Perguntas e Respostas
Por
Ajaan Dtun
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Estes ensinamentos de Tan Ajaan Dtun fizeram parte de um retiro de meditação para leigos, realizado na Austrália, em Março de 2005.
Pergunta: Desde a sua ordenação, o que e quanto você estudou? Quanto de leitura e estudo você recomendaria para os praticantes?
Ajaan Dtun: Desde quando comecei a praticar, estudei principalmente este corpo e mente. Quanto à leitura, quase não li nada e não recomendo muito estudo formal do Dhamma. Não é necessário, enquanto que bhavana (prática de meditação ou o cultivo da mente) é necessária. Se alguém for capaz de usar a leitura como meio para tornar a mente pacífica, isso é ótimo. Por exemplo, se a mente não sossega, talvez ler algumas páginas de um livro apropriado vai ajudar a torná-la mais calma. Mas, em seguida, a pessoa deve voltar para a meditação. Se forem feitos muitos estudos teóricos, isso pode se tornar um obstáculo para o desenvolvimento da meditação. Ao meditar, a mente pode começar a se perguntar se isso é upacara samadhi (concentração de acesso) ou jhana (absorção meditativa). A mente tenta comparar a experiência atual com o que foi estudado nos textos e isso pode dificultar ou impedir o insight ou evitar que a mente aprofunde a tranqüilidade.
No entanto, recomendo a leitura das biografias dos mestres da tradição das florestas, uma vez que isso pode ser tanto inspirador como educativo, para ver como eles praticavam e como viveram as suas vidas.
Pergunta: Quão essencial é a contemplação do corpo? O Venerável Ajaan Chah não ensinava simplesmente "abrir mão/abandonar"?
Ajaan Dtun: É essencial investigar o corpo para ver a mente com clareza. Às vezes as pessoas tomam os ensinamentos de Luang Por Chah começando do final do caminho e esquecem as instruções para o início. Se alguém não superou todo apego ao corpo, é impossível investigar a mente com clareza. A investigação dos satipatthanas citta e dhamma (os fundamentos da atenção plena: mente e objetos mentais) é o caminho da prática para anagamis.
Antes disso, esses fatores podem ser investigados, mas apenas superficialmente. Às vezes ouvimos as pessoas dizerem: 'As kilesas estão na mente, não no corpo, por isso é a mente que deve ser contemplada.' Mas é só superando o apego ao corpo que os demais khandhas tornam-se claros.
Sem investigar o corpo como elementos, como asubha, como trinta e duas partes, o praticante não será capaz de realizar o estado de sotapanna. Mesmo aqueles com muitos paramis, como Luang Por Tate e Luang Ta Maha Boowa, tiveram que ir através do corpo para realizar o caminho.
É importante notar que na cerimônia de ordenação para se tornar um monge Budista, o preceptor deve instruir o candidato sobre os cinco principais objetos de meditação: cabelos, pêlos do corpo, unhas, dentes e pele. Se essa instrução não for dada a ordenação não será válida. E por que? Porque o Buda sabia que ao não instruir um candidato sobre esses temas tão essenciais essa seria a causa para que a vida santa dessas pessoas fosse infrutífera, ou mais precisamente, elas não iriam realizar os nobres caminhos, nem os seus frutos, e tampouco nibbana.
Pergunta: Qual a profundidade que deve ser praticada a atenção plena na vida diária?
Ajaan Dtun: Estar continuamente ciente dos objetos mentais ao longo do dia é um apoio essencial para a prática da meditação, mas é samadhi que dá a força para que sati se estabeleça com firmeza. Se estivermos atentos durante todo o dia, deixando de lado os objetos mentais na medida em que estes surgem, então, quando nos sentamos em meditação, a mente se torna profundamente pacífica com mais facilidade. No entanto, esse tipo de atenção e deixar de lado é como podar os galhos de uma árvore: não importa o quanto os galhos sejam podados, eles voltam a crescer novamente. Para arrancar a árvore por completo, é necessário o desapego da identificação com o corpo como sendo "eu" ou "meu". Experimentei durante algum tempo apenas observar os objetos mentais: num dia surgia a atração por objetos dos sentidos e eu focava a minha atenção naquilo, resultando na cessação do deleite. Mas no dia seguinte, surgia o deleite por outros objetos. Não há um fim nisso. No entanto, com a contemplação do corpo, há um fim.
Pergunta: Quando recomendo que pratiquem a contemplação do corpo, alguns dizem: "Isso é apenas uma forma válida de prática, mas outras formas são igualmente boas. Dizer que apenas um caminho levará à realização é uma visão estreita. Luang Por Chah ensinava praticar de um modo mais aberto e amplo do que isso, empregando reflexões como: 'Não se apegue' ou 'Não é seguro.'" Como você responderia a isso, Ajaan?
Ajaan Dtun: Se eu não sentir que as pessoas estão abertas e receptivas para serem ensinadas, eu não digo quase nada. É mais fácil remover uma montanha do que mudar o apego das pessoas às suas idéias. Em vinte ou trinta anos, uma montanha enorme pode gradualmente ser destruída, mas a opinião das pessoas pode permanecer firmemente fixa por toda uma vida, por muitas vidas. Aqueles que dizem que a contemplação do corpo é um caminho estreito, estão eles mesmos presos no pensamento estreito. Na verdade, a contemplação do corpo é muito ampla e leva a uma grande liberdade devido ao verdadeiro insight.
Baseado na minha experiência, e vendo os resultados dos outros nas suas práticas, é impossível realizar o Dhamma, atingindo pelo menos o estado de sotapanna, sem desenraizar a fundo, completamente, a identificação com o corpo. Mesmo Luang Pu Tate e Luang Ta Maha Boowa, monges com muitos paramis e atenção refinada ao longo do dia, tiveram que começar do começo e contemplar o corpo até realizarem o Dhamma. Também não é suficiente contemplar apenas ocasionalmente. Os grandes mestres da tradição das florestas tiveram que contemplar repetidamente. Os resultados obtidos estiveram de acordo com os seus paramis e o esforço dedicado. Não é suficiente simplesmente estar atento às posturas do corpo. É necessário treinar para tornar-se um perito em ver o corpo como asubha. Quando alguém tenha se tornado proficiente nesse treinamento, ao ver as outras pessoas, especialmente alguém do sexo oposto, a percepção de asubha é imediatamente trazida para a mente para combater quaisquer kilesas que surjam. O corpo deve ser repetidamente dividido em partes ou visto profundamente como impermanente, para que surja o insight. É possível realizar o primeiro estágio do caminho através da contemplação da morte do próprio corpo. Quando se obtém maestria, a contemplação do corpo é incrível e maravilhosa em todas as formas - não é estreita de maneira alguma. Onde quer que Luang Pu Mun fosse, ele contava com a contemplação do corpo para manter o seu coração leve e tranquilo.
Muitos monges com muitos paramis afirmam que as suas mentes permanecem continuamente leves e luminosas, que as kilesas não surgem de modo algum ou apenas de forma sutil, e que eles vêm o Dhamma. Eles afirmam verem tudo surgindo e desaparecendo e que não têm apego por nada - assim eles não vêem nenhuma necessidade de investigar o corpo. No entanto, isso é apenas samadhi, estar preso em samadhi, estar apegado a uma auto-imagem de ser iluminado, de ser alguém que entende o Dhamma. Mas eles ainda estão presos no samsara sem nada que os impeça de cair em mundos inferiores no futuro. As kilesas são muito ardilosas e espertas. Se alguém investigar a prática das pessoas verdadeiramente iluminadas, verá que todas seguiram o caminho da contemplação do corpo.
O próprio Luang Por Chah praticava dessa forma. Ele ensinava a prática de asubha - especialmente a investigação dos cabelos, pêlos do corpo, unhas, dentes e pele, ou ver o corpo como um cadáver podre - mas ele ensinava isso de modo mais seletivo, para indivíduos específicos. Publicamente ele não tendia a enfatizar tanto quanto alguns dos outros mestres da tradição das florestas. Penso que ele percebia que a maioria das pessoas não estavam prontas para isso. Elas ainda precisavam trabalhar a atenção plena como base para o desenvolvimento de samadhi, assim no geral ele ensinava "abrir mão".
Não é correto dizer que Luang Por Chah não ensinava a contemplação do corpo.
Se a mente não estiver concentrada, a contemplação do corpo será superficial. No entanto, mesmo assim é necessário familiarizar-se com o corpo desde o início. Depois, gradualmente os nimittas (imagens e percepções da natureza do corpo como asubha, anicca, dukkha, anatta) irão surgir.
Pergunta: Quando deve-se investigar o próprio corpo e quando o corpo dos outros?
Ajaan Dtun: No início, em geral é mais fácil contemplar os corpos dos outros, porque há tanto upadana envolvido no nosso relacionamento com o nosso próprio corpo. No entanto, tendo-se tornado hábil na contemplação externa (por exemplo, através da contemplação de esqueletos ou ver as outras pessoas como esqueletos), o praticante traz isso para o seu próprio corpo. Se o praticante já tiver nimittas (imagens mentais/visões) do seu próprio corpo, então não há necessidade de contemplar os corpos dos outros. Presenciar autópsias produz muito menos impacto na mente do que os nimittas internos.
Pergunta: Como alguém sabe se tem samadhi suficiente para contemplar o corpo?
Ajaan Dtun: Samadhi é o apoio fundamental sobre o qual a sabedoria é desenvolvida. Para desenvolver a concentração, traga a atenção para focar num objeto de meditação com o qual você se sinta confortável, sem gerar nenhuma expectativa ou desejo de resultados. Faça com que a mente fique o mais tranqüila possível, sem ter qualquer tipo de pensamento com relação a qual nível de concentração foi atingido: "Este é o primeiro ou segundo jhana ... ?" Acredite em mim, não há sinais que surgem para lhe avisar, então não procure por algum. Se você for capaz de fazer com que a sua mente fique em paz, então permita que a mente descanse nessa paz. Quando a mente começar a se retirar do estado de paz, o processo dos pensamentos é retomado gradualmente. É nesse momento que podemos praticar a contemplação do corpo, em vez de permitir que a mente pense sem rumo. Alguns meditadores não são capazes de fazer com que a mente fique tão pacífica, mas mesmo assim eles serão capazes de contemplar o corpo.
Na verdade, a maneira mais fácil de ver se há concentração suficiente é simplesmente tentar contemplar. Se a atenção plena for firme o suficiente para manter a mente no objeto de atenção, sem que a mente se desvie com os pensamentos que surgem, então isso mostra que há concentração suficiente, ou força na mente para o trabalho de contemplação. Se, no entanto, a mente continua a vaguear com todo tipo de pensamentos, então isso mostra claramente que a mente ainda não está forte o suficiente para realizar o trabalho. Então o praticante deve retornar para o desenvolvimento de uma melhor concentração para ajudar a fortalecer a atenção plena.
Desenvolver a concentração não é diferente de um atleta que treina musculação para tornar o seu corpo mais forte. O atleta começa com pesos leves e na medida em que se fortalece, gradualmente passa para pesos mais pesados. Da mesma forma, o praticante freqüentemente pratica meditação sentada e andando para desenvolver a atenção plena e a concentração, a fim de ter a força necessária para a contemplação.
Alternativamente, podemos comparar o desenvolvimento da concentração com o ato de afiar uma faca de cozinha. Tendo afiado uma faca, tomamos alguns legumes ou carne que precisam ser cortados. Se o corte dos alimentos com a faca for fácil e exigir pouco esforço, isso nos diz que a faca está afiada o suficiente para a tarefa em mãos. Mas se cortar os alimentos exige um grande esforço, com muitas tentativas, iremos concluir que a faca não está à altura da tarefa, e por isso deve ser afiada novamente. Desenvolver a concentração é a mesma coisa. Se samadhi for forte, pode ser comparado a uma faca afiada. Quando se trata de contemplar o corpo, a mente vai cortar de modo incisivo o seu objeto de contemplação, permitindo a mente ver claramente e compreender esse objeto. No entanto, se a tentativa de contemplar prova ser uma luta difícil, devido à mente não aceitar a tarefa dada, ou ainda se ainda existem muitos pensamentos alheios que se deslocam através da mente, então isso mostra claramente que falta força para a atenção plena e concentração. É preciso, portanto, fortalecê-la com mais desenvolvimento da concentração; isto é, afiamos a faca novamente. Lembrem-se sempre que, se tudo que vocês fizerem for afiar a faca, sem nunca usá-la, a faca não terá nenhum uso. No entanto, se tudo que vocês fizerem for usar a sua faca, sem nunca afiá-la, então, em última análise, a faca também não será de nenhuma utilidade.
Pergunta: Poderia explicar a contemplação da morte, como fazê-la e com que freqüência? É possível realizar o Dhamma através da contemplação da morte, e em caso afirmativo, até qual estágio?
Ajaan Dtun: Em relação à prática em si, podemos considerar a morte muitas vezes durante o dia, dependendo do tempo e das oportunidades, mas no mínimo devemos contemplar a morte uma vez por dia. Isso pode ser feito até mesmo como parte da rotina diária. Por exemplo, se estamos viajando em um carro e vemos um animal que tenha sido atropelado, colocado morto à beira do caminho, veremos que ele é feito de carne, ossos e outras coisas mais, que eventualmente irão se decompor e separar. Então, podemos voltar essa contemplação para dentro, para nós mesmos, para o nosso próprio corpo, percebendo que somos exatamente da mesma natureza. Se um amigo ou parente morre e vamos ao seu funeral, não devemos ir pensando que é um evento em que vamos encontrar velhos amigos. Devemos pensar na vida dessa pessoa que morreu, o curso que a sua vida tomou e ver que por fim ela acabou nesse estado. Ela será enterrada no solo ou cremada até as cinzas. Algumas pessoas são mais velhas do que nós, outras são mais jovens, e ainda assim morrem. Portanto, temos de voltar para nós mesmos e contemplar, percebendo que finalmente vamos acabar igual - aguardando o sepultamento ou pronto para ser cremado.
Contemplamos a morte a fim de nos lembrarmos de não sermos negligentes nas nossas vidas, procurando desenvolver e praticar a virtude o tanto quanto possível durante o tempo que ainda temos de vida. Assim, no decorrer da nossa prática mantemos os preceitos, desenvolvemos em nossas mentes a virtude, meditação e sabedoria. Se incluirmos a contemplação da morte e lhe dermos bastante ênfase, seremos capazes de ver e compreender o Dhamma no nível de um sotapanna, o primeiro estágio da iluminação, sem ter que contemplar as trinta e duas partes do corpo, os quatro elementos, ou asubha. No entanto, se almejamos alcançar uma realização superior, temos de voltar a contemplar as trinta e duas partes do corpo, ou os quatro elementos, ou asubha.
Houve um tempo, quando eu ainda era um leigo, em que praticava a contemplação da morte. Isso realmente acelerou a minha decisão pela ordenação. Pensei que se desse seguimento aos meus estudos e depois começasse uma carreira, se acontecesse de morrer de repente, seja por motivo de doença ou por algum acidente, eu não teria desenvolvido virtude e bondade em nenhuma medida real. Havia esse medo de que se a morte viesse eu não teria feito ações benéficas o suficiente, ou cultivado a virtude o suficiente na minha vida. Então, finalmente, depois de ter refletido sobre a minha vida dessa forma, e tendo pensado na possibilidade de uma futura ordenação, aconteceu por pura coincidência, que numa certa noite, peguei um livro do Dhamma abrindo-o nas últimas palavras do Buda. O Buda disse: “Dessa forma, bhikkhus, eu os encorajo: todas as coisas condicionadas estão sujeitas à dissolução. Esforcem-se pelo objetivo com diligência” (Mahaparinibbana Sutta). Lendo isso, e contemplando o seu significado, decidi renunciar à vida laica e me ordenar.
Uma vez ordenado eu estava muito decidido, extremamente determinado na minha prática. Todos os dias, pelo menos uma vez ao dia, eu considerava a morte. A contemplação da morte e ter essa consciência muito presente em minha mente era algo firmemente estabelecido. Às vezes pela manhã, ao acordar, eu pensava comigo mesmo: 'Então ainda não morri' para então dizer a mim mesmo que viveria apenas aquele dia e noite. Por exemplo, se eu fosse descansar às 22 horas, então essa era a hora que eu iria morrer - às 22 horas; ou se eu fosse descansar às 23 horas, então eu iria morrer às 23 horas. Isso é algo que realmente estimula a mente e energiza a prática. Naqueles dias em Wat Pah Pong a campainha era tocada às 3 da manhã e a recitação era às 3:30 ou 4:00, dependendo se a meditação sentada seria antes ou depois da recitação. À noite havia uma reunião que começava às 19 horas. No entanto eu queria me beneficiar da situação, então me levantava às 2 da manhã e contemplava e focava na morte até que houvesse a clara consciência da sua presença no meu coração.
Naqueles dias eu não descansava durante o dia. Nos reuníamos no período da manhã para uma meditação em grupo, mas o restante do tempo era tempo livre para a prática individual, que, no meu caso, eu usava alternando entre a meditação sentada e andando. Normalmente eu ia descansar às 22 horas, apenas descansando por 4 horas. Alguns dias eu descansava às 23 horas e acordava às 3 da manhã. Naqueles dias em Wat Pah Pong, nos dias de uposatha, praticávamos durante a noite toda, meditando em pé, andando ou sentado, sem deitar.
Cerca de oitenta por cento do tempo essa é a maneira que eu costumava praticar meditação. Outros dez por cento do tempo eu praticava com ainda mais diligência e só descansava 2 ou 3 horas à noite. E os dez por cento restante, era depois de manter-me num período de talvez cinco a dez dias de prática extenuante, o meu corpo se sentia cansado e fraco, e assim eu descansava um pouco no período da tarde, talvez por trinta a quarenta minutos.
A contemplação da morte fez com que nunca mais quisesse pensar no amanhã. Mesmo assim, quando estava recém ordenado, ainda tinha dúvidas com relação ao futuro, mas sempre houve essa consciência lembrando o meu coração de que eu poderia morrer naquela noite, então para que pensar no amanhã? Tais pensamentos nos trazem de volta para o momento presente. Como conseqüência, a proliferação mental com relação ao futuro - amanhã, a próxima semana, o próximo mês, e assim por diante - gradualmente desacelera e diminui até que, eventualmente, só temos a atenção plena firmemente estabelecida no momento presente.
Poderia ser comparado a uma bola lançada contra uma parede. Quando lançada, a bola não penetra na parede. No nosso caso, quando permitimos que a mente continue a pensar sobre o futuro seria como se a bola penetrasse e continuasse entrando na parede. Mas se tivermos uma parede forte, ou seja, a atenção plena na morte, uma vez que a bola bata, ela simplesmente irá rebater, e assim a mente está sempre voltada para o momento presente.
Essa foi a causa para que eu fosse capaz de fazer com que a minha mente ficasse tranquila com mais facilidade, e a mente ficava assim tranquila quase todo o tempo. Portanto, peço que todos vocês desenvolvam essa prática de marananussati, a contemplação da morte. Considerem-na todos os dias. A contemplação da morte não é praticada para dar origem ao medo, mas para tornar-nos diligentes. Ao fazer isso, não estaremos mais perdidos, ou deludidos, pelo mundo; não estaremos mais descuidadamente presos ao mundo.
Pergunta: Eu prometi à minha mãe que ficarei com ela, para ajudá-la quando ela estiver prestes a morrer. Você pode me aconselhar sobre como posso ajudá-la em seus momentos finais?
Ajaan Dtun: Neste momento, enquanto ela ainda está viva, você deveria oferecer-lhe a melhor assistência possível. Ao fazê-lo você estaria pagando um pouco da sua dívida de gratidão, pois ela lhe cuidou desde quando você estava no seu ventre e durante toda a sua vida até a idade adulta. Essa dívida de gratidão que temos com os nossos pais é imensa. Às vezes podemos tentar pagá-la durante toda a nossa vida e ainda ser incapaz de fazê-lo completamente.
Antes de ser ordenado, às vezes eu pensava que iria trabalhar e tentar ajudar o meu pai financeiramente; no entanto, eu acabei me ordenando e por isso algumas vezes pensava: 'Como é que vou pagar para o meu pai a minha dívida de gratidão?' Eu sentia que mesmo se encontrasse dinheiro, riqueza e posses para lhe dar, eu ainda assim seria incapaz de pagar integralmente a minha dívida. Então, descobri um atalho: eu o encorajei para que ele viesse e se ordenasse, de modo que eu seria capaz de cuidar bem dele, satisfazendo as suas necessidades na medida em que ele ficasse mais velho e também dando-lhe conselhos sobre o Dhamma. Senti que se pudesse lhe dar um bom conselho sobre a prática do Dhamma, isso pagaria a minha dívida de gratidão completamente. Meu pai era uma pessoa que tinha idéias benéficas e uma forte fé nos ensinamentos do Buda, então ele se ordenou e viveu comigo por 16 anos. Ele morreu faz cerca de dois anos e pude conversar com ele até os seus últimos momentos. Sinto que fui realmente capaz de pagar a minha dívida.
Se procurarmos como pagar a nossa dívida para com os nossos pais nas coisas materiais e na riqueza, não poderemos pagá-la completamente. A maneira de fazer isso é dar o Dhamma aos nossos pais e colocá-los no caminho certo na prática Dhamma. Essa é a maneira de pagar nossa dívida de gratidão.
Se você tem esse senso de gratidão para com a sua mãe, isso é muito bom. Você deve ter o maior cuidado com ela. Agora, você deve ensiná-la a praticar a meditação. Se ela mostra forte apego ao corpo, ensine maneiras de gradualmente abrir mão desse apego. Ensine-a a contemplar a verdade de que esse nosso corpo não está sob o nosso comando, e que é o desequilíbrio dos elementos do corpo que faz com que o envelhecimento, enfermidade e morte ocorram. Ela deve contemplar dessa forma para tranqüilizar a mente, praticando quando houver tempo disponível. Quando o momento da morte chegar, você deve instruí-la a usar a atenção plena e a sabedoria para contemplar o corpo de modo a não criar apego, mas sim deixá-lo seguir o seu curso natural. Tendo pacificado a mente, ela deve, então, focar no seu objeto de meditação.
Todos nós aqui nesta sala deveríamos praticar essa contemplação da morte, não deixá-la até o momento em que a morte venha. Basta olhar para os pugilistas: eles têm que treinar antes de subir ao ringue para a luta real, eles não vão sem terem treinado. Os atletas também devem treinar antes de competir. O mesmo vale para nós: temos que praticar e obter a compreensão da morte antes da morte surgir. Conseqüentemente, temos que praticar contemplando o corpo e a morte todos os dias.
Pergunta: Você poderia explicar todas as etapas do desapego das kilesas? Além disso, você pode por favor explicar o estado mental de alguém que alcançou os estágios do despertar, e qual deve ser o objeto de meditação para cada um desses estágios?
Ajaan Dtun: Para explicar tudo isso exigiria muito tempo, por isso vou apenas fazê-lo brevemente.
Dizemos que o abandono de uma parte das kilesas é a realização do sotapanna, aquele que entrou na correnteza; o abandono de uma segunda parte das kilesas é a realização de sakadagami, aquele que retorna uma vez; o abandono de uma terceira parte das kilesas é a realização de anagami, aquele que não retorna; e o abandono de uma quarta, e última parte, das kilesas é a realização de arahant, um ser totalmente iluminado.
Agora, para a segunda parte da questão: 'explicar o estado mental de alguém que alcançou os estágios do despertar.' O sotapanna é alguém que, em certa medida, abandonou o apego ao corpo por perceber claramente que este corpo não é a mente e que a mente não é o corpo. A kilesa da cobiça foi diminuída em certa medida pelo fato de que as ações e a linguagem estão sempre dentro dos limites dos cinco preceitos ou, se for um monástico, dentro dos limites dos oito, dez ou 227 preceitos. Os sotapannas estão satisfeitos com aquilo que possuem. Isso não significa que eles não têm interesse em fazer alguma coisa, mas sim, que eles vão aplicar a sua atenção plena e sabedoria para quaisquer tarefas, trabalho ou responsabilidades que possam ter, realizando-as de acordo com o melhor de sua capacidade. A kilesa da raiva também é enfraquecida por conta de que suas propriedades mais fortes - a má vontade e a vingança - foram completamente abandonadas, para nunca mais voltar. Para um sotapanna a raiva irá se manifestar na forma de insatisfação ou descontentamento. Eles podem abandonar isso muito rapidamente visto que no seu coração não há nenhum resíduo intenso de raiva, má vontade. Eles continuamente cultivam o amor bondade e o perdão nos seus corações.
Um sotapanna não tem medo da enfermidade ou da morte, pois ele contempla a morte antes que esta surja. Isto é semelhante ao que Ajaan Chah costumava ensinar ao dizer para ver algo como estando quebrado antes de realmente estar. Por exemplo, se alguém nos dá uma xícara muito bonita, temos que compreender que um dia, mais cedo ou mais tarde, essa xícara irá quebrar. Sabemos que é um objeto bonito, mas ao mesmo tempo temos a consciência de que essa xícara irá quebrar algum dia. Então usamos a xícara, cuidamos bem dela, lavamos e secamos, e assim por diante, mas no dia em que a xícara quebre, não temos qualquer sentimento de tristeza ou arrependimento, porque já tínhamos concebido a quebra antes que ela realmente ocorresse. A atenção plena e a sabedoria de um sotapanna funciona exatamente da mesma maneira: ele vê a quebra, ou a morte do corpo, antes que a morte realmente ocorra.
Também um sotapanna intencionalmente não transgride nenhum dos cinco preceitos. Suponha que alguém traga um frango ou um pássaro e tente forçá-lo a matá-los, dizendo: 'Se você não matar esse animal eu irei matar você.' O sotapanna irá optar por não matar o animal, mas sim aceitar a ser morto. Esta é uma das características de um sotapanna: a forte convicção de que eles não vão realizar nenhuma ação prejudicial, imoral, porque eles sabem o dano ou perigo do kamma prejudicial. Portanto, para um sotapanna, essa qualidade de manter os cinco preceitos é automática ou natural. As contaminações mentais que foram abandonadas não voltam. Leigos também podem alcançar esse nível, se continuarem a desenvolver o caminho da virtude, concentração e sabedoria. Monges seguem exatamente a mesma prática: desenvolvendo sila, samadhi e pañña - virtude, concentração e sabedoria.
Ok então, provavelmente isso é o suficiente por hoje.
Revisado: 1 Novembro 2014
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