Mente Luminosa

Por

Bhante Henepola Gunaratana

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“Luminosa, bhikkhus, é a mente. E ela é contaminada pelas corrupções adventícias. A pessoa comum sem instrução não compreende isso tal como na verdade é, por isso lhes digo que – para a pessoa comum sem instrução – não existe desenvolvimento da mente.”

(Pabhassaram idam, bhikkhave, cittam. Tañ ca kho agantukehi upakkilesehi upakkilittham.Tam assutava puthujjano yatha-bhutam nappajanati. Tasma assutavato puthujjanassa cittabhavana n’atthi ti vadami.)

“Luminosa, bhikkhus, é a mente. E ela é libertada das corrupções adventícias. O nobre discípulo bem instruído compreende isso tal como na verdade é, por isso lhes digo que – para o nobre discípulo bem instruído – existe o desenvolvimento da mente.”

(Pabhassaram idam, bhikkhave, cittam. Tañ ca kho agantukehi upakkilesehi upakkilittham. Tam sutava ariyasavko yatha-bhutam pajanati. Tasma sutavato ariyasavkassa cittabhavana atthi ti vadam)

AN I.49-52

No primeiro trecho o Buda diz: “Esta mente é luminosa mas ela é corrompida,” e no segundo trecho ele diz “Esta mente é luminosa mas ela é purificada.” Na primeira afirmação, “luminosa” seguida por “corrompida”, parece indicar que a mente é naturalmente pura e na segunda, “luminosa” seguida por “purificada”, parece indicar que a mente é naturalmente corrompida. A mente tem que ser pura para se tornar corrompida e do mesmo modo tem que ser corrompida para ser purificada. Se ela for totalmente pura não necessita ser purificada e se for totalmente corrompida não necessita ser corrompida outra vez.

O Buda diz que as corrupções que poluem a mente luminosa provêm do exterior. O que esta afirmação parece dizer de modo implícito é que as corrupções não estão presentes na mente no nascimento. No entanto, de acordo com o Dhamma que o Buda ensinou em outra parte, as corrupções externas não invadem a mente se esta não contiver “vestígios de corrupções dentro de si.” Em outras palavras, a mente pura em si mesma não pode ser afetada pelas corrupções que existem no mundo exterior. “Tal como a chuva não entra numa casa bem coberta, assim também o desejo não penetra uma mente bem treinada.” Apenas a mente que possui corrupções dentro de si busca corrupções compatíveis no exterior e obtém aquilo que deseja.

A pressuposição da afirmativa: “É corrompida pelas corrupções que provêm do exterior,” significa que a mente permanecerá luminosa ou pura se as “corrupções que provêm do exterior” forem impedidas de entrar. Se a mente é pura por natureza tudo que temos a fazer é manter essa pureza evitando as corrupções que provêm do exterior. Também, se a mente for totalmente pura, então o discípulo bem instruído não precisa estar vigilante contra as corrupções externas. Nos trechos mencionados acima o Buda diz que o discípulo bem instruído, que aprendeu o Dhamma em teoria, mas que ainda não alcançou a plena iluminação, cultiva a sua mente através da prática da meditação. A mente do discípulo plenamente iluminado já está cem por cento pura. Por conseguinte, ele não tem de estar vigilante todo o tempo para proteger a sua mente contra a invasão das corrupções externas.

Explicando ambos, a mente luminosa e o discípulo sem instrução a exegese indica que:

Ele (o discípulo sem instrução) que, ao examinar o significado deste sutta desde o seu princípio não sabe, quer seja através do conhecimento das escrituras ou através da realização da iluminação, que embora o contínuo vital, (bhavangacitta), seja puro em si mesmo, ele é poluído pelas corrupções, tal como a cobiça, etc., nascidas no momento do impulso mental, (javana).

Esta inequívoca explicação exegética demonstra que o discípulo sem instrução é aquele que não tem conhecimento das escrituras e não alcançou a iluminação. Também, coerente com este trecho, o contínuo vital é puro em si mesmo mas é poluído no momento em que ocorrem os impulsos mentais, (javana), através da cobiça, raiva e delusão. No entanto, em concordância com a doutrina de Kamma e renascimento, esta nossa vida presente é o resultado direto daquilo que intencionalmente fizemos no passado. Por conseguinte, a consciência de renascimento, (patisandhicitta), que fez surgir o atual fluxo de consciência, é a consciência resultante de algum Kamma passado. Se a consciência estiver totalmente purificada de todas as corrupções e tendências subjacentes, (anusaya), então o contínuo vital resultante não surge porque uma mente totalmente livre de corrupções não causa mais nenhum renascimento. Em conformidade com a lei de causa e efeito, se a causa não foi purificada das corrupções, os seus resultados tampouco podem ser puros. Segue então que a mente que causa o renascimento é uma mente com corrupções. Portanto, o contínuo vital não pode estar completamente imune à corrupção potencial. Através da regra da inferência, segue que esta mente luminosa não está totalmente limpa ou pura, porque se estivesse, então, a sua poluição não estaria dentro do escopo daquilo que é possível. Se a mente já fosse pura, então o discípulo dos Nobres não teria nada para purificar através do desenvolvimento da mente, (cittabhavana).

Isso significa que mesmo a mente luminosa possui tendências latentes, (anusaya), que podem emergir a qualquer momento. O discípulo bem instruído, que possui atenção plena em todos os momentos, aplica o esforço para prevenir que as tendências latentes surjam. Se apesar do seu esforço as tendências latentes surgirem ou alcançarem o estágio de manifestação, (pariyutthana), então ele faz o esforço para superá-las. Assim que ele for bem sucedido em superar as tendências prejudiciais, ele fará esforço para despertar estados mentais benéficos. Ao invés de se preocupar ou insistir nos pensamentos prejudiciais do passado, o sábio faz com que pensamentos benéficos surjam cada vez mais para superar e substituir os pensamentos prejudiciais. Uma vez que os pensamentos benéficos tenham sido despertados, ele se esforça em cultivá-los repetidamente, vigiando os seus meios dos sentidos, através dos quais os estímulos externos despertam as tendências latentes. Enquanto preserva a luminosidade da sua mente, ele faz todo esforço para enfraquecer e destruir as tendências latentes na sua mente. Portanto, neste caso o “desenvolvimento da mente”, (cittabhavana), significa não a meditação da tranqüilidade, (samathabhavana), mas a meditação de insight, (vipassanabhavana), porque é apenas a meditação de insight que treina a mente a vigiar e disciplinar a si mesma para se purificar, destruindo todas as contaminações, incluive as tendências latentes.

A luminosidade da mente também parece ter sido aludida como o estado mental que as pessoas tinham nos primórdios da raça humana. O Aggañña Sutta no Digha Nikaya registra como os seres humanos que primeiro surgiram na Terra tinham a mente luminosa:

‘Haverá um tempo, Vasettha, quando, cedo ou tarde, após um longo período, este mundo irá se contrair. Numa época de contração, os seres nascem principalmente no mundo de Abhassara Brahma. E lá eles permanecem, feitos de mentalidade, alimentando-se com delícias, luminosos, movendo-se através do espaço, gloriosos – e assim eles permanecem por um longo tempo. Mas cedo ou tarde, depois de um longo período, o mundo começa novamente a se expandir. Numa época de expansão, os seres do mundo de Abhassara Brahma, tendo lá falecido, renascem principalmente neste mundo. Aqui eles permanecem, feitos de mentalidade, alimentando-se com delícias, luminosos, movendo-se através do espaço, gloriosos – e assim eles permanecem por um longo tempo.

A luminosidade desses seres humanos pode ter sido gerada pelas suas mentes luminosas que no entanto ainda não estavam libertadas das tendências latentes. Nesse mesmo sutta o Buda indica como as pessoas pouco a pouco começam a manifestar os seus irritantes psíquicos em potencial, como elas transgridem o código moral e como pouco a pouco elas incrementam as suas contaminações.

Quando a Terra havia sido formada, a sua superfície se parecia com a “cor da manteiga e muito doce, igual ao mel selvagem puro.” Devido ao seu sabor adocicado um dos seres que possuía um caráter cobiçoso provou a terra saborosa com o seu dedo. Assim o desejo surgiu nele e ele contou a sensação do sabor para os demais. Eles também a experimentaram. Dessa forma o desejo foi estimulado nesses seres.

Deve ser observado que o desejo nesses primeiros habitantes da Terra havia sido neutralizado através da associação com os seres luminosos do mundo de Abhassara Brahma, visto que os seus sentidos não estavam expostos aos objetos sensuais. No entanto, a tendência latente à cobiça continuava a existir no seu fluxo de consciência e assim que surgiu a oportunidade, ela encontrou a forma de se manifestar. Também devido à atrofia dos sentidos pelo desuso por tanto tempo, a luminosidade natural da mente se desenvolveu e manifestou e as tendências latentes foram esquecidas. Ao retornarem para este mundo, como seres humanos, eles continuaram a possuir a mesma luminosidade, “movendo-se através do espaço, gloriosos.” No entanto, à medida que a poluição do desejo encobria a mente desses seres, a luminosidade das suas mentes e corpos desaparecia. “E o resultado foi que a luminosidade que eles possuíam desapareceu.” Devido ao fato de que esses seres haviam continuamente sustentado e alimentado a cobiça, desde tempos imemoriais no samsar, eles criaram o hábito do apego. Portanto, de todas as contaminações, esse apego habitual à experiência sensual foi o primeiro que surgiu neles.

Em outra parte o Buda fala da mente luminosa num contexto distinto. Ele diz: “Assim purificada, clara, pura, imaculada, livre de defeitos, flexível, maleável, estável e atingindo a imperturbabilidade.” Aqui embora a palavra “luminosa”, (pabhassara), não seja usada, outras palavras como “purificada”, (parisuddha), “clara”, (pariyodata), “imaculada”, (anangana), e “livre de defeitos”, (vigatupakkilesa), sugerem que a mente está luminosa e temporariamente livre de contaminações.

Essa luminosidade pura é atribuída ao estado mental que alcança o quarto jhana. No entanto, mesmo neste estágio a mente não está totalmente livre da possibilidade de ser corrompida, embora aquele que tenha alcançado o quarto jhana possua suficiente pureza e claridade mental para desenvolver poderes supra-humanos. Apesar de todas essas realizações – jhanas e poderes supra-humanos – esses seres ainda estão sujeitos ao renascimento e morte se eles não alcançarem o estado de Arahant, porque o seu contínuo vital não está totalmente livre das tendências latentes. Eles podem ter a mente luminosa, mas mesmo assim eles ainda estão suscetíveis à corrupção pelos estímulos externos. Para evitar esse circulo vicioso de renascimentos, a mente luminosa tem que ser purificada. Apenas aqueles que praticam cittabhavana podem libertar as suas mentes luminosas do desejo, raiva e ignorância, resultando na realização do estado de Arahant.

O discípulo bem instruído que é capaz de fazer a distinção entre a concentração correta mundana e a concentração correta supramundana pode ver que a mente luminosa pode ser purificada de forma permanente das contaminações externas. Ele sabe que cada um dos elementos do Nobre Caminho Óctuplo possui duas formas – uma forma mundana que “está sujeita às impurezas, participando dos méritos, ainda gerando apego,” e outra forma que é “nobre, imaculada, supramundana, um elemento do caminho”, (Mahacattarisaka Sutta – MN 117). Esta última é encontrada no “estado de consciência nobre, o estado de consciência livre de contaminações naquele equipado com o nobre caminho, desenvolvendo o nobre caminho.” Visto que esses fatores que acompanham a concentração correta do nobre caminho são definidos como supramundanos, segue que os quatro Jhanas que compõem a concentração correta no Nobre Caminho Óctuplo são também supramundanos. É através do “cultivo dos jhanas supramundanos que a mente luminosa pode ser purificada das tendências latentes.” O Dhammasangani inicia a análise da primeira consciência supramundana com as palavras:

"Na ocasião em que alguém desenvolve o jhana supramundano que emancipa, conduz à destruição (da existência), ao abandono das idéias,a alcançar o primeiro plano, afastado dos prazeres sensuais … ele permanece no primeiro jhana.”

Quando o Buda diz “para a pessoa comum sem instrução não existe desenvolvimento da mente,” ele não quer dizer que as pessoas comuns nunca serão capazes de meditar. O Buda, a personificação de infinita compaixão e sabedoria, nos ensinou como o discípulo sem instrução deve ser suficientemente orientado para compreender a importância da meditação. Sempre que o discípulo sem instrução for instruído ele estará pronto para desenvolver a mente, (cittabhavana). Portanto, a falta de instrução com relação ao Dhamma não é uma condição permanente ou imutável que impossibilite alguém de purificar a sua mente através da meditação.

Quem é uma pessoa sem instrução? Todos os seres humanos são classificados em três grupos: pessoas comuns sem instrução, (assutava puthujjano), pessoas comuns com instrução, (sutava puthujjano) e nobres discípulos bem instruídos, (sutava ariyasavako). Assutava puthujjano significa “aquele que não ouviu.” Suta, (sruti em Sânscrito), é aquilo que é ouvido. A faculdade da audição é denominada sota em Pali. Ao empregar a faculdade da audição com atenção plena, ouça a mensagem correta. Então, você se torna um sutava puthujjano. Se você examinar o significado e alcançar a verdade, então você se torna um nobre discípulo bem instruído, (sutava ariyasavako).

Aquele que ouviu muito é chamado bahussuta, o que é considerado uma bênção. Em sendo assim, então, nos dias de hoje todos os seres humanos devem ser pessoas abençoadas porque eles já ouviram muitas coisas. Os seus ouvidos estão expostos a muitos sons, através dos quais as suas mentes ficam repletas com sons e idéias. Isso significa que eles são pessoas bem instruídas? Não, de forma nenhuma. Até que eles tenham ouvido o verdadeiro Dhamma, eles são pessoas sem instrução. A massa das pessoas, que ouviram muitas coisas erradas, são todas sem instrução. Putthujjana significa as pessoas que fazem parte da massa, que perambulam pelo processo de nascimento e morte.

“Poucos são os seres humanos que cruzam até a outra margem. O resto, a massa dos seres, apenas correm para cá e para lá nesta margem.” Appaka te manussesu ye jana paragamino, athayam itara paja tiram ev’anudhavati (Dhp. 85)

Uma grande massa de seres perambulará, indo e vindo, errando pelo samsara, passando pelo nascimento e morte, mas só muitos poucos cruzarão o oceano do samsara e se libertarão.

Aqueles que ouviram o Dhamma são chamados nobres discípulos, que ouviram o Dhamma, (sutava ariyasavako). Eles não estão iluminados. Eles sabem que a mente é luminosa. Que ela precisa ser desenvolvida para ser purificada.

Aquele que aprendeu o método de desenvolvimento da mente luminosa para alcançar a pureza é um pessoa nobre bem instruída. Uma pessoa sem instrução se torna uma pessoa instruída. Então, a pessoa instruída se torna um nobre discípulo, que está liberto das impurezas mentais. O caminho faz dos seus seguidores, nobres. Daí ele ser chamado de nobre caminho. E visto que possui oito elementos, é chamado de Nobre Caminho Óctuplo. Aquele que segue o Nobre Caminho Óctuplo é chamado de nobre discípulo.

Agora, o que são os irritantes psíquicos? Os irritantes psíquicos primários são as raízes cobiça, raiva e ignorância. Nós as alimentamos e fazemos com que elas cresçam. Nós não sabemos qual é a origem dessa repetição de ignorância, cobiça e raiva. Isso segue num ciclo. Podemos colocar essa contínua repetição de nascimento e morte num ciclo e o fim disso num outro ciclo. O ciclo de nascimento e morte é chamado de ciclo do Samsara ou a roda de Samsara, (samsaracakkkra), e o fim disso é chamado de ciclo do Dhamma ou a roda do Dhamma, (dhammacakra). A roda é um símbolo do infinito porque uma roda não possui um começo ou um fim. Aprendemos em matemática sobre raio, diâmetro, circunferência, área, etc, de um círculo, mas nós nunca aprendemos onde se encontra o começo e o fim de um círculo. Não há fórmula para estabelecer o início e o fim de um círculo. O ciclo de irritantes psíquicos do Samsara não possui um início. Podemos criar um começo e um fim esboçando um linha que atravesse o círculo. Assim podemos ver o começo e o fim daquele círculo. Nós criamos o começo.

De modo semelhante podemos ver aqui e agora, no momento presente, o início do Samsara e o seu fim. Devemos ver como os irritantes psíquicos surgem agora, neste momento. Então nos empenhamos em dar um fim neles. Todos os irritantes psíquicos têm um fim em Nibbana. Todos os dhammas têm um fim em Nibbana. Toda a existência tem um fim em Nibbana. Embora o início não possa ser discernido, o futuro é otimista. Se tentarmos regressar em busca da origem iremos nos perder.

Como mencionamos, a cobiça, a raiva e a ignorância são os principais irritantes psíquicos. Eles se multiplicam em temor, tensão, ansiedade, preocupação, ciúme, competição, esquizofrenia, presunção e dúvidas. Todos os termos modernos adotados pela psicologia para descrever os numerosos estados mentais negativos também podem ser chamados de irritantes psíquicos. Todos eles são multiplicações das três raízes cobiça, raiva e ignorância.

Agora, a segunda parte da questão que coloquei no princípio é como desenvolver a mente para que esta seja purificada.

Existem três tipos de desenvolvimento: desenvolvimento do corpo, (kayabhavana), linguagem, (vacibhavana), e mente, (cittabhavana). Bhavana significa desenvolvimento. Todo o conjunto do Nobre Caminho Óctuplo – entendimento, pensamento, linguagem, ação, modo de vida, esforço, atenção plena e concentração – é o caminho do desenvolvimento.

Todo o Nobre Caminho Óctuplo deve ser desenvolvido, (bhavetabba). Depois de ter alcançado a iluminação, o Buda estava caminhando em direção a Benares para proferir o seu primeiro discurso. No caminho ele encontrou com um homem chamado Upaka. Upaka lhe perguntou, “Quem é você?” O Buda disse:

“Eu compreendi aquilo que deve ser compreendido. Eu abandonei aquilo que deve ser abandonado. Eu realizei aquilo que deve ser realizado. Eu desenvolvi aquilo que deve ser desenvolvido. Portanto, eu sou um Buda.”

A primeira verdade é a verdade da compreensão do sofrimento. A segunda verdade é a verdade do abandono do sofrimento, através do abandono da causa do sofrimento. A terceira verdade é a verdade da realização de Nibbana. A quarta verdade é a verdade do desenvolvimento do Nobre Caminho Óctuplo.

“Enquanto, bhikkhus, meu conhecimento e visão dessas Quatro Nobres Verdades como na verdade elas são, nas suas três fases e doze aspectos, não estava completamente purificado desse modo, não reivindiquei ter despertado para a insuperável perfeita iluminação neste mundo com os seus devas, maras e brahmas, esta população com seus contemplativos e brâmanes, seus príncipes e povo. Mas quando meu conhecimento e visão dessas Quatro Nobres Verdades como na verdade elas são, nas suas três fases e doze aspectos, estava completamente purificado desse modo, reivindiquei ter despertado para a insuperável perfeita iluminação neste mundo com os seus devas, maras e brahmas, esta população com seus contemplativos e brâmanes, seus príncipes e povo. O conhecimento e visão surgiram em mim: ‘A libertação da minha mente é inabalável. Este é o meu último nascimento. Não há mais vir a ser.’

SN LVI.11

Ao ter compreendido as Quatro Nobres Verdades dessa forma, ele alcançou a libertação de todos os irritantes psíquicos. Só então a sua mente ficou totalmente purificada e alcançou a perfeição de pureza mental. Só quando os irritantes psíquicos foram totalmente eliminados da sua mente, tendo alcançado a suprema iluminação, ele alcançou a perfeição da mente, a pureza das perfeições.

Até mesmo Siddhartha Gotama, o Bodisatva que estava destinado a se tornar o Buda, tinha irritantes psíquicos. Até mesmo a mente dele não estava totalmente pura até que ele alcançou a plena iluminação. Quando alguém compreende o Dhamma, até certo ponto, não de forma perfeita, então, ele irá tomar a iniciativa e desenvolver a mente para remover os irritantes psíquicos e alcançar a pureza, a perfeição. E o método que o Buda proporcionou para a remoção dos irritantes psíquicos, para a purificação, é o Nobre Caminho Óctuplo.

Para alcançar a completa purificação da mente há um método. Nós começamos a prática com uma visão geral ou entendimento superficial do Nobre Caminho Óctuplo. Cada vez que praticamos o Nobre Caminho Óctuplo a nossa mente se torna um pouco mais límpida. Até que a nossa prática seja perfeita a nossa mente não se tornará completamente pura. À medida que praticamos, o nosso entendimento se aprofunda. À medida que o entendimento se aprofunda, nós persistimos na prática. Então, um dia o Nobre Caminho Óctuplo se torna tão claro na nossa mente, que a dúvida com relação aos caminhos supramundanos e os frutos desaparecem. O desaparecimento da dúvida só ocorrerá quando virmos o resultado, não de outra forma.

As três raízes prejudiciais são subdivididas em dez e são chamadas de grilhões. Então, veremos como poderemos eliminar cada um deles, um a um, seguindo o Nobre Caminho Óctuplo. Quando vemos esse quadro completo, essa planta baixa, então enxergamos quão perfeitamente esse sistema funciona para eliminar todos os irritantes psíquicos. O Buda nos traçou um plano. Suponham que um arquiteto esboce um plano de tal modo que quando o construtor olhar para aquele plano, ele seja capaz de construir uma casa. O arquiteto precisa reter na sua mente a casa completa em todos os seus mínimos detalhes. Ele sabe quantas portas e quantas janelas existirão. Ele sabe onde elas deverão ser colocadas. Ele sabe quantas dobradiças, quantos parafusos, quantas porcas, quantas vigas, quantos revestimentos e assim por diante, são necessários para construir a casa. Tudo tem que ser colocado no plano. Nem todos os construtores são arquitetos. Mas o arquiteto tem que ser capaz de esboçar um plano de tal forma que o construtor possa ser capaz de construir a casa exatamente de acordo com o plano do arquiteto.

Então, tal como um perfeito arquiteto, o Buda nos deu um plano e a garantia de que aquele que seguir esse plano irá alcançar a iluminação em até sete anos. Se alguém for um pouco mais lento ele poderá alcançar até três quartos dessa realização (Aquele que não Retorna). Essas realizações não são asseguradas apenas tendo fé no Buda, mas colocando o plano dele em prática. Nesse ponto nós somos responsáveis e temos uma tarefa a ser feita. Aqui está o plano, se você seguir esse plano, você está por sua conta, você é independente, você usa o seu tempo, usa a sua inteligência, a sua sabedoria, a sua educação, o seu esforço, a sua prática, e assim irá alcançar a plena iluminação ou parte desta em sete anos. Você estabelece a sua própria agenda para alcançar isso em sete anos, ou em seis anos, cinco anos, quatro anos, três anos, dois anos, um ano, seis meses, três meses, um mês, duas semanas ou sete dias.

Algumas pessoas são tão brilhantes e hábeis que elas não precisam se ater a todos os detalhes. Já na primeira vez que elas vêm o plano, elas sabem exatamente o que fazer com ele. Suponha que você receba um kit numa embalagem com instruções sobre como montar uma cadeira. A cadeira vem nesse pacote, com um desenho mostrando onde encaixar as pernas, onde colocar o parafuso, como colocar a porca e assim por diante. E algumas pessoas olham para o plano e para as peças apenas uma vez. E assim elas combinam todas as peças e montam uma cadeira rapidamente. Tal como essa pessoa, alguém que veja o Nobre Caminho Óctuplo, aprende rapidamente como colocá-lo em prática e alcança a iluminação em sete dias. Se ela for um pouco negligente poderá alcançar o terceiro nível de iluminação em sete dias. Outros seguirão o caminho do Buda lentamente, de acordo com as suas próprias habilidades e desenvolvimento das faculdades espirituais, para depois alcançar a plena iluminação ou o terceiro nível entre duas semanas e sete anos.

Não tente eliminar todos os irritantes psíquicos de uma vez. Tente eliminá-los um de cada vez. Tente desenvolver de forma gradual a plena confiança no Buda, Dhamma, Sangha, na virtude e nas amizades admiráveis.

Aquele que segue o plano ganha confiança. A sua dúvida desaparece. A dúvida é um dos irritantes psíquicos. Esta aparece como um obstáculo, (nivarana), ou como um grilhão, (samyojana). A diferença entre esses dois é que o obstáculo obstrui o nosso progresso no desenvolvimento da concentração, que também é um elemento absolutamente necessário do Nobre Caminho Óctuplo. O aprofundamento da meditação de concentração é chamado cittabhavana ou a purificação da mente através da meditação de concentração. E visto que a dúvida obstrui a meditação da concentração esta é chamada de obstáculo. No segundo caso é chamada de grilhão porque é um dos fatores que nos atam ao samsara.

Um obstáculo aparece temporariamente. Nós lidamos com ele quando ele surge. Os grilhões estão enraizados profundamente na nossa mente como irritantes psíquicos. Estes são bem profundos. Portanto, os irritantes psíquicos possuem vários níveis. No nível mais profundo estes são chamados de grilhões, (samyojana). Alguns grilhões são grosseiros outros são sutis. Os grilhões são subdivisões das três raízes principais. Eles alimentam os obstáculos. Quando os obstáculos são alimentados eles crescem repetidas vezes. Os obstáculos impedem temporariamente o caminho da meditação. Os grilhões são mais duráveis e enraizados profundamente.

Os obstáculos são parecidos com o bambu. Um dos residentes do Bhavana Society queria plantar um bambu ao lado da minha janela. Eu lhe disse,

“Não plante o bambu aqui porque ele irá se transformar num enorme bambual. Então será muito difícil removê-lo. Além disso ele irá bloquear a vista da minha pequena janela.”

Eu disse, “Você sabe, o bambu não faz distinções de país ou política. Ele não precisa de passaporte. Ele apenas cresce. Não importa onde você o plante, ele cresce.”

Mas ele não quis ouvir e plantou o bambu assim mesmo. Dentro de um ano aquela pequena muda de bambu se multiplicou em dez ou quinze e se transformou num enorme bambual. No ano seguinte eu não conseguia ver quase nada através da minha janela. A vista estava obstruída. Eu o chamei e disse,

“Isso foi o que eu lhe disse. Eu falei baseado na minha experiência. Eu vi bambu crescendo em climas tropicais e quentes. Agora por favor remova isso.”

Ele trouxe enxadas e pás e removeu o bambu. De alguma forma, ele não desapareceu. Então ele chamou alguém que tem um buldozer. Ele veio e removeu o bambu. Dois meses mais tarde três mudas surgiram. Eu disse,

“Isso é o que eu lhe disse.”

Então ele chamou outra pessoa. Esta veio e cavou, cavou e removeu tudo. Três meses mais tarde, mais três mudas surgiram. Então ele chamou uma outra pessoa. Esta despejou herbicida. No dia seguinte choveu e o herbicida foi levado pela água. Então alguém veio e cavou até a raiz mais profunda e removeu uma raiz grossa de um metro. Nós pensamos que o problema havia desaparecido. Três ou quatro meses depois cinco mudas apareceram aqui e ali. Então alguém teve que cavar toda a área e por fim descobriu uma raiz enorme no fundo e a removeu. As raízes do bambu crescem e se estabelecem profundamente.

“Tal como uma árvore, embora cortada, brota outra vez se as raízes permanecerem intactas e firmes, da mesma forma, até que o desejo latente seja desenraizado, o sofrimento irá brotar repetidas vezes.” Yathapi mule anupaddave dalhe; Chinno pi rukkho punar eva ruhati, vampi tanhanusaye anuhate; nibbattati dukkhamidam punappunam. (Dhp. 338)

“Por toda parte estas torrentes fluem e a trepadeira (do desejo) brota e cresce. Ao ver que a trepadeira brotou, decepe a sua raiz com sabedoria.” Savanti sabbadhi sota Lata ubbhijja titthati, Tañ ca disva latam jåtam Mulam paññaya chindatha. (Dhp. 340)

Enquanto a raiz permanecer subterrânea não importa quantos brotos você corte, a raiz irá continuar crescendo. Poderemos tratar dos sintomas, mas a raiz, a causa, irá permanecer intacta. Agora, os brotos ou mudas são como os obstáculos. Você poderá cortá-los e removê-los temporariamente deixando as raízes por baixo. As raízes são como os grilhões. Estes nos atam ao samsara. Aquilo que nos ata ao samsara é chamado de grilhão. Aquilo que pode ser removido temporariamente é chamado de obstáculo. Você o remove e experimenta o poder da concentração purificada. Então use essa concentração poderosa para cavar até a raiz. Ao cavar até a raiz remova e elimine até mesmo o mais minúsculo pedaço daquela raiz. Assim, todos os irritantes psíquicos terão sido eliminados. As raízes se foram e estas nunca mais irão retornar.

Ao persistir na prática do Nobre Caminho Óctuplo repetidamente, a dúvida desaparecerá e nesse instante você entrará no Nobre Caminho Óctuplo Supramundano. No momento em que você entra no Nobre Caminho Óctuplo Supramundano você é chamado um sotapanna em Pali, que significa ‘aquele que entrou na correnteza.’ Sota é a faculdade da audição. Então sota é o Nobre Caminho Óctuplo Supramundano. A palavra sota também é empregada para ‘correnteza,’ como num rio. Ópanna significa ‘entrar.’ Portanto, a palavra sota pode significar a faculdade da audição ou correnteza. Entrar no primeiro nível de iluminação é chamado entrar na correnteza. Ao jogar alguma coisa na correnteza, ela irá flutuar até que chegue no oceano. Entrar na correnteza é usado de forma simbólica para transmitir a idéia de que uma vez que você tenha entrado no primeiro nível de iluminação você estará destinado a alcançar a plena iluminação. Entrar na correnteza significa entrar neste mesmo Nobre Caminho Óctuplo através da remoção da dúvida em relação a esse mesmo Nobre Caminho Óctuplo. O caminho a partir desse ponto não é um caminho diferente. O mesmo Nobre Caminho Óctuplo a partir daquele momento é chamado de Nobre Caminho Óctuplo Supramundano ou sotapanna magga, ou o Caminho daquele que entrou na correnteza. Até que você elimine a dúvida o Nobre Caminho Óctuplo é mundano. No momento em que a dúvida desaparece o Nobre Caminho Óctuplo se torna o Nobre Caminho Óctuplo Supramundano.

Ao entrar no caminho, você desenvolve aquele caminho, cultiva aquele caminho, até que alcance o estágio de fruição. O caminho é o estágio preparatório. Você está se preparando, até que a preparação atinja a perfeição. Então você estará na fruição do estado de Entrar na Correnteza.

 


 

Este texto foi traduzido de uma palestra proferida no Georgia Buddhist Vihara, Atlanta, Georgia, USA, em Setembro de 2002.

 

 

Revisado: 16 Dezembro 2006

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