Majjhima Nikaya 35
Culasaccaka Sutta
O Pequeno Discurso para Saccaka
Somente para distribuição gratuita.
Este trabalho pode ser impresso para distribuição gratuita.
Este trabalho pode ser re-formatado e distribuído para uso em computadores e redes de computadores
contanto que nenhum custo seja cobrado pela distribuição ou uso.
De outra forma todos os direitos estão reservados.
Este sutta também está disponível em áudio, clique para Ouvir
1. Em certa
ocasião o Abençoado estava em Vesali na Grande Floresta no Salão com um pico na
cumeeira.
2. Agora,
naquela ocasião Saccaka, o filho de Nigantha, estava em Vesali, um polemista e
hábil orador considerado por muitos como um santo. [1] Ele estava fazendo a seguinte afirmação perante a assembléia de
Vesali: “Eu não vejo contemplativo ou brâmane, ou cabeça de uma ordem, ou cabeça de
um grupo, ou mestre de um grupo, ou mesmo alguém que reivindique ser um arahant,
perfeitamente iluminado, que não sacudisse, tiritasse, tremesse e suasse nas
axilas, se fosse engajado num debate comigo. Mesmo que eu engajasse um poste
insensível num debate, ele iria sacudir, tiritar e tremer se fosse engajado num
debate comigo, então o que posso dizer de um ser humano?”
3. Então,
ao amanhecer, o venerável Assaji se vestiu e tomando a tigela e o manto
externo, foi para Vesali para esmolar alimentos.[2] Enquanto Saccaka, o filho de Nigantha, caminhava e perambulava em
Vesali fazendo exercício, ele viu o venerável Assaji vindo à distância e foi
até ele e ambos se cumprimentaram. Quando a conversa amigável e cortês havia
terminado, Saccaka, o filho de Nigantha, ficou em pé a um lado e disse:
4. “Mestre
Assaji, como o contemplativo Gotama disciplina os seus discípulos? E como, em
geral, são apresentadas as instruções do contemplativo Gotama aos seus
discípulos?”
“Assim é
como o Abençoado disciplina os seus discípulos, Aggivessana, e assim é como, em
geral, são apresentadas as instruções do Abençoado aos seus discípulos:
‘Bhikkhus, a forma material é impermanente, a sensação é impermanente, a
percepção é impermanente, as formações volitivas são impermanentes, a consciência é
impermanente. Bhikkhus, a forma material é não-eu, a sensação é não-eu, a
percepção é não-eu, as formações volitivas são não-eu, a consciência é não-eu. Todas as
formações são impermanentes, todas os dhammas são não-eu.’ [3]
Assim é como o Abençoado disciplina os seus discípulos, e assim
é como, em geral, são apresentadas as instruções do Abençoado aos seus
discípulos.”
“Se isso é
o que o contemplativo Gotama afirma, de fato ouvimos algo desagradável. Talvez
em alguma ocasião possamos encontrar com o Mestre Gotama e ter uma conversa com
ele. Talvez possamos fazer com que ele abandone essa idéia maléfica.”
5. Agora naquela ocasião quinhentos Licchavis haviam se reunido no salão
de assembléias para tratar de negócios. Então Saccaka, o filho de Nigantha, foi
até eles e disse: “Venham, bons Licchavis, venham! Hoje haverá uma discussão
com o contemplativo Gotama. Se o contemplativo afirmar perante mim
aquilo que foi afirmado perante mim por um dos seus discípulos famosos, o
bhikkhu chamado Assaji, então da mesma forma como um homem forte é capaz de
agarrar os pêlos de um carneiro peludo e arrastá-lo para cá e para lá e
arrastá-lo em círculos, assim em debate eu irei arrastar o contemplativo Gotama
para cá e para lá e em círculos. Da mesma forma como um forte cervejeiro é
capaz de arremessar uma peneira grande num tanque de água profundo e
agarrando-a pelos cantos é capaz de arrastá-la para cá e para lá e em círculos,
assim em debate eu irei arrastar o contemplativo Gotama para cá e para lá e em
círculos. Da mesma forma como um forte cervejeiro é capaz de tomar um filtro pelos
cantos e agitá-lo para cima e para baixo e dar-lhe pancadas, assim em debate eu
agitarei o contemplativo Gotama para cima e para baixo e darei pancadas nele. E
da mesma forma como um elefante sexagenário é capaz de mergulhar num lago
profundo e desfrutar o jogo de lavar o cânhamo, assim eu desfrutarei o jogo de
lavar o cânhamo com o contemplativo Gotama. [4] Venham,
bons Licchavis, venham! Hoje haverá uma discussão entre eu e o contemplativo
Gotama.”
6. Após o
que, alguns Licchavis disseram: “Como poderá o contemplativo Gotama refutar as
afirmações de Saccaka, o filho de Nigantha? Ao contrário, Saccaka, o filho de
Nigantha, irá refutar as afirmações do contemplativo Gotama.” E alguns
Licchavis disseram: “Quem é Saccaka, o filho de Nigantha, para poder refutar as
afirmações do Abençoado? Ao contrário, o Abençoado irá refutar as afirmações de
Saccaka, o filho de Nigantha.” Então Saccaka, o filho de Nigantha foi junto com
quinhentos Licchavis ao Salão com um pico na cumeeira na Grande Floresta.
7. Agora,
naquela ocasião muitos bhikkhus estavam caminhando para cá e para lá ao ar
livre. Então Saccaka, o filho de Nigantha, foi até eles e perguntou: “Onde está
o Mestre Gotama agora, senhores? Queremos ver o Mestre Gotama.”
“O Abençoado
foi para a Grande Floresta, Aggivessana, e está sentado à sombra de uma árvore
para passar o resto do dia.”
8. Então
Saccaka, o filho de Nigantha, juntamente com um grande número de Licchavis,
entrou na Grande Floresta e foi até o Abençoado. Eles se cumprimentaram e
depois que a conversa amigável e cortês havia terminado, ele sentou a um lado.
Alguns Licchavis homenagearam o
Abençoado e sentaram a um lado; alguns trocaram saudações corteses com ele e
após a troca de saudações sentaram a um lado; alguns ajuntaram as mãos em
respeitosa saudação e sentaram a um lado; alguns anunciaram o seu nome e clã e
sentaram a um lado. Alguns permaneceram em silêncio e sentaram a um lado.
9. Quando
Saccaka o filho de Nigantha havia sentado, ele disse para o Abençoado: “Eu
faria uma pergunta ao Mestre Gotama acerca de certo tema, se o Mestre Gotama
concedesse o favor de uma resposta à minha pergunta.”
“Pergunte o
que você quiser, Aggivessana.”
“Como o
contemplativo Gotama disciplina os seus discípulos? E como, em geral, são
apresentadas as instruções do contemplativo Gotama aos seus discípulos?”
“Assim é
como disciplino os meus discípulos, Aggivessana, e assim é como, em geral, são
apresentadas as instruções aos meus discípulos: ‘Bhikkhus, a forma material é
impermanente, a sensação é impermanente, a percepção é impermanente, as
formações volitivas são impermanentes, a consciência é impermanente. Bhikkhus, a forma
material é não-eu, a sensação é não-eu, a percepção é não-eu, as formações volitivas são
não-eu, a consciência é não-eu. Todas as formações são impermanentes, todos os
dhammas são não-eu.’
10. “Um
símile me vem à mente, Mestre Gotama.”
“Explique o
que lhe vem à mente, Aggivessana,” o Abençoado disse.
“Tal como
quando as sementes e plantas, qualquer que seja o seu tipo, crescem, aumentam e
amadurecem, todas assim o fazem na dependência da terra, baseadas na terra; e
como quando as tarefas extenuantes, qualquer que seja o seu tipo, são feitas,
todas são feitas na dependência da terra, baseadas na terra – assim também,
Mestre Gotama, uma pessoa tem a forma material como eu, e baseada na forma
material ela produz mérito ou demérito. Uma pessoa tem a sensação como eu, e
baseada na sensação ela produz mérito ou demérito. Uma pessoa tem a percepção como eu, e baseada na percepção ela
produz mérito ou demérito. Uma pessoa tem as formações volitivas como eu, e baseada nas
formações volitivas ela produz mérito ou demérito. Uma pessoa tem a consciência como eu,
e baseada na consciência ela produz mérito ou demérito.”
11.
“Aggivessana, você está afirmando que: ‘A forma material é o meu eu, a sensação
é o meu eu, a percepção é o meu eu, as formações volitivas são o meu eu, a consciência é
o meu eu?”
“Eu assim
afirmo, Mestre Gotama: ‘A forma material é o meu eu, a sensação é o meu eu, a
percepção é o meu eu, as formações volitivas são o meu eu, a consciência é o meu eu.’ E
assim também o faz esta grande multidão.”[5]
“O que tem esta grande multidão a ver com você, Aggivessana? Por favor
limite-se somente à sua própria afirmação.”
“Então,
Mestre Gotama, eu assim afirmo: ‘A forma material é o meu eu, a sensação é o
meu eu, a percepção é o meu eu, as formações volitivas são o meu eu, a consciência é o
meu eu.’”
12. “Nesse
caso, Aggivessana, eu lhe farei uma pergunta em retorno. Responda como quiser.
O que você pensa, Aggivessana? Um nobre rei ungido – por exemplo o Rei Pasenadi
de Kosala ou o Rei Ajatasatu Vedehiputta de Magadha – exerceria o poder no seu
próprio reino para executar aqueles que devem ser executados, multar aqueles
que devem ser multados e de banir aqueles que devem ser banidos?”
“Mestre
Gotama, um nobre rei ungido – por exemplo o Rei Pasenadi de Kosala ou o Rei
Ajatasatu Vedehiputta de Magadha – exerceria o poder no seu próprio reino para
executar aqueles que devem ser executados, multar aqueles que devem ser
multados e de banir aqueles que devem ser banidos. Pois mesmo aquelas
comunidades [oligárquicas] tal como os Vajjias e os Mallias exercem o poder no
seu próprio reino para executar aqueles que devem ser executados, multar
aqueles que devem ser multados e de banir aqueles que devem ser banidos; então
muito mais um nobre rei ungido como o Rei Pasenadi de Kosala ou o Rei Ajatasatu
Vedehiputta de Magadha. Ele o exerceria, Mestre Gotama, e ele teria dignidade
para exercê-lo.”
13. “O que você pensa, Aggivessana? Quando você assim diz: ‘A forma
material é o meu eu,’ você exerce algum poder como esse sobre essa forma
material para poder dizer: ‘Que a minha forma seja assim; que a minha forma não
seja assim?’” [6] Quando isso foi dito,
Saccaka, o filho de Nigantha, ficou em silêncio.
Pela
segunda vez o Abençoado fez a mesma pergunta e pela segunda vez Saccaka, o
filho de Nigantha, ficou em silêncio. Então o Abençoado disse: “Aggivessana,
responda agora. Agora não é o momento de ficar em silêncio. Se alguém for
questionado com uma pergunta razoável pela terceira vez pelo Tathagata, e ainda
assim não responder, a sua cabeça se partirá em sete pedaços no mesmo
instante.”
14. Agora, naquele momento um yakkha, segurando nas mãos um raio de
ferro em chamas, incandescente e brilhante, apareceu no ar sobre a cabeça de
Saccaka, o filho de Nigantha, pensando: “Se esse Saccaka, o filho de Nigantha,
que foi questionado com uma pergunta razoável pela terceira vez pelo Tathagata,
ainda assim não responder, partirei a sua cabeça em sete pedaços neste
instante.”[7] O Abençoado viu o yakkha e
Saccaka, o filho de Niganttha, também o viu. Então Saccaka, o filho de Nigantha,
ficou amedrontado, alarmado e aterrorizado. Buscando abrigo, proteção e refúgio
no Abençoado, ele disse: “Pergunte, Mestre Gotama, eu responderei.”
15. “O que
você pensa, Aggivessana? Quando você assim diz: ‘A forma material é o meu eu,’
você exerce algum tipo de poder sobre essa forma material para poder dizer:
‘Que a minha forma material seja assim; que a minha forma material não seja
assim?’” – “Não, Mestre Gotama.”
16. “Preste
atenção, Aggivessana, preste atenção à sua reposta! O que você disse antes não
está de acordo com o que disse depois, nem aquilo que você disse depois está de
acordo com o que disse antes. O que você pensa, Aggivessana? Quando você assim
diz: ‘A sensação é o meu eu,’ você exerce algum tipo de poder sobre essa sensação
para poder dizer: ‘Que a minha sensação seja assim; que a minha sensação não
seja assim?’” – “Não, Mestre Gotama.”
17. “Preste
atenção, Aggivessana, preste atenção à sua reposta! O que você disse antes não
está de acordo com o que disse depois, nem aquilo que você disse depois está de
acordo com o que disse antes. O que você pensa, Aggivessana? Quando você assim
diz: ‘A percepção é o meu eu,’ você exerce algum tipo de poder sobre essa
percepção para poder dizer: ‘Que a minha percepção seja assim; que a minha
percepção não seja assim?’” – “Não, Mestre Gotama.”
18. “Preste
atenção, Aggivessana, preste atenção à sua reposta! O que você disse antes não
está de acordo com o que disse depois, nem aquilo que você disse depois está de
acordo com o que disse antes. O que você pensa, Aggivessana? Quando você assim
diz: ‘As formações são o meu eu,’ você exerce algum tipo de poder sobre essas
formações para poder dizer: ‘Que as minhas formações sejam assim; que as minhas
formações não sejam assim?’” – “Não, Mestre Gotama.”
19. “Preste atenção, Aggivessana, preste atenção à sua reposta! O que
você disse antes não está de acordo com o que disse depois, nem aquilo que você
disse depois está de acordo com o que disse antes. O que você pensa,
Aggivessana? Quando você assim diz: ‘A consciência é o meu eu,’ você exerce
algum tipo de poder sobre essa consciência para poder dizer: ‘Que a minha
consciência seja assim; que a minha consciência não seja assim?’” – “Não,
Mestre Gotama.”
20. “Preste atenção, Aggivessana, preste atenção à sua reposta! O que
você disse antes não está de acordo com o que disse depois, nem aquilo que você
disse depois está de acordo com o que disse antes. O que você pensa,
Aggivessana, a forma material é permanente ou impermanente?” – “Impermanente, Mestre
Gotama.” – “Aquilo que é impermanente é sofrimento ou felicidade?” –
“Sofrimento, Mestre Gotama.” – “Aquilo que é impermanente, sofrimento e sujeito
à mudança é adequado que seja assim considerado: ‘Isto é meu, isto sou eu, isto
é o meu eu’?” – “Não, Mestre Gotama.”
“O que você
pensa, Aggivessana? A sensação é permanente ou impermanente? ... A percepção é
permanente ou impermanente? ... As formações volitivas são permanentes ou impermanentes? ...
A consciência é permanente ou impermanente?” “Impermanente, Mestre Gotama.” –
“Aquilo que é impermanente é sofrimento ou felicidade?” – “Sofrimento, Mestre
Gotama.” – “Aquilo que é impermanente, sofrimento e sujeito à mudança é
adequado que seja assim considerado: ‘Isto é meu, isto sou eu, isto é o meu
eu’?” – “Não, Mestre Gotama.”
21. “O que
você pensa, Aggivessana? Quando alguém adere ao sofrimento, recorre ao
sofrimento, se agarra ao sofrimento e considera aquilo que é sofrimento assim:
‘Isto é meu, isto sou eu, isto é o meu eu,’ seria ele capaz de entender
completamente o sofrimento ou
permanecer com o sofrimento totalmente destruído?”
“Como
poderia ser, Mestre Gotama? Não, Mestre Gotama.”
“O que você
pensa, Aggivessana? Em sendo assim, você então adere ao sofrimento, recorre ao
sofrimento, se agarra ao sofrimento e considera aquilo que é sofrimento
assim: ‘Isto é meu, isto sou eu, isto é
o meu eu,’?” “Como não poderia ser, Mestre Gotama? Sim, Mestre Gotama.” [8]
22. “É como se um homem que precisasse de madeira, procurasse madeira,
perambulasse em busca de madeira, pegasse um machado afiado e entrasse na
floresta, lá ele veria uma grande bananeira, ereta, jovem, sem frutos. Então
ele a cortaria pela raiz, removeria a coroa e desenrolaria as folhas que
envolvem o tronco; mas ao desenrolar as folhas do tronco ele não encontra nem
alburno e muito menos madeira. Assim também, Aggivessana, quando você é
pressionado, questionado e interrogado por mim acerca da sua afirmação, você se
revela vazio, oco e equivocado. Mas foi você quem fez esta afirmativa perante a
assembléia de Vessali: ‘Eu não vejo contemplativo ou brâmane, ou cabeça de
ordem, ou cabeça de grupo, ou mestre de grupo, ou mesmo alguém que reivindique
ser um arahant, perfeitamente iluminado, que não
sacudisse, tiritasse, tremesse e suasse nas axilas, se fosse engajado
num debate comigo. Mesmo se eu engajasse um poste insensível num debate, este
iria sacudir, tiritar e tremer se fosse engajado num debate comigo, então o que
posso dizer de um ser humano?’ Agora na sua testa há gotas de suor e estas
encharcaram o seu manto superior e caíram no solo. Mas no meu corpo agora não
há suor.” E o Abençoado revelou o seu corpo com a tez dourada para toda a
assembléia. Quando isso foi dito, Saccaka, o filho de Nigantha, permaneceu
sentado em silêncio, consternado, com os ombros caídos e a cabeça baixa,
deprimido e sem resposta.
23. Então
Dummukha, o filho dos Licchavis, vendo Saccaka, o filho de Nigantha, em tal
condição disse para o Abençoado:
“Um símile
me vem à mente, Mestre Gotama.”
“Explique o
que lhe vem à mente, Dummukha.”
“Suponha,
venerável senhor, que não distante de um vilarejo ou cidade houvesse uma lagoa
com um caranguejo. Então, um grupo de meninos e meninas saíssem do vilarejo
ou cidade indo até a lagoa, entrassem na água e tirassem o caranguejo da água e
o colocassem sobre a terra firme. E sempre que o caranguejo estendesse uma
perna, eles a cortassem, quebrassem e esmagassem com paus e pedras, de modo que
o caranguejo tendo todas as pernas cortadas, quebradas e esmagadas, seria
incapaz de regressar à lagoa. Da mesma forma, todas as contorções, entortaduras
e vacilações de Saccaka, o filho de Nigantha, foram cortadas, quebradas e
esmagadas pelo Abençoado, e agora ele não é capaz de novamente se aproximar do
Abençoado para debater.”
24. Quando
isso foi dito, Saccaka, o filho de Nigantha disse: “Espere, Dummukha, espere!
Nós não estamos conversando com você, aqui estamos conversando com o Mestre
Gotama.”
[Então ele
disse]: “Deixe essa nossa conversa, Mestre Gotama, ficar como a conversa de
contemplativos e brâmanes comuns, isso foi só tagarelice, eu penso. Mas de que
forma um discípulo do contemplativo Gotama é aquele que executa as suas
instruções, que responde ao seu conselho, que superou a dúvida, se libertou da
perplexidade, conquistou a intrepidez, e se tornou independente dos outros no Dhamma do Mestre?”[9]
“Aqui, Aggivessana, qualquer tipo de forma material, quer seja passada,
futura ou presente, interna ou externa, grosseira ou sutil, inferior ou
superior, próxima ou distante – um discípulo meu vê toda forma material como na
verdade ela é, com correta sabedoria assim: ‘Isto não é meu, isto não sou eu,
isto não é o meu eu.’ Qualquer tipo de sensação ... Qualquer tipo de percepção ...
Qualquer tipo de formação ... Qualquer tipo de consciência quer seja passada,
futura ou presente, interna ou externa, grosseira ou sutil, inferior ou
superior, próxima ou distante – um discípulo meu vê toda consciência como na
verdade ela é, com correta sabedoria assim: ‘Isto não é meu, isto não sou eu,
isto não é o meu eu.’ É dessa forma que um discípulo meu é aquele que executa
as minhas instruções, que responde ao meu conselho, que superou a dúvida, se libertou da perplexidade, conquistou a
intrepidez, e se tornou independente dos outros no Dhamma do Mestre.”
25. “Mestre
Gotama, de que forma um bhikkhu é um arahant com as impurezas destruídas, que
viveu a vida santa, fez o que devia ser feito, depôs o fardo, alcançou o
verdadeiro objetivo, destruiu os grilhões da existência e está completamente
libertado através do conhecimento supremo?”
“Aqui,
Aggivessana, qualquer tipo de forma material, quer seja passada, futura ou
presente, interna ou externa, grosseira ou sutil, inferior ou superior, próxima
ou distante – um bhikkhu viu toda forma material como na verdade ela é, com
correta sabedoria assim: ‘Isto não é meu, isto não sou eu, isto não é o meu
eu,’ e através do desapego ele está libertado. Qualquer tipo de sensação ...
Qualquer tipo de percepção ... Quaisquer tipos de formações volitivas ... Qualquer tipo de
consciência quer seja passada, futura ou presente, interna ou externa,
grosseira ou sutil, inferior ou superior, próxima ou distante – um bhikkhu viu
toda consciência como na verdade ela é, com correta sabedoria assim: ‘Isto não
é meu, isto não sou eu, isto não é o meu eu,’ e através do desapego ele está
libertado. É dessa forma que um bhikkhu é um arahant com as impurezas
destruídas, que viveu a vida santa, fez o que devia ser feito, depôs o fardo,
alcançou o verdadeiro objetivo, destruiu os grilhões da existência e está
completamente libertado através do conhecimento supremo.
26. “Quando a mente de um bhikkhu está assim libertada, ele possui três
qualidades insuperáveis: a visão insuperável, a prática do caminho insuperável
e a libertação insuperável. [10] Quando um
bhikkhu está assim libertado, ele ainda honra, reverencia e venera o Tathagata
assim: ‘O Abençoado é iluminado e ele ensina o Dhamma tendo como objetivo a
iluminação. O Abençoado é domado e ele ensina o Dhamma para cada um domar a si
mesmo. O Abençoado está em paz e ele ensina o Dhamma tendo como objetivo a paz.
O Abençoado cruzou a torrente e ele ensina o Dhamma para cruzar a torrente. O
Abençoado realizou Nibbana e ele ensina o Dhamma para realizar Nibbana.’”
27. Quando
isso foi dito, Saccaka, o filho de Nigantha, respondeu: “Mestre Gotama, fomos
atrevidos e imprudentes em pensar que poderíamos atacar o Mestre Gotama num
debate. Um homem poderia atacar um elefante louco e se sentir seguro, no
entanto ele não poderia atacar o Mestre Gotama e se sentir seguro. Um homem
poderia atacar uma massa de fogo incandescente e se sentir seguro, no entanto
ele não poderia atacar o Mestre Gotama e se sentir seguro. Um homem poderia
atacar uma terrível cobra venenosa e se sentir seguro, no entanto ele não
poderia atacar o Mestre Gotama e se sentir seguro. Fomos atrevidos e
imprudentes em pensar que poderíamos atacar o Mestre Gotama num debate.
“Que o
Abençoado junto com a Sangha dos bhikkhus concorde em aceitar a refeição de
amanhã.” O Abençoado consentiu em silêncio.
28. Então,
sabendo que o Abençoado havia consentido, Saccaka, o filho de Nigantha, se
dirigiu aos Licchavis: “Ouçam, Licchavis. O contemplativo Gotama junto com a
Sangha dos bhikkhus foi convidado por mim para a refeição de amanhã. Vocês
poderão me trazer qualquer coisa que considerem ser adequada para ele.”
29. Então,
quando a noite terminou, os Licchavis trouxeram quinhentos pratos cerimoniais
de arroz com leite como oferenda de alimentos. Então Saccaka, o filho de
Nigantha, preparou vários tipos de boa comida no seu próprio parque e anunciou
a hora para o Abençoado: “É hora, Mestre Gotama, a refeição está pronta.”
30. Então, ao
amanhecer, o Abençoado se vestiu e tomando a sua tigela e o manto externo, ele
foi junto com a Sangha dos bhikkhus para o parque de Saccaka, o filho de
Nigantha, e sentou num assento que havia sido preparado. Então, com as suas
próprias mãos, Saccaka, o filho de Nigantha, serviu e satisfez a Sangha dos
bhikkhus liderada pelo Buda com os vários tipos de alimentos. Quando o
Abençoado havia terminado de comer e removeu a mão da sua tigela, Saccaka, o
filho de Nigantha, tomou um assento mais baixo e disse para o Abençoado:
“Mestre Gotama, que o mérito e os bons frutos meritórios deste ato de
generosidade seja pela felicidade dos doadores.”
“Aggivessana, qualquer coisa que resulte da generosidade para com um
receptor como você – que não está livre da cobiça, não está livre da raiva, não
está livre da delusão – será para os doadores. E qualquer coisa que resulte da
generosidade para com um receptor como eu - que está livre da cobiça, está
livre da raiva, está livre da delusão – será para você.” [11]
Notas:
[1] De acordo com MA, o pai de Saccaka era um
Niganttha, (Jainista), sendo que ambos tinham habilidade nos debates
filosóficos. Ele aprendeu mil doutrinas com o pai e muitos outros sistemas
filosóficos com outras pessoas. Na discussão que segue ele é tratado pelo seu
nome de clã, Aggivessana. [Retorna]
[2] O Ven. Assaji foi um dos cinco primeiros
discípulos do Buda. [Retorna]
[3] Este resumo da doutrina omite a segunda
das três características, dukkha ou
sofrimento. MA explica que Assaji omitiu isso evitando dar a Saccaka a
oportunidade para tentar refutar a doutrina do Buda. [Retorna]
[4] MA explica que as pessoas jogam este jogo
quando estão preparando o tecido de cânhamo. Elas amarram um punhado de cânhamo
virgem imergindo-o na água e golpeando-o sobre uma tábua à esquerda, direita e
no meio. Um elefante real viu esse jogo e mergulhando na água, absorveu água
com a tromba e a espargiu sobre a barriga, os dois lados do corpo e a virilha.
[Retorna]
[5] Ao afirmar que os cinco agregados são o
eu, ele está, é claro, contradizendo diretamente o ensinamento do Buda sobre anatta. Ele atribui essa idéia à “grande
multidão” com o pensamento de que “a maioria não pode estar equivocada.” [Retorna]
[6] O Buda neste caso sugere que os agregados
não são o eu porque lhes falta uma das características essenciais da
individualidade – a de serem afetados
pelo exercício da vontade. Aquilo que não está sujeito a ser controlado por mim
não pode ser identificado como “meu eu.” [Retorna]
[7] MA identifica esta divindade, (yakkha), como sendo Sakka, senhor dos
devas. [Retorna]
[8] Os cinco agregados são aqui chamados de
sofrimento porque são impermanentes e não estão sujeitos ao exercício da
vontade. [Retorna]
[9] Essas são as características de um sekha.
O arahant, ao contrário, não somente possui o entendimento correto do não-eu,
como também o empregou para erradicar todo apego, tal como o Buda irá explicar
no verso 25. [Retorna]
[10] MA oferece várias explicações
alternativas para esses três termos. Eles são sabedoria, prática e libertação
mundana e supramundana. Ou eles são totalmente supramundanos, sendo que: o
primeiro é o entendimento correto do caminho do arahant, o segundo corresponde
aos sete fatores restantes do caminho e o terceiro o fruto supremo (do
arahant); ou o primeiro é a visão de Nibbana, o segundo os fatores do caminho e
o terceiro o fruto supremo. [Retorna]
[11] Embora Saccaka tenha admitido a derrota
no debate, parece que ele ainda se considerava um santo e assim não se sentiu
compelido a buscar refúgio na Jóia Tríplice. Além disso, como ele continuava se
considerando um santo, ele deve ter sentido que não era apropriado ele dedicar
o mérito da oferta de alimentos para si mesmo e por isso ele quis dedicar o
mérito para os Licchavis. Mas o Buda responde que os Licchavis obterão mérito
ao prover Saccaka com alimentos para oferecer ao Buda, enquanto que o próprio
Saccaka irá obter mérito ao oferecê-los ao Buda. O mérito proveniente da oferta
de alimentos difere em qualidade de acordo com a pureza do receptor, tal como
explicado no MN 142.6. [Retorna]
Revisado: 12 Junho 2005
Copyright © 2000 - 2021, Acesso ao Insight - Michael Beisert: editor, Flavio Maia: designer.