O Caminho para a Bem-aventurança e Sabedoria

por

Ajaan Brahmavamso

Somente para distribuição gratuita.
Este trabalho pode ser impresso para distribuição gratuita.
Este trabalho pode ser re-formatado e distribuído para uso em computadores e redes de computadores
contanto que nenhum custo seja cobrado pela distribuição ou uso.
De outra forma todos os direitos estão reservados.

 


 

O melhor jeito de se aprender a meditar é praticando, diz Ajaan Brahm...

Bangoc, Tailândia – “Ensine o que você sabe”, diz o velho adágio. Talvez um comando mais poderoso fosse para que ensinasse o que você ama. Para Ajaan Brahm, os dois vêm juntos quando se ensina meditação.

“Eu amo meditar. De todas as coisas que faço, meditação é a melhor. É o que nos dá energia. É também o que nos dá diversão. É também o que nos dá a compreensão do que o Budismo verdadeiramente significa”, diz Ajaan Brahm com entusiasmo evidente – e contagiante – durante uma recente palestra sobre meditação em Bangcoc.

Tendo começado a meditar quando era um estudante de física teórica na Universidade de Cambridge, o monge de naturalidade inglesa depois imergiu mais profundamente na meditação da tradição das florestas da Tailândia, como um discípulo do renomado mestre Ajaan Chah. Desde que foi ordenado há 33 anos e hoje como abade do Mosteiro Bodhinyana na Austrália, ele se tornou um professor amplamente respeitado de meditação por seus próprios méritos e publicou um livro de meditação entitulado “Mindfulness, Bliss and Beyond: A Meditator’s handbook.” [1]

Bem-aventurança é certamente um elemento chave de seus ensinamentos – especialmente como uma motivação para que as pessoas comecem a meditar. Meditação, enfatiza Ajaan Brahm, realmente cria felicidade. Ela leva à paz interior e à experiência da mente “pura e com poderio”, que é profundamente extasiante (“melhor que sexo!”, é a frase chamativa que ele usa).

Ademais, Ajaan Brahm afirma que a meditação treina uma pessoa para ser feliz também quando não está sentada na almofada de meditação, pois uma vez que se aprende como ser feliz a partir de dentro, pode-se permanecer tranqüilo, independentemente do que está ocorrendo no mundo exterior.

Apesar de as pessoas saberem, na teoria, a respeito dos benefícios da meditação, a maioria delas ainda encontra dificuldades em estabelecer uma prática regular de meditação. Frequentemente, as pessoas cometem o erro de se aproximar da meditação como vão para academia para malhar, isto é, dirigidas por um sentimento de culpa. Mas se você focar na felicidade que emerge da meditação, diz Ajaan Brahm, você vai praticá-la porque gosta de praticá-la, quer praticá-la e, na verdade, experimenta os seus benefícios imediatos e de longo prazo. E para aqueles que se motivam a meditar durante períodos de estresse, mas são tomados por preguiça quando suas vidas ficam mais serenas, ele aponta que se pode praticar meditação não apenas para se livrar de sofrimento intenso, mas para gerar ainda mais felicidade.

Mais do que tratar a meditação como trabalho, Ajaan Brahm a explica como um “relaxamento mental”. Quando você realmente aprende como relaxar a mente, a meditação se torna divertida.

Ele diz sorridente, “Meditação não é difícil. Se for difícil, é porque você não está fazendo certo.”

Então, o que é fazer certo? Em uma palavra, “aquietamento”.

A palavra em Pali samadhi é, em geral, traduzida frequentemente como “meditação” ou mais especificamente como “concentração”, mas Ajaan Brahm prefere “aquietamento” pois percebe que esse termo é mais descritivo do verdadeiro significado da palavra. Esse termo também indica como na verdade se alcança o estado de samadhi – tornando-se quieto, não fazendo nada.

Deve-se parar de mover-se no tempo, em direção ao passado ou ao futuro, e por conseguinte paramos de mover em pensamento. Descansa-se com plena atenção no momento presente. Também se para de tentar controlar qualquer coisa ou fazer alguma coisa. “O Fazedor” é subjugado; somente “o Sabedor” permanece.

Para esclarecer o que é meditação e como praticá-la, Ajaan Brahm gosta de realizar uma pequena demonstração. Ele segura um copo de vidro, deixando com que a água se mova de um lado para o outro. Como alguém pode parar a água? Ajaan Brahm olha fixamente para o copo e contorce seu rosto com um esforço exagerado, entonando “Eu vou meditar! Eu vou me concentrar! Eu vou segurar esse copo de água até que a água nele permaneça absolutamente parada!” Ele pausa brevemente, e então pergunta com uma ansiedade dissimulada “Já está parada? Já está parada?”

“Essa é uma forma que muitas pessoas meditam”, ele ri. “O problema é que, desse jeito, a água nunca para, e as pessoas conseguem apenas ficar frustradas. A maneira correta de fazer é soltar o copo em algum lugar. No começo, a água se movimenta mais, mas depois ela logo fica totalmente parada, como jamais ficaria se você estivesse segurando o copo.

“A mesma idéia se aplica à meditação. No começo, quando você abre mão, a mente se torna ainda mais inquieta. Mas então ela se torna quieta, o que não aconteceria se você a estivesse agarrando, tentando fazê-la aquietar-se. Quando você solta da mente e abandona todo o controle, a meditação se torna fácil.

Quando a mente está quieta, ela fica energizada, e essa energia lhe proporciona alegria – assim é como surge a felicidade na meditação.

O aquietamento também conduz ao insight. Uma vez que a mente está quieta e silenciosa, ela automaticamente passa a ver mais claramente. “Um girino somente pode saber o que é a água quando ele se torna um sapo e sai dela. De maneira similar, apenas quando a mente está quieta, é possível saber o que é o pensamento, o que é todo o movimento, agitação e cobiça”, ele explica.

Um outro símile interessante em que Ajaan Brahm se baseia vem de suas experiências quando viajou em sua juventude pela América do Sul. Ele estava explorando a floresta quando repentinamente se deparou com uma enorme pirâmide. Uma vez que não via o horizonte há vários dias, chegar ao topo da pirâmide foi uma revelação. “De repente, eu pude ver todo o meu mundo diante de mim, ver aquela incrível vacuidade – infinidade – envolvendo a floresta ruidosa”, ele recorda com admiração.

A meditação profunda é como escalar a pirâmide acima da selva de nossos pensamentos, de nossa vida em família, de nossa vida no trabalho, nosso mundo. Somente quando estamos acima dela e alcançamos o aquietamento é que podemos ver o quadro mais completo da realidade.

Todavia, entre as diversas escolas de meditação, existem visões distintas sobre quão alta a pirâmide, ou para inverter o símile, quão profundo samadhi é necessário para desenvolver o insight libertador. Alguns métodos enfatizam o desenvolvimento de plena atenção momento a momento mais do que meditação profunda.

Em realidade, alguns professores advertem contra “ficar agarrado na felicidade”, particularmente naquela experimentada em estados de meditação profunda denominados jhanas. Muito embora a promessa da felicidade através da meditação possa parecer atraente para muitos, ela também é um sinal de alerta para aqueles praticantes que dizem estarem cansados de praticar “apenas” para relaxar ou alcançar o êxtase, e cuja intenção é meditar pela sabedoria.

Sobre esse debate, por vezes vigoroso, Ajaan Brahm diz, “é maravilhoso que você possa debater no Budismo. Ninguém é forçado a acreditar em nada”. Apesar disso, ele se dispôs a oferecer suas perspectivas sobre alguns pontos da discussão, sujeito, certamente, ao escrutínio e julgamento de cada pessoa.

Por exemplo, ele é inequívoco em ensinar a necessidade de desenvolver os jhanas. O livro de Ajaan Brahm foi considerado “ousado” por colocar em evidência sua posição e oferecer descrições vívidas e instruções sobre os jhanas, que poucos outros livros fizeram até então. Os jhanas podem parecer esotéricos, mas Ajaan Brahm diz que não são apenas os monges que podem praticá-los. Ele afirma que muitos de seus discípulos leigos também os desenvolveram durante retiros.

“É tão claro dos ensinamentos do Buda que você realmente precisa desses jhanas”, ele diz. “Tem ocorrido uma distorção dos ensinamentos do Buda [para não dizer outra coisa]. Sou bastante firme quanto a esse ponto, e isso precisa ser dito.”

Em sua visão, o problema é que as pessoas, especialmente nos países ocidentais, podem enfatizar tanto o treinamento da plena atenção (na vida diária) que elas não reconhecem que existem diferentes níveis de plena atenção, com diferentes níveis de efetividade no desenvolvimento de um insight mais profundo.

Ele compara a plena atenção fraca a uma colher de chá, a “plena atenção poderosa” (o que ele chama de plena atenção produzida após o desenvolvimento de um samadhi sólido, mas antes dos jhanas) a uma pá, e a “plena atenção superpoderosa” (plena atenção produzida após os jhanas) a um enorme escavadeira, em termos de eficiência em cavar um buraco, ou melhor dizendo, para escavar alguém do buraco da ignorância.

Já quanto ao medo de se “ficar agarrado” no êxtase, Ajaan Brahm sustenta que não existe esse perigo. “Você não fica agarrado nos jhanas. É dito nos suttas que qualquer um que se entrega aos jhanas somente pode esperar quatro resultados – entrar na correnteza, o que retorna uma vez, não-retornante e arahant [os quatro estágios da iluminação]. Se você ‘ficar agarrado nos jhanas’, o que acontece é que você irá realizar a iluminação.”

As dúvidas de alguns sobre os jhanas está relacionado ao que Ajaan Brahm chama de o "Grande Debate sobre Samatha Versus Vipassana". Para novos meditadores, os termos podem ser confusos uma vez que se dá distintas explicações sobre seu conteúdo. Algumas tradições afirmam que samatha (tranquilidade) e vipassana (insight) são tipos separados de meditação, e desenvolver jhanas é “apenas samatha” e não resulta em sabedoria (insight). Ajaan Brahm discorda, dizendo que “os dois são facetas indivisíveis do mesmo processo. Tranquilidade conduz ao insight e insight conduz à tranqüilidade.”

Para contar uma história, como ele costuma fazer, um casal feliz, Sr. Sam Atha e Sra. Vi Passana, decidem subir uma colina. Sam quer ir ao topo porque lá está muito calmo. Vi o acompanhou, mas ela quer subir até lá pela bela vista. Eles também levaram seu cãozinho Metta. Assim, Sam, Vi e Metta subiram a colina. Quanto mais subiam, mais Metta abanava seu rabo. Quando chegaram no topo, Sam apreciou a bela paz, mas como tinha olhos, também viu a fantástica vista. Vi apreciou a vista, que era seu propósito original, mas ela também pode sentir a tranqüilidade. E Metta estava correndo contente envolta deles, muito feliz. Em meditação, insight, tranqüilidade, e compaixão sempre caminham juntos.

Como todos os pontos de vista sobre meditação diferentes e contraditórios podem levar à confusão, o conselho de Ajaan Brahm é simples: Comece a meditar. Assim você pode descobrir as coisas a partir de sua própria experiência.

“O problema é que as pessoas lêem muito e praticam pouco, discutem demais e ficam pouco em silêncio”, ele diz. “A sabedoria nunca surge do pensar, mas do silêncio.”

Dicas para meditação:

1) Relaxe – Inicie relaxando seu corpo, removendo qualquer tensão de seus músculos. Então imagine transferir essa mesma ação de relaxar o seu corpo para sua mente.

2) Abandone – Não tente ganhar alguma coisa ou se livrar de alguma coisa através da meditação.

3) Não faça nada – Quanto mais tentar controlar a mente, mais teimosa ela fica e menos propícia para a meditação. Simplesmente não faça nada; deixe a mente em paz e ela se aquietará por si só.

4) Seja bondoso e gentil consigo mesmo – Adote uma atitude amável e gentil em sua meditação. Não seja violento com seu corpo e mente. Não exagere no esforço e nem seja impaciente. O caminho mais rápido é tranquilo e leve.

5) Foque no “como”, não no “quê” – O truque na meditação não é focar no que você está experimentando, mas como você está experimentando. O que é mais importante do que o objeto de meditação é como você está se relacionando a esse objeto (ver o item 6).

6) Proporcione amor incondicional a todo momento – Outra dimensão da meditação da bondade-amorosa (metta bhavana), em adição a dar amor incondicional para si mesmo e outros seres, é oferecer amor incondicional a todo momento. Abra a porta do seu coração para qualquer coisa que esteja experimentando em seu corpo e mente, seja se é conforto ou dor, calma ou ansiedade, atenção ou torpor, etc.

7) Mantenha a teoria e prática em equilíbrio – Teoria é como um mapa, prática é como uma lanterna. Ambos são necessários para encontrar o tesouro, mas ambos têm que ser mantidos em equilíbrio.

8) Curta a meditação!

 


 

Notas:

Entrevista de Nissara Horayangura do jornal The Bangkok Post publicada em 24 de Fevereiro de 2008.

Traduzido para o português por Rafael Leite a quem agradecemos por essa valiosa contribuição ao Dhamma.

(1) Nota do tradutor: Não identificamos tradução desse livro em edição brasileira. Contudo, os interessados em ler uma obra de Ajaan Brahm em português podem ler “Antes que o dia acabe, seja feliz!”, publicado em 2009 pela Editora Fundamento. [Retorna]

Visite a página de Ajaan Brahm para ler outros artigos sobre o desenvolvimento da meditação de um modo geral.

 

 

Revisado: 26 Novembro 2011

Copyright © 2000 - 2021, Acesso ao Insight - Michael Beisert: editor, Flavio Maia: designer.