Consciência
Por
Ajaan Lee Dhammadharo
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Em todas nossas atividades, persistência
e energia são coisas que devemos estimular interiormente todo o tempo.
Existem casos, tanto no passado como no presente, em que pessoas com pouca
instrução – que não conseguiam nem ler ou escrever – se entregaram ao esforço
da prática para descobrir que eram capazes de ler e mesmo memorizar textos
completos. Algumas delas obtiveram o direito de participar de exames para o
serviço público – esse tipo de coisa aconteceu. Dessa forma devemos lembrar-nos
sempre de que tudo no mundo tem origem no esforço e na persistência. Não
importa que tipo de pessoa você é – muito esperta ou muito estúpida, com pouca
instrução e socialmente inábil – contanto que você tenha essas qualidades de
persistência e energia no seu coração, existirá esperança para você. Quanto
às pessoas que são muito espertas, sofisticadas e bem instruídas: se lhes
faltar esforço e persistência, elas não serão capazes de obter sucesso nos seus
objetivos, quer seja em assuntos mundanos ou do Dhamma. Especialmente para
aqueles de nós que têm como meta a felicidade suprema, ou nibbana: esforço e
persistência são a força magnética que irá nos puxar em direção ao nosso
objetivo.
Agora, quando o esforço e a persistência
estão presentes em nós, então a energia também terá que estar presente.
Porque? Quando você aplica esforço e persistência em relação a algo, inevitavelmente surgirão obstáculos no seu caminho.
Se você for realmente persistente, esses obstáculos irão desaparecer, o que
significa que você também esteve utilizando a energia. Se você tiver esforço
sem energia, não irá a lugar nenhum. Se você tiver persistência, significa
que o seu esforço também tem energia. Dessa forma devemos considerar que o
esforço vem primeiro e a energia em seguida. Uma vez que essas qualidades
estejam constantemente atuando em sincronia dentro de você então, não importa
quão profundos ou distantes os seus objetivos sejam, o Buda previu que você irá
alcançá-los de acordo com as suas expectativas. Por isso ele disse, como um
meio de assegurar que faremos o esforço adequado, que Viriyena dukkhamacceti: é através do esforço e persistência que as pessoas obtêm a libertação do mundo e realizam nibbana. Esforço e persistência
são as nossas raízes, ou a força magnética que irá nos puxar em direção a
nibbana.
Isso foi o que o Buda disse. Porém nosso
entendimento incorreto, que tem sua origem na força das contaminações, não
aceita esse ensinamento. Em outras palavras, ele não crê nele. Ele acredita em
si mesmo e não está disposto a acreditar nos ensinamentos dos sábios. Essa é a
razão porque temos que permanecer tropeçando e rastejando neste mundo. Nós
simplesmente acreditamos em nós mesmos, nas nossas opiniões, porém “nós mesmos”
somos feitos de contaminações. Essas contaminações são o obstáculo que nos
impedem de acreditar no Buda quando ele nos diz que é através do esforço e
persistência que as pessoas irão obter a libertação do sofrimento e estresse.
Nós simplesmente ouvimos as palavras porém não as entendemos. O que ouvimos
atinge somente nossos ouvidos porém não penetra nos nossos corações. E isso
significa que estamos trabalhando de forma contraditória. Ainda que se trate da
mesma pessoa, você trabalha de forma contraditória. O que você ouve é uma
coisa, o que você pensa é outra coisa, e ambos não estão em sintonia. Quando
isso acontece, você começa a ter dúvidas. Incerteza. As coisas não são claras
para o coração. A sua prática não conduz a nada mais que altos e baixos, coisas
corretas e coisas equivocadas.
Isso ocorre porque o coração de cada
pessoa ... Claro que há somente um coração em cada pessoa, porém como pode ser que
o coração tenha tantas fabricações? Essa é uma questão complicada. Porque?
Porque se olharmos apenas na superfície, diremos que cada pessoa tem somente uma mente. Isso é tudo que
sabemos. Porém se olharmos de outro modo, os textos nos dizem que existem
tantas consciências mentais que elas não podem ser contadas. Isso faz com que
nos perguntemos: Como isso é possível? E quando deixamos de lado os textos e
olhamos para nós mesmos, veremos que o corpo de um ser humano não possui
somente uma consciência. Existe nele um grande número de consciências. A sua
própria consciência real é muito difícil de ser encontrada. Você pode ter até
três tipos de consciência dentro do seu corpo. A primeira é a sua própria
consciência, que penetrou no ventre da sua mãe no momento da sua concepção, sem
estar mesclada com nenhuma outra consciência. Havia uma grande quantidade de
consciências à sua volta naquele momento porém todas elas morreram antes que
pudessem nascer. Você não consegue contar quantas existem em um momento como
esse, porém na luta pelo nascimento, somente uma delas tem o mérito para
consegui-lo, e o resto se perde em grandes números pelo caminho. Dessa forma
quando logramos penetrar em um ventre humano no momento da concepção, podemos
atribuir ao nosso mérito o fato de
termos sido capazes de estabelecer uma posição segura para nós mesmos no
mundo humano.
Uma vez que a nossa consciência se estabelece dessa forma, começa a se desenvolver. O corpo se desenvolve. Enquanto ele se desenvolve, outras consciências começam a se infiltrar sem nos darmos conta. Se você quiser ver um exemplo realmente claro, veja um corpo humano depois do nascimento. Às vezes um verme com meio metro pode sair dos seus intestinos. De onde vem isso, se não de uma consciência? Ou que tal os germes? Algumas enfermidades são na verdade causadas por pequenos animais no seu corpo que provocam inchaços e tumores. Como os médicos tradicionais costumavam dizer, existem no nosso corpo oito famílias e doze clãs de animais que provocam doenças. De onde vêem eles? Da consciência. Se não houvesse consciência, como poderiam haver animais? Os animais surgem da consciência. E alguns deles você pode ver claramente rastejando em grande número saindo de feridas, dos seus ouvidos e olhos, nariz, dentes, anus, verdadeiros enxames. Então o que são eles? Eles são uma forma de consciência.
Esse tipo de consciência você pode ver
com clareza, mas existe um outro grupo de consciências que são mais
traiçoeiras, elas não possuem um corpo que você possa ver. Somente se você
meditar e obter poderes psíquicos poderá vê-los. Esse é o terceiro tipo de consciência
que habita no seu corpo.
Dessa forma no conjunto existem três.
Porém, sua própria consciência é
só uma. E então todos os tipos de
várias consciências que se ocultam no seu corpo são tantas que você não pode
dizer com exatidão quantas são. Aquelas com corpo você pode descrever como
muitas. E quanto àquelas sem corpo, mas que vivem no seu corpo, não existe
forma de dizer quantas são.
Agora, é porque existem tantas
consciências, com tantas agendas distintas, que o Buda nos disse para não nos
juntarmos a elas. Elas não são parte de nós, não nos pertencem, não nos dizem
respeito. Às vezes estamos sentados, sem absolutamente nada de errado, e de
repente uma coisa conduz a outra dentro da mente. Nós não queremos que isso
ocorra, porém a mente parece agir de maneira independente. É um caso claro
dessas outras consciências, essas consciências malucas, entrando em cena,
penetrando na nossa própria consciência e fazendo com que as aceitemos. Essas
consciências que se ocultam nos nossos corpos sem ter corpo próprio: elas
também podem se tornar enraivecidas. Você sabe: elas podem se tornar cheias de
cobiça e deludidas, elas podem sentir amor e ódio, da mesma forma como nós. Uma
vez que elas comecem a se sentir dessa forma, e elas estão ao nosso lado, nossa
consciência segue atrás delas, sem nos darmos conta. Essa é a razão porque
existem tantas fabricações no coração.
É inteiramente possível. Suponha por um
instante que dois dos seus filhos estejam discutindo à sua frente. Isso é o
suficiente para fazer com que você fique de mal humor. Apesar de você não ter se envolvido na discussão
deles, existe uma conexão, e dessa forma você acaba magoado também. É por isso
que somos ensinados, Yam ve sevati tadiso:
Você acaba se tornando igual às pessoas com as quais você convive.
Assim é como somos ensinados a analisar
as coisas. Existem muitas mentes na sua mente. Algumas delas são mentes de
animais. Não é a sua mente que fica cheia de emoção; as mentes deles são as que ficam cheias de emoção,
mas elas estão exatamente ao seu lado, e como resultado você se inclina na sua
direção. Essa é a razão porque somos ensinados que elas são anatta, não-eu. A consciência é não-eu.
Dessa forma não se envolva com ela. Necessitamos usar esforço, persistência,
energia, para ter as coisas sob nosso controle. Quando essas coisas
desaparecem o coração pode ficar luminoso
e tranqüilo. Porque na verdade quando
coisas desse tipo surgem no coração, não é por nossas ações. É pelas ações
deles. Se fosse por nossas ações, então quando coisas como essas surgem no
coração, deveríamos nos sentir felizes e contentes. Quando elas desaparecem,
nós deveríamos nos sentir felizes e contentes. Mas na verdade, quando as coisas
surgem no coração, existem somente alguns casos em que nos sentimos contentes
com o que está acontecendo. Existem outras situações em que não estamos nada
felizes. Existe um conflito na mente. Às vezes existe um número enorme dessas
outras consciências e elas têm muitas agendas próprias. Somos vencidos e
começamos a aceitá-las. Quando isso ocorre fazemos as coisas erradas e dizemos
as coisas erradas e sentimos remorso depois. Isso ocorre porque aceitamos o que
elas nos dizem e não aquilo que nos diz o nosso verdadeiro coração.
Dessa forma você deve manter esse ponto
na mente se você quiser entender a consciência. O Buda nos diz em termos bem
simples porém nós não o entendemos. Ele diz, “A consciência não é o nosso eu.”
Somente sete palavras e no entanto não somos capazes de entendê-las. E como
podemos entendê-las? Nossos corações não estão concentrados, dessa forma tudo
que ouvimos fica confuso. Tudo que conseguimos pensar é que a consciência é a
nossa mente. Isso é tudo que conseguimos pensar, dessa forma começamos a tomar
posições em relação a tudo. Isso é o que somos. Isso somos nós. Nós tomamos
partido com relação a tudo e é por isso que não entendemos a consciência.
Agora quando começamos a considerar as
coisas cuidadosamente, para ver como a nossa consciência real é na verdade, investigaremos
se existe algo ali que seja honesto, leal e verdadeiro para nós. Se existe algo
que você gostaria de fazer – você se dá conta de que é adequado, você sabe que
é certo – e você vai em frente e realiza, então isso é algo em que você pode
confiar. Porém existem outras coisas que você realmente não gosta – parte de
você quer fazê-los, outra parte não quer – então quando existe esse tipo de
divisão, você deveria se dar conta de que esteve se associando com tolos, com
certos tipos de consciência que surgem somente para enganá-lo. Esse é o momento
em que você tem que resistir,
persistir, encurralar esse pensamento. Em outras palavras, você tem que focar
na contemplação dessa consciência em particular para ver que tipo de
consciência é. É a sua própria consciência? Ou é uma outra consciência que se
infiltrou para dar um tropeço na sua consciência de forma que você a siga? Se
você a segue e acaba fazendo coisas das quais você se arrependerá mais tarde, a
isso se denomina ser levado pela consciência.
Quando o Buda nos diz que a consciência
não é o nosso eu, que é anatta, nós não entendemos o que ele diz. Existe um
tipo de consciência que é realmente nossa. A consciência que é realmente nossa
é leal, honesta e verdadeira conosco. Suponha que você decida que amanhã você
quer ir ao monastério para ouvir um sermão. Agora, ir ao monastério ouvir um
sermão é algo bom que você gosta de fazer. Você realmente obtém benefícios.
Você tem perfeita clareza acerca desse ponto. Porém amanhã quando chega a hora,
a sua mente mudou, porque – simplesmente mudou. Quando isso ocorre, você deve
se dar conta de que a sua consciência se mesclou com algum outro tipo de
consciência. Assim é como você deve encarar as coisas. Não pense que é
realmente a sua consciência. O novo pensamento que repele o velho pensamento
não é você realmente. Você está sendo enganado. Não é realmente você.
Normalmente se algo é você realmente, não irá enganá-lo. Terá que ser honesto,
leal e devotado em relação a você. Uma vez que você tenha decidido fazer algo
bom, você deve persistir até que você seja bem sucedido e depois se sinta
feliz. Esse tipo de pensamento é a sua consciência real. Ela é honesta. Ela não
o engana.
A maioria das pessoas no entanto enganam
a si mesmas. Na verdade, elas não se enganam. Elas estão perfeitamente
corretas, porém essas outras consciências se infiltram de tal forma que elas
terminam por ser enganadas. É por isso que o Buda nos ensina, asevana ca balanam: não se associe com
os tolos. Se você se associar com esse tipo de consciência com freqüência, você
terminará sofrendo. Dessa forma -- panditanañca
– se associe com os sábios. Faça com que a sua mente se estabilize e se
estabeleça. Se você pensar em fazer algo bom, faça com que seja bom todo o
tempo até que você seja bem sucedido de acordo com os seus objetivos. Isso é
você. Não permita que nenhuma outra consciência se mescle nos seus assuntos. Se
você encontrar algum pensamento que faça você abandonar os seus esforços, se dê
conta de que você esteve se associando com tolos, se associando com
consciências que não têm nada que ver com você. É dessa forma que você deve
encarar as coisas.
Agora, se fossemos entrar no detalhe de
cada consciência que vive no nosso corpo, haveria muito que dizer. Basicamente,
existem dois tipos: aquelas cujos pensamentos estão de acordo com os nossos, e
aquelas cujos pensamentos não estão. Por exemplo, quando queremos fazer o bem,
existem fantasmas famintos e espíritos que gostariam de fazer o bem também
porém, eles não conseguem porque não possuem um corpo. Dessa forma eles residem
no nosso corpo de modo a fazer o bem através de nós. Porém existem outros
espíritos que querem destruir qualquer bem que tentemos fazer. Eles eram
provavelmente nossos inimigos em vidas passadas: Nós provavelmente os oprimimos,
os aprisionamos ou os matamos. Atrapalhamos o bem que eles tentavam fazer,
assim eles possuem velhas contas para acertar. Eles querem bloquear o caminho
que nós estamos tentando praticar de tal forma que não façamos nenhum
progresso. Eles vêm sussurrando nos nossos ouvidos: “Pare. Pare. Você irá
morrer. Você irá morrer de fome. Irá chover muito forte, o sol está demasiado
quente, é muito cedo, muito tarde,” e continuam assim sem parar. Essas são as
consciências que vêm como nossas inimigas. Existem outras que costumavam ser
nossos parentes e amigos. Elas querem fazer o bem porém não são capazes, assim
elas residem no nosso corpo de tal forma que possam se inclinar ante o Buda e
cantar junto conosco. Por causa de tudo isso, existem momentos em que os nossos
corações são como monstros e ogros. Não podemos imaginar o que está acontecendo
e no entanto está acontecendo, mesmo que não queiramos. Então existem outros
momentos em que nossos corações são como devas – tão doces e bem humorados que
outras pessoas podem ofender nossas mães e avós que nós não nos aborreceremos.
E então existem outras ocasiões em que não existe uma razão para a raiva e no
entanto encontramos uma maneira de ficar enraivecidos de um modo feio,
realmente pavoroso. Assim é com essas consciências: todas muito confusas e
criando confusão, e elas vêm se infiltrando no nosso corpo. É dessa forma como
você deve encarar as coisas. Existe ainda um outro grupo de consciências:
aquelas que vêm para cobrar antigas dívidas cármicas. Elas são os germes que
devoram a nossa carne – nosso nariz, nossos ouvidos – para arruinar nossa
aparência. Eles devoram nosso lábio inferior expondo nossos dentes fazendo com
que nos sintamos envergonhados e embaraçados. Às vezes eles devoram uma das
nossas orelhas, ou devoram nossos narizes até a testa. Às vezes eles devoram
nossos olhos, nossas mãos, nossos pés. Às vezes eles devoram nosso corpo todo,
fazendo a nossa pele ficar enferma. Esses são os cobradores de dívidas
cármicas. No passado nós arruinamos as vidas deles, dessa forma eles estão se
unindo para fazer com que nos contorçamos. Alguns que podemos ver com
facilidade são os vermes que auxiliam a digerir o alimento nos nossos
intestinos. No passado provavelmente devorávamos a sua carne e pele, dessa
forma agora eles nos devoram. Eles comem, comem, comem – comem tudo. “Tudo que
você tenha seu bastardo, eu devorarei tudo.” Isso é o que eles dizem. Como nos
livraremos deles? Eles devoram nossas partes externas onde podemos vê-los,
dessa forma nós os expulsamos e eles correm para dentro, para comer em nossos
estômagos e intestinos. É quando tudo fica muito ruim: nós nem conseguimos
vê-los e é ainda mais difícil livrar-nos deles. Dessa forma eles nos fazem
contorcer enquanto ficam nos devorando, devorando: devorando nos nossos
intestinos, devorando nos nossos estômagos, devorando nos nossos rins, nosso
fígado, nossos pulmões, devorando nos nossos vasos sangüíneos, devorando nos
nossos pêlos do corpo, devorando tudo em todos lugares. Eles devoram no
exterior e causam doenças da pele. Eles devoram no interior como vermes e
germes. E eles brigam entre si – afinal existem muitos grupos diferentes.
Somente os vermes possuem 108 clãs. Dessa forma quando há muitos
inevitavelmente haverá disputas, criando uma desordem na sua casa. Como podemos
ter alguma esperança de resistir a eles? Às vezes nos alinhamos com eles sem
mesmo nos dar conta. Como isso pode acontecer? Porque há tantos deles que não
conseguimos resistir. Esses organismos vivos em nosso corpo: às vezes eles ficam
enraivecidos e lutam. Às vezes eles se encontram nas ruas e começam a morder e
bater um no outro de tal forma que sentimos coceiras na frente e atrás – coça,
coça: os vermes estão lutando entre si. Eles passeiam pelo nosso corpo da mesma
forma como nós no exterior. Os vasos sangüíneos são como avenidas, assim
existem pequenos animais passeando pelos vasos sangüíneos. Esse vem por aqui
aquele segue por ali, eles se encontram e começam a conversar. Às vezes eles têm
conversações que não têm fim, assim eles passam toda a noite ali, comendo ali
excretando ali até que surja um inchaço: essa é uma pequena habitação para
esses seres, a consciência no nosso corpo. Assim é como as coisas acontecem.
Nosso corpo é como um mundo. Da mesma
forma como o mundo tem oceanos, montanhas, árvores, vinhedos, terras, da mesma
forma ocorre com o corpo. Cada vaso sangüíneo é uma estrada para seres vivos.
Eles viajam pelos nossos vasos sangüíneos, pelos canais da respiração. Alguns
vasos ficam obstruídos, tal como uma rua sem saída. Outros permanecem abertos,
o sangue flui, a respiração flui, como a água em rios e riachos. Quando eles
fluem, barcos podem navegar. Quando existem barcos, existem seres nos barcos.
Às vezes os barcos chocam uns com os outros. É por isso que temos dores e
aflições nas nossas pernas e braços e ao longo dos canais de respiração. Dessa
forma vá em frente: friccionando-os e massageando-os – é tudo uma questão das
consciências que habitam os seus corpos. Alguns vivem na cavidade ocular,
alguns vivem nos ouvidos, alguns nas narinas, alguns na boca, na garganta, nas
gengivas. Eles são como pessoas, somente que não entendemos a sua linguagem.
Eles possuem um emprego e carreira, famílias e casas e lugares para desfrutar
férias em todo o corpo. Essas consciências no nosso corpo às vezes enfrentam
batalhas e guerras, tal como formigas vermelhas e negras. Às vezes lagartos e
pererecas lutam entre si – eu vi isso acontecer. Ocorre o mesmo nos nossos
corpos, dessa forma como vamos escapar disso tudo? Os seres nos nossos olhos
reivindicam o direito de fixar residência nos nossos olhos. Aqueles nos nossos
ouvidos reivindicam o direito de fixar residência nos nossos ouvidos. Aqueles
nos nossos vasos sangüíneos reivindicam o direito de fixar residência nos
nossos vasos sangüíneos. Às vezes essas reivindicações se sobrepõem, dessa
forma eles estabelecem feudos. Como os textos dizem, existem sensações que
surgem da consciência. Essa é a razão porque tantas coisas podem ocorrer com o
corpo. Alguns tipos de consciência dão origem a doenças, outras estão apenas
esperando a sua oportunidade. Por exemplo, alguns tipos de consciência sem
corpo permanecem nos nossos vasos sangüíneos esperando que feridas e bolhas se
desenvolvam. Essa é a sua oportunidade para tomar o nosso corpo como vermes e
germes. Quanto àquelas que não possuem
corpo ainda, elas trafegam pelo corpo todo provocando calafrios, coceiras e
dores. É tudo um assunto das consciências.
Em resumo, existem três classes no total
– três clãs, e todos eles muito grandes. O primeiro são os seres vivos com
corpos que vivem no nosso corpo. Depois as consciências que não possuem corpo
próprio mas que habitam no nosso corpo. E depois a nossa própria consciência.
Assim no total existem três. Esses três tipos de consciência se misturam de tal
forma que não sabemos que tipo de consciência pertence aos animais com corpos,
que tipos pertencem aos seres que ainda não possuem corpo e que tipo de
consciência é a nossa. Nós não sabemos. Quando não sabemos isso, como podemos
saber acerca dos cinco agregados? "Viññanakkhandho"
que cantamos todas manhãs –como podemos sabê-lo? Tudo que sabemos é
“consciência, consciência,” mas a nossa consciência é tão frouxa e débil que se
parece a uma corda arrastada pelo chão. Ocorre o mesmo com a frase, “A
consciência não é o eu.” Tudo que sabemos são as palavras que são ditas.
Somente quando desenvolvemos sabedoria através da concentração da mente,
seremos capazes de entender a consciência. É quando seremos capazes de entender
as 18 propriedades, começando com: "Cakkhu-dhatu,
rupa-dhatu, cakkhu-viññana-dhatu" – elemento olho, elemento forma, elemento consciência no olho. Para entender essas três coisas
você precisa do tipo de conhecimento que é obtido através da concentração. Por
exemplo, quantos tipos de consciência existem no seu olho? Quando uma forma
aparece para o olho e existe consciência da forma – é realmente a nossa
consciência ou será a consciência de algum outro ser sem corpo que está se
intrometendo? Ou é a consciência de um ser com um corpo se intrometendo fazendo
com que fiquemos inseguros e em dúvida? Os três tipos de consciência que surgem
no olho, que vêm as formas: de quantas maneiras diferentes elas reagem? E são
essas reações realmente o resultado da nossa própria consciência ou da
consciência de seres com corpos que habitam o nosso corpo? Ou serão o resultado
de consciências sem corpos. Nós não sabemos. Não temos a menor idéia. Quando
não sabemos nem isso, como poderemos saber, "Cakkhu-dhatu,
rupa-dhatu, cakkhu-viññana-dhatu"? Não existe saída. Nós não temos
insight, nenhum conhecimento, nenhuma sabedoria.
"Sota-dhatu":
nosso ouvido, que é a base para que surja a consciência no ouvido. Que tipo de
consciência no ouvido surge primeiro? Nós sabemos? Não, de maneira nenhuma. É a
nossa própria consciência que ouve os sons? É a consciência de algum pequeno
animal escondido nos nossos ouvidos? Ou será a consciência de algum ser que não
possui corpo? Ou será realmente a nossa consciência? Examine as coisas com
cuidado de forma que você saiba isto antes de qualquer outra coisa. Você pode
identificar através dos resultados: existem alguns tipos de sons que você gosta
de ouvir porém você sabe que eles não são bons e no entanto você mesmo assim
quer ouvi-los. Quando isso ocorre você deve se dar conta de que não é a sua
consciência ouvindo porque ela não é leal com você. Existem outros tipos de
sons que são bons e corretos, mas você não gosta deles. Esse é um outro caso em
que não se trata da sua consciência. Alguma outra coisa provavelmente se
infiltrou e está atrapalhando. Você deve estar muito atento porque existe uma
grande variedade de diferentes grupos de consciências com os seus próprios
objetivos. Algumas vezes você ouve outras pessoas falando. O que elas dizem é
correto e verdadeiro porém não lhe agrada. Dessa forma você pressupõe que essa
coisa de gostar e não gostar é sua. Você nunca se detém para pensar que a
consciência é não-eu. O fato de você não se deter é porque os seus ouvidos são
completamente surdos. Você não está ouvindo. Algum fantasma faminto está
ouvindo no seu lugar sem que você se dê conta disso. Então como você irá se
lembrar de algo? A sua mente não está aqui com o corpo no presente, e dessa
forma não está ouvindo, Fantasmas famintos estão ouvindo, espíritos mortos
estão ouvindo, demônios enraivecidos estão no seu caminho, como resultado você
mesmo não sabe, não compreende o que está sendo dito. Fantasmas e demônios
estão ouvindo e pensando mas você pressupõe que é você. É por isso que o Buda
disse que a ignorância cega os nossos olhos e ensurdece os nossos ouvidos. É
tudo um assunto da consciência.
"Cakkhu-dhatu,
rupa-dhatu, cakkhu-viññana-dhatu":
Existem essas três coisas. No momento que o olho vê uma forma, qual é a
consciência que vai ver? Você alguma vez parou para se dar conta? Não. Nunca.
Portanto você não sabe se é realmente a sua própria consciência ou de algum
animal se ocultando no seu olho, se é um animal com corpo ou sem. Você nem
mesmo sabe se essas coisas realmente existem. Quando você nem sabe acerca disso
o que você pode esperar? "Sota-dhatu,
sadda-dhatu, sota-viññana-dhatu": Você também não conhece isto. E
assim segue a lista: "Ghana-dhatu":
O nariz é onde os aromas são conhecidos e a consciência no nariz surge. Às
vezes a nossa consciência gosta de certos tipos de aromas, aromas que são
adequados e de acordo com o Dhamma. Dessa forma procuramos e encontramos esses aromas
para obter mérito. Outras vezes desistimos. Gostamos dos aromas, porém não
damos seguimento. Não agimos de acordo com os nossos pensamentos. Então existem
certos tipos de aromas que não gostamos porém mesmo assim seguimos atrás deles.
Gostamos de alguns tipos mas desistimos. Existe todo tipo de aspectos
envolvidos com os aromas. Os aromas aparecem no nosso nariz e a consciência
aparece no nosso nariz também. Quem sabe quantas centenas de tipos de
consciências vivem ali? Às vezes elas sabem as coisas antes que nós mesmos
saibamos. Elas nos mandam todo tipo de falsas informações para nos enganar.
Elas nos sussurram, mantendo-nos mal informados para assim acreditar nelas.
Como resultado, cerramos os nossos olhos e as seguimos, tal como um urso atrás
do mel de uma colmeia. Ele simplesmente fecha os olhos e segue lambendo,
lambendo o mel. Ele não pode abrir os olhos pois as abelhas irão picar os seus
olhos. O mesmo ocorre conosco: quando a consciência vem sussurrando, “Vá, vá,”
nós a seguimos, pensando que somos nós que sentimos a necessidade de ir. Na
verdade nós não sabemos o que vem sorrateiramente para nos arrastar, tal como
um médium possuído por um espírito.
"Jivha-dhatu:":
A língua. A língua é onde surge o sabor. O sabor vem e faz contato na língua e
surge uma noção chamada consciência. Mas a consciência que surge: exatamente
qual consciência surge primeiro? Existem seres vivos que residem nos nervos do
paladar, e eles também possuem consciência. Eles podem saber até mais do que
nós sabemos. Por exemplo, digamos que haja uma comida que sabemos que nos faz
mal se a comermos, mas existe o desejo de comê-la. Porque existe o desejo? Às
vezes não queremos comê-la, porém a consciência de algum ser vivo quer comê-la.
Se a comemos sabemos que ficaremos enfermos, porém mesmo assim existe o desejo
de comê-la. A isto se denomina ser enganado pelos sabores. Ser enganado pela
consciência. Existem três tipos de consciências, tal como já mencionamos, assim
qual consciência está no comando? É a nossa consciência ou não? Nós nunca
paramos para verificar. É o tipo de consciência que ainda não possui um corpo?
Ou é o tipo de consciência que já possui um corpo aparecendo na nossa boca? Nós
não sabemos. O fato de não sabermos é a razão porque tudo que dizemos sai
distorcido e equivocado. Esses espíritos são os que nos fazem falar, falar de
vários modos criando todo tipo de problemas. Na verdade, nós não queremos dizer
essas coisas, porém mesmo assim dizemos. Esse é um sinal de que nos estamos
associando com pessoas tolas, com a consciência de demônios enraivecidos, sem nos
darmos conta. É somente depois, quando estamos sofrendo, que nos damos conta do
que aconteceu. Essa é a razão porque sempre perdemos para eles. Nós não
conhecemos a consciência nos cinco agregados. Seguimos cantando, "Viññanam anatta, anatta, ta, ta,"
todos os dias, porém não sabemos nada. Isso é o que o Buda chamava de avijja, ou ignorância.
"Kaya-dhatu:"
O mesmo se aplica ao corpo. No corpo é onde se sentem as sensações tangíveis. As
sensações tangíveis fazem contato e nós podemos conhecê-las todas: frio, quente,
suave, duro. Nós sabemos. Esse conhecimento das sensações tangíveis se denomina
consciência. Mas de quem é essa consciência, nós nunca investigamos. Assim nós
pensamos que somos nós que estamos frios, somos nós que estamos quentes, e na verdade não somos nós. Tal como uma
pessoa possuída por um espírito. O que ocorre quando um pessoa está possuída
por um espírito? Suponham que existe uma pessoa que nunca bebeu álcool. Quando
um espírito a possui, ela bebe dois ou três copos – realmente com prazer -
porém quando o espírito a deixa, a
pessoa que nunca tomou álcool está completamente bêbada. Porque? Porque havia
uma consciência externa que a estava possuindo. Ela – mesma – nunca tomou álcool, porém ela bebeu quando
um espírito externo a possuiu.
O mesmo é verdade com relação à nossa
mente. Quando essas consciências começam a ficar indisciplinadas, fazemos
coisas ainda que não queiramos fazê-las. Algumas formas de consciência apreciam
o frio, algumas o calor. Tal como os animais no mundo: alguns apreciam o calor,
alguns apreciam o frio, alguns apreciam comer coisas duras, alguns apreciam
comer coisas macias. Vermes e centopéias por exemplo: eles apreciam comer
coisas duras. É o mesmo com os seres vivos nos nossos corpos: alguns gostam de
comer coisas duras, assim eles mordiscam os nossos ossos – ou a nossa carne até
que ela se despedace. Alguns bebem as partes líquidas. Alguns apreciam as
coisas quentes, alguns as coisas frias. Dessa forma quando fica frio, nós
sentimos que estamos realmente frios, mas nunca paramos para pensar acerca do
que nos fez ficar com frio. Quando esquenta não sabemos o que nos fez
esquentar. Nós só pensamos que somos nós mesmos, que isso somos nós. Quando foi
que nos convertemos em uma consciência de um espirito junto com eles, nós nunca
notamos.
É por isso que o Buda disse que nós não
temos sabedoria. Nós nos deixamos levar por essas formas de consciência,
esquecendo do seu ensinamento de que a consciência é não-eu. Na verdade só
existe um de nós, e não é assim tão complicado. Quanto à nossa mente -- mano-dhatu – o mesmo é verdadeiro. Ela
está possuída por espíritos de tal forma que sofre com todo tipo de sintomas.
As idéias que passam pela cabeça, as idéias que fazem surgir pensamentos na
mente: eles provêm de uma causa. Certas vezes a causa pode ser as ondas de
choque de uma outra consciência batendo em nós. Os pensamentos de seres vivos
com corpos podem estar dirigidos para nós. A consciência de seres sem corpos
pode ter algum assunto inacabado conosco e eles podem fazer com que as nossas
mentes se alinhem com eles. Quando isso acontece, você deveria saber: “Ah.
Houve um infiltração.” A coisa que infiltrou é o estado de ânimo de um outro
ser vivo. Pode ser o estado de ânimo de um animal. O estado de ânimo de um
deva. O estado de ânimo de um demônio enraivecido. Necessitamos decodificá-los
para que saibamos. Quando podemos saber dessa forma então não haverão tantos
assuntos na nossa mente. Só existe uma mente. Só existe uma consciência, não um
grande número. Quando um é um, deve permanecer como um. O problema é que um se
torna dois e depois três e assim por diante sem fim. Isso é o que bloqueia os
nossos sentidos.
A falta de atenção bloqueia os nossos
olhos de forma que não sabemos qual a consciência que se instalou no nosso
globo ocular. A falta de atenção bloqueia os nossos ouvidos: a consciência de
todos os animais que vieram e construíram as suas casas preenchendo os buracos
dos ouvidos. A falta de atenção bloqueia o nosso nariz: a consciência de todos
os animais que vieram e construíram as suas casas nas nossas narinas. Bloqueia
a nossa língua: a consciência de todos os animais que vieram e construíram as
suas casas e cidades na nossa língua. Bloqueia o nosso corpo: a consciência de
todos os animais que vieram e construíram suas casas em cada poro. Quanto à
nossa única consciência, não se pode equiparar a eles. É por essa razão que o
nosso esforço na meditação é tão fraco e débil: nós não entendemos o que essas
coisas estão nos fazendo. Elas fecham os nossos olhos, ouvidos, nariz, língua,
corpo e mente de tal forma que não vemos saída. Como resultado as qualidades
que estamos tentando desenvolver simplesmente não crescem.
Agora, quando podemos eliminar as
moradias que causam a falta de atenção, aí é que entendemos o que está se
passando:
"Aneka-jati
samsaram, sandhavissam anibbisam.
Gaha-karam gavesanto" ...
Através do ciclo de muitos nascimentos
perambulei sem encontrar
o construtor de casas que procurava ...
Quando contemplamos até o ponto em que
entendemos essas coisas, veremos a lista interminável de assuntos dos seres vivos
que fixaram moradia na nossa residência. Aneka-jati
samsaram... Eles vieram para causar disputas e brigas e para criar um
montão de problemas. Eles gostam de empurrar a nossa mente para tudo que é
danoso. Quando contemplamos de tal forma a ver as coisas dessa maneira, o
desapego surge. Cakkhusmimpi nibbindati.
Nós sentimos desapego pelo olho. Rupesupi
nibbindati. Desapego pelas formas. Cakkhu-viññanepi
nibbindati. Desapego pela consciência. Nós realmente nos desinteressamos.
Se trata de uma genuína chateação para o nosso coração. Nibbindam virajjati, viraga vimuccati. Nós as cuspimos fora. O olho
cospe fora as formas. Cospe fora a consciência. Cospe fora porque está
saturado.
Sotasmimpi
nibbindati.
Sentimos desapego pelo ouvido. Saddesupi nibbindati. Desapego pelos
sons. Sota-viññanepi nibbindati.
Desapego pela consciência. Viraga
vimuccati. Nós as cuspimos fora. Quando o olho cospe fora a forma, a forma
não fica entalada no olho, desse modo o olho consegue penetrar e enxergar por
milhas. Quando os sons são cuspidos,
nossos ouvidos conseguem penetrar. Podemos ouvir o que os devas estão
conversando. Quando o nariz cospe fora os aromas, todo o mundo tem um doce
aroma. Nossa bondade quando a deixamos fluir, tem um doce aroma em todas as
direções. A língua cospe sabores, ela não os engole; ela cospe consciência. O
corpo cospe sensações tangíveis. O calor não fica preso no coração. O frio não
fica preso no coração. Duro, suave, o quer que seja, não fica preso no corpo,
não penetra. Tudo é cuspido fora até chegar
na consciência. A mente abandona a sua bondade. Ela não se apega à opinião ou
presunção de que a bondade lhe pertence. Ela cospe fora estados ruins e inábeis
de tal forma que o mal não consegue penetrar e absorvê-la. Ela cospe todas as
várias coisas que conhece, tais como, “Essa é a consciência de seres vivos com
corpos ... Essa é a consciência de seres vivos sem corpos ... Essa é realmente a minha
consciência.” Tudo isso é cuspido fora. A isto é que se denomina viññanasmimpi nibbindati. Desapego pela
consciência, desapego pelos objetos mentais. Viraga vimuccati. Tudo é cuspido fora; nada é engolido, dessa forma
nada fica entalado na garganta. O olho não engole formas, o ouvido não engole
sons, o nariz não engole aromas, a língua não engole sabores, o corpo não
engole sensações tangíveis, a mente não engole idéias. Vimuccati: Libertação. Não existe mais tumulto ou enredamento. É
quando se diz que você está na presença
de nibbana. Vimuttasmim vimuttamiti ñanam
hoti, khina jati, vusitam brahma-cariyam -- "Na libertação, existe o
conhecimento, 'Livre.' O nascimento terminou a vida santa está completa."
Quando podemos praticar dessa forma saberemos com clareza o que é a consciência
de animais, o que é a nossa consciência, e podemos abandoná-las todas. É quando
saberemos que nos libertamos de todos os três tipos de consciência.
A consciência de seres vivos com corpos
não é a nossa consciência. A consciência de seres vivos sem corpos não é a
nossa consciência. A nossa consciência que está atenta a essas coisas, não somos
nós. Essas coisas são abandonadas, de acordo com a sua natureza. É quando
podemos dizer que conhecemos os cinco agregados, as seis bases dos sentidos.
Obtemos a libertação do mundo e podemos abrir os olhos. Nossos olhos serão
capazes de enxergar grandes distâncias, tal como se empurrássemos as paredes da
nossa casa e pudéssemos ver centenas de metros. Quando nossos olhos não estão
grudados nas formas, podemos obter poderes de clarividência e ver à distância.
Quando nossos ouvidos não estão grudados nos sons, podemos ouvir sons
distantes. Quando o nosso nariz não está grudado nos aromas, podemos sentir o
aroma dos devas, ao invés de irritar o nosso nariz com o cheiro dos seres
humanos. Quando os sabores não ficam grudados na língua podemos saborear medicamentos
e alimentos divinos. Quando a mente não está grudada nas sensações tangíveis,
podemos viver com conforto. Onde quer que sentemos, estaremos tranqüilos:
tranqüilos quando está frio, tranqüilos quando está quente, tranqüilos em um
assento macio, tranqüilos em um assento duro. Mesmo que o sol nos queime,
poderemos estar tranqüilos. O corpo pode se desintegrar que estaremos
tranqüilos. A isto se denomina cuspir as sensações tangíveis. Quanto ao coração,
ele cospe as idéias. É um coração liberto: livre dos cinco agregados, livre dos
três tipos de consciência. Elas não mais poderão enganá-lo. O coração está
livre do sofrimento e do estresse e irá realizar a felicidade última, mais
elevada: nibbana.
Aqui eu estive falando sobre o tópico da
consciência. Levem-no a sério e treinem a si mesmos para fazer surgir o
conhecimento interior. É quando se diz que você conhece os mundos. As
consciências que possuem corpo habitam os mundos da sensualidade, dos níveis do
inferno até o paraíso. As consciências sem corpo habitam o mundo dos Brahmas
sem forma. A nossa própria consciência é o que nos levará até nibbana. Quando
você conhece esses três tipos de consciência se pode dizer que você é vijja-carana-sampanno: perfeito em
conhecimento e conduta. Sugato: Você
irá bem e virá bem e onde quer que você esteja, estará bem. Todos os seres do
mundo poderão então ter algum alívio. De que forma? Nós entregamos tudo para
eles. Qualquer animal que queira devorar o nosso corpo pode fazê-lo. Nós não
somos mais possessivos. O que quer que eles queiram, o que quer que eles
queiram comer, eles podem obtê-lo: nós não nos importamos. É assim como
realmente nos sentimos. Nós não temos apego. Se eles querem devorar nossos
intestinos, que assim o façam. Se querem devorar nosso excremento, eles podem
tê-lo. Se querem devorar nosso sangue, podem comer o que quiserem. Nós não
somos possessivos. O que quer que qualquer tipo de consciência queira ela é bem
vinda. Nós lhes damos a sua independência, assim elas podem governar a si
mesmas, sem que tentemos roubar qualquer coisa delas. Como resultado elas obtêm
uma parcela da nossa bondade. O mesmo para as consciências sem corpo no nosso
corpo. Elas obtêm a sua independência. E nós também ganhamos a nossa
independência. Cada um vive na sua própria casa, come a sua própria comida,
dorme na sua própria cama. Todos vivem separados e assim cada um pode estar
tranqüilo.
A isto se denomina "bhagava": O olho
fica separado das formas, as formas separadas do olho, e a consciência separada
do eu.
O ouvido fica separado dos sons, os sons
ficam separados do ouvido e a consciência separada do eu.
O nariz fica separado dos aromas, os
aromas separados do nariz e a consciência separada do eu.
A língua fica separada dos sabores, os
sabores ficam separados da língua e a consciência separada do eu.
O corpo fica separado das sensações
tangíveis, as sensações tangíveis separadas do corpo e a consciência separada do
corpo.
A mente fica separada das idéias, as
idéias ficam separadas da mente e a consciência fica separada da mente.
Não existe a noção de que isto é o meu eu
ou aquilo é o meu eu. A isto se denomina "Sabbe
dhamma anatta," todos os fenômenos são desprovidos de um eu.
Não
declaramos ter direito sobre absolutamente nada. Quem conseguir realizar isso
ganhará a libertação do mundo, do ciclo de morte e renascimento. Isto é asavakkhaya-ñana– o conhecimento do fim das impurezas mentais
– que surge no coração.
Agora que vocês ouviram isto, vocês
deveriam ponderá-lo e contemplá-lo de tal forma a obter um claro entendimento.
Dessa forma vocês estarão no caminho para a libertação do sofrimento e do
estresse. Usando persistência e esforço todo o tempo purifique a sua
consciência para que você a conheça claramente. Isso o conduzirá à pureza.
Dessa forma, para a nossa discussão de
hoje sobre a consciência eu gostaria de parar por aqui.
Nota
de Thanissaro Bhikkhu:
Menos de um ano antes da morte de Ajaan
Lee, alguns dos seus estudantes começaram a gravar as suas palestras do Dhamma.
A palestra acima é uma das nove para as quais dispomos de transcrições das
fitas – e uma das quatro para as quais as fitas ainda existem. É uma palestra
muito incomum, que mostra o seu estilo e humor especial e proporciona uma
discussão espirituosa acerca das formas como os conceitos de “eu” e “não-eu”
realmente funcionam na prática.
Revisado: 3 Fevereiro 2007
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