4. Kamma no nível social
Conteúdo:
A importância de ditthi na criação de kamma
Influências externas e reflexos internos
Responsabilidade pessoal e kamma social
O mundo
humano é o mundo da ação intencional. Os seres humanos possuem níveis bastante
sofisticados de intenções, que em conjunto com os seus processos mentais
permitem que eles realizem coisas que são impossíveis para os outros animais.
Embora os animais inferiores também possuam intenção, ela é limitada a um grau
insignificantemente pequeno, estando em grande parte no nível instintivo.
O
pensamento é guiado pela intenção. A intenção é aquilo que molda o processo dos
pensamentos e por meio deste, as condições externas. Nosso estilo de vida, quer
seja no plano individual ou no plano das sociedades, tanto grandes como
pequenas, é dirigido pela intenção e pelos pensamentos. Não seria incorreto
dizer que a intenção, sendo a essência de kamma, é aquilo que dirige o
desenrolar das nossas vidas humanas.
Vejamos
agora alguns exemplos de como a intenção afeta a sociedade. A intenção no seu
lado negativo é aquela que é influenciada pelas contaminações. Existem muitos
tipos de contaminações. Quando essas contaminações penetram as nossas mentes
elas colorem a forma como pensamos. Aqui mencionarei três tipos de
contaminações que desempenham um papel importante no direcionamento do
comportamento humano. Elas são:
Tanha – desejo por um ganho pessoal.
Mana – orgulho, o desejo de dominar.
Ditthi – apego a idéias/opiniões.
Normalmente
quando falamos das contaminações tendemos a resumí-las em cobiça, raiva e
delusão, as raízes de akusala. A
cobiça, raiva e delusão são contaminações num nível mais básico. Tanha, mana e ditthi, ou desejo, orgulho e idéias, são as formas ativas das
contaminações, os papéis que estas desempenham nas atividades humanas e a forma
que elas assumem no plano social com mais freqüência.
O modo como
essas três contaminações afetam as atividades humanas pode ser visto de forma
ainda mais clara no plano social do que no plano individual. Quando as mentes
das pessoas são governadas pelo desejo egoísta de obter algo, aspirando pelos
prazeres dos sentidos, as suas ações na sociedade resultam em disputas, fraude
e exploração. As leis e convenções formuladas pela sociedade para controlar o
comportamento humano são necessárias quase que unicamente devido a essas
coisas. E apesar de todos os esforços, esses problemas parecem quase
impossíveis de serem solucionados.
Um exemplo
simples é o problema das drogas. As pessoas têm a tendência de serem atraídas
por coisas que causam dependência e existe um grande número de pessoas que
estão aprisionadas por esse problema. E porque é tão difícil lidar com isso? Em
primeiro lugar devido aos traficantes de drogas. O desejo deles pelo lucro que
pode ser obtido do comércio de drogas dá origem a toda essa indústria e à
corrupção e violência que a acompanha. Essa indústria se tornou tão extensa e
complexa que todos os esforços para corrigir a situação, incluindo os esforços
para divulgar os perigos das drogas, acabam sendo ineficazes. Esse problema do
uso de drogas, que é um problema em escala social e nacional, surge de tanha.
A poluição
é um outro bom exemplo. Como o despejo indiscriminado de produtos químicos e
detritos representa um perigo para o meio ambiente e a saúde pública, o governo
precisa criar leis para o controle das fábricas e coleta de lixo. Mas aqueles
que dirigem as indústrias não estão inclinados a abrir mão dos seus lucros de
forma tão fácil. Eles encontram formas de driblar as leis e assim encontramos
exemplos de servidores públicos operando baseados no egoísmo. Com as mentes
dominadas pela cobiça, ao invés de realizar a tarefa que se espera deles, eles
aceitam suborno. Os descumpridores da lei seguem desenfreados, igual à
poluição, causando rixas por toda a sociedade. Ambos, a presença de poluição e
a dificuldade encontrada em prevení-la e controlá-la surgem do desejo.
A corrupção
é um outro problema social que parece impossível de ser erradicado. Essa
condição se espalha causando inumeráveis problemas na sociedade, que no final
são todos causados pelo desejo. É impossível listar todos os problemas causados
por tanha.
Tanha também atua em conjunto com mana, o desejo por poder e influência. Desde
tempos imemoriais as pessoas se envolvem em guerras devido a esse desejo pelo
poder; algumas vezes instigados por um indivíduo, algumas vezes por uma facção
e algumas vezes de forma coletiva por todo um país. Combinado com o desejo pelo
ganho pessoal, o desejo pelo poder faz surgir a exploração, o nacionalismo e o
expansionismo com o seu caos subseqüente. Pode-se dizer que o mundo gira quase
que unicamente por conta de tanha, desejo, e mana, orgulho. A história humana é em grande parte a história dessas
contaminações.
A
importância de ditthi na criação de kamma
No entanto,
se analisarmos mais a fundo os processos mentais, veremos que a contaminação
que exerce a maior influência é a terceira – ditthi. Ditthi são
opiniões, idéias ou crenças, o apego a certa maneira de pensar. Nossas atitudes
e formas de pensar irão definir o tipo de ganho e influência pessoal que
desejamos obter. Quando existe a idéia de que uma certa condição é desejável e
proporcionará a verdadeira felicidade, o desejo pelo ganho pessoal será
dirigido para esse fim. Desejo e presunção em geral desempenham um papel de
suporte para ditthi. Portanto, dessas três, ditthi é a
contaminação mais importante e poderosa.
As direções
que a sociedade toma são decididas por ditthi. A noção de que alguma
coisa possui algum valor, quer seja no nível individual ou social, é ditthi.
Tendo ditthi como fundamento, ocorre o esforço para alcançar o objeto do
desejo. E o comportamento das pessoas será influenciado de acordo com isso. Por
exemplo, dada a crença de que a felicidade é encontrada na abundância de bens
materiais, nossas ações e esforços serão direcionados para esse fim. Mas esse é
um entendimento incorreto, dessa forma tudo que for realizado por conta disso
também será incorreto. Todos os esforços na direção do assim chamado progresso
serão equivocados e problemáticos. O progresso material sempre traz problemas
no seu rastro, porque está fundamentado sobre duas idéias basicamente
equivocadas e danosas:
1. Que a humanidade precisa subjugar a natureza de forma a obter o bem
estar e encontrar a verdadeira felicidade;
2. Que a felicidade depende da riqueza material.
Essas duas
idéias são as forças principais por trás do ímpeto moderno em busca do
progresso.
O tipo de
civilização que exerce sua influência em todo o mundo nos dias de hoje está
fundamentada sobre a premissa básica de que a humanidade está separada da
natureza. De acordo com essa idéia, a humanidade é a dona da natureza, livre
para manipulá-la ao seu bel-prazer. Na atualidade, estamos começando a ver que
muitos dos problemas derivados do progresso material, em particular no que diz
respeito ao meio ambiente, estão enraizados nesse conceito básico equivocado.
Guiados por
idéias incorretas, todo restante irá dar errado. Com o entendimento correto, as
ações são guiadas na direção correta. Assim, o desejo pelo ganho pessoal pode
ser benéfico se for fundamentado no entendimento correto, mas com o
entendimento incorreto ou crença incorreta, todas as ações resultantes serão
danosas. No plano individual, as idéias se expressam através da crença na
conveniência de certas condições que por seu lado levam ao esforço para
realizá-las. No plano social, encontramos atitudes que são adotadas por toda a
sociedade. Quando existe a convicção da conveniência de uma certa coisa, a
sociedade a apoiará. Esse apoio coletivo se torna um valor social, uma
qualidade adotada pela sociedade como um todo, que por sua vez pressiona os
seus membros a perpetuarem tais crenças ou preferências.
É fácil ver
a influência que os valores sociais têm sobre as pessoas. Sociólogos e
Psicólogos estão bem familiarizados com o papel desempenhado pelos valores
sociais e os efeitos que estes têm sobre as nossas mentes. A partir dos valores
sociais, ditthi se expande para o exterior para se tornar um complexo de
crenças, ideologias e sistemas políticos e econômicos, tais como o capitalismo,
o comunismo e assim por diante, bem como religiões. Quando as teorias, crenças
e ideologias políticas são aceitas cegamente, elas são sempre o produto das
contaminações de ditthi.
A partir de
uma pessoa, essas idéias se espalham para se tornarem a característica de
grupos inteiros e sociedades. Um indivíduo com o entendimento incorreto pode
afetar toda uma sociedade. Um bom exemplo é o Camboja. Um líder, guiado pelo
entendimento incorreto, desejando mudar o sistema social no Camboja, agiu de
modo a tentar realizar seu objetivo autorizando a matança de milhões de pessoas
e criando um completo caos no país. Um outro exemplo foi o regime Nazista que
acreditava que os Judeus representavam o mal e deviam ser destruídos e que os
Arianos deveriam governar o mundo. Dessa crença surgiram todas as atrocidades
que ocorreram durante o Holocausto e a Segunda Guerra Mundial.
Também
existem os sistemas econômicos e as ideologias, tais como o Comunismo e o
Consumismo: muitas das mudanças que ocorreram no mundo ao longo do último
século foram baseadas nessas ideologias. E agora parece que tudo não passou de
uma espécie de engano, temos que dar meia volta e desfazer as mudanças. E isso
causa outra grave comoção para a população, como pode ser testemunhado na
Rússia e nas antigas Republicas Soviéticas.
Uma das
formas pela qual ditthi causa problemas no nível social é o campo da
religião. Quando as ideologias religiosas são seguidas de forma cega, os seres
humanos recorrem à exploração e violência em nome da religião. As guerras em
nome de uma religião são particularmente violentas. Esse tipo de apego tem sido
uma grande maldição para a humanidade ao longo da história. O Buda reconhecia a
importância de ditthi e lhe deu muita ênfase nos seus ensinamentos. Até
mesmo a crença religiosa é uma forma de ditthi que deve ser tratada com
muita cautela para evitar que se torne um apego cego. De outra forma, poderá se
tornar motivo para perseguição e violência. É por isso que o Buda enfatizava a
importância de ditthi e encorajava a prudência em relação a ela, em
contraposição ao apego cego.
Pelo lado
negativo, a intenção opera através das várias contaminações, tais como aquelas
mencionadas até agora. Pelo lado positivo, temos o tipo oposto de influências.
Quando as mentes das pessoas são guiadas por valores positivos, os eventos
resultantes na sociedade terão um rumo distinto. E assim temos as tentativas ocasionais
para retificar problemas sociais e desenvolver fatores construtivos para que a
sociedade humana não aniquile a si mesma de forma completa. Algumas vezes os
seres humanos agem com base na bondade e compaixão, dando origem a movimentos
de amparo e organizações de assistência. Sempre que a bondade estiver presente
na consciência humana, as pessoas se empenharão em todo tipo de atividade com o
propósito de auxiliar os outros.
Incidentes internacionais,
bem como movimentos de assistência, são resultados da intenção, moldada por
qualidades hábeis ou inábeis, avançando do kamma mental para o kamma verbal e
corporal. Essas instituições ou organizações, então, seguem para criar ou
solucionar problemas no nível individual, no nível do grupo, no nível da
sociedade, no nível nacional, no nível internacional e por último no nível
global.
A
importância de ditthi, quer seja como uma opinião pessoal, um valor
social ou uma ideologia, não pode deixar de ser enfatizada. O leitor está
convidado a considerar, por exemplo, os resultados na sociedade e na qualidade
de vida se apenas um valor social, o materialismo, fosse transformado em apreço
pela ação hábil e bem-estar interior como bases para a verdadeira felicidade.
Influências
externas e reflexos internos
Quando as
pessoas vivem juntas em qualquer tipo de grupo, elas naturalmente influenciam
umas às outras. As pessoas são influenciadas em grande parte pelo ambiente. No
Budismo chamamos isso de paratoghosa – em termos literais, “o som do
exterior,” referindo-nos à influência dos fatores externos ou do ambiente
social. Estes podem ser prejudiciais ou benéficos. Do lado benéfico, temos o kalyanamitta,
o bom amigo. O bom amigo é um tipo de influência externa. O Buda enfatizava
muito a importância do bom amigo, chegando ao ponto de dizer que associar-se
com bons amigos é a essência da Vida Santa.
A maioria
das pessoas são antes de mais nada afetadas pelas influências externas de um
tipo ou de outro. No plano individual, as influências externas são o contato
com outros, cuja influência é bastante óbvia. As crianças, por exemplo, são
facilmente influenciadas e guiadas pelos adultos. Em uma escala mais ampla, as
crenças, os valores sociais e o consenso da maioria atendem o mesmo propósito.
As pessoas nascidas em uma sociedade estão automaticamente expostas e são
guiadas por essas influências.
Em geral,
podemos ver que a maioria das pessoas simplesmente segue as influências do
ambiente social à sua volta. Um exemplo é a Índia no tempo do Buda. Naquele
tempo o Bramanismo controlava a sociedade completamente, dividindo a sociedade
em quatro castas – a casta dos governantes, a casta dos intelectuais ou
religiosos (os Brâmanes), a casta dos comerciantes e a casta dos serviçais. Esse era o status quo da sociedade naquela
época. A maioria das pessoas nascidas naquela sociedade, sem questionar,
absorvia com naturalidade e aceitava essa situação da sociedade à sua volta.
Mas de
tempos em tempos apareciam pessoas que tinham suas próprias idéias. Esses seres
possuíam o insight dos problemas sociais e de como estes surgem, dando início a
ações para corrigí-los. Isto envolve o uso de yoniso-manasikara,
atenção com sabedoria, que é a habilidade para identificar as práticas
equivocadas numa sociedade e buscar formas de melhorá-las, tal como fez o Buda
com o sistema de castas na antiga Índia. O Buda indicou que o verdadeiro valor
de uma pessoa não pode ser decidido de acordo com o seu nascimento, mas pelas
suas ações, boas ou más conforme for o caso. Por meio da reflexão sábia do Buda
surgiu um novo ensinamento que se tornou conhecido como Budismo.
Sem a
atenção com sabedoria, os seres humanos são totalmente inundados pela
influência dos fatores externos, tais como as crenças religiosas, tradições e
valores sociais. É fácil ver como as tradições e costumes moldam as atitudes
humanas. A maioria das pessoas é totalmente controlada por essas coisas e esse
é o kamma que essas pessoas acumulam. Poderíamos até dizer que as tradições e
os costumes são o kamma social que foi acumulado ao longo dos anos e que, por
sua vez, essas coisas moldam as crenças e idéias das pessoas que fazem parte
daquela sociedade.
De tempos
em tempos haverá alguém que, avaliando por meio da atenção com sabedoria as
convenções e instituições sociais da época, irá instigar esforços para corrigir
crenças e tradições equivocadas ou prejudiciais. Esses meios para lidar com os
problemas irão se tornar os novos conjuntos de idéias, os novos valores sociais
e modos de vida, que por sua vez tornam-se as novas correntes sociais com
impulso próprio. Na verdade, as correntes sociais são criadas por indivíduos e
seguidas pelas massas. Portanto, podemos dizer que a sociedade conduz o
indivíduo, mas ao mesmo tempo, o indivíduo é quem dá origem aos valores sociais
e às convenções. Assim, em última análise, o indivíduo é o fator importante.
Responsabilidade
pessoal e kamma social
Como uma
idéia aceita socialmente se torna kamma pessoal? O kamma pessoal surge no ponto
em que o indivíduo concorda com os valores apresentados pela sociedade.
Tome, por
exemplo, o caso de um autocrata que concebe o desejo de criar um império. Essa
é uma condição que surge numa pessoa, mas ela se espalha para afetar toda uma
sociedade. Neste caso, qual é o kamma incorrido pela sociedade? Aqui, quando os
conselheiros do rei ou déspota concordam e apóiam os seus desejos e quando as
pessoas aceitam ser tomadas de cobiça pela grandeza, isto também se torna kamma
para essas pessoas e se torna kamma numa escala social. Pode parecer que essa
cadeia de eventos surgiu somente por conta de uma pessoa, mas não é assim.
Todos estão envolvidos e todos são responsáveis pelo kamma, em maior ou menor
escala, dependendo da extensão do seu envolvimento pessoal e consentimento. As
idéias e desejos concebidos pelo déspota passam a ser adotados pelas pessoas à
volta dele. Existe o endosso, mais ou menos consciente, das pessoas em relação
àquele desejo, permitindo que esse desejo pelo poder e grandeza se espalhe e se
incremente na população.
Essa
concordância ou endosso dos valores sociais é uma ação intencional no nível de
cada indivíduo, que para a maioria acontece sem a atenção com sabedoria e para
muitos sem a consciência disso. Por exemplo, o conceito de “progresso” do qual
tanto se fala no presente é um conceito baseado em certas premissas. Mas a
maioria das pessoas não questiona as premissas básicas sobre a qual se baseia
esse conceito. Assim o conceito de “progresso” segue sem ser questionado. Essa
falta de reflexão também é um tipo de kamma, pois conduz à submissão ao valor
social em questão.
Aqui na
Tailândia, estamos aceitando valores sociais do Ocidente que nos estão sendo
introduzidos e eles têm tido um efeito dramático sobre a sociedade Tailandesa.
Estando expostos a esse tipo de crença, as pessoas na Tailândia são levadas a
crer que o progresso material do Ocidente é desejável. Ao adotar esse tipo de
idéia, todo o modo de vida é afetado, conduzindo à rejeição da religião e ao
declínio nos valores morais.
Não é
difícil ver a demonstração de falta de atenção na maioria das pessoas na
sociedade. Até mesmo a compreensão de como as coisas operam num nível
elementar, tal como enxergar a causa e efeito envolvida nas ações pessoais,
está além da capacidade da maioria das pessoas. Elas só fazem seguir a
multidão. É assim como em geral as sociedades operam e isso é o kamma social.
De modo
geral, contrário à imagem generalizada do Budismo, como uma religião passiva
que encoraja a inação, a ação social responsável é ao invés disso encorajada
nos ensinamentos do Buda. Existem muitos ensinamentos para encorajar a harmonia
social, tais como os quatro sangaha vatthu, as Condições para o Bem
Estar Social: dana, generosidade; piyavaca, linguagem gentil; atthacariya,
ações assistenciais; e samanattata, imparcialidade ou equanimidade.
No entanto,
no Budismo, todas as ações deveriam de modo ideal surgir de qualidades mentais
hábeis. Uma ação aparentemente bem intencionada pode ser arruinada pela influência
de qualidades mentais inábeis, tais como a raiva ou o medo, ou ela pode ser
maculada por motivações veladas. Por outro lado, cultivar simplesmente estados
mentais hábeis sem a ação social resultante não é muito produtivo. Assim,
podemos analisar a virtude em dois níveis: no plano mental temos, por exemplo,
as Quatro Moradas Divinas. Estas são a base das ações altruístas, ou, no
mínimo, de relações harmoniosas no plano social. Num segundo nível temos as
aplicações externas dessas qualidades hábeis, tal como nas quatro Condições
para o Bem-Estar Social. Esses dois níveis de virtude estão inter-relacionados.
As Quatro
Moradas Divinas são metta, amor bondade, boa vontade; karuna,
compaixão, o desejo de ajudar os outros seres; mudita, alegria altruísta,
alegria pela boa fortuna dos outros; e upekkha, imparcialidade ou
equanimidade.
A boa
vontade é uma postura mental assumida em relação àqueles que se encontram numa
condição normal ou no mesmo plano em que nos encontramos; compaixão é uma atitude
mental em relação àqueles que se encontram em aflição; alegria altruísta é uma
atitude em relação àqueles que estão desfrutando do sucesso; equanimidade ou
imparcialidade é a mente equilibrada em relação às várias situações que
enfrentamos.
Em termos
práticos essas quatro qualidades se manifestam como as Quatro Condições para o
Bem-Estar Social. Dana, doação
ou generosidade, é mais ou menos uma postura básica em relação
aos outros na sociedade, uma atitude de generosidade pode estar baseada na boa
vontade, compaixão ou alegria altruísta, utilizando a doação como um ato de
encorajamento. Falando de modo geral, embora a generosidade se refira a coisas
materiais, ela também pode englobar a doação de conhecimentos ou trabalho.
A segunda
condição para a harmonia é piyavaca, linguagem gentil, que pode ter como
base todas as Moradas Divinas. A linguagem gentil, baseada na boa vontade,
como comportamento padrão nas situações rotineiras diárias; a linguagem gentil,
baseada na compaixão, em tempos difíceis, representada por palavras de
aconselhamento ou consolo; e a linguagem que expressa congratulação, baseada na
alegria altruísta, representada por palavras de encorajamento em tempos de
felicidade e sucesso. No entanto, ao ser confrontado por problemas em situações
sociais, a linguagem gentil pode ser expressa como linguagem imparcial e justa,
que está baseada na equanimidade.
A terceira
condição é atthacariya, ações assistenciais, que se referem à oferta de
esforço físico para ajudar os outros. No primeiro fator, generosidade, temos a
doação de bens materiais. No segundo fator, linguagem gentil, temos o
oferecimento da linguagem agradável. Com este terceiro ítem temos o
oferecimento do esforço físico em forma de uma conduta que visa ajudar. Essa
ajuda pode ocorrer em situações comuns, tal como oferecer ajuda quando o
recebedor não se encontre em nenhuma condição particularmente difícil. A ajuda
neste caso é mais ou menos um “gesto amigável” e dessa forma está baseada na
boa vontade. A ajuda pode ser oferecida em tempos de dificuldades e neste caso
estará baseada na compaixão. A ajuda pode ser oferecida como um encorajamento
em tempos de sucesso e neste caso estará baseada na alegria altruísta ou
alegria pela boa fortuna dos outros. Portanto, atthacariya, ações assistenciais,
podem ter como base qualquer uma das três Moradas Divinas.
Por fim
temos samanattata, em termos literais, “ser acessível ou igual.” Esta é
uma palavra difícil de traduzir. Significa participar das alegrias e tristezas
das outras pessoas, estar junto delas, unir-se a elas. Refere-se ao ato de
compartir, cooperar e estar unido. Nós diríamos que significa ser humilde, tal
como ao auxiliar os outros nas suas tarefas mesmo quando não é nossa
responsabilidade ou de ser justo, tal como ao arbitrar uma disputa.
No Budismo,
a ação social é encorajada desde que ela seja sempre resultante de estados
mentais hábeis ao invés de impulsos idealistas. Qualquer ação social, não
importa quão justa seja, será arruinada se for maculada por intenções inábeis.
Por essa razão, todas as ações, quer tenham uma orientação individual ou
social, devem ser feitas com cuidado, com consciência da verdadeira intenção
que esteja por trás delas.
Abaixo
encontram-se algumas palavras do Buda sobre o kamma no nível social:
“Então aqueles seres se reuniram e lamentaram o surgimento daquelas
coisas ruins entre eles: tomar aquilo que não foi dado, censura, mentira e
punição. E eles pensaram: “E se nós nomeássemos um certo ser que mostrasse
raiva quando a raiva fosse devida, censurasse aqueles que devessem ser
censurados e banisse aqueles que merecessem ser banidos! E como recompensa nós
lhe déssemos uma parcela do arroz.” Assim eles se aproximaram daquele que entre
eles possuía os mais finos atributos, o mais admirável, mais agradável e capaz,
pedindo que fizesse aquilo por eles em retribuição por uma parcela de arroz, e
ele aceitou…e assim surgiu a palavra ‘rei’…”[DN.I.92] (DN 27)
* * *
“Assim, por não haver generosidade para com os necessitados, a pobreza
se disseminou, do incremento da pobreza, o tomar o que não é dado se
disseminou, do incremento do roubo, o uso de armas se disseminou, do incremento
do uso de armas, o ato de tirar a vida se disseminou....” [D.I.70] (DN 26)
Início >> 3. Os Frutos de Kamma >> 5. O Kamma que dá fim ao Kamma
Revisado: 21 Setembro 2002
Copyright © 2000 - 2021, Acesso ao Insight - Michael Beisert: editor, Flavio Maia: designer.