Qual a Utilidade da Compreensão da Impermanência?
Por
Bhante Henepola Gunaratana
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“Como tudo é impermanente
porque deveríamos fazer aquilo que fazemos normalmente nas nossas vidas
diárias?” foi a questão colocada por um amigo nosso ao ler meu artigo
intitulado “Aquilo que é Impermanente é Insatisfatório” que foi publicado em
1994 na Bhavana Newsletter.
Esta é, na verdade, uma
pergunta muito importante que cada um de nós deveria se fazer . Sendo tudo
impermanente porque devemos fazer aquilo que fazemos? Não é uma questão sobre
“se tudo é impermanente” mas sim “como tudo é impermanente.” A
impermanência é uma lei eterna e universal que ninguém pode contestar.
‘Tudo’ neste caso significa
os nossos sentidos e os seus objetos. Quando os sentidos são impermanentes não
importa na verdade se outras coisas são permanentes, pois é através dos
sentidos que percebemos as coisas e é por meio dos sentidos que nos apegamos a
elas. Também é nos sentidos que o desejo surge e cessa. Quando temos apego aos
nossos sentidos e aos objetos dos sentidos, não pensamos nem por um segundo que
ambos, os sentidos e os objetos, são impermanentes. Se pensássemos que eles são
impermanentes então poderíamos usar os nossos sentidos e seus objetos com
atenção plena e não ficaríamos aprisionados pelo apego a eles. É esse apego aos
sentidos e seus objetos, que são impermanentes, que gera o insatisfatório nas
nossas vidas. Isso não quer dizer que não devamos ser cuidadosos com os nossos
sentidos. Podemos cuidar deles sem nos tornarmos apegados a eles, sabendo que
são impermanentes.
Sabendo que essa é a verdade
e que não há como se esconder da realidade da impermanência, nos preparamos
para enfrentar e aceitar isso. Não podemos fugir do nosso corpo porque cada
célula no nosso corpo é impermanente e morre, como deve ser, quando chegue o
seu momento. E se elas não morrem, convertem-se em um grave problema de doença
auto-imune . Elas permanecem como células velhas apegadas ao seu hábitat
multiplicando-se e ocupando o espaço de outras células jovens e saudáveis. Isso
é o que ocorre também com as células
cancerosas. Elas ocupam o espaço de células saudáveis no corpo, sem contribuir
para o bem estar deste. Ao invés disso elas devoram as células saudáveis ao seu
redor e se espalham gradualmente por todo o corpo. Quando o momento de mudança
chega, precisamos nos soltar dos velhos apegos e permitir que a mudança ocorra.
Tente ser mais sábio à medida que você vai mudando e crescendo.
A aceitação da mudança é
muito difícil para quase todas as pessoas, porque desde o estágio embrionário
somos impulsionados por nosso desejo insaciável que se expressa através das
nossas atividades e movimentos, que por seu lado criam mais desejo e energia
para suportar e manter o nosso desejo inicial. Cada célula no nosso corpo é uma
unidade geradora de energia poderosa que converte todo alimento em energia para
suportar nosso desejo por mais alimento. O desejo é um mecanismo inerente ao
nosso corpo e mente. Você não é capaz de viver sem ele, até que consiga
livrar-se dele. O desejo não pode simplesmente ficar ocioso sem fazer nada na mente e no corpo. O desejo
precisa criar. Precisa gerar outros desejos, outros seres. Precisa fabricar uma
coisa ou outra, todo o tempo, para consumir o desejo. Como você possui a
energia do desejo, você tem que se engajar em fazer coisas para satisfazer os seus
sentidos. Algumas dessas atividades trazem benefícios para você ou para seus
companheiros, ou para o seu ambiente. Devido a essa satisfação você perpetua o
desejo de se tornar ainda mais ambicioso ou visionário.
A característica principal
do desejo é o apego a uma coisa ou outra, uma pessoa ou outra, um lugar ou
outro, uma visão ou outra, um aroma ou outro, um som ou outro, um toque ou
outro, uma idéia ou outra, um conceito ou outro. Enquanto você estiver apegado
a algo, a verdade da impermanência não irá se infiltrar nem nos seus sonhos
mais loucos. Tudo que você deseja é o prazer do apego, a alegria do apego, a
sensação de segurança do apego. O apego traz esperança, confiança, força
psicológica. Produz consolo e conforto artificiais compostos dos ingredientes
da impermanência. Veja como o esperma e o ovo se juntam para produzir um
embrião.
Devido ao desejo, o esperma
do homem vai em busca do ovo de uma mulher. Os biólogos não sabem porque os
espermas enfrentam uma difícil jornada com todo tipo de problemas e perigos
para encontrar um ovo que é 85.000 vezes maior do que eles. Apenas um entre os milhões de espermas liberados na vagina
consegue encontrar o ovo que se encontra nas trompas de falópio da mulher. O
mecanismo de defesa da mulher se empenha em rejeitar todos os organismos
estranhos. Nesse ambiente hostil, apenas um, entre dois a quinhentos milhões de
espermas, imbuído do desejo e impulsionado pelo kamma, consegue alcançar o ovo. Assim que o esperma
alcança o ovo, este o abraça e o engolfa com rapidez e forma uma parede ao seu
redor de forma que nenhum outro esperma possa entrar no mesmo ovo, o que daria
início a uma batalha no seu interior que só complicaria ainda mais as coisas.
No entanto, por mero acidente, se dois espermas entrarem no ovo haverá a
formação de gêmeos.
Nessa operação, o desejo do
homem, o desejo da mulher e kamma encapsulado na consciência de renascimento de
um ser que tenha morrido em algum lugar, criam a situação para a fertilização
do ovo. Se qualquer um dos três (ovo da mãe, esperma do pai e a consciência do
renascimento) estiverem ausentes, o ovo não será fertilizado. Se a mulher, não
desejando ter um bebê, usa um método contraceptivo ou se o ser que irá renascer
não possui kamma suficiente para renascer como ser humano, o ovo não será
fertilizado. Por trás de todo esse processo também existe um outro fator
imperceptível para a mente comum e esse fator é a ignorância da verdade da
impermanência.
O desejo opera de forma
muito disfarçada desde o ser unicelular até o ser multicelular. O ovo recém
fertilizado começa com 23 cromossomos do pai e 23 cromossomos da mãe e termina,
em nove meses, com trilhões de células. Elas continuam a se multiplicar até
chegar em 100 trilhões de células em um adulto. Tudo isso começa com o desejo,
uma das raízes da existência da vida. O desejo está programado no nosso DNA.
Ele continua a existir até que seja desprogramado através de um método muito
especial.
A cada segundo 500 bilhões
de hemoglobinas são geradas no nosso corpo sob a supervisão do DNA. Cada uma
dessas 500 bilhões de hemoglobinas está carregada com o desejo de viver. É
claro que elas morrem numa mesma taxa dando lugar para que novas hemoglobinas
surjam. Com esse surgimento, o desejo de viver também continua a fluir na nossa
vida. Cada célula no nosso corpo é um mundo em miniatura criando novos desejos
de viver. A cada momento a nossa mente também gera desejo por um incontável
número de coisas. Devido a essa interminável geração de desejos no corpo e na
mente, a cada momento em que os nossos sentidos entram em contato com os seus
objetos o desejo entra em cena quer seja para agarrar algo ou para rejeitar
algo, sendo ambos uma característica do desejo. Quando a mente não gosta de uma
certa experiência ela deseja repelí-la e substituí-la por algo que ela goste
mais. Algumas vezes a mente não encontra um substituto, mas mesmo assim ela não
quer manter a experiência desagradável. Se ela encontra um substituto, ela o
agarra com rapidez, igual a um ovo agarrando um esperma. Senão, ela simplesmente
se contrai em depressão ou se afasta de tudo.
Você sabia que milhões de
neurônios morrem no seu cérebro a cada momento? Você sabia que milhões de
células do sangue morrem a cada momento? Você sabia....(complete com as
estatística das partes do corpo que morrem a cada momento).
Devido a esse desejo não
queremos pensar que tudo aquilo que gozamos ou tudo aquilo que possuímos é
impermanente. Preferimos pensar que tudo que gozamos e possuímos é permanente.
Quando vemos os nossos sentidos e as nossas experiências sensuais sob a luz da
impermanência, as nossas mentes são capazes de se soltar do ressentimento que
opera dentro de nós como um câncer. A mente está ancorada na amargura porque
não é capaz de ver as coisas em nós e nos outros mudando. Devido a essa
situação, a mente fica tediosamente ruminando o tema da má vontade e continua a
sofrer.
A compreensão da
impermanência surge nessa situação como um fator de consolo e nos aconselha,
“Não fique preocupado, pois esta situação desagradável é tão impermanente
quanto a situação agradável que você acaba de perder. Apenas espere. O tempo
irá curar todas as feridas. Isso já lhe aconteceu no passado e irá ocorrer
outra vez. Recorde que todas as experiências passadas estiveram sujeitas à
mudança. Essa é a natureza das coisas. Simplesmente relaxe. Tudo ficará bem.”
Revisado: 24 Agosto 2002
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