Cabeça & Coração Juntos
Trazendo Sabedoria para os Brahma-viharas
Por
Ajaan Thanissaro
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Amor bondade, compaixão, alegria altruista e equanimidade são qualidades que podem ser desenvolvidas com a prática. No entanto, para elevá-las totalmente até o nível de brahma-viharas, requer o duro trabalho de combinar inteligência real com o coração.
Os brahma-viharas, ou "moradas sublimes", são os ensinamentos primários do Buda sobre o coração - aqueles que se conectam mais diretamente com o nosso desejo pela verdadeira felicidade. O termo brahma-viharas literalmente significa "morada dos brahmas". Brahmas são devas que vivem nos paraísos superiores, permanecendo em uma atitude de amor bondade ilimitada, compaixão ilimitada, alegria altruísta ilimitada e equanimidade ilimitada. Essas atitudes ilimitadas podem ser desenvolvidas a partir das versões mais limitadas dessas emoções que experienciamos no coração humano.
Destas quatro emoções, amor bondade (metta) é a mais fundamental. É o desejo de verdadeira felicidade, um desejo que você pode direcionar para si mesmo ou para os outros. Amor bondade foi a motivação fundamental que levou o Buda a buscar a iluminação e a ensinar o caminho para a iluminação a outros depois de tê-lo encontrado.
As próximas duas emoções na lista são essencialmente aplicações de amor bondade. Compaixão (karuna) é o que o amor bondade sente quando encontra sofrimento: ele quer que o sofrimento pare. Alegria altruísta (mudita) é o que o amor bondade sente quando encontra a felicidade: ele quer que a felicidade continue. Equanimidade (upekkha) é uma emoção diferente, na medida em que age como um auxílio e como uma verificação para as outras três. Quando você encontrar sofrimento que você não pode parar não importa o quão duro tente, você precisa de equanimidade para evitar a criação de sofrimento adicional e canalizar suas energias para as áreas onde você pode ser de ajuda. Desta forma, equanimidade não é um coração frio ou indiferente. Ela simplesmente faz o seu amor bondade mais focado e eficaz.
Tornar estas atitudes ilimitadas requer trabalho. É fácil sentir amor bondade, compaixão e alegria altruista pelas pessoas que você gosta e ama, mas haverão pessoas que você não gosta - muitas vezes por razões muito boas. Da mesma forma, há muitas pessoas por quem é fácil sentir equanimidade: pessoas que você não conhece ou com quem você realmente não se preocupa. Mas é difícil sentir equanimidade quando as pessoas que você ama estão sofrendo. No entanto, se você quiser desenvolver os brahma-viharas, você tem que incluir todas essas pessoas no alcance de sua consciência, de modo que você possa aplicar a atitude correta, não importa onde ou quando. É aqui que o seu coração precisa da ajuda de sua cabeça.
Frequentemente, meditadores acreditam que se puderem simplesmente adicionar um pouco mais de “coração” ou um pouco mais de carga emocional à sua prática de brahma-vihara, suas atitudes podem se tornar ilimitadas. Mas se algo dentro de você fica encontrando razões para gostar desta pessoa ou odiar aquela, sua prática começa a parecer hipócrita. Você se pergunta quem você está tentando enganar. Ou se depois de um mês dedicado a esta prática, você ainda se encontra tendo pensamentos negros sobre as pessoas que fecham você no trânsito - sem falar de pessoas que fizeram grandes danos ao mundo.
Este é o lugar onde a cabeça entra. Se pensarmos no coração como o lado da mente que quer a felicidade, a cabeça é o lado que entende como causa e efeito realmente funcionam. Se a sua cabeça e o seu coração conseguirem aprender a cooperar - ou seja, se a sua cabeça conseguir dar prioridade a encontrar as causas para a verdadeira felicidade, e seu coração conseguir aprender a abraçar essas causas - então o treinamento da mente pode ir longe.
É por isso que o Buda ensinou os brahma-viharas em um contexto de ensinamentos para o intelecto: o princípio da causalidade exercido em (1) karma e no (2) processo de fabricação que molda as emoções dentro do corpo e da mente. Quanto mais conseguirmos envolver nossas cabeças em torno desses ensinamentos, mais fácil será colocar todo o nosso coração no desenvolvimento de atitudes que são realmente sublimes. Uma compreensão de karma ajuda a explicar o que estamos fazendo à medida em que desenvolvemos os brahma-viharas e, em primeiro lugar, porquê queremos fazer isso. Uma compreensão do processo de fabricação ajuda a explicar como podemos pegar nosso coração humano e convertê-lo em um lugar habitável por brahmas.
O ensinamento sobre karma começa com o princípio de que as pessoas vivenciam a felicidade e a tristeza com base em uma combinação de suas intenções passadas e presentes. Se agirmos com intenções inábeis para nós mesmos ou para os outros, nós vamos sofrer. Se agirmos com intenções hábeis, vamos vivenciar a felicidade. Portanto, se queremos ser felizes, temos que treinar as nossas intenções para ser sempre hábeis. Esta é a primeira razão para o desenvolvimento dos brahma-viharas: para que possamos tornar as nossas intenções mais confiáveis.
Algumas pessoas dizem que o amor bondade ilimitado surge naturalmente em nós, que a nossa natureza búdica é intrinsecamente compassiva. Mas o Buda nunca disse nada sobre a natureza búdica. O que ele disse é que a mente é ainda mais variada do que o mundo animal. Somos capazes de qualquer coisa. Então o que vamos fazer com essa capacidade?
Nós poderíamos fazer - e temos feito - quase tudo, mas a única coisa que o Buda realmente assume de forma geral é que lá no fundo nós queremos pegar essa capacidade [de fazer qualquer coisa com a nossa mente] e dedicá-la à felicidade. Assim, a primeira lição de karma é que se você realmente quer ser feliz, você não pode confiar que no fundo você sabe a coisa certa a fazer, porque isso seria simplesmente promover a complacência. Intenções inábeis assumiriam e você nem sequer saberia. Em vez disso, você tem que estar atento para reconhecer as intenções inábeis pelo que são, e agir apenas com as hábeis. A maneira de garantir que você vai ficar atento é pegar o seu desejo de felicidade e espalhá-lo à sua volta.
A segunda lição de karma é que, assim como você é o principal arquiteto da sua própria felicidade e sofrimento, outras pessoas são as principais arquitetas da felicidade e do sofrimento delas. Se você realmente quer que eles sejam felizes, você não apenas as trata bem. Você também quer que elas aprendam como criar as causas da felicidade. Se possível, você quer mostrar-lhes como fazer isso. É por isso que o presente do Dharma - lições de como dar origem à verdadeira felicidade - é o maior presente de todos.
No exemplo mais famoso do Buda de como expressar uma atitude de amor bondade ilimitado, ele não apenas expressa o seguinte desejo de felicidade universal:
Todos os seres vivos que existem,
fracos ou fortes, sem exceção,
compridos, grandes,
médios, curtos,
sutis, grosseiros,
Visíveis e invisíveis,
próximos e distantes,
nascidos e por nascer:
que todos os seres tenham os corações plenos de bem-aventurança.
Ele acrescenta imediatamente o desejo de que todos os seres evitem as causas que os levam à infelicidade:
Que ninguém engane
ou despreze outrem, em nenhum lugar,
ou devido à raiva ou má vontade
deseje que alguém sofra.
- Karaniya Metta Sutta
Então, se você está usando a visualização como parte de sua prática de amor bondade, não visualize as pessoas simplesmente sorrindo, à toa e cercados por riqueza e prazeres sensuais. Visualize-as agindo, falando e pensando de forma hábil. Se atualmente elas estão agindo a partir de intenções inábeis, visualize-as mudando seus modos. E então, se puder, aja para tornar essas visualizações reais.
Um princípio semelhante se aplica à compaixão e à alegria altruísta. Aprenda a sentir compaixão não só por pessoas que já estão sofrendo, mas também por aquelas que estão envolvidas em ações inábeis que levarão ao sofrimento futuro. Isso significa, se possível, tentar impedí-las de fazer essas coisas. E aprender a sentir a alegria altruísta não só por aquelas que já estão felizes, mas também por aquelas cujas ações levarão à felicidade futura. Se você tiver a oportunidade, encoraje-as.
Mas você também tem que perceber que não importa o quão ilimitado seja o escopo dessas emoções positivas, o seu efeito vai se deparar com limites. Em outras palavras, independentemente de quão forte seja seu amor bondade ou compaixão, haverão pessoas cujas ações passadas são inábeis e que não podem ou não querem mudar suas maneiras no presente. É por isso que você precisa da equanimidade como seu teste de realidade. Quando você encontrar áreas onde você não pode ser de ajuda, você aprenderá a não ficar chateado. Pense sobre a universalidade do princípio de karma: aplica-se a todas as pessoas, independentemente de você gostar delas ou não. Isso o coloca em uma posição onde você pode ver mais claramente o que pode ser mudado, onde você pode ser de ajuda. Em outras palavras, a equanimidade não é uma aceitação total das coisas como elas são. É uma ferramenta para ajudar você a desenvolver o discernimento a respeito de que tipo de sofrimento você tem que aceitar ou não.
Por exemplo, alguém da sua família pode estar sofrendo de Alzheimer. Se você ficar chateado com o fato da doença, você está limitando sua capacidade de ser verdadeiramente útil. Para ser mais eficaz, você tem que usar a equanimidade como um meio de deixar ir o que você quer mudar e se concentrar mais no que pode ser mudado no presente.
Uma terceira lição do princípio de karma é que o desenvolvimento dos brahma-viharas também pode ajudar a mitigar os resultados de suas más ações passadas. O Buda explica este ponto com uma analogia: Se você colocar um punhado de sal em um copo de água, você não consegue beber a água no copo. Mas se você colocar esse punhado de sal em um rio, você poderia então beber a água do rio, porque o rio contém muito mais água do que sal. Quando você desenvolve os quatro brahma-viharas, sua mente é como o rio. O karma hábil de desenvolver estas atitudes no presente é tão expansivo que você dificilmente irá notar quaisquer resultados de más ações passadas que venham a surgir.
Uma compreensão adequada de karma também ajuda a corrigir a falsa idéia de que as pessoas que estão sofrendo merecem sofrer, e que então você pode muito bem deixá-las por conta própria. Quando você se pegar pensando dessa forma, você tem que manter em mente quatro princípios.
Em primeiro lugar, lembre-se que quando você olha para as pessoas, você não pode ver todas as sementes kármicas de suas ações passadas. Elas podem estar sofrendo os resultados de más ações passadas, mas você não sabe quando essas sementes irão parar de brotar. Além disso, você não tem idéia de quais outras sementes irão brotar em seu lugar com diversos e maravilhosos potenciais latentes.
Há um ditado em alguns círculos budistas que se você quiser ver as ações passadas de uma pessoa, você olha para sua condição atual; e se você quiser ver o seu estado futuro, você olha para as suas ações presentes. Este princípio, no entanto, é baseado em um equívoco básico: que cada um de nós tem uma única “conta kármica”, e o que vemos no presente é o saldo atual em execução na conta de cada pessoa. Na verdade, o histórico kármico de ninguém é uma “conta única”. Ele é composto de muitas sementes diferentes plantadas em muitos lugares através das muitas ações diferentes que fizemos no passado, cada semente amadurecendo em seu próprio ritmo. Algumas dessas sementes já brotaram e desapareceram; algumas estão surgindo agora; algumas vão brotar no futuro. Isto significa que a condição atual de uma pessoa reflete apenas uma pequena parte de suas ações passadas. Quanto às outras sementes, você não pode vê-las de forma alguma.
Esta reflexão ajuda no desenvolvimento da compaixão, pois lembra que você nunca sabe quando a possibilidade de ajudar alguém pode ter um efeito. As sementes das más ações passadas da outra pessoa podem estar aflorando agora, mas elas podem morrer a qualquer momento. Pode acontecer de você ser a pessoa que está lá para ajudar quando a pessoa está pronta para receber ajuda.
O mesmo padrão se aplica a alegria altruísta. Suponha que seu vizinho é mais rico do que você. Você pode resistir a sentir alegria altruísta por ele porque você pensa: "Ele já está bem de vida, enquanto eu ainda estou batalhando. Porque devo desejar que ele seja ainda mais feliz do que ele já é?". Se você se pegar pensando nesses termos, lembre-se que você não sabe quais são as suas sementes kármicas; você não sabe quais são as sementes kármicas dele. Talvez as boas sementes kármicas dele estão prestes a morrer. Você quer que elas morram mais rápido? Será que a felicidade dele diminui a sua? Que tipo de atitude é essa? É útil pensar dessas formas?
O segundo princípio a se ter em mente é que, nos ensinamentos do Buda, não há a questão de pessoas “merecendo” felicidade ou “merecendo” sofrimento. O Buda simplesmente diz que existem ações que levam ao prazer e ações que levam à dor. Karma não faz julgamento de pessoas, é simplesmente uma questão de ações e resultados. Boas pessoas podem ter algumas más ações escondidas em seu passado. Pessoas que parecem horríveis podem ter feito algumas coisas maravilhosas. Você nunca sabe. Então, não há a questão sobre uma pessoa merecendo ou não merecendo prazer ou dor. Há simplesmente o princípio de que ações têm resultados e que a sua experiência presente de prazer ou dor é o resultado combinado de ações passadas e presentes. Você pode ter algumas ações muito inábeis em seu passado, mas se você aprender a pensar habilmente quando essas ações frutificarem no presente, você não tem que sofrer.
Um terceiro princípio aplica-se à questão de saber se a pessoa que está sofrendo "merece" a sua compaixão. Às vezes você ouve que todos merecem a sua compaixão porque todos têm a natureza búdica. Mas isso ignora a razão principal para o desenvolvimento da compaixão como um brahma-vihara em primeiro lugar: Você precisa fazer a sua compaixão universal, de modo que você possa confiar em suas intenções. Se você considerar a sua compaixão como tão preciosa que somente Budas a merecem, você não será capaz de confiar em si mesmo quando se deparar com pessoas cujas ações são consistentemente más.
Ao mesmo tempo, você tem que lembrar que nenhum ser humano tem um passado kármico totalmente puro, então você não pode fazer a pureza de uma pessoa a base para a sua compaixão. Algumas pessoas resistem à idéia de que, por exemplo, crianças nascidas em uma zona de guerra, sofrendo brutalidade e fome, estão lá por uma razão kármica. Parece cruel, eles dizem, atribuir esses sofrimentos ao karma de vidas passadas. A única crueldade aqui, porém, é a insistência de que as pessoas são dignas de compaixão somente se elas são inocentes de qualquer delito. Lembre-se que você não tem que gostar ou admirar alguém para sentir compaixão por essa pessoa. Tudo que você tem a fazer é desejar que a pessoa seja feliz. Quanto mais você conseguir desenvolver essa atitude em relação às pessoas que você sabe que têm se comportado mal, mais você vai ser capaz de confiar em suas intenções em qualquer situação.
O Buda ilustra esse ponto com uma analogia gráfica: Mesmo que bandidos o ataquem e cortem fora seus membros com uma serra, você tem que sentir amor bondade começando por eles e, em seguida, espalhá-lo incluindo o mundo todo. Se você mantiver esta analogia em mente, ela ajuda a impedi-lo de agir de formas inábeis não importa o quão mal provocado.
O quarto princípio para se lembrar diz respeito ao karma que você está criando agora em reação ao prazer e à dor dos outros. Se você se ressente com a felicidade de alguém, algum dia, quando você estiver feliz haverá alguém ressentido com a sua felicidade. Você quer isso? Ou se você tiver o coração duro para alguém que está sofrendo agora, um dia você pode enfrentar o mesmo tipo de sofrimento. Você quer que as pessoas tenham o coração duro com você? Lembre-se sempre que suas reações são uma forma de karma, por isso esteja atento para criar o tipo de karma que dá os resultados que você gostaria de ver.
Quando você pensa dessa maneira você vê que é realmente seu interesse desenvolver os brahma-viharas em todas as situações. Então a questão é: como é que você faz isso? É aqui onde um outro aspecto dos ensinamentos do Buda sobre a causalidade desempenha um papel: o seu ensinamento sobre a fabricação, ou a forma como você molda a sua experiência.
A fabricação é de três tipos: corporal, verbal e mental. Fabricação corporal é a maneira que você respira. Fabricações verbais são pensamentos e comentários mentais sobre as coisas - a sua voz interna. Em pali, esses pensamentos e comentários são chamados vitakka - pensamento aplicado e vicara - pensamento sustentado. Fabricações mentais são percepções e sentimentos: os rótulos mentais você aplica a coisas, e as sensações de prazer, dor, ou nem prazer nem dor que você sente sobre elas.
Qualquer desejo ou emoção é composto por esses três tipos de fabricação. Começa com pensamentos e percepções, e, em seguida, se manifesta em seu corpo através da maneira que você respira. É por isso que as emoções parecem tão reais, tão insistentes, tão genuinamente "você". Mas, como o Buda aponta, você se identifica com essas coisas porque você as fabrica a partir da ignorância: você não sabe o que está fazendo, e você sofre como resultado. Mas se você pode fabricar suas emoções com conhecimento, elas podem formar um caminho para o fim do sofrimento. E a respiração é um bom lugar para começar.
Se, por exemplo, você está sentindo raiva de alguém, pergunte a si mesmo: "Como eu estou respirando agora? Como posso mudar a maneira que eu respiro para que o meu corpo se sinta mais confortável?" A raiva muitas vezes gera um sentimento de desconforto no corpo, e você sente que você tem que se livrar dele. São duas formas mais comuns de se livrar dele, e ambas são inábeis: ou você o engarrafa, ou você tenta tirá-lo do seu sistema, externalizando-o em suas palavras e ações.
Então o Buda oferece uma terceira alternativa mais hábil: Respire através do desconforto e dissolva-o. Deixe a respiração criar sensações físicas de conforto e plenitude, e permita que esses sentimentos preencham todo o seu corpo. Este conforto físico ajuda a colocar a mente à vontade também. Quando você estiver operando a partir de uma sensação de conforto e tranquilidade, é mais fácil fabricar percepções hábeis conforme você avalia a sua resposta para a questão com a qual você se depara.
Aqui a analogia do punhado de sal é uma percepção importante para se ter em mente, porque ela lembra você de perceber a situação em termos da sua necessidade do seu próprio amor bondade, para se proteger de mau karma. Parte dessa proteção é olhar para os pontos positivos da pessoa de quem você está com raiva. E para ajudar com esta percepção, o Buda oferece uma analogia ainda mais gráfica para lembrá-lo do motivo pelo qual esta abordagem não é mero sentimentalismo: Se você vê alguém que tem sido muito mau com você em suas palavras e ações, mas tem momentos de honestidade e amor bondade, é como se você estivesse andando por um deserto - com calor, tremores e sede - e você se depara com uma pegada de vaca com um pouco de água nela. E agora, o que você faz? Você não pode pegar a água com a mão porque isso iria enlameá-la. Em vez disso você se abaixa, apoiando-se em suas mãos e em seus joelhos, e com muito cuidado sorve a água do chão.
Observe a sua posição nesta imagem. Pode parecer humilhante ter sua boca no chão desse jeito, mas lembre-se: Você está tremendo de sede. Você precisa de água. Se você se concentrar apenas sobre os pontos ruins de outras pessoas, você vai se sentir ainda mais oprimido com o calor e a sede. Você se amargará com a raça humana e não verá sentido algum em tratá-la bem. Mas se você pode ver o lado bom das outras pessoas, será mais fácil tratá-las de forma hábil. Seus pontos positivos são como a água para o seu coração. Você precisa se concentrar neles para nutrir a sua própria bondade agora e no futuro.
Se, no entanto, a pessoa de quem você está com raiva não tem absolutamente nenhuma boa qualidade, então o Buda recomenda outra percepção: Pense nessa pessoa como um desconhecido muito doente que você encontrou na beira da estrada, longe de qualquer ajuda. Você tem que sentir compaixão por ele e fazer o possível para levá-lo para a segurança dos pensamentos, palavras e atos hábeis.
O que você fez aqui foi usar fabricação verbal hábil - pensar sobre a respiração e avaliá-la - para transformar a respiração em uma fabricação corporal hábil. Isto, por sua vez, cria uma fabricação mental saudável - a sensação de conforto e tranquilidade - que faz com que seja mais fácil de fabricar mentalmente percepções que podem desconstruir sua reação inábil e construir uma emoção hábil em seu lugar.
Esta é a forma como usamos o nosso conhecimento sobre karma e fabricação para moldar nossas emoções na direção em que queremos - e é por isso que os ensinamentos intelectuais são necessários mesmo em assuntos do coração. Ao mesmo tempo, porque nós nos sensibilizamos para o papel que a respiração desempenha na formação da emoção, podemos fazer uma verdadeira mudança no modo como nos sentimos fisicamente sobre esses assuntos. Não estamos jogando faz de conta. Nossa mudança de coração torna-se totalmente incorporada e genuinamente sentida.
Isso ajuda a minar o sentimento de hipocrisia que às vezes pode envolver a prática dos brahma-viharas. Em vez de negar nossos sentimentos originais de raiva ou angústia em qualquer situação, sufocando-os com algodão doce ou creme de marshmallow, nós de fato ficamos em contato com eles mais intimamente, e aprendemos a reformulá-los de forma hábil.
Frequentemente pensamos que entrar em contato com nossas emoções é um meio de entrar em contato com quem realmente somos - que temos estado separados de nossa verdadeira natureza, e que por estar novamente em contato com nossas emoções, vamos reencontrar a nossa verdadeira identidade. Mas suas emoções não são a sua verdadeira natureza, elas são tão fabricadas como qualquer outra coisa. Porque elas são fabricadas, a verdadeira questão é aprender a fabricá-las com habilidade, para que elas não nos levem a problemas e possam, ao invés disso, nos levar a uma felicidade confiável.
Lembre-se que as emoções fazem com que você aja. Elas são caminhos que levam a bom ou mau karma. Quando você as vê como caminhos, você pode transformá-las em um caminho que você pode confiar. À medida que você aprender a desconstruir emoções de má vontade, de coração endurecido, ressentimento e angústia, e reconstruir os brahma-viharas em seu lugar, você não atinge simplesmente um coração ilimitado. Você ganha prática em dominar os processos de fabricação. Como diz o Buda, esse domínio leva primeiro a estados fortes e felizes de concentração. A partir desses estados é possível fabricar todos os elementos do caminho que conduz à meta de todos os ensinamentos de Buda, seja para a cabeça ou para o coração: a felicidade total do nirvana, incondicionalmente verdadeira.
O que simplesmente serve para mostrar que se você colocar sua cabeça e seu coração para respeitar um ao outro, eles podem levar um ao outro muito longe. Seu coração precisa da ajuda de sua cabeça para gerar e agir sobre emoções mais hábeis. Sua cabeça precisa do seu coração para lembrá-lo de que realmente importante na vida é colocar um fim ao sofrimento. Quando eles aprendem a trabalhar em conjunto, podem fazer da sua mente humana uma mente-brahma ilimitada. E mais: a cabeça e o coração podem dominar as causas da felicidade até o ponto em que transcendem a si mesmos, tocando uma dimensão não causada que a cabeça não é capaz de abranger, e uma felicidade tão verdadeira que o coração não precisa mais do desejo.
Tradução para o português de Thiago Sandoval a quem agradecemos por esta contribuição ao Dhamma.
Revisado: 1 Março 2014
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