Majjhima Nikaya 139

Aranavibhanga Sutta

A Análise do Não Conflito

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1. Assim ouvi. Em certa ocasião o Abençoado estava em Savatthi, no Bosque de Jeta, no Parque de Anathapindika. Lá ele se dirigiu aos monges desta forma: "Bhikkhus." – "Venerável Senhor," eles responderam. O Abençoado disse o seguinte:

2. “Bhikkhus, eu ensinarei para vocês a análise do não conflito. Ouçam e prestem muita atenção ao que vou dizer.” – “Sim, venerável senhor,” os bhikkhus responderam. O Abençoado disse o seguinte:

3. A pessoa não deve buscar os prazeres sensuais que são baixos, vulgares, grosseiros, ignóbeis e que não trazem benefício; e não deve buscar a mortificação que é dolorosa, ignóbil e que não traz benefício. O Caminho do Meio descoberto pelo Tathagata evita ambos os extremos; proporcionando visão, proporcionando conhecimento, conduzindo à paz, ao conhecimento direto, à iluminação, a Nibbana. [1] A pessoa deve saber o que deve ser enaltecido e o que deve ser depreciado e sabendo isso, não deve enaltecer nem depreciar mas deve apenas ensinar o Dhamma. A pessoa deve saber como definir o prazer e sabendo isso, deve buscar o prazer dentro de si. A pessoa não deve falar com a linguagem dissimulada, e não deve falar com a linguagem não dissimulada, severa. A pessoa deve falar sem pressa, não com pressa. A pessoa não deve insistir no idioma local, e não deve anular o uso popular. Esse é o sumário da análise do não conflito.

4. “’A pessoa não deve buscar os prazeres sensuais que são baixos, vulgares, grosseiros, ignóbeis e que não trazem benefício; e a pessoa não deve buscar a mortificação que é dolorosa, ignóbil e que não traz benefício.’ Assim foi dito. E com referência a que foi dito isso?

“A busca do prazer, cuja satisfação está vinculada aos desejos sensuais [2] - baixos, vulgares, grosseiros, ignóbeis e que não trazem benefício – é um estado atormentado pelo sofrimento, aflição, desespero e febre e é o caminho errado. [3] Desengajar-se da busca do prazer, cuja satisfação está vinculada aos desejos sensuais - baixos, vulgares, grosseiros, ignóbeis e que não trazem benefício – é um estado sem sofrimento, aflição, desespero e febre e é o caminho correto.

“A busca da mortificação - dolorosa, ignóbil e que não traz benefício - é um estado atormentado pelo sofrimento, aflição, desespero e febre e é o caminho errado. Desengajar-se da busca da mortificação - dolorosa, ignóbil e que não traz benefício – é um estado sem sofrimento, aflição, desespero e febre e é o caminho correto.

“Portanto, foi com referência a isso que foi dito: ’A pessoa não deve buscar os prazeres sensuais que são baixos, vulgares, grosseiros, ignóbeis e que não trazem benefício; e a pessoa não deve buscar a mortificação que é dolorosa, ignóbil e que não traz benefício.’

5. “’O Caminho do Meio descoberto pelo Tathagata evita ambos os extremos; proporcionando visão, proporcionando conhecimento, conduzindo à paz, ao conhecimento direto, à iluminação, a Nibbana.’ Assim foi dito. E com referência a que foi dito isso? É exatamente este Nobre Caminho Óctuplo; isto é, entendimento correto, pensamento correto, linguagem correta, ação correta, modo de vida correto, esforço correto, atenção plena correta, concentração correta. Portanto, foi com referência a isso que foi dito: ’O Caminho do Meio descoberto pelo Tathagata evita ambos os extremos ... Nibbana.’

6. “’A pessoa deve saber o que deve ser enaltecido e o que deve ser depreciado e sabendo ambos, nao deve enaltecer nem depreciar mas deve apenas ensinar o Dhamma.’ Assim foi dito. E com referência a que foi dito isso?

7. “Como, bhikkhus, ocorre o enaltecimento, a depreciação e o fracasso em ensinar apenas o Dhamma? Quando a pessoa diz: ‘Todos aqueles que estão buscando o prazer, cuja satisfação está vinculada aos desejos sensuais – baixos ... que não trazem benefício - estão atormentados pelo sofrimento, aflição, desespero e febre e entraram pelo caminho errado,’ a pessoa estará depreciando alguém. Quando a pessoa diz: ‘Todos aqueles que não estão buscando o prazer, cuja satisfação está vinculada aos desejos sensuais – baixos ... que não trazem benefício – não estão atormentados pelo sofrimento, aflição, desespero e febre e entraram pelo caminho correto,’ a pessoa estará enaltecendo alguém.

“Quando a pessoa diz: ‘Todos aqueles que estão buscando a mortificação - dolorosa, ignóbil e que não traz benefício - estão atormentados pelo sofrimento, aflição, desespero e febre e entraram pelo caminho errado,’ a pessoa estará depreciando alguém. Quando a pessoa diz: ‘Todos aqueles que não estão buscando a mortificação - dolorosa, ignóbil e que não traz benefício - não estão atormentados pelo sofrimento, aflição, desespero e febre e entraram pelo caminho correto,’ a pessoa estará enaltecendo alguém.

“Quando a pessoa diz: ‘Todos aqueles que não abandonaram o grilhão de ser/existir [4] estão atormentados pelo sofrimento, aflição, desespero e febre e entraram pelo caminho errado,’ a pessoa estará depreciando alguém. Quando a pessoa diz: ‘Todos aqueles que abandonaram o grilhão de ser/existir - não estão atormentados pelo sofrimento, aflição, desespero e febre e entraram pelo caminho correto,’ a pessoa estará enaltecendo alguém. Assim é como ocorre o enaltecimento, a depreciação e o fracasso em ensinar apenas o Dhamma.

8. “E como, bhikkhus, não ocorre nem o enaltecimento, nem a depreciação mas apenas o ensino do Dhamma? Quando a pessoa não diz: ‘Todos aqueles que estão buscando o prazer, cuja satisfação está vinculada aos desejos sensuais ... entraram pelo caminho errado,’ mas ao invés disso diz: ‘A busca é um estado atormentado pelo sofrimento, aflição, desespero e febre e é o caminho errado,’ então, ela só ensina o Dhamma. [5] Quando a pessoa não diz: ‘Todos aqueles que não estão buscando a mortificação ... entraram pelo caminho correto,’ mas ao invés disso diz: ‘Não buscar é um estado não atormentado pelo sofrimento, aflição, desespero e febre e é o caminho certo,’ então ela só ensina o Dhamma.

“Quando a pessoa não diz: ‘Todos aqueles que não abandonaram o grilhão de ser/existir ... entraram pelo caminho errado,’ mas ao invés disso diz: ‘Enquanto o grilhão de ser/existir não for abandonado, o ser/existir também não será abandonado,’ então ela só ensina o Dhamma. Quando a pessoa não diz: ‘Todos aqueles que abandonaram o grilhão de ser/existir ... entraram pelo caminho correto,’ mas ao invés disso diz: ‘Quando o grilhão de ser/existir for abandonado, o ser/existir também será abandonado,’ então ela só ensina o Dhamma.

“Portanto, foi com referência a isso que foi dito: ’A pessoa deve saber o que deve ser enaltecido e o que deve ser depreciado e sabendo isso, não deve enaltecer nem depreciar, mas apenas ensinar o Dhamma.’

9. “’A pessoa deve saber como definir o prazer e sabendo isso, deve buscar o prazer dentro de si.’ Assim foi dito. E com referência a que foi dito isso?

“Bhikkhus, existem esses cinco elementos do prazer sensual. Quais cinco? Formas percebidas pelo olho ... sons percebidos pelo ouvido ... aromas percebidos pelo nariz ... sabores percebidos pela língua ... tangíveis percebidos pelo corpo que são desejáveis, agradáveis e fáceis de serem gostados, conectados com o desejo sensual e que provocam a cobiça. Esses são os cinco elementos do prazer sensual. Agora o prazer e a alegria que surgem na dependência desses cinco elementos do prazer sensual é chamado de prazer sensual – um prazer baixo, um prazer grosseiro, um prazer ignóbil. Eu digo desse tipo de prazer que ele não deve ser perseguido, ele não deve ser desenvolvido, ele não deve ser cultivado, ele deve ser temido.

“Aqui, bhikkhus, um bhikkhu afastado dos prazeres sensuais, afastado das qualidades não hábeis, entra e permanece no primeiro jhana ... no segundo jhana ... no terceiro jhana ... no quarto jhana. A isto se denomina a felicidade da renúncia, a felicidade do afastamento, a felicidade da paz, a felicidade da iluminação. Eu digo desse tipo de prazer que ele deve ser perseguido, ele deve ser desenvolvido, ele deve ser cultivado e ele não deve ser temido.

“Portanto, foi com referência a isso que foi dito: ’A pessoa deve saber como definir o prazer e sabendo isso, deve buscar o prazer dentro de si.’

10. “’A pessoa não deve falar com a linguagem dissimulada, e não deve falar com a linguagem não dissimulada, severa.’ Assim foi dito. E com referência a que foi dito isso?

“Aqui, bhikkhus, quando a pessoa sabe que a linguagem dissimulada não é a verdade, é incorreta e não traz benefício, ela não deve de forma nenhuma utilizá-la. Quando a pessoa sabe que a linguagem dissimulada é a verdade, é correta e não traz benefício, ela deve tentar não utilizá-la. Mas quando a pessoa sabe que a linguagem dissimulada é a verdade, é correta e traz benefício, ela poderá utilizá-la, sabendo o momento apropriado para fazê-lo.

“Aqui, bhikkhus, quando a pessoa sabe que a linguagem não dissimulada, severa, não é a verdade, é incorreta e não traz benefício, ela não deve de forma nenhuma utilizá-la. Quando a pessoa sabe que a linguagem não dissimulada, severa, é a verdade, é correta e não traz benefício, ela deve tentar não utilizá-la. Mas quando a pessoa sabe que a linguagem não dissimulada, severa, é a verdade, é correta e traz benefício, ela poderá utilizá-la, sabendo o momento apropriado para fazê-lo.

“Portanto, foi com referência a isso que foi dito: ’A pessoa não deve falar com a linguagem dissimulada, e não deve falar com a linguagem não dissimulada, severa.’

11. “’A pessoa deve falar sem pressa, não com pressa.’ Assim foi dito. E com referência a o que foi dito isso?

“Aqui, bhikkhus, quando a pessoa fala com pressa, o corpo fica cansado e a mente fica excitada, a voz fica tensa, a garganta fica rouca e a linguagem de quem fala com pressa fica obscura e difícil de entender.

“Aqui, bhikkhus, quando a pessoa fala sem pressa, o corpo não fica cansado nem a mente fica excitada, a voz não fica tensa nem a garganta fica rouca e a linguagem de quem fala sem pressa é clara e fácil de entender.

“Portanto, foi com referência a isso que foi dito: ‘A pessoa deve falar sem pressa, não com pressa.’

12. “’A pessoa não deve insistir no idioma local, e não deve anular o uso popular.’ Assim foi dito. E com referência a que foi dito isso?

“Como, bhikkhus, ocorre a insistência no idioma local e a anulação do uso popular? Nesse caso, bhikkhus, em diferentes localidades eles chamam a mesma coisa um ‘prato’ (pati), uma ‘tigela’ (patta), um ‘vasilhame’ (vittha), um ‘pires’ (serava), uma ‘panela’ (dharopa), um ‘pote’ (pona), uma ‘caneca’ (hana) ou uma ‘bacia’ (pisila). Assim, seja qual for a denominação em tal e tal localidade, a pessoa fala de forma correspondente, aderindo com firmeza àquela expressão e insistindo que: ‘Somente isso é correto; todo o restante é errado.’ Assim é como ocorre a insistência no idioma local e a anulação do uso popular. [6]

“E como, bhikkhus, não ocorre a insistência no idioma local nem a anulação do uso popular? Nesse caso, bhikkhus, em diferentes localidades eles chamam a mesma coisa um ‘prato’ ... ’bacia’. Assim seja qual for a denominação em tal e tal localidade, sem aderir àquela expressão a pessoa fala de forma correspondente, pensando: ‘Estes veneráveis, parece, estão falando com referência a isto.’ Assim é como não ocorre a insistência no idioma local nem a anulação do uso popular.

“Portanto, foi com referência a isso que foi dito: ’A pessoa não deve insistir no idioma local, e não deve anular o uso popular.’

13. “Aqui, bhikkhus, a busca do prazer, cuja satisfação está vinculada aos desejos sensuais - baixos, vulgares, grosseiros, ignóbeis e que não trazem benefício – é um estado atormentado pelo sofrimento, aflição, desespero e febre e é o caminho errado. Portanto, este é um estado com conflito.

“Aqui, bhikkhus, desengajar-se da busca do prazer, cuja satisfação está vinculada aos desejos sensuais - baixos, vulgares, grosseiros, ignóbeis e que não trazem benefício – é um estado sem sofrimento, aflição, desespero e febre e é o caminho correto. Portanto, este é um estado sem conflito.

“Aqui, bhikkhus, a busca da mortificação - dolorosa, ignóbil e que não traz benefício - é um estado atormentado pelo sofrimento, aflição, desespero e febre e é o caminho errado. Portanto, este é um estado com conflito.

“Aqui, bhikkhus, desengajar-se da busca da mortificação - dolorosa, ignóbil e que não traz benefício – é um estado sem sofrimento, aflição, desespero e febre e é o caminho correto. Portanto, este é um estado sem conflito.

“Aqui, bhikkhus, o Caminho do Meio descoberto pelo Tathagata evita ambos os extremos; proporcionando visão, proporcionando conhecimento, conduzindo à paz, ao conhecimento direto, à iluminação, a Nibbana. É um estado sem sofrimento ... e é o caminho correto. Portanto, este é um estado sem conflito.

“Aqui, bhikkhus, o enaltecimento, a depreciação e o fracasso em ensinar apenas o Dhamma é um estado atormentado pelo sofrimento ... e é o caminho errado. Portanto, este é um estado com conflito.

“Aqui, bhikkhus, nem enaltecendo, nem depreciando, mas apenas ensinando o Dhamma é um estado sem sofrimento ... e é o caminho correto. Portanto, este é um estado sem conflito.

“Aqui, bhikkhus, o prazer sensual – um prazer baixo, um prazer grosseiro, um prazer ignóbil - é um estado atormentado pelo sofrimento ... Portanto, este é um estado com conflito.

“Aqui, bhikkhus, a felicidade da renúncia, a felicidade do afastamento, a felicidade da paz, a felicidade da iluminação, é um estado sem sofrimento ... Portanto, este é um estado sem conflito.

“Aqui, bhikkhus, a linguagem dissimulada que não é a verdade, é incorreta e não traz benefício é um estado atormentado pelo sofrimento ... Portanto, este é um estado com conflito.

“Aqui, bhikkhus, a linguagem dissimulada que é a verdade, é correta e não traz benefício, é um estado atormentado pelo sofrimento ... Portanto, este é um estado com conflito.

“Aqui, bhikkhus, a linguagem dissimulada que é a verdade, é correta e traz benefício, é um estado sem sofrimento ... Portanto, este é um estado sem conflito.

“Aqui, bhikkhus, a linguagem não dissimulada, severa, que não é a verdade, é incorreta e não traz benefício, é um estado atormentado pelo sofrimento ... Portanto, este é um estado com conflito.

“Aqui, bhikkhus, a linguagem não dissimulada, severa, que é a verdade, é correta e não traz benefício, é um estado atormentado pelo sofrimento ... Portanto, este é um estado com conflito.

“Aqui, bhikkhus, a linguagem não dissimulada, severa, que é a verdade, é correta e traz benefício, é um estado sem sofrimento ... Portanto, este é um estado sem conflito.

“Aqui bhikkhus, a linguagem de alguém que fala com pressa é um estado atormentado pelo sofrimento ... Portanto, este é um estado com conflito.

“Aqui bhikkhus, a linguagem de alguém que fala sem pressa é um estado sem sofrimento ... Portanto, este é um estado sem conflito.

“Aqui bhikkhus, a insistência no idioma local e a anulação do uso popular é um estado atormentado pelo sofrimento ... Portanto, este é um estado com conflito.

“Aqui bhikkhus, a não insistência no idioma local, nem a anulação do uso popular, é um estado sem sofrimento ... Portanto, este é um estado sem conflito.

14. “Portanto, bhikkhus, vocês devem treinar da seguinte forma: ‘Devemos conhecer o estado com conflito e devemos conhecer o estado sem conflito e conhecendo ambos, devemos tomar o caminho sem conflito.’ Agora, bhikkhus, Subhuti é um membro de um clã que tomou o caminho sem conflito.” [7]

Isso foi o que disse o Abençoado. Os bhikkhus ficaram satisfeitos e contentes com as palavras do Abençoado.

 


 

Notas:

[1] Esta é a mesma proclamação com a qual o Buda, pouco depois da Iluminação, iniciou o seu primeiro discurso para os cinco bhikkhus, (veja o SN LVI.11) antes de lhes ensinar as quatro nobres verdades. [Retorna]

[2] Esta é uma expressão mais complexa para a busca do prazer sensual. [Retorna]

[3] MA: Está “atormentado pelo sofrimento....”, devido ao sofrimento... proveniente das suas conseqüências, e devido ao sofrimento... proveniente das contaminações que estão presentes. [Retorna]

[4] Este é o desejo por ser/existir. [Retorna]

[5] Isto é, o enaltecimento e a depreciação surgem quando as afirmações são feitas em relação a pessoas, algumas das quais são elogiadas e outras criticadas. A pessoa ensina “só o Dhamma” quando as suas afirmações são feitas em relação ao estado (dhamma) – o método de prática – sem referência explícita a pessoas. [Retorna]

[6] Este problema de “insistência no idioma local” deve ter sido particularmente sério na Sangha, já que os bhikkhus viviam em constante movimento e passavam por várias localidades cada uma com o seu dialeto distinto. “Anulação do uso popular” pode ser interpretado como ir além dos limites das convenções lingüísticas. [Retorna]

[7] O Ven. Subhuti era o irmão mais jovem de Anathapindika e se tornou um bhikkhu no dia em que o Bosque de Jeta foi oferecido para a Sangha. O Buda nomeou-o o discípulo mais destacado em duas categorias – entre aqueles que vivem sem conflitos e aqueles que são dignos de receber oferendas. [Retorna]

 

 

Revisado: 8 Março 2008

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