3. Os Frutos de Kamma
Conteúdo:
Resultados de kamma em
diferentes níveis
Fatores que afetam a geração dos
frutos de kamma
Compreendendo o processo de geração dos frutos
Frutos de kamma a longo prazo –
Paraíso e Inferno
Resumo: confirmando vidas
futuras
Os frutos de Kamma no
Culakammavibhanga Sutta
Resultados
de kamma em diferentes níveis
Provavelmente o aspecto mais mal compreendido de todo o tema de kamma
seja a forma como os resultados são produzidos, tal como sumariado no
princípio, “Boas ações trazem bons resultados, ações ruins trazem resultados
ruins.” Será mesmo verdade? Para alguns, parece que no “mundo real” existem
muitos que obtêm bons resultados de ações ruins e resultados ruins de boas
ações. Esse tipo de entendimento surge a partir da confusão entre a
“Preferência Social” e a lei de kamma. A confusão pode ser vista com facilidade
pela forma como as pessoas compreendem mal até mesmo o significado das palavras
“boas ações trazem bons resultados.” Ao invés de compreender o significado como
sendo “ao realizar boas ações, existe a bondade,” ou “boas ações trazem bons
resultados de acordo com a lei de kamma,” elas assumem que o significado seja
“boas ações resultam em coisas boas.”
Tendo isso em mente, analisemos o assunto um pouco mais a fundo.
O tema que causa dúvida é a distinção, e a relação, entre a lei de kamma
e a preferência social. Para esclarecer este ponto, consideremos primeiro a
geração dos frutos de kamma em quatro níveis distintos:
1. O nível interno, mental: os resultados que kamma produz dentro da
mente sob a forma de tendências acumuladas, tanto hábeis como inábeis, e a
qualidade da mente, as suas experiências de felicidade, sofrimento e assim por
diante.
2. O nível físico: o efeito que kamma tem sobre o caráter, maneirismos,
atitudes, tendências comportamentais. Os resultados neste nível são derivados
do primeiro nível e os seus campos pertinentes se sobrepõem, mas aqui eles são
considerados em separado para esclarecer melhor a forma como esses dois níveis
afetam as experiências de vida.
3. O nível das experiências de vida: como kamma afeta os eventos da
vida, produzindo tanto experiências desejáveis como indesejáveis;
especificamente, eventos externos como a prosperidade e o declínio, o fracasso
e o sucesso, a riqueza, status, felicidade, sofrimento, elogio e crítica. Esse
conjunto é conhecido como lokadhamma
(condições mundanas). Os resultados de kamma neste nível podem ser
divididos em dois tipos:
.aqueles que surgem de causas ambientais, não
humanas.
.aqueles que surgem de causas relacionadas com outras pessoas e a
sociedade.
4. O nível social: os resultados do kamma individual e coletivo na
sociedade, conduzindo à prosperidade social ou ao declínio, harmonia ou discórdia.
Isto também inclui os efeitos da interação humana com o ambiente.
Os níveis 1 e 2 se referem aos resultados que afetam a mente e o
caráter, que são os campos nos quais a lei de kamma é dominante. O terceiro
nível é onde a lei de kamma e a preferência social se encontram e é neste ponto
que a confusão surge. Esse é o problema que consideraremos a seguir. O quarto
nível, kamma no plano social, será examinado no capítulo seguinte.
Ao pensar no significado das palavras “boas ações trazem bons resultados,
ações ruins trazem resultados ruins,” a maioria das pessoas tende a observar
apenas os resultados produzidos no terceiro nível, aqueles de fontes externas,
ignorando por completo os resultados nos níveis um e dois. No entanto, esses
dois primeiros níveis têm importância crucial, não somente por eles
determinarem o bem estar mental, força interior ou deficiências, a maturidade
ou fraqueza das faculdades, mas também pelo seu potencial de determinação dos
eventos externos. Isso quer dizer que aquela porção dos resultados no terceiro
nível que fazem parte do domínio da lei de kamma são derivados dos resultados
de kamma no primeiro e segundo níveis.
Por exemplo, os estados mentais que são resultados de kamma no primeiro nível
– interesses, preferências, tendências, métodos para encontrar a felicidade ou
como lidar com o sofrimento – irão influenciar não somente a forma como
encaramos as coisas, mas também as situações para as quais somos atraídos,
reações e decisões que tomamos ou nosso estilo de vida e as experiências ou
resultados com os quais nos deparamos.
Eles afetam a atitude que adotamos em relação às experiências da vida,
que por sua vez irá afetar o segundo nível (tendência comportamental). Isto por
outro lado fomenta a forma como as atividades mentais (o primeiro nível) afetam
os eventos externos (o terceiro nível). A direção, estilo ou método adotado
numa ação, a persistência, os obstáculos específicos em vista dos quais cedemos
e diante dos quais persistimos, incluindo a probabilidade de sucesso, são todos
influenciados pelo caráter e pela atitude. Isso não quer dizer que outros
fatores sejam negados, em particular os fatores ambientais e sociais que afetam
uns aos outros e que exercem influência sobre nós, mas aqui estamos mais
preocupados em observar o processo de kamma.
Embora os eventos da vida sejam em grande parte derivados dos efeitos da
lei de kamma no nível pessoal (físico e mental), esse nem sempre é o caso. Um
funcionário público honesto e capaz, por exemplo, que tenha se empenhado no seu
trabalho terá a expectativa de avançar na sua carreira, pelo menos mais do que
aquele que seja ineficiente e incapaz. Mas algumas vezes isso não ocorre. Isso
porque os eventos na vida não estão totalmente sujeitos à lei de kamma. Existem
fatores de outros niyama e outros sistemas de valores envolvidos,
particularmente da preferência social. Se apenas houvesse a lei de kamma
operando então não haveria problema, os resultados surgiriam em correspondência
direta com o kamma em questão. Mas observar apenas a influência de kamma, com a
exclusão dos demais fatores, e não fazer a distinção entre as leis da natureza
e a preferência social concernente, causa confusão, e é exatamente isso que
pode gerar a idéia de que “boas ações trazem resultados ruins e ações ruins
trazem bons resultados.”
Por exemplo, pode-se esperar que um estudante escrupuloso, aplicado nas
suas tarefas, adquira conhecimento. Mas poderá ocorrer que em algumas ocasiões
ele esteja exausto fisicamente ou que tenha uma dor de cabeça, ou que o tempo,
ou algum acidente interrompa os seus estudos. Qualquer que seja o caso, podemos
sempre afirmar que em geral a lei de kamma é o principal fator determinante
para as experiências boas e ruins na vida.
Vamos agora analisar e corrigir alguns dos mal-entendidos com relação à
geração de frutos de kamma tomando como referência os textos budistas. A frase
que os Tailandeses gostam de repetir, “boas ações trazem bons resultados, ações
ruins trazem resultados ruins,” provém de uma afirmação do Buda,
Yadisam vapate bijam Tadisam labhate phalam
Kalyanakari kalyanam Papakari ca papakam
Que pode ser traduzido como:
Qualquer tipo de semente semeada,
esse é o tipo de fruto que será colhido:
quem faz o bem colhe o bem;
quem faz o mal colhe o mal.
[SN.I.227] (SN XI.10)
Esse trecho expressa de forma bastante sucinta e clara a doutrina de
kamma Budista. (Note que neste caso o Buda emprega bijaniyama, a lei de
hereditariedade). Ao considerar essa ilustração, podemos dirimir toda a
confusão com relação à lei de kamma e a preferência social.
Em outras
palavras, a frase, “Como a semente, assim a fruta,” explica a lei da natureza
relativa às plantas: se for plantado tamarindo, você obterá tamarindo; se uma
parreira for plantada, você obterá uvas; se for plantada alface, você obterá
alface. Não há em absoluto nenhuma referência em termos de preferência social,
tal como se disséssemos “se for plantado tamarindo, você obterá dinheiro,” ou
“plantar alface fará com que você fique rico,” que são estágios diferentes no
processo.
Bijaniyama e a preferência social passam a
relacionar-se quando, tendo plantado uma parreira, por exemplo, e obtido uvas e
sendo o momento propício para as uvas, você as vende por um bom preço e nesse
ano fica rico. Mas em outra ocasião, você planta melancias e obtém uma boa
colheita, mas naquele ano todos plantaram melancia, a oferta excede a demanda e
o preço das melancias despenca. Você tem um prejuízo e tem que se desfazer de
uma grande quantidade de melancias.
Além do fator
de demanda do mercado, pode haver também outros fatores envolvidos, tais como
fatores econômicos determinados pela preferência social. Mas o ponto
fundamental é a certeza da lei de hereditariedade e a distinção entre essa lei
da natureza e a preferência social. Elas são distintas, mas ainda assim,
relacionadas de forma clara.
As pessoas
tendem a olhar para a lei de kamma e a preferência social como sendo a mesma
coisa, interpretando “boas ações trazem bons resultados” como significando
“boas ações nos farão ricos,” ou “boas ações irão nos render uma promoção,” o
que em alguns casos parece fazer bastante sentido. Mas as coisas nem sempre
ocorrem dessa forma. Dizer isso é o mesmo que dizer, “Plante uma mangueira e
você ganhará um montão de dinheiro,” ou “Eles plantaram uma macieira, por isso
estão enfrentando dificuldades.” Isso pode ser verdade ou pode não ser. Mas
esse tipo de raciocínio se adianta aos fatos. Não é completamente verdadeiro.
Pode ser adequado para a comunicação no dia-a-dia, mas se você quisesse falar
corretamente, teria que analisar claramente os fatores pertinentes.
Fatores
que afetam a geração dos frutos de kamma
Nas
escrituras em Pali existem quatro pares de fatores que influenciam a geração
dos frutos de kamma no nível das experiências de vida. Eles são apresentados
como as quatro vantagens (sampatti) e as quatro desvantagens (vipatti).
[Vbh. 338]
Sampatti pode ser interpretado como atributo
ou ganho e se refere à confluência de fatores que suportam a geração de bons
frutos de kamma e obstruem a geração de frutos ruins de kamma. Os quatro são:
1. Gatisampatti:
Local de nascimento favorável; ambiente, circunstâncias ou carreira favoráveis;
isto é, nascer em uma localidade, região ou país favorável; sob a perspectiva
do curto prazo, estar num local favorável.
2. Upadhisampatti:
Adequabilidade e suporte do corpo, isto é, possuir uma aparência ou identidade
bela ou agradável que desperta o respeito ou preferência; um corpo forte e
saudável, etc.
3. Kalasampatti:
A oportunidade, adequação ou o suporte do tempo, isto é, nascer numa ocasião em
que o país viva em paz e harmonia, o governo seja bom, as pessoas vivam de
forma virtuosa, elogiem a bondade e não encorajem a corrupção; sob a
perspectiva do curto prazo, encontrar as oportunidades no tempo correto, no
momento correto.
4. Payogasampatti:
O atributo da ação, adequação ou vantagem da ação; isto é, ação apropriada de
acordo com a circunstância; ação que esteja de acordo com a habilidade ou
capacidade pessoal; ação que esteja totalmente de acordo com os princípios ou
critérios em questão; ação completa, não superficial; procedimento ou método
adequado.
Vipatti pode ser interpretado como defeito
ou perda e se refere à tendência dentro dos fatores condicionantes que
encorajam a geração de frutos de kamma ruins no lugar dos bons. Eles são:
1. Gativipatti:
Local de nascimento desfavorável; ambiente, circunstâncias ou carreira
desfavoráveis; isto é, nascer em uma localidade, região ou país desfavorável.
2. Upadhivipatti:
Fraqueza ou defeito no corpo; isto é, ter um corpo deformado ou doentio, com
uma aparência desagradável. Isto inclui as ocasiões em que a saúde esteja
debilitada e o corpo enfermo.
3. Kalavipatti:
Desvantagem ou deficiência do tempo; isto é, nascer numa época em que exista
convulsão social, um governo ruim, uma sociedade degenerada, a opressão das
pessoas de bem, elogios aos imorais e assim por diante. Isto também inclui a
ação inoportuna.
4. Payogavipatti:
Fraqueza ou deficiência da ação; colocar esforço em uma tarefa ou assunto
inútil ou para o qual não há proficiência; ação que não é realizada de forma
completa.
Primeiro
par: Gatisampatti:
Nascer em uma comunidade afluente e ter uma boa educação pode proporcionar uma
posição de mais destaque na sociedade do que um outro que, embora mais
brilhante e mais diligente, nasça numa comunidade mais pobre com menos
oportunidade. Gativipatti: Numa época em que um Buda tenha nascido no
mundo e esteja expondo o Dhamma, o nascimento numa comunidade primitiva na
floresta ou como um ser nos planos inferiores obstará qualquer possibilidade de
ouvir os ensinamentos; o aprendizado e as habilidades numa comunidade na qual
tais talentos não sejam reconhecidos poderá não trazer nenhum benefício e
poderá até mesmo levar à rejeição e ao desprezo.
Segundo
par: Upadhisampatti:
Belos atributos e uma aparência agradável podem com freqüência ser utilizados
para ascender na escala social. Upadhivipatti: A deformidade ou
deficiência provavelmente obstarão a honra e o prestígio que normalmente
recairiam sobre um membro de uma família rica e poderosa; numa situação em que
duas pessoas tenham os mesmos atributos, sendo uma atraente ao passo que a outra possui aparência desagradável ou
doentia, os atributos do corpo podem ser os fatores decisivos para o sucesso.
Terceiro
par: Kalasampatti:
Numa época em que o governo e a sociedade sejam honestos e valorizem a virtude,
a honestidade e a integridade podem proporcionar o sucesso; numa época em que a
poesia seja preferida socialmente, um poeta tem grande possibilidade de se
tornar famoso e venerado. Kalavipatti: Numa época em que a sociedade
tenha decaído da virtude e o governo seja corrupto, as pessoas honestas poderão
na verdade ser perseguidas; numa época em que uma grande parte da sociedade
prefira um estilo musical mais agressivo, um músico com habilidade num estilo
musical mais suave e relaxante poderá não obter muito reconhecimento.
Quarto
par: Payogasampatti:
Mesmo desprovido de bondade ou talento, uma habilidade especial nas relações
públicas e a compreensão dos costumes sociais podem ajudar a superar as
deficiências em outras áreas; uma habilidade em falsificar documentos pode ser
revertida de forma favorável para a inspeção de documentos. Payogavipatti:
Talento e habilidades serão inevitavelmente prejudicados pelo vício do jogo; um
velocista com a habilidade para se tornar um atleta campeão poderá empregar mal
o seu talento fugindo com objetos roubados de outras pessoas; uma pessoa com um
caráter prático e inclinação pela mecânica poderá ir trabalhar numa função de
escritório que lhe seja totalmente inadequada.
Os frutos
de kamma no nível externo são em grande parte condições mundanas que se
encontram em estado de constante mudança. Essas condições mundanas são no
entanto superficiais, elas não são a verdadeira essência da vida.O quanto elas
nos influenciam depende do quanto estejamos apegados a elas. Se houver pouco
apego, é possível manter a equanimidade em face das dificuldades ou pelo menos
não ser subjugado por elas. Por essa razão, o Budismo encoraja a reflexão
inteligente e a compreensão da verdade deste mundo, o estar plenamente atento e
não ser descuidado: não se embriagar com os momentos de boa fortuna e não ficar
deprimido ou ansioso com os momentos de má sorte, mas considerar os problemas
de forma cuidadosa, com sabedoria.
A ambição
pelos objetivos mundanos deve ser combinada com o conhecimento dos atributos e
fraquezas pessoais, com a habilidade para selecionar e organizar os atributos
relevantes para atingir aqueles objetivos através de meios hábeis (kusala
kamma). Tais ações terão um efeito duradouro e benéfico na vida, em todos
os níveis. O sucesso obtido através de meios inábeis ou ocasiões favoráveis
utilizadas para criar kamma inábil criará resultados indesejáveis de acordo com
a lei de kamma. Essas quatro vantagens (sampatti) e desvantagens (vipatti)
estão em mudança constante. Quando o tempo favorável ou as oportunidades
tiverem passado, o kamma ruim amadurecerá. As condições favoráveis devem ser
utilizadas para criar kamma bom.
Neste
contexto, podemos resumir dizendo que, para uma dada ação na qual diversas leis
da natureza estejam em jogo, nossa ênfase principal deveria ser em relação aos
fatores de kamma. Quanto aos fatores que pertencem a outros tipos de leis da
natureza, depois de cuidadosa reflexão eles também podem ser incorporados,
contanto que não sejam prejudiciais sob a perspectiva de kamma. Praticar dessa
forma pode ser chamado de “empregar o kamma hábil e as quatro vantagens” ou
“saber como obter benefício de ambos, da lei de kamma e da preferência social.”
Em todo
caso, tendo em mente o verdadeiro objetivo dos ensinamentos do Buda, a
aspiração pelo verdadeiro bem não deveria ser trocada por meros resultados
mundanos. O verdadeiro kamma bom surge de uma ou outra das três raízes da
habilidade: não cobiça, não aversão e não delusão. São as ações baseadas no
altruísmo, com o abandono do inábil contido na mente, desenvolvendo pensamentos
bondosos em relação aos outros e realizando ações baseadas na boa vontade e na
compaixão. Tais ações estarão baseadas na sabedoria, numa mente que aspira pela
verdade e pela libertação. Esse é o tipo de kamma mais elevado, o kamma que
conduz à cessação de kamma.
Compreendendo
o processo de geração dos frutos
Sempre que
a intenção de realizar ações hábeis ou inábeis surja, esse é o início de uma
movimentação na mente. Para usar uma terminologia mais científica, poderíamos
dizer que a “energia da volição” surge. Como essa energia segue o seu curso,
quais os fatores determinantes que a afetam e assim por diante são em geral um
mistério para as pessoas e pelo qual elas estão pouco interessadas. Elas tendem
a dedicar maior interesse aos resultados que surgem com clareza no final do
ciclo, especialmente aqueles que se materializam na esfera social humana. São
coisas que podem ser vistas e descritas com facilidade.
A
humanidade possui um bom conhecimento sobre as criações da mente no plano
material e de como essas coisas surgem; mas sobre a real natureza da própria
mente, onde se estabelece a intenção e a forma como esta afeta a vida e a
psique temos de fato muito pouco conhecimento. É um reino obscuro e misterioso
para a maioria das pessoas, apesar do fato de precisarmos ter um relacionamento
íntimo com essas coisas e sermos diretamente influenciados por elas.
Por conta
dessa obscuridade e ignorância, ao sermos confrontados com eventos que
aparentam ser aleatórios e inexplicáveis, as pessoas tendem a ser incapazes de
juntar os fios dispersos de causa e efeito, e, ou não vêem os fatores
determinantes, ou os vêm de forma incompleta. Elas então passam a rejeitar a
lei de kamma e colocam a culpa em outras coisas. Isso é equivalente a rejeitar
a lei de causa e efeito ou o processo natural de interdependência. Rejeitar a
lei de kamma e culpar outros fatores pelas desfortunas da vida é em si mesmo
gerador de mais kamma inábil. De modo mais específico, agindo assim, qualquer
possibilidade de melhorar situações desfavoráveis através do claro entendimento
ficará frustrada.
De todo
modo, é reconhecido que o processo de geração dos frutos de kamma é
extremamente complexo, é um processo que está além da compreensão da maioria
das pessoas. Em Pali se diz que esse processo é acinteyya, além da compreensão do processo usual de
pensamento. O Buda disse que insistir em pensar sobre esse tipo de coisas pode
levar à loucura. Ao dizer isso, o Buda não estava proibindo as considerações
acerca da lei de kamma, mas ao invés disso apontando que a complexidade das
causas e eventos na natureza não pode ser compreendida só por meio do
pensamento, mas sim por meio do conhecimento direto, intuitivo.
Portanto, o
fato de ser acinteyya não nos proíbe de abordar o tema. Nossa relação
com kamma está baseada no conhecimento e na firme convicção nesse conhecimento,
baseado no exame daquelas coisas que somos capazes de compreender. Essas são as
coisas que estão na verdade se manifestando neste presente momento, começando
com as mais imediatas e se estendendo para o exterior.
No nível
imediato estamos lidando com o processo dos pensamentos, ou intenção, da forma
como foi descrito acima, notando no início como os pensamentos hábeis
beneficiam a psique e os inábeis a prejudicam. A partir daí, os frutos desses
pensamentos se espalham para o exterior e afetam os outros e o mundo de uma
forma geral, regressando para afetar o perpetrador de uma forma correspondente,
benéfica ou prejudicial.
Esse
processo de fruição pode ser visto em níveis crescentes de complexidade,
influenciado por inúmeras causas externas, até o ponto em que seja possível ver
tamanha complexidade que exceda tudo aquilo que havia sido imaginado antes. A
consciência disso proporciona uma firme convicção na verdade da lei da natureza
de causa e efeito. Uma vez que o processo seja compreendido num nível imediato,
o impacto a longo prazo também é compreendido porque o longo prazo é derivado
do presente imediato. Sem a compreensão do processo no curto prazo, é
impossível compreender o processo no longo prazo. Ver o processo no presente é
que nos possibilita ver como as coisas na verdade são.
Ter firme
convicção no processo natural de causa e efeito com relação à intenção ou
volição é ter firme convicção na lei de kamma ou de acreditar em kamma. Com
base na firme convicção na lei de kamma, somos capazes de realizar nossas ambições através das ações
apropriadas, com a clara compreensão do processo de causa e efeito envolvido.
Quando se ambiciona algo, quer seja na área de desenvolvimento pessoal ou em
termos mundanos, os fatores relevantes incluídos tanto na lei de kamma como nos
outros niyama devem ser considerados com cuidado e as condições corretas
criadas de acordo.
Por
exemplo, um artista habilidoso ou artesão não deve somente considerar os seus
esboços e intenções excluindo todo o restante, mas também os fatores relevantes
de outros niyma e sistemas de valores. Ao planejar um projeto intrincado
de uma casa, um arquiteto deve considerar os materiais que serão usados em cada
área. Se ele designar o uso de madeira flexível onde deveria ser empregada
madeira rígida, não importa quão belo seja o seu projeto, a casa poderá vir a
desabar sem satisfazer o seu propósito. Para trabalhar com a lei de kamma de
maneira habilidosa, é necessário desenvolver o interesse pela integridade moral
e ter apreço pelo bem, (kusalachanda ou dhammachanda), e a
motivação para melhorar a vida e o ambiente em que a pessoa viva. O desejo pela
qualidade ou compaixão nas ações pessoais e relacionamentos é necessário. As
pessoas que apenas ambicionam resultados mundanos, negligenciando a aspiração
pelo bem, tendem a tentar ludibriar ou enganar a lei de kamma, trazendo
problemas não somente para elas mesmas, mas para a sociedade como um todo.
Frutos de
kamma a longo prazo – Paraíso e Inferno
Alguns
estudiosos sentem que para convencer os leigos acerca da lei de kamma e para
encorajar a virtude, estes precisam ser convencidos sobre a geração de frutos
de kamma a longo prazo, de vidas passadas para vidas futuras. Como resultado
disso, eles vêem a necessidade de confirmar a existência de uma vida depois
desta ou pelo menos de apresentar alguma evidência convincente disso. Alguns
estudiosos tentam explicar o princípio de kamma e da vida após a morte tomando
como referência as leis científicas modernas, como por exemplo a Lei da
Conservação de Energia, aplicando-a ao processo mental e à intenção. Outros
fazem referência às teorias da psicologia moderna e aos dados relativos à
recordação de vidas passadas. Alguns chegam ao ponto de empregar médiuns e
videntes para dar suporte às suas afirmações. Esses intentos de confirmação
científica não serão analisados aqui, porque estão fora do escopo deste livro.
Aos interessados fica a sugestão para que pesquisem o assunto por sua própria
conta num dos muitos livros disponíveis que tratam do assunto. Quanto ao
presente livro, apenas algumas breves reflexões sobre o tema serão
proporcionadas.
A
conveniência de comprovar a verdade de vidas futuras e dos frutos de kamma a
longo prazo parece ter alguma validade. Se as pessoas realmente acreditarem
nessas coisas, é possível que elas venham a ter mais inclinação para evitar as
ações ruins e cultivar as boas. Assim, parece desnecessário opor-se ao contínuo
estudo e experimentação com tais assuntos, contanto que eles estejam dentro dos
limites da razão. (De outra forma, essas investigações, ao invés de iluminarem
aquilo que é misterioso, acabariam convertendo verdades observáveis em mistérios
inexplicáveis!) Se os experimentos forem honestos e razoáveis, no mínimo algum
ganho científico poderá ser esperado.
Por outro
lado, os estudiosos que estão se
aprofundando nesses temas não deveriam se tornar tão absortos na sua pesquisa
ao ponto de serem cegados por ela, atribuindo-lhe uma importância superior a
todo o demais e ignorando a importância do momento presente. Isso poderia se
converter numa concepção extremada e desequilibrada.
O exagero
com relação ao renascimento nos paraísos e nos infernos ignora o bem que se
deveria aspirar no presente. Nossa intenção original de encorajar a consciência
moral todo o tempo, incluindo as vidas futuras e uma confiança inabalável na
lei de kamma resultará, ao invés disso, numa aspiração apenas por resultados
futuros, o que se torna um tipo de cobiça. As boas ações serão praticadas
apenas com o propósito de obter algo em troca. A ênfase exagerada em relação a
vidas passadas e futuras ignora a importância das qualidades de integridade
moral e o desejo pelo bem, o que por sua vez se torna a negação ou até mesmo um
insulto ao potencial humano de praticar e desenvolver a verdade e a retidão por
elas mesmas.
Muito
embora existam boas justificativas para a idéia de que a confirmação de vidas
futuras poderia influenciar as pessoas a conduzirem vidas mais virtuosas, ainda
assim não existe razão para as pessoas terem que esperar até ficarem
satisfeitas em relação a este ponto, para só então concordarem em viver de um
modo mais virtuoso. É impossível dizer quando o grande “se” dessa pesquisa
científica será respondido: quando essa pesquisa estará completa?
Se
considerarmos o assunto, de acordo com o significado estrito da palavra
“confirmação”, como sendo uma demonstração clara, então essa palavra não terá
validade neste caso. É impossível que uma pessoa resolva as dúvidas de outra
com relação ao renascimento. Somente aqueles que são capazes de ver por si
mesmos podem ter certeza do renascimento. A “confirmação” da qual se fala é uma
mera coleção de fatos correlacionados e estórias de casos para análise ou
especulação. A real essência desse assunto permanece acinteyya,
insondável. Não importa quantos fatos sejam colecionados para dar suporte ao
tema, para a maioria será uma questão de fé ou crença. Enquanto for uma questão
de crença, sempre haverá aqueles que não crêem e sempre haverá a possibilidade
de dúvida entre aqueles que crêem. Somente quando alguns dos grilhões forem
abandonados com a realização de ‘Entrar na Correnteza’ será possível superar a
dúvida.
Resumindo,
buscar informações e estórias pessoais que apóiem a questão de vida após a
morte produz algum benefício e esse tipo de ação não deve ser desencorajado,
mas afirmar que a prática ética tem que depender da sua confirmação não é verdadeiro nem desejável.
Resumo:
confirmando as vidas futuras
Existem
mesmo vidas passadas e futuras, paraíso e inferno? Essa não é só uma questão
fascinante, para alguns é também inquietante, porque é uma grandeza
desconhecida. Por isso, eu gostaria de incluir um pequeno resumo sobre o tema.
1. De acordo com os ensinamentos do Budismo, o que está preservado no
Cânone em Pali, essas coisas existem.
2. Não há forma de chegar a uma confirmação porque essas coisas não são
passíveis de prova ou refutação. Ou você acredita nelas ou não. Nem aqueles que
acreditam, nem aqueles que não acreditam, nem aqueles que estão tentando
prová-las ou refutá-las, realmente sabem de onde vem ou para onde vai a vida,
deles mesmos ou dos outros. Todos estão na escuridão, não somente com relação
ao passado distante, mas até mesmo em relação ao nascimento presente, a esta
vida e ao futuro, até mesmo em relação ao dia seguinte.
3. Com relação ao tema da confirmação: pode-se dizer que “as formas
devem ser vistas com o olho, os sons devem ser ouvidos com o ouvido, os sabores
devem ser saboreados com a língua” e assim por diante. É impossível ver um
objeto visual usando outros órgãos que não o olho, mesmo se você empregasse dez
ouvidos e dez línguas para fazer isso. De forma semelhante, não é possível perceber
objetos visuais ou auditivos (tais como ondas ultravioleta ou ondas
supersônicas) com instrumentos que meçam comprimentos de onda distintos ou
incompatíveis. Algumas coisas podem ser vistas por um gato e mesmo dez olhos
humanos não serão capazes de vê-las. Algumas coisas, embora audíveis para um
morcego, são inaudíveis até mesmo para dez ouvidos humanos. Nesse contexto,
morte e nascimento são experiências da vida ou para ser mais preciso, eventos da mente, e devem ser
investigados por meio da vida ou pela mente. Qualquer investigação deve
portanto ser realizada de uma das seguintes formas:
(a) Para confirmar a verdade dessas coisas na mente, diz-se que a mente
precisa primeiro estar num estado de calma concentrada ou samadhi. No
entanto, se este método parecer
impraticável ou inconveniente ou se for considerado como muito
suscetível de conduzir à ilusão, o próximo método é
(b) confirmar nesta mesma vida. Nenhum de nós morreu ainda. O único
teste cabal será alcançado com a própria morte...mas poucos parecem inclinados
a tentar este método.
(c) Se não existir um verdadeiro teste, como mencionado acima, tudo que
nos resta é mostrar um número de casos e informações coletadas, tais como relatos
de recordações de vidas passadas ou usar analogias de outros campos, tais como
sons percebidos apenas por certos tipos de instrumentos - para mostrar que
essas coisas possuem certa credibilidade. No entanto, o assunto se mantém no
nível da crença.
Independente de crença ou descrença ou de como as pessoas tentem provar essas coisas umas às outras, o fato iniludível, do qual toda vida futura terá que derivar, é a vida no presente momento. Por isso, este é o lugar para onde deveríamos estar direcionando a nossa atenção. No Budismo, considerado como uma religião pragmática, o ponto de real interesse é o nosso relacionamento prático em relação à presente vida. Como iremos conduzir nossas vidas à medida em que elas estão se desenrolando exatamente neste instante? Como faremos para que esta vida presente seja boa e ao mesmo tempo na eventualidade de existir uma vida futura, assegurar que ela será boa? À luz desses pontos, podemos considerar o seguinte:
No Cânone em Pali, isto é, nos
Discursos (Suttas), existe muito pouca referência a vidas passadas e
futuras, paraíso e inferno. Na maioria dos casos essas coisas são apenas
mencionadas. Isso indica que não lhes é atribuída muita importância ou
relevância em comparação à conduta da vida no mundo presente ou às
práticas de virtude, meditação e sabedoria.
Quando, nos discursos em Pali,
o renascimento no paraíso ou inferno é incluído nos frutos de kamma bom e
ruim respectivamente, em geral isso ocorre depois de mencionar todos os
frutos de kamma que ocorrem na vida presente. Esses podem ser quatro,
cinco ou até dez em número, com a frase no final : “Com a dissolução do
corpo, após a morte, ele renasce num estado de privação, num destino
infeliz, na perdição, até mesmo no inferno,” ou “Com a dissolução do corpo,
após a morte, ele renasce num destino feliz, até mesmo no paraíso.”
Existem
duas observações que podem ser feitas com relação a isso:
Primeiro,
os frutos de kamma na vida presente recebem prioridade e são descritos em
detalhe. Os resultados nas vidas futuras são deixados para o final para “arredondar” a discussão.
Segundo, a
explicação do Buda dos resultados bons e ruins de kamma sempre foi uma
demonstração da verdade de que essas coisas ocorrem de acordo com causas. Isto
é, os resultados (de kamma) surgem automaticamente das suas causas. O simples
conhecimento desse fato estabelece a confiança nos frutos das ações.
Enquanto
aqueles que não crêem na vida após a morte não souberem de fato que não existe
vida após a morte, ou paraíso e inferno, eles serão incapazes de refutar de
forma completa as dúvidas que se ocultam nas profundezas das suas mentes. E
quando essas pessoas tiverem a energia da juventude esgotada e a velhice
estiver avançando, se elas não tiverem conduzido uma vida virtuosa, elas tenderão
a experimentar o medo do futuro, que poderá ser bastante angustiante. Dessa
forma, para ter segurança completa, mesmo aqueles que não acreditam nessas
coisas deveriam desenvolver a bondade. Então, quer exista ou não vida após a
morte, eles estarão em paz.
Quanto
àqueles que crêem, eles devem assegurar que a sua crença esteja baseada no
entendimento da verdade de causa e efeito. Isto é, eles devem ver os resultados
numa vida futura como conseqüência da qualidade mental desenvolvida nesta vida,
enfatizando a criação de bom kamma na vida presente. Esse tipo de ênfase irá
assegurar que qualquer relacionamento com uma vida futura será de confiança,
baseado no presente momento. Assim, as aspirações para uma vida futura
encorajarão o cuidado com a conduta no presente momento, tendo em mente o
princípio: “Não importa como você se relacione com a próxima vida, não lhe dê
mais importância do que a esta vida.” Deste modo, o erro de realizar ações como
um tipo de investimento feito para obter lucro será evitado.
Qualquer
crença numa vida futura deveria ajudar a aliviar ou completamente eliminar
qualquer dependência de poderes superiores ou entidades ocultas. A crença numa
vida futura significa acreditar na eficácia das próprias ações (kamma). A
relação de dependência com qualquer tipo de poder externo só irá obstar o
progresso na vida e o desenvolvimento pessoal. Aqueles que se deixaram cair
nesse tipo de dependência deveriam se esforçar para se libertarem delas e se
tornarem mais auto-suficientes.
O ideal seria
tentarmos avançar para o estágio em que evitamos as ações ruins e desenvolvemos
as ações boas, não importando crença ou descrença. Isso significa realizar boas
ações sem a necessidade de obter um resultado em alguma vida futura e de evitar
as ações ruins, mesmo sem crer em tais coisas. Isso pode ser alcançado assim:
(1) desenvolver o apreço pela integridade moral, aspirando pela bondade
e desejando o melhor em todas as situações.
(2) desenvolver o apreço pela felicidade sutil advinda da paz interna através
da prática de meditação e fazer disso um instrumento em si mesmo para prevenir
o surgimento de estados mentais ruins e prejudiciais e para encorajar os bons.
Isto porque é necessário evitar ações
ruins e cultivar as boas para experimentar essa paz interna. Além disso, a paz
interna é de grande ajuda na resistência à atração dos desejos sensuais,
prevenindo assim a criação de formas mais extremas de kamma ruim. No entanto,
com relação ao estado de paz interior, enquanto este estiver no nível mundano,
é aconselhável ter cautela para não se deixar envolver ao ponto de permitir que
ele se transforme num objeto de apego, interrompendo o seu progresso na
prática.
(3) treinar a mente para conduzir a vida com sabedoria, compreendendo a
verdade do mundo e da vida ou a verdade das condições. Isso nos permite ter um
certo grau de liberdade em relação às coisas materiais ou prazeres sensuais,
reduzindo dessa forma a possibilidade de praticar kamma ruim por conta deles.
Nós desenvolvemos uma sensibilidade para com a vida e sentimentos dos outros,
compreendendo os seus prazeres, dores e desejos, para que exista o desejo de
ajudá-los ao invés de tirar proveito deles. Esse é o estilo de vida daquele que
alcançou, ou está praticando para alcançar, a verdade transcendente e o
Entendimento Correto transcendente. Na ausência disso, podemos viver com a fé
que é a precursora dessa sabedoria, com a convicção inabalável em uma vida
guiada pela sabedoria libertadora como o tipo de vida mais refinado e
excelente. Esse tipo de apreço servirá como fundamento para o desenvolvimento
desse tipo de vida.
Esses três
princípios de prática estão conectados e suportam uns aos outros. Em
particular, o ponto número (1), chanda (zelo) é necessário na realização
de qualquer tipo de boa ação, portanto também é essencial nos pontos (2)
concentração e (3) sabedoria.
Quando
acompanhada pela prática, de acordo com estes três princípios, qualquer crença
nos frutos de kamma numa vida futura servirá para encorajar e fortalecer a
evitação das ações ruins e o desenvolvimento das boas. Essa crença não será
mais, por si mesma, tão decisiva a ponto de, sem a expectativa por bons
resultados em uma vida futura, não existir mais incentivo para praticar boas
ações.
Se não for possível
praticar esses três princípios, então a crença numa vida futura pode ser usada
para encorajar uma vida moral, que é melhor do que deixar as pessoas viverem as
suas vidas obcecadas pela busca pela gratificação sensual, que apenas serve
para aumentar a exploração tanto no nível individual como social. Além disso, a
crença numa vida futura é considerada como parte do Entendimento Correto
mundano e dessa forma é um passo no caminho para desenvolver uma vida boa.
Os frutos
de kamma no Culakammavibhanga Sutta
Tendo
estabelecido uma compreensão inicial, vejamos agora um dos ensinamentos
clássicos do Buda que trata dos frutos de kamma, ampliando da vida presente
para uma vida futura.
"Estudante, os seres são os donos das suas ações, herdeiros das
suas ações, nascem das suas ações, estão atados às suas ações, possuem as suas
ações como refúgio. São as ações que distinguem os seres entre inferiores e
superiores."
l.a. Um homem ou mulher tira a vida de outros seres, um homicida,
sanguinário, dedicado a golpes e violência, demonstrando nenhuma piedade com os
seres vivos. Porque ele realiza e se empenha em tal ação, com a dissolução do
corpo, após a morte, ele renasce num estado de privação, num destino infeliz,
na perdição, até mesmo no inferno. Mas se na dissolução do corpo, após a morte,
ele não renascer num estado de privação, num destino infeliz, na perdição, no
inferno e ao invés disso ele retornar ao estado humano, então onde quer que ele
nasça, terá vida curta.
b. um homem ou mulher abandonando tirar a vida de outros seres, se
abstém de tirar a vida de outros seres; ele permanece com a sua vara e arma
postas de lado, bondoso e gentil, compassivo com todos os seres vivos. Porque
ele realiza e se empenha em tal ação, com a dissolução do corpo, após a morte,
ele renasce num destino feliz, até mesmo no paraíso. Mas se na dissolução do
corpo, após a morte, ele não renascer num destino feliz, no paraíso e ao invés
disso ele retornar ao estado humano, então onde quer que ele nasça, terá vida
longa.
2.a. um homem ou mulher é dado a ferir os seres com a mão, com pedras,
com um pau, ou com uma faca. Porque ele realiza e se empenha em tal ação, com a
dissolução do corpo, após a morte, ele renasce num estado de privação…e ao
invés disso ele retornar ao estado humano, então onde quer que ele nasça, será
doentio.
b. Um homem ou mulher, não é dado a ferir seres com a mão, com pedras,
com um pau, ou com uma faca. Porque ele realiza e se empenha em tal ação, com a
dissolução do corpo, após a morte, ele renasce num destino feliz...e ao invés
disso ele retornar ao estado humano, então onde quer que ele nasça, será
saudável.
3.a. Um homem ou mulher possui um caráter raivoso e irritadiço; mesmo
quando criticado apenas um pouco, ele se ofende, se torna enraivecido, hostil e
ressentido e demonstra raiva, ódio e amargor. Porque ele realiza e se empenha
em tal ação… ele renasce num estado de privação… e ao invés disso ele retornar
ao estado humano, então onde quer que ele nasça, será feio.
b. Um homem ou mulher não possui um caráter raivoso e irritadiço; mesmo
quando muito criticado, ele não se ofende, não se torna enraivecido, hostil e
ressentido e não demonstra raiva, ódio e amargor. Porque ele realiza e se
empenha em tal ação… ele renasce num destino feliz…e ao invés disso ele
retornar ao estado humano, então onde quer que ele nasça, será belo.
4.a. Um homem ou mulher é invejoso, alguém que tem inveja,
ressentimento, fica enciumado com os ganhos, honrarias, respeito, reverências,
saudações e veneração recebidos pelos outros. Porque ele realiza e se empenha
em tal ação… ele renasce num estado de privação… e ao invés disso ele retornar
ao estado humano, então onde quer que ele nasça, não terá poder.
b. Um homem ou mulher não é invejoso, alguém que não tem inveja,
ressentimento, não fica enciumado com os ganhos, honrarias, respeito,
reverências, saudações e veneração recebidos pelos outros. Porque ele realiza e
se empenha em tal ação… ele renasce num destino feliz… e ao invés disso ele
retornar ao estado humano, então onde quer que ele nasça, terá poder.
5.a. Um homem ou mulher não dá alimentos, bebidas, roupas, carruagens,
ornamentos, perfumes, ungüentos, camas, moradias e lamparinas para os
contemplativos e brâmanes. Porque ele realiza e se empenha em tal ação… ele
renasce num estado de privação…e ao invés disso ele retornar ao estado humano,
então onde quer que ele nasça, será pobre.
b. Um homem ou mulher dá alimentos…e lamparinas para os contemplativos e
brâmanes. Porque ele realiza e se empenha em tal ação… ele renasce num destino feliz…e
ao invés disso ele retornar ao estado humano, então onde quer que ele nasça,
será rico.
6.a. Um homem ou mulher é obstinado e arrogante; ele não demonstra
respeito com quem merece respeito, ele não se levanta para aqueles em cuja
presença ele deve se levantar, não oferece o assento a quem merece um assento,
não oferece passagem a quem se deve dar passagem e não honra, respeita,
reverencia e venera alguém que deva ser honrado, respeitado, reverenciado e
venerado. Porque ele realiza e se empenha em tal ação… ele renasce num estado
de privação…e ao invés disso ele retornar ao estado humano, então onde quer que
ele nasça, nascerá em uma classe inferior.
b. Um homem ou mulher não é obstinado e arrogante; ele demonstra
respeito com quem merece respeito, ele se levanta para aqueles em cuja presença
ele deve se levantar, oferece o assento a quem merece um assento, oferece
passagem a quem se deve dar passagem e honra, respeita, reverencia e venera
alguém que deva ser honrado, respeitado, reverenciado e venerado. Porque ele
realiza e se empenha em tal ação… ele renasce num destino feliz…e ao invés
disso ele retornar ao estado humano, então onde quer que ele nasça, nascerá em
uma classe superior.
7.a. um homem ou mulher ao visitar um contemplativo ou brâmane, não
pergunta: 'Venerável senhor, o que é benéfico? O que é prejudicial? O que é
passível de crítica? O que não é passível de crítica? O que deve ser cultivado?
O que não deve ser cultivado? Que tipo de ação causará o meu próprio dano e
sofrimento por muito tempo? Que tipo de ação causará o meu bem estar e
felicidade por muito tempo?' Porque ele realiza e se empenha em tal ação… ele
renasce num estado de privação…e ao invés disso ele retornar ao estado humano,
então onde quer que ele nasça, será estúpido.
b. um homem ou mulher ao visitar um contemplativo ou brâmane, pergunta:
'Venerável senhor, o que é benéfico? ….Que tipo de ação causará o meu bem estar
e felicidade por muito tempo?' Porque ele realiza e se empenha em tal ação… ele
renasce num destino feliz…e ao invés disso ele retornar ao estado humano, então
onde quer que ele nasça, será sábio. [M.III.203] (MN
135)
Neste
Sutta, embora se fale dos frutos numa vida futura, são as ações no momento
presente, em particular aquelas que se tornaram habituais, que são enfatizadas.
As ações habituais alimentam as qualidades da mente que ajudam a formar a
identidade e o caráter. Essas são as forças que produzem os resultados em
direta relação com as causas. As recompensas dessas ações não são
extraordinárias, tal como realizar apenas uma ação boa, um ato de generosidade,
por exemplo, e receber uma recompensa ilimitada satisfazendo todos os desejos e
ambições. Se esse tipo de atitude prevalecer, irá fazer apenas com que as pessoas
pratiquem boas ações como um investimento, como investir o dinheiro num banco e
esperar que os juros se acumulem; ou como jogar na loteria, fazendo um pequeno
investimento esperando receber uma grande recompensa. Como resultado, as
pessoas acabam não prestando atenção ao seu comportamento rotineiro e não se
interessando em viver uma vida boa conforme explicado neste Sutta.
Em resumo,
a essência do Culakammavibhanga Sutta ainda se apóia no fato de que qualquer
ponderação sobre os resultados numa vida futura devem estar baseados numa firme
convicção no kamma, isto é, a qualidade da mente e da conduta que está
ocorrendo no presente momento. Os resultados das ações a longo prazo são
derivados e relacionados com essas causas.
Um
princípio básico com relação a isso pode ser resumido da seguinte forma: A
atitude correta com relação a resultados de kamma em vidas futuras deve ser
aquela que promova e fortaleça a inclinação pela conduta moral e
desenvolvimento da sabedoria. Qualquer crença nos resultados de kamma que não
fortaleça essa inclinação pelo bem, mas que, ao invés disso, fortaleça a cobiça
e o desejo, deve ser interpretada como uma crença incorreta que deve ser
corrigida.
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Revisado: 16 Março 2013
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