Majjhima Nikaya 138
Uddesavibhanga Sutta
A Análise de um Sumário
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1. Assim
ouvi. Em certa ocasião o Abençoado estava em Savatthi, no Bosque de Jeta, no
Parque de Anathapindika. Lá ele se dirigiu aos monges desta forma: “Bhikkhus.”
- “Venerável senhhor,” eles responderam.
O Abençoado disse o seguinte:
2. “Bhikkhus, eu lhes ensinarei um sumário e uma análise. Ouçam e prestem
muita atenção ao que vou dizer.” – “Sim, venerável senhor,” os bhikkhus
responderam. O Abençoado disse o seguinte:
3.
“Bhikkhus, um bhikkhu deve examinar as coisas de uma tal forma que enquanto as
examina, a sua consciência não fique distraída e dispersa externamente, nem
estabelecida internamente, e por não se apegar a nada ele não fique agitado. Se a
consciência dele não estiver distraída e dispersa externamente, nem estabelecida
internamente, e por não se apegar a nada ele não se tornar agitado, então para
ele não existirá a origem do sofrimento – o nascimento, o envelhecimento e
morte no futuro.”
4. Isso foi
o que o Abençoado disse. Tendo dito isso, ele levantou do seu assento e foi
para a sua moradia.[1]
5. Então, pouco tempo depois do Abençoado haver partido, os bhikkhus
consideraram: “Agora, amigos, O Abençoado levantou do seu assento e foi para a
sua moradia depois de expor um sumário sem analisar o seu significado em
detalhe. Agora quem irá analisar o significado em detalhe?” Então eles
consideraram: “O venerável Maha Kaccana é elogiado pelo Mestre e é estimado
pelos seus sábios companheiros da vida santa. Ele será capaz de analisar o
significado em detalhe. E se nós fossemos até ele e pedíssemos a explicação do
significado disso.”
6 – 8. (Igual
ao sutta MN 18, versos 11-13)
9. “Então
ouçam, amigos, e prestem muita atenção ao que vou dizer.” “Sim amigo,”
os bhikkhus responderam. O venerável Maha Kaccana disse o seguinte:
10. “Porque,
amigos, a consciência é chamada de ‘distraída e dispersa externamente’? [2] Neste caso, quando um bhikkhu vê uma forma com
o olho, se a sua consciência segue atrás do sinal da forma, está atada, presa, agrilhoada e vinculada com o sinal da forma, [3]
então a sua consciência é chamada de ‘distraída e dispersa externamente.’
“Quando ele
ouve um som com o ouvido ... cheira um aroma com o nariz ... saboreia um sabor
com a língua ... toca um tangível com o corpo ... percebe um objeto mental com
a mente, se a sua consciência segue atrás do sinal do objeto mental, está atada, presa, agrilhoada e vinculada com o sinal do objeto mental, então a sua
consciência é chamada de ‘distraída e dispersa externamente.’
11. “E como, amigos, a consciência é chamada
‘não distraída e dispersa externamente’? Neste caso, quando um bhikkhu vê uma
forma com o olho, se a sua consciência não segue atrás do sinal da forma, não
está atada, presa, agrilhoada e vinculada com o sinal da forma, então a sua
consciência é chamada de ‘não distraída e dispersa externamente.’
“Quando ele
ouve um som com o ouvido ... cheira um aroma com o nariz ... saboreia um sabor
com a língua ... toca um tangível com o corpo ... percebe um objeto mental com
a mente, se a sua consciência não segue atrás do sinal do objeto mental, não
está atada, presa, agrilhoada e vinculada com o sinal do objeto mental,
então a sua consciência é chamada de ‘não distraída e dispersa externamente.’
12. “E
porque, amigos, a mente é chamada ‘estabelecida internamente’? [4]
Neste caso, um bhikkhu afastado dos prazeres sensuais, afastado das qualidades não hábeis, entra e permanece no primeiro jhana, que é caracterizado pelo pensamento aplicado e sustentado, com o êxtase e felicidade nascidos do afastamento. Se a sua consciência segue atrás do êxtase e felicidade nascidos
do afastamento, estiver atada, presa, agrilhoada e vinculada com o êxtase e
felicidade nascidos do afastamento, então a sua mente será chamada de
‘estabelecida internamente.’
13. “Além
disso, abandonando o pensamento aplicado e sustentado, um bhikkhu entra e permanece no segundo jhana, que é caracterizado pela segurança interna e perfeita unicidade da mente, sem o pensamento aplicado e sustentado, com o êxtase e felicidade nascidos da concentração. Se a sua consciência segue atrás do êxtase e felicidade nascidos
da concentração ... então a sua mente será chamada de 'estabelecida
internamente.’
14. “Além
disso, abandonando o êxtase, um bhikkhu entra e permanece no terceiro jhana que é caracterizado pela felicidade sem o êxtase, acompanhada pela atenção plena, plena consciência e equanimidade, acerca do qual os nobres declaram: ‘Ele permanece numa estada feliz, equânime e plenamente atento.’ Se a sua
consciência segue atrás da equanimidade ... então a sua mente será chamada de
‘estabelecida internamente.’
15. “Além disso, com o completo desaparecimento da felicidade, um bhikkhu entra e permanece no quarto jhana, que possui nem felicidade nem sofrimento, com a atenção plena e a equanimidade purificadas. Se a sua consciência segue atrás da nem
felicidade, nem sofrimento, estiver atada, presa, agrilhoada e vinculada com a
nem felicidade, nem sofrimento, então a sua mente será chamada de ‘estabelecida
internamente.’ Assim é como a mente é chamada de ‘estabelecida internamente.’
16. “E
porque, amigos, a mente é chamada de ‘não estabelecida internamente’? [4A]
Neste caso,
um bhikkhu afastado dos prazeres sensuais, afastado dos estados prejudiciais,
entra e permanece no primeiro jhana ... Se a sua consciência não segue atrás
do êxtase e prazer nascidos do afastamento ... então a sua mente será chamada
de ‘não estabelecida internamente.’
17. “Além
disso, abandonando o pensamento aplicado e sustentado, um bhikkhu entra e
permanece no segundo jhana...Se a sua consciência não segue atrás do êxtase e
prazer nascidos da concentração ... então a sua mente será chamada de ‘não
estabelecida internamente.’
18. “Além
disso, abandonando o êxtase, um bhikkhu ... entra e permanece no
terceiro jhana ... Se a sua consciência não segue atrás da equanimidade ...
então a sua mente será chamada de ‘não estabelecida internamente.’
19. “Além
disso, com o completo desaparecimento da felicidade ... um bhikkhu entra e
permanece no quarto jhana ... Se a sua consciência não segue atrás da nem
felicidade, nem sofrimento, não estiver atada, presa agrilhoada e vinculada
com a nem felicidade, nem sofrimento, então a sua mente será chamada de ‘não
estabelecida internamente.’ Assim é como a mente é chamada de ‘não estabelecida
internamente.’
20.
“Porque, amigos, existe agitação devido ao apego? [5] Neste caso uma pessoa comum sem instrução que não respeita os
nobres, que não é proficiente nem treinada no Dhamma deles, que não
respeita os homens verdadeiros, que não é proficiente nem treinada no
Dhamma deles, considera a forma material como sendo o eu, ou o eu como possuído
de forma material, ou a forma material como estando no eu, ou o eu como estando
na forma material. Essa forma material muda e se altera. Com a forma material
mudando e se alterando, a sua consciência se preocupa com essa mudança. Estados
mentais agitados nascidos da preocupação com a mudança da forma material surgem
ao mesmo tempo [6] e permanecem obcecando a mente. Como a mente dele está obcecada,
ele fica ansioso, angustiado e preocupado e devido ao apego ele se torna agitado.
[7]
“Ele considera a sensação como sendo o eu … Ele considera a percepção
como sendo o eu … Ele considera as formações como sendo o eu … Ele considera a
consciência como sendo o eu, ou o eu como possuído de consciência, ou a
consciência como estando no eu, ou o eu como estando na consciência. Essa
consciência muda e se altera. Com a consciência mudando e se alterando, a sua
consciência se preocupa com essa mudança. Estados mentais agitados nascidos da
preocupação com a mudança da consciência surgem ao mesmo tempo e permanecem
obcecando a mente. Como a mente dele está obcecada, ele fica ansioso,
angustiado e preocupado e devido ao apego ele se torna agitado. Assim é como
existe agitação devido ao apego.
21. “E
porque, amigos, existe a não agitação devido ao não apego? [8] Neste caso um nobre discípulo
bem instruído, que respeita os nobres, que é proficiente e treinado no
Dhamma deles, que respeita os homens que dizem a verdade, que é proficiente e
treinado no Dhamma deles, não considera a forma material como sendo o eu,
ou o eu como possuído de forma material, ou a forma material como estando no
eu, ou o eu como estando na forma material. Essa forma material muda e se
altera. Com a forma material mudando e se alterando, a sua consciência não se
preocupa com essa mudança. Estados mentais agitados nascidos da preocupação com
a mudança da forma material não surgem ao mesmo tempo e não permanecem
obcecando a mente. Como a mente dele não está obcecada, ele não fica ansioso,
angustiado e preocupado e devido ao não apego ele não se torna agitado.
“Ele não
considera a sensação como sendo o eu … Ele não considera a percepção como sendo
o eu … Ele não considera as formações como sendo o eu … Ele não considera a
consciência como sendo o eu, ou o eu como possuído de consciência, ou a
consciência como estando no eu, ou o eu como estando na consciência. Essa
consciência muda e se altera. Com a consciência mudando e se alterando, a sua
consciência não se preocupa com essa mudança. Estados mentais agitados nascidos
da preocupação com a mudança da consciência não surgem ao mesmo tempo e não
permanecem obcecando a mente. Como a mente dele não está obcecada, ele não fica
ansioso, angustiado e preocupado e devido ao não apego ele não se torna
agitado. Assim é como existe a não agitação devido ao não apego.
22.
“Amigos, quando o Abençoado se levantou do seu assento e foi para a sua moradia
depois de expor um sumário sem analisar o seu significado em detalhe, isto é:
‘Bhikkhus, um bhikkhu deve examinar as coisas de uma tal forma que enquanto as
examina, a sua consciência não fique distraída e dispersa externamente nem
estabelecida internamente, e por não se apegar a nada ele não fique agitado,
dessa maneira não irá ocorrer nele a
origem do sofrimento – o nascimento, envelhecimento e morte no futuro,’ é assim
como eu entendo o significado em detalhe. Agora, amigos, se vocês quiserem,
podem ir até o Abençoado e perguntar qual o significado disso. Exatamente
aquilo que o Abençoado explicar é o que vocês deverão se lembrar."
23. Então
os bhikkhus, tendo se alegrado e se deliciado com as palavras do venerável Maha
Kaccana, levantaram-se dos seus assentos e foram até o Abençoado. Após
cumprimentá-lo, eles sentaram a um lado e relataram ao Abençoado aquilo que
havia ocorrido depois que ele havia partido, adicionando o seguinte:
"Então, venerável senhor, fomos até o venerável Maha Kaccana e lhe
perguntamos sobre o significado. O venerável Maha Kaccana nos explicou o significado
com estes termos, afirmações e frases."
24.
"Maha Kaccana é sábio, bhikkhus, Maha Kaccana possui muita sabedoria. Se
vocês me tivessem perguntado o significado, eu teria analisado da mesma forma
que Maha Kaccana analisou. Esse é o significado e é assim como vocês deverão se
lembrar."
Isso foi o que disse o Abençoado. Os bhikkhus ficaram satisfeitos e
contentes com as palavras do Abençoado.
Notas:
[1] É estranho que o Buda, tendo anunciado que iria ensinar um sumário e
a análise, apenas tenha exposto o sumário sem analisá-lo. Em outros
suttas o Buda também parte inesperadamente depois de fazer um enunciado
enigmático (ex. no MN 18), embora nessas ocasiões ele
não tenha declarado a sua intenção de fazer uma análise. MA não oferece uma
explicação para isso. [Retorna]
[2] MA: A consciência é ‘distraída e dispersa externamente,’ isto é,
dentre os objetos externos, quando ela ocorre através do apego a um objeto
externo. [Retorna]
[3] MT: A forma em si é chamada de o sinal da forma (rupanimita) no
sentido de que é a causa para o surgimento das impurezas. A pessoa “segue atrás
dela” por meio do desejo. [Retorna]
[4] MA: A mente está ‘estabelecida internamente’ por meio do apego a um
objeto interno. O próprio texto do sutta faz a mudança de viññana mencionado
no sumário do Buda para citta na explicação de Maha Kaccana.
De acordo com Ajaan Bramali a versão do Majjhima Agama deste sutta menciona "não estabelecida internamente" que é o contrário da versão em Pali. A versão dos Agamas faz mais sentido no contexto deste sutta e parece que a versão em Pali contém um erro de transmissão. Em resumo, se a mente "seguir atrás, estiver atada, presa, agrilhoada e vinculada" aos prazeres dos estados de jhana então a mente não será capaz de alcançar os estados de jhana ou se "estabelecer internamente". [Retorna]
[4A] A versão do Majjhima Agama menciona "estabelecida internamente". Retorna]
[5] Todas as edições conhecidas do MN 138 em Pali
indicam neste trecho anupada paritassana, literalmente “agitação devido
ao não apego,” o que obviamente contradiz tudo aquilo que o Buda ensinou de
forma consistente: de que a agitação surge do apego e cessa com a remoção do
apego. Um sutta no Samyutta Nikaya (SN XXII.7), é
virtualmente idêntico a este trecho do MN 138, exceto que ali a leitura é, como
seria esperado, upada paritassana, “agitação devido ao apego.” Do texto
do Samyutta podemos com segurança inferir que a leitura do Majjhima é um antigo
erro que deve ser desconsiderado. O trecho mencionado aqui está baseado no
texto do sutta do Samyutta Nikaya. [Retorna]
[6] MA explica a frase incomum paritassana dhamasamuppada
como “a agitação do desejo e o surgimento de outros estados inábeis.” [Retorna]
[7] A agitação portanto resulta da ausência de qualquer essência
permanente nas coisas, que poderia proporcionar um refúgio para evitar o
sofrimento causado pela mudança e instabilidade destas. [Retorna]
[8] Esta frase é a mesma em ambas, a versão do Majjhima e do Samyutta. [Retorna]
Revisado: 8 Setembro 2012
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