Mente Luminosa
Por
Bhante Henepola Gunaratana
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“Luminosa,
bhikkhus, é a mente. E ela é contaminada pelas corrupções adventícias. A pessoa comum sem instrução
não compreende isso tal como na verdade é, por isso lhes digo que – para a pessoa comum sem instrução –
não existe desenvolvimento da mente.”
(Pabhassaram idam, bhikkhave, cittam. Tañ ca kho
agantukehi upakkilesehi upakkilittham.Tam assutava puthujjano yatha-bhutam
nappajanati. Tasma assutavato puthujjanassa cittabhavana n’atthi ti vadami.)
“Luminosa,
bhikkhus, é a mente. E ela é libertada das corrupções adventícias. O nobre discípulo bem instruído
compreende isso tal como na verdade é, por isso lhes digo que – para o nobre discípulo bem instruído –
existe o desenvolvimento da mente.”
(Pabhassaram
idam, bhikkhave, cittam. Tañ ca kho agantukehi upakkilesehi upakkilittham. Tam
sutava ariyasavko yatha-bhutam pajanati. Tasma sutavato ariyasavkassa
cittabhavana atthi ti vadam)
No primeiro
trecho o Buda diz: “Esta mente é luminosa mas ela é corrompida,” e no segundo
trecho ele diz “Esta mente é luminosa mas ela é purificada.” Na primeira
afirmação, “luminosa” seguida por “corrompida”, parece indicar que a mente é
naturalmente pura e na segunda, “luminosa” seguida por “purificada”, parece
indicar que a mente é naturalmente corrompida. A mente tem que ser pura para se
tornar corrompida e do mesmo modo tem que ser corrompida para ser purificada. Se ela
for totalmente pura não necessita ser purificada e se for totalmente corrompida
não necessita ser corrompida outra vez.
O Buda diz
que as corrupções que poluem a mente luminosa provêm do exterior. O que esta
afirmação parece dizer de modo implícito é que as corrupções não estão presentes
na mente no nascimento. No entanto, de acordo com o Dhamma que o Buda ensinou
em outra parte, as corrupções externas não invadem a mente se esta não contiver
“vestígios de corrupções dentro de si.” Em outras palavras, a mente pura em si
mesma não pode ser afetada pelas corrupções que existem no mundo exterior. “Tal
como a chuva não entra numa casa bem coberta, assim também o desejo não penetra
uma mente bem treinada.” Apenas a mente que possui corrupções dentro de si busca
corrupções compatíveis no exterior e obtém aquilo que deseja.
A pressuposição
da afirmativa: “É corrompida pelas corrupções que provêm do exterior,” significa
que a mente permanecerá luminosa ou pura se as “corrupções que provêm do
exterior” forem impedidas de entrar. Se a mente é pura por natureza tudo que
temos a fazer é manter essa pureza evitando as corrupções que provêm do
exterior. Também, se a mente for totalmente pura, então o discípulo bem
instruído não precisa estar vigilante contra as corrupções externas. Nos trechos
mencionados acima o Buda diz que o discípulo bem instruído, que aprendeu o
Dhamma em teoria, mas que ainda não alcançou a plena iluminação, cultiva a sua
mente através da prática da meditação. A mente do discípulo plenamente
iluminado já está cem por cento pura. Por conseguinte, ele não tem de estar
vigilante todo o tempo para proteger a sua mente contra a invasão das corrupções
externas.
Explicando
ambos, a mente luminosa e o discípulo sem instrução a exegese indica que:
Ele (o discípulo sem instrução) que,
ao examinar o significado deste sutta desde o seu princípio não sabe, quer seja
através do conhecimento das escrituras ou através da realização da iluminação,
que embora o contínuo vital, (bhavangacitta), seja puro em si mesmo, ele é
poluído pelas corrupções, tal como a cobiça, etc., nascidas no momento do
impulso mental, (javana).
Esta
inequívoca explicação exegética demonstra que o discípulo sem instrução é
aquele que não tem conhecimento das escrituras e não alcançou a iluminação. Também,
coerente com este trecho, o contínuo vital é puro em si mesmo mas é poluído no
momento em que ocorrem os impulsos mentais, (javana), através da cobiça,
raiva e delusão. No entanto, em concordância com a doutrina de Kamma e
renascimento, esta nossa vida presente é o resultado direto daquilo que
intencionalmente fizemos no passado. Por conseguinte, a consciência de
renascimento, (patisandhicitta), que fez surgir o atual fluxo de
consciência, é a consciência resultante de algum Kamma passado. Se a
consciência estiver totalmente purificada de todas as corrupções e tendências
subjacentes, (anusaya), então o contínuo vital resultante não surge
porque uma mente totalmente livre de corrupções não causa mais nenhum
renascimento. Em conformidade com a lei de causa e efeito, se a causa não foi
purificada das corrupções, os seus resultados tampouco podem ser puros. Segue
então que a mente que causa o renascimento é uma mente com corrupções. Portanto,
o contínuo vital não pode estar completamente imune à corrupção potencial. Através
da regra da inferência, segue que esta mente luminosa não está totalmente limpa
ou pura, porque se estivesse, então, a sua poluição não estaria dentro do
escopo daquilo que é possível. Se a mente já fosse pura, então o discípulo dos
Nobres não teria nada para purificar através do desenvolvimento da mente, (cittabhavana).
Isso
significa que mesmo a mente luminosa possui tendências latentes, (anusaya),
que podem emergir a qualquer momento. O discípulo bem instruído, que possui
atenção plena em todos os momentos, aplica o esforço para prevenir que as
tendências latentes surjam. Se apesar do seu esforço as tendências latentes
surgirem ou alcançarem o estágio de manifestação, (pariyutthana), então
ele faz o esforço para superá-las. Assim que ele for bem sucedido em superar as
tendências prejudiciais, ele fará esforço para despertar estados mentais
benéficos. Ao invés de se preocupar ou insistir nos pensamentos prejudiciais do
passado, o sábio faz com que pensamentos benéficos surjam cada vez mais para
superar e substituir os pensamentos prejudiciais. Uma vez que os pensamentos
benéficos tenham sido despertados, ele se esforça em cultivá-los repetidamente,
vigiando os seus meios dos sentidos, através dos quais os estímulos externos
despertam as tendências latentes. Enquanto preserva a luminosidade da sua
mente, ele faz todo esforço para enfraquecer e destruir as tendências latentes
na sua mente. Portanto, neste caso o “desenvolvimento da mente”, (cittabhavana),
significa não a meditação da tranqüilidade, (samathabhavana), mas a
meditação de insight, (vipassanabhavana), porque é apenas a meditação de
insight que treina a mente a vigiar e disciplinar a si mesma para se purificar,
destruindo todas as contaminações, incluive as tendências latentes.
A
luminosidade da mente também parece ter sido aludida como o estado mental que
as pessoas tinham nos primórdios da raça humana. O Aggañña
Sutta no Digha
Nikaya registra como os seres humanos que primeiro surgiram na Terra tinham
a mente luminosa:
‘Haverá um tempo, Vasettha, quando,
cedo ou tarde, após um longo período, este mundo irá se contrair. Numa época de
contração, os seres nascem principalmente no mundo de Abhassara Brahma. E lá
eles permanecem, feitos de mentalidade, alimentando-se com delícias, luminosos,
movendo-se através do espaço, gloriosos – e assim eles permanecem por um longo
tempo. Mas cedo ou tarde, depois de um longo período, o mundo começa novamente
a se expandir. Numa época de expansão, os seres do mundo de Abhassara Brahma,
tendo lá falecido, renascem principalmente neste mundo. Aqui eles permanecem,
feitos de mentalidade, alimentando-se com delícias, luminosos, movendo-se
através do espaço, gloriosos – e assim eles permanecem por um longo tempo.
A
luminosidade desses seres humanos pode ter sido gerada pelas suas mentes
luminosas que no entanto ainda não estavam libertadas das tendências latentes. Nesse
mesmo sutta o Buda indica como as pessoas pouco a pouco começam a manifestar os
seus irritantes psíquicos em potencial, como elas transgridem o código moral e
como pouco a pouco elas incrementam as suas contaminações.
Quando a
Terra havia sido formada, a sua superfície se parecia com a “cor da manteiga e
muito doce, igual ao mel selvagem puro.” Devido ao seu sabor adocicado um dos
seres que possuía um caráter cobiçoso provou a terra saborosa com o seu dedo. Assim
o desejo surgiu nele e ele contou a sensação do sabor para os demais. Eles
também a experimentaram. Dessa forma o desejo foi estimulado nesses seres.
Deve ser
observado que o desejo nesses primeiros habitantes da Terra havia sido
neutralizado através da associação com os seres luminosos do mundo de Abhassara
Brahma, visto que os seus sentidos não estavam expostos aos objetos sensuais.
No entanto, a tendência latente à cobiça continuava a existir no seu fluxo de
consciência e assim que surgiu a oportunidade, ela encontrou a forma de se
manifestar. Também devido à atrofia dos sentidos pelo desuso por tanto tempo, a
luminosidade natural da mente se desenvolveu e manifestou e as tendências
latentes foram esquecidas. Ao retornarem para este mundo, como seres humanos,
eles continuaram a possuir a mesma luminosidade, “movendo-se através do espaço,
gloriosos.” No entanto, à medida que a poluição do desejo encobria a mente
desses seres, a luminosidade das suas mentes e corpos desaparecia. “E o
resultado foi que a luminosidade que eles possuíam desapareceu.” Devido ao fato
de que esses seres haviam continuamente sustentado e alimentado a cobiça, desde
tempos imemoriais no samsar, eles
criaram o hábito do apego. Portanto, de todas as contaminações, esse apego
habitual à experiência sensual foi o primeiro que surgiu neles.
Em outra
parte o Buda fala da mente luminosa num contexto distinto. Ele diz: “Assim
purificada, clara, pura, imaculada, livre de defeitos, flexível, maleável,
estável e atingindo a
imperturbabilidade.” Aqui embora a palavra “luminosa”, (pabhassara), não seja usada, outras palavras como “purificada”, (parisuddha), “clara”, (pariyodata), “imaculada”, (anangana), e “livre de defeitos”, (vigatupakkilesa), sugerem que a mente
está luminosa e temporariamente livre de contaminações.
Essa
luminosidade pura é atribuída ao estado mental que alcança o quarto jhana. No
entanto, mesmo neste estágio a mente não está totalmente livre da possibilidade
de ser corrompida, embora aquele que tenha alcançado o quarto jhana possua
suficiente pureza e claridade mental para desenvolver poderes supra-humanos. Apesar
de todas essas realizações – jhanas e poderes supra-humanos – esses seres ainda
estão sujeitos ao renascimento e morte se eles não alcançarem o estado de
Arahant, porque o seu contínuo vital não está totalmente livre das tendências
latentes. Eles podem ter a mente luminosa, mas mesmo assim eles ainda estão
suscetíveis à corrupção pelos estímulos externos. Para evitar esse circulo
vicioso de renascimentos, a mente luminosa tem que ser purificada. Apenas
aqueles que praticam cittabhavana podem libertar as suas mentes
luminosas do desejo, raiva e ignorância, resultando na realização do estado de
Arahant.
O discípulo
bem instruído que é capaz de fazer a distinção entre a concentração correta
mundana e a concentração correta supramundana pode ver que a mente luminosa
pode ser purificada de forma permanente das contaminações externas. Ele sabe
que cada um dos elementos do Nobre Caminho Óctuplo possui duas formas – uma
forma mundana que “está sujeita às
impurezas, participando dos méritos, ainda gerando apego,” e outra forma que é
“nobre, imaculada, supramundana, um elemento do caminho”, (Mahacattarisaka
Sutta – MN 117). Esta
última é encontrada no “estado de consciência nobre, o estado de consciência
livre de contaminações naquele equipado com o nobre caminho, desenvolvendo o
nobre caminho.” Visto que esses fatores que acompanham a concentração correta
do nobre caminho são definidos como supramundanos, segue que os quatro Jhanas
que compõem a concentração correta no Nobre Caminho Óctuplo são também
supramundanos. É através do “cultivo dos jhanas supramundanos que a mente
luminosa pode ser purificada das tendências latentes.” O Dhammasangani
inicia a análise da primeira consciência supramundana com as palavras:
"Na ocasião em que alguém
desenvolve o jhana supramundano que
emancipa, conduz à destruição (da existência), ao abandono das idéias,a
alcançar o primeiro plano, afastado dos prazeres sensuais … ele permanece no
primeiro jhana.”
Quando o
Buda diz “para a pessoa comum sem instrução não existe desenvolvimento da
mente,” ele não quer dizer que as pessoas comuns nunca serão capazes de
meditar. O Buda, a personificação de infinita compaixão e sabedoria, nos
ensinou como o discípulo sem instrução deve ser suficientemente orientado para
compreender a importância da meditação. Sempre que o discípulo sem instrução
for instruído ele estará pronto para desenvolver a mente, (cittabhavana).
Portanto, a falta de instrução com relação ao Dhamma não é uma condição
permanente ou imutável que impossibilite alguém de purificar a sua mente
através da meditação.
Quem é uma
pessoa sem instrução? Todos os seres humanos são classificados em três grupos:
pessoas comuns sem instrução, (assutava
puthujjano), pessoas comuns com instrução, (sutava puthujjano) e nobres discípulos bem instruídos, (sutava ariyasavako). Assutava
puthujjano significa “aquele que não ouviu.” Suta, (sruti em
Sânscrito), é aquilo que é ouvido. A faculdade da audição é denominada sota em Pali. Ao empregar a faculdade da
audição com atenção plena, ouça a mensagem correta. Então, você se torna um sutava puthujjano. Se você examinar o significado e alcançar a
verdade, então você se torna um nobre discípulo bem instruído, (sutava ariyasavako).
Aquele que
ouviu muito é chamado bahussuta, o que é considerado uma bênção. Em sendo
assim, então, nos dias de hoje todos os seres humanos devem ser pessoas
abençoadas porque eles já ouviram muitas coisas. Os seus ouvidos estão expostos
a muitos sons, através dos quais as suas mentes ficam repletas com sons
e idéias. Isso significa que eles são pessoas bem instruídas? Não, de forma
nenhuma. Até que eles tenham ouvido o verdadeiro Dhamma, eles são pessoas sem
instrução. A massa das pessoas, que ouviram muitas coisas erradas, são todas
sem instrução. Putthujjana significa
as pessoas que fazem parte da massa, que perambulam pelo processo de nascimento
e morte.
“Poucos são
os seres humanos que cruzam até a outra margem. O resto, a massa dos seres,
apenas correm para cá e para lá nesta margem.” Appaka te manussesu ye jana
paragamino, athayam itara paja tiram ev’anudhavati (Dhp. 85)
Uma grande
massa de seres perambulará, indo e vindo, errando pelo samsara, passando pelo nascimento e morte, mas só muitos poucos
cruzarão o oceano do samsara e se
libertarão.
Aqueles que
ouviram o Dhamma são chamados nobres discípulos, que ouviram o Dhamma, (sutava ariyasavako). Eles não estão
iluminados. Eles sabem que a mente é luminosa. Que ela precisa ser desenvolvida
para ser purificada.
Aquele que
aprendeu o método de desenvolvimento da mente luminosa para alcançar a pureza é um pessoa nobre bem instruída. Uma
pessoa sem instrução se torna uma pessoa instruída. Então, a pessoa instruída
se torna um nobre discípulo, que está liberto das impurezas mentais. O caminho
faz dos seus seguidores, nobres. Daí ele ser chamado de nobre caminho. E visto
que possui oito elementos, é chamado de Nobre Caminho Óctuplo. Aquele que segue
o Nobre Caminho Óctuplo é chamado de nobre discípulo.
Agora, o
que são os irritantes psíquicos? Os irritantes psíquicos primários são as
raízes cobiça, raiva e ignorância. Nós as alimentamos e fazemos com que elas
cresçam. Nós não sabemos qual é a origem dessa repetição de ignorância, cobiça
e raiva. Isso segue num ciclo. Podemos colocar essa contínua repetição de
nascimento e morte num ciclo e o fim disso num outro ciclo. O ciclo de
nascimento e morte é chamado de ciclo do Samsara
ou a roda de Samsara, (samsaracakkkra), e o fim disso é chamado
de ciclo do Dhamma ou a roda do Dhamma, (dhammacakra). A roda é um símbolo do infinito porque uma roda não
possui um começo ou um fim. Aprendemos em matemática sobre raio, diâmetro, circunferência, área, etc, de
um círculo, mas nós nunca aprendemos onde se encontra o começo e o fim de um
círculo. Não há fórmula para estabelecer o início e o fim de um círculo. O
ciclo de irritantes psíquicos do Samsara
não possui um início. Podemos criar um começo e um fim esboçando um linha que
atravesse o círculo. Assim podemos ver o começo e o fim daquele círculo. Nós
criamos o começo.
De modo
semelhante podemos ver aqui e agora, no momento presente, o início do Samsara
e o seu fim. Devemos ver como os irritantes psíquicos surgem agora, neste
momento. Então nos empenhamos em dar um fim
neles. Todos os irritantes psíquicos têm um fim em Nibbana. Todos os dhammas
têm um fim em Nibbana. Toda a
existência tem um fim em Nibbana. Embora o início não possa ser
discernido, o futuro é otimista. Se tentarmos regressar em busca da origem
iremos nos perder.
Como
mencionamos, a cobiça, a raiva e a ignorância são os principais irritantes
psíquicos. Eles se multiplicam em temor, tensão, ansiedade, preocupação, ciúme,
competição, esquizofrenia, presunção e dúvidas. Todos os termos modernos
adotados pela psicologia para descrever os numerosos estados mentais
negativos também podem ser chamados de
irritantes psíquicos. Todos eles são multiplicações das três raízes cobiça,
raiva e ignorância.
Agora, a
segunda parte da questão que coloquei no princípio é como desenvolver a mente
para que esta seja purificada.
Existem
três tipos de desenvolvimento: desenvolvimento do corpo, (kayabhavana), linguagem,
(vacibhavana), e mente, (cittabhavana).
Bhavana significa desenvolvimento.
Todo o conjunto do Nobre Caminho Óctuplo – entendimento, pensamento, linguagem,
ação, modo de vida, esforço, atenção plena e concentração – é o caminho do
desenvolvimento.
Todo o
Nobre Caminho Óctuplo deve ser desenvolvido, (bhavetabba). Depois de ter alcançado a iluminação, o Buda estava
caminhando em direção a Benares para proferir o seu primeiro discurso. No
caminho ele encontrou com um homem chamado Upaka. Upaka lhe perguntou, “Quem é
você?” O Buda disse:
“Eu compreendi aquilo que deve ser compreendido. Eu abandonei aquilo que
deve ser abandonado. Eu realizei aquilo que deve ser realizado. Eu desenvolvi
aquilo que deve ser desenvolvido. Portanto, eu sou um Buda.”
A primeira
verdade é a verdade da compreensão do sofrimento. A segunda verdade é a verdade
do abandono do sofrimento, através do abandono da causa do sofrimento. A
terceira verdade é a verdade da realização de Nibbana. A quarta verdade é a
verdade do desenvolvimento do Nobre Caminho Óctuplo.
“Enquanto,
bhikkhus, meu conhecimento e visão dessas Quatro Nobres Verdades como na
verdade elas são, nas suas três fases e doze aspectos, não
estava completamente purificado desse modo, não reivindiquei ter despertado
para a insuperável perfeita iluminação neste mundo com os seus devas, maras e
brahmas, esta população com seus contemplativos e brâmanes, seus príncipes e povo.
Mas quando meu conhecimento e visão dessas Quatro Nobres Verdades como na
verdade elas são, nas suas três fases e doze aspectos, estava completamente
purificado desse modo, reivindiquei ter despertado para a insuperável perfeita
iluminação neste mundo com os seus devas, maras e brahmas, esta população com
seus contemplativos e brâmanes, seus príncipes e povo. O conhecimento e visão
surgiram em mim: ‘A libertação da minha mente é inabalável. Este é o meu último
nascimento. Não há mais vir a ser.’
Ao ter
compreendido as Quatro Nobres Verdades dessa forma, ele alcançou a libertação
de todos os irritantes psíquicos. Só então a sua mente ficou totalmente
purificada e alcançou a perfeição de
pureza mental. Só quando os irritantes psíquicos foram totalmente eliminados da
sua mente, tendo alcançado a suprema iluminação, ele alcançou a perfeição da
mente, a pureza das perfeições.
Até mesmo
Siddhartha Gotama, o Bodisatva que estava destinado a se tornar o Buda, tinha
irritantes psíquicos. Até mesmo a mente dele não estava totalmente pura até que
ele alcançou a plena iluminação. Quando alguém compreende o Dhamma, até certo
ponto, não de forma perfeita, então, ele irá tomar a iniciativa e desenvolver a
mente para remover os irritantes psíquicos e alcançar a pureza, a perfeição. E
o método que o Buda proporcionou para a remoção dos irritantes psíquicos, para
a purificação, é o Nobre Caminho Óctuplo.
Para
alcançar a completa purificação da mente há um método. Nós começamos a prática
com uma visão geral ou entendimento superficial do Nobre Caminho Óctuplo. Cada
vez que praticamos o Nobre Caminho Óctuplo a nossa mente se torna um pouco mais
límpida. Até que a nossa prática seja perfeita a nossa mente não se tornará
completamente pura. À medida que praticamos, o nosso entendimento se aprofunda.
À medida que o entendimento se aprofunda, nós persistimos na prática. Então, um
dia o Nobre Caminho Óctuplo se torna tão claro na nossa mente, que a dúvida com
relação aos caminhos supramundanos e os frutos desaparecem. O desaparecimento
da dúvida só ocorrerá quando virmos o resultado, não de outra forma.
As três
raízes prejudiciais são subdivididas em dez e são chamadas de grilhões. Então,
veremos como poderemos eliminar cada um deles, um a um, seguindo o Nobre
Caminho Óctuplo. Quando vemos esse quadro completo, essa planta baixa, então
enxergamos quão perfeitamente esse sistema funciona para eliminar todos os
irritantes psíquicos. O Buda nos traçou um plano. Suponham que um arquiteto
esboce um plano de tal modo que quando o construtor olhar para aquele plano,
ele seja capaz de construir uma casa. O arquiteto precisa reter na sua mente a
casa completa em todos os seus mínimos detalhes. Ele sabe quantas portas e
quantas janelas existirão. Ele sabe onde elas deverão ser colocadas. Ele sabe
quantas dobradiças, quantos parafusos, quantas porcas, quantas vigas, quantos
revestimentos e assim por diante, são necessários para construir a casa. Tudo
tem que ser colocado no plano. Nem todos os construtores são arquitetos. Mas o
arquiteto tem que ser capaz de esboçar um plano de tal forma que o construtor
possa ser capaz de construir a casa exatamente de acordo com o plano do
arquiteto.
Então, tal
como um perfeito arquiteto, o Buda nos deu um plano e a garantia de que aquele
que seguir esse plano irá alcançar a iluminação em até sete anos. Se alguém for
um pouco mais lento ele poderá alcançar até três quartos dessa realização
(Aquele que não Retorna). Essas realizações não são asseguradas apenas tendo fé
no Buda, mas colocando o plano dele em prática. Nesse ponto nós somos
responsáveis e temos uma tarefa a ser feita. Aqui está o plano, se você seguir
esse plano, você está por sua conta, você é independente, você usa o seu tempo,
usa a sua inteligência, a sua sabedoria, a sua educação, o seu esforço, a sua
prática, e assim irá alcançar a plena iluminação ou parte desta em sete anos. Você
estabelece a sua própria agenda para alcançar isso em sete anos, ou em seis
anos, cinco anos, quatro anos, três anos, dois anos, um ano, seis meses, três
meses, um mês, duas semanas ou sete dias.
Algumas
pessoas são tão brilhantes e hábeis que elas não precisam se ater a todos os
detalhes. Já na primeira vez que elas vêm o plano, elas sabem exatamente o que
fazer com ele. Suponha que você receba um kit numa embalagem com instruções
sobre como montar uma cadeira. A cadeira vem nesse pacote, com um desenho
mostrando onde encaixar as pernas, onde colocar o parafuso, como colocar a
porca e assim por diante. E algumas pessoas olham para o plano e para as peças
apenas uma vez. E assim elas combinam todas as peças e montam uma cadeira
rapidamente. Tal como essa pessoa, alguém que veja o Nobre Caminho Óctuplo,
aprende rapidamente como colocá-lo em prática e alcança a iluminação em sete
dias. Se ela for um pouco negligente poderá alcançar o terceiro nível de
iluminação em sete dias. Outros seguirão o caminho do Buda lentamente, de
acordo com as suas próprias habilidades e desenvolvimento das faculdades
espirituais, para depois alcançar a plena iluminação ou o terceiro nível entre
duas semanas e sete anos.
Não tente
eliminar todos os irritantes psíquicos de uma vez. Tente eliminá-los um de cada
vez. Tente desenvolver de forma gradual a plena confiança no Buda, Dhamma,
Sangha, na virtude e nas amizades admiráveis.
Aquele que
segue o plano ganha confiança. A sua dúvida desaparece. A dúvida é um dos
irritantes psíquicos. Esta aparece como um obstáculo, (nivarana), ou como um grilhão, (samyojana).
A diferença entre esses dois é que o obstáculo obstrui o nosso progresso no
desenvolvimento da concentração, que também é um elemento absolutamente
necessário do Nobre Caminho Óctuplo. O aprofundamento da meditação de
concentração é chamado cittabhavana
ou a purificação da mente através da meditação de concentração. E visto que a
dúvida obstrui a meditação da concentração esta é chamada de obstáculo. No
segundo caso é chamada de grilhão porque é um dos fatores que nos atam ao samsara.
Um
obstáculo aparece temporariamente. Nós lidamos com ele quando ele surge. Os
grilhões estão enraizados profundamente na nossa mente como irritantes
psíquicos. Estes são bem profundos. Portanto, os irritantes psíquicos possuem
vários níveis. No nível mais profundo estes são chamados de grilhões, (samyojana). Alguns grilhões são
grosseiros outros são sutis. Os grilhões são subdivisões das três raízes
principais. Eles alimentam os obstáculos. Quando os obstáculos são alimentados
eles crescem repetidas vezes. Os obstáculos impedem temporariamente o caminho
da meditação. Os grilhões são mais duráveis e enraizados profundamente.
Os
obstáculos são parecidos com o bambu. Um dos residentes do Bhavana Society
queria plantar um bambu ao lado da minha janela. Eu lhe disse,
“Não plante o bambu aqui porque ele irá se transformar num enorme
bambual. Então será muito difícil removê-lo. Além disso ele irá bloquear a
vista da minha pequena janela.”
Eu disse, “Você sabe, o bambu não faz distinções de país ou política. Ele
não precisa de passaporte. Ele apenas cresce. Não importa onde você o plante,
ele cresce.”
Mas ele não quis ouvir e plantou o bambu assim mesmo. Dentro de um ano
aquela pequena muda de bambu se multiplicou em dez ou quinze e se transformou
num enorme bambual. No ano seguinte eu não conseguia ver quase nada através da
minha janela. A vista estava obstruída. Eu o chamei e disse,
“Isso foi o que eu lhe disse. Eu falei baseado na minha experiência. Eu
vi bambu crescendo em climas tropicais e quentes. Agora por favor remova isso.”
Ele trouxe enxadas e pás e removeu o bambu. De alguma forma, ele não
desapareceu. Então ele chamou alguém que tem um buldozer. Ele veio e removeu o
bambu. Dois meses mais tarde três mudas surgiram. Eu disse,
“Isso é o que eu lhe disse.”
Então ele chamou outra pessoa. Esta veio e cavou, cavou e removeu tudo. Três
meses mais tarde, mais três mudas surgiram. Então ele chamou uma outra pessoa. Esta
despejou herbicida. No dia seguinte choveu e o herbicida foi levado pela água. Então
alguém veio e cavou até a raiz mais profunda e removeu uma raiz grossa de um
metro. Nós pensamos que o problema havia desaparecido. Três ou quatro meses
depois cinco mudas apareceram aqui e ali. Então alguém teve que cavar toda a
área e por fim descobriu uma raiz enorme no fundo e a removeu. As raízes do
bambu crescem e se estabelecem profundamente.
“Tal como
uma árvore, embora cortada, brota outra
vez se as raízes permanecerem intactas e firmes, da mesma forma, até que o
desejo latente seja desenraizado, o sofrimento irá brotar repetidas vezes.” Yathapi mule anupaddave dalhe; Chinno pi rukkho punar
eva ruhati, vampi tanhanusaye anuhate; nibbattati dukkhamidam punappunam. (Dhp.
338)
“Por toda
parte estas torrentes fluem e a trepadeira (do desejo) brota e cresce. Ao ver
que a trepadeira brotou, decepe a sua raiz com sabedoria.” Savanti sabbadhi
sota Lata ubbhijja titthati, Tañ ca disva latam jåtam Mulam paññaya chindatha. (Dhp. 340)
Enquanto a raiz permanecer subterrânea não importa quantos brotos você corte, a raiz irá continuar crescendo. Poderemos tratar dos sintomas, mas a raiz, a causa, irá permanecer intacta. Agora, os brotos ou mudas são como os obstáculos. Você poderá cortá-los e removê-los temporariamente deixando as raízes por baixo. As raízes são como os grilhões. Estes nos atam ao samsara. Aquilo que nos ata ao samsara é chamado de grilhão. Aquilo que pode ser removido temporariamente é chamado de obstáculo. Você o remove e experimenta o poder da concentração purificada. Então use essa concentração poderosa para cavar até a raiz. Ao cavar até a raiz remova e elimine até mesmo o mais minúsculo pedaço daquela raiz. Assim, todos os irritantes psíquicos terão sido eliminados. As raízes se foram e estas nunca mais irão retornar.
Ao persistir na prática do Nobre Caminho Óctuplo repetidamente, a dúvida desaparecerá e nesse instante você entrará no Nobre Caminho Óctuplo Supramundano. No momento em que você entra no Nobre Caminho Óctuplo Supramundano você é chamado um sotapanna em Pali, que significa ‘aquele que entrou na correnteza.’ Sota é a faculdade da audição. Então sota é o Nobre Caminho Óctuplo Supramundano. A palavra sota também é empregada para ‘correnteza,’ como num rio. Ópanna significa ‘entrar.’ Portanto, a palavra sota pode significar a faculdade da audição ou correnteza. Entrar no primeiro nível de iluminação é chamado entrar na correnteza. Ao jogar alguma coisa na correnteza, ela irá flutuar até que chegue no oceano. Entrar na correnteza é usado de forma simbólica para transmitir a idéia de que uma vez que você tenha entrado no primeiro nível de iluminação você estará destinado a alcançar a plena iluminação. Entrar na correnteza significa entrar neste mesmo Nobre Caminho Óctuplo através da remoção da dúvida em relação a esse mesmo Nobre Caminho Óctuplo. O caminho a partir desse ponto não é um caminho diferente. O mesmo Nobre Caminho Óctuplo a partir daquele momento é chamado de Nobre Caminho Óctuplo Supramundano ou sotapanna magga, ou o Caminho daquele que entrou na correnteza. Até que você elimine a dúvida o Nobre Caminho Óctuplo é mundano. No momento em que a dúvida desaparece o Nobre Caminho Óctuplo se torna o Nobre Caminho Óctuplo Supramundano.
Ao entrar no caminho, você desenvolve aquele caminho, cultiva aquele caminho, até que alcance o estágio de fruição. O caminho é o estágio preparatório. Você está se preparando, até que a preparação atinja a perfeição. Então você estará na fruição do estado de Entrar na Correnteza.
Este texto foi traduzido de uma palestra proferida no Georgia Buddhist Vihara, Atlanta, Georgia, USA, em Setembro de 2002.
Revisado: 16 Dezembro 2006
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