse essas palavras para fazer surgir uma sensação de insatisfação nessas pessoas cegas e ignorantes, para apaziguar os tormentos do sofrimento causados pela separação de pais e filhos e da riqueza e prosperidade, para inculcar a doutrina da impermanência em todos os seres, e assim convencê-los da insatisfação da vida, e direcioná-los para a realização da eterna paz.
Uma pessoa que não compreendeu a doutrina do Buda está apaixonada pela vida longa e se considera imortal, mesmo que ela veja muitas mortes ao seu redor; está apaixonada com a boa saúde e se considera livre das doenças, mesmo que veja incontáveis pessoas doentes ao seu redor; está apaixonada pela juventude apesar de ver muitas pessoas velhas, e se considera não sujeita ao envelhecimento; está apaixonada com a riqueza e prosperidade apesar de ver incontáveis pessoas destituídas devido à perda de riqueza; e ela nunca pensa, por um momento sequer, que também está sujeita a tais situações. [Retorna]
[Nota 5 - Versos 7 e 8] Quem tem uma falsa noção de otimismo e pensa que a vida é um mar de rosas sem espinhos, mantém-se focado no lado agradável da vida e ignora o lado desagradável. Como resultado, há o apego às coisas que são consideradas como "isto é meu" ou "isto é o meu eu". Quando essas coisas às quais há apego mudam ou se separam, há a lamentação que aquilo que é "meu" ou aquilo que é "o eu" está se destruindo e morrendo.
Quem olha para o lado desagradável da vida, os espinhos das rosas, os apegos são enfraquecidos. Quando isso acontece, a mudança e separação dos objetos de apego não trazem tanto sofrimento e pesar.
Asubhanupassana (quem o repulsivo contempla): não significa a reflexão no dolorido da dor, o que produz raiva ou aversão. Isso é chamado cultivo da "percepção do repulsivo" (patigha sañña), que também deve ser evitado. Seu verdadeiro significado é a reflexão nas desvantagens do prazer sensual, que as pessoas frequentemente gostam de ignorar, e ao fazer isso elas se deparam com o sofrimento, exatamente a coisa da qual estão tentando escapar. O verdadeiro otimismo não é uma visão unilateral da vida, mas uma habilidade de ver a solução dos problemas na vida. Esse é o otimismo do Budismo.
Esse par de versos revela o método para encontrar felicidade na vida, através do abandono do apego às coisas do mundo. O primeiro passo é pensar realisticamente. Conter os sentidos é aprender a parar de reagir às circunstâncias agradáveis e desagradáveis com cobiça e aversão. Exercitar o controle de nossos hábitos alimentares e superar a preguiça são coisas necessárias para mantermos a prática de focar a atenção nas coisas certas e então clarificar os pensamentos de apegos às emoções. [Retorna]
[Nota 6 - Versos 9 e 10] O “pano tingido” é um símbolo de pureza para um Budista. Ele considera como algo nobre esse manto preparado especialmente para os monges. Os Budistas se prostram em homenagem àqueles que vestem esse manto. O manto representa a Sangha, que é parte da Tríplice Joia do Budismo: Buda, Dhamma e Sangha.
Quando uma pessoa se ordena como monge budista, a pessoa sente que se elevou acima do plano mundano e se tornou uma pessoa nobre. Esse sentimento é reforçado com a prostração dos discípulos leigos. Essa nova "auto-imagem" ajuda a pessoa recentemente ordenada a começar sua nova vida nobre. O leigo também se inspira ao ver e venerar quem veste o manto. Essa veneração ao manto, portanto, é uma parte importante da prática Budista.
Esse é o porquê de uma pessoa contaminada não ser digna do manto. Se alguém for impuro, vesti-lo é considerado uma profanação. É uma profanação do nobre manto. [Retorna]
[Nota 7 - Versos 11 e 12] Esse par de versos dá ênfase a um "conjunto de valores" adequado que é essencial para a prática do caminho espiritual. Nossos valores são aquilo que direciona as nossas vidas. A pureza e a riqueza de nossas vidas dependem de nossos valores. De fato, nosso julgamento de superioridade e inferioridade, e nossa felicidade e senso de realização, também dependem de nossos valores.
Aqueles que têm entendimento incorreto dos valores, também têm aspirações incorretas, e assim, eles nunca alcançam as verdadeiras riquezas da vida. [Retorna]
[Nota 8 - Versos 13 e 14] Os termos citta e mano são imprecisamente traduzidos por pessoas que escrevem sobre o Budismo como se fossem sinônimos e equivalentes. Ambas as palavras são traduzidas como "mente". O Budismo não reconhece uma entidade chamada "mente" ou uma dualidade "mente-corpo". O Budismo no entanto reconhece o processo cognitivo (mano) e emocional (citta) da atividade psicofísica, que pode ser vista objetivamente como física e, subjetivamente como mental. O termo citta nesses versos também pode se referir ao processo emocional, que pode ser traduzido mais adequadamente como "temperamento".
O termo bhavana também é comumente traduzido como "meditação". Mas o termo bhavana é melhor traduzido como "cultivo". Bhavana é o cultivo e o desenvolvimento do processo cognitivo e emocional que leva à boa conduta e felicidade. [Retorna]
[Nota 9 - Versos 15 e 16] Pessoas que cometem ações prejudiciais estão inconscientes das consequências no momento em que as cometem. Portanto, elas tendem a se arrepender ao ver as consequências daquilo que fizeram. Isso cria pesar. Isso não significa que um ser humano sempre terá de sofrer as consequências dos seus atos, sem qualquer esperança. Se fosse assim, não haveria nenhum benefício em seguir uma vida religiosa, nem haveria oportunidade para se empenhar pela própria libertação.
Nesse par de versos, sofrimento e felicidade no próximo mundo também são mencionados. Os Budistas não acreditam que esta vida na Terra seja a única vida e que os seres humanos são o único tipo de ser existente. Mundos de existência são numerosos e os seres inumeráveis. Depois da morte alguém pode nascer como um ser humano, num estado sub-humano ou num plano celestial, de acordo com suas ações. O assim chamado ser na vida subsequente não é o mesmo que seu predecessor (já que ele mudou) nem absolutamente diferente (visto que é um fluxo de vida idêntico). O Budismo nega a identidade do ser, mas afirma a identidade do processo.
Katapuñño (benfeitor): o comentário menciona o discípulo leigo chamado Dhammika desfrutando de grande alegria no seu leito de morte porque durante a sua vida ele tinha acumulado uma vasta quantidade de ações benéficas. Qualquer indivíduo que recorde uma vida de conduta virtuosa e, em consequência, possa esperar após a morte um nascimento num estado agradável, pode ser descrito como um katapuñño.
Modati: rejubilar-se. Esse é o estado mental de uma pessoa que acumulou uma vida de conduta virtuosa. No fim da vida ela pode desfrutar de uma sensação de alegria, assim como o discípulo Dhammika nesse verso. [Retorna]
[Nota 10 - Versos 17 e 18] Duggati (mundos inferiores): aquelas pessoas que se entregam a maus caminhos, após a morte nascem em mundos infelizes. Visto que esses estados fazem as vítimas sofrerem eles são descritos como duggati. Em oposição aos mundos infelizes há os mundos felizes (sugati). Aqueles que têm uma conduta virtuosa consequentemente renascem nesses estados.
Idha tappati (com remorso ele sofre): o arrependimento daqueles que lembram com tormento mental as ações prejudiciais que cometeram. Tappati pode ser traduzido como "estar em chamas". A lembrança das ações prejudiciais traz um tipo de auto-tortura que é como estar em chamas. Essa é a situação em que se viu Devadatta.
Pecca (futuro): os próximos mundos. Uma vez que a pessoa morre, ela nasce em outro estado, que é a vida futura. Ela continua suas atividades em termos de bem e mau que acumulou enquanto estava nesse mundo. Portanto, pecca implica o que acontece com ela depois.
Bhiyyo: "ainda mais". O virtuoso se rejubila nessa vida e ainda mais na próxima vida nos paraísos. Eles se rejubilam lembrando as ações benéficas que fizeram. [Retorna]
[Nota 11 - Versos 19 e 20] Sahitam (ensinamentos): ao pé da letra significa qualquer texto. Mas nesse caso, se refere especificamente aos textos Budistas. As Palavras do Buda estão preservadas nos Três Cestos (Tipitaka). Esse verso enfatiza o fato que a mera recitação das palavras do Buda não vai fazer muita diferença na vida religiosa de uma pessoa, se o buscador da verdade não está preparado para colocar em prática o que está sendo recitado. A realização da vida santa somente é garantida se a pessoa organizar sua vida de acordo com o que foi dito pelo Buda. O esforço da pessoa que meramente recita as palavras do Buda é tão fútil como um vaqueiro que toma a preocupação de contar o gado dos outros enquanto que os laticínios são desfrutados somente por outra pessoa - o dono. Esse verso se refere à pessoa que entende muito dos textos Budistas, mas que não pratica o que foi dito.
Suvimutta citto (mente liberta): liberto das emoções. Um indivíduo que se libertou do agarrar e apegar realiza a total libertação das emoções.
Anupadiyano (não se apegando a nada desse mundo ou do próximo): um indivíduo que colocou um fim ao hábito de agarrar e apegar a este mundo e ao próximo.
Revisado: 11 Setembro 2013
Copyright © 2000 - 2021, Acesso ao Insight - Michael Beisert: editor, Flavio Maia: designer.