Atenção Plena nas Sensações
Por
Bhante Henepola Gunaratana
Somente para distribuição gratuita.
Este trabalho pode ser impresso para distribuição gratuita.
Este trabalho pode ser re-formatado e distribuído para uso em computadores e redes de computadores
contanto que nenhum custo seja cobrado pela distribuição ou uso.
De outra forma todos os direitos estão reservados.
Um quarto dos ensinamentos do Buda
tem por base a sensação, que é a primeira verdade do que ele ensinou ao longo
de quarenta e cinco anos. É por não entender essa verdade que estamos atados de
uma forma ou de outra à repetição do ciclo de nascimento e morte. As sensações
também representam um dos quatro fundamentos da atenção plena, tal como exposto
pelo Buda em vários Suttas. Uma pessoa comum e uma pessoa iluminada se diferenciam
pela forma como cada uma responde às sensações. Enquanto que uma pessoa comum,
por exemplo, se apega à sensação prazerosa e rejeita a não prazerosa, a pessoa
iluminada nem se apega à prazerosa, nem rejeita a não prazerosa. Ao invés
disso, ela as encara com atenção plena e sempre mantém a mente em pleno
equilíbrio em relação a ambas.
Todos os seres vivos, sem
exceção, sentem. Não muitos, entretanto, utilizam a sensação como um meio para
obter um insight mais profundo em relação à realidade daquilo que estão
experimentando e ao mesmo tempo evitar uma reação emocional. Aqueles seres
humanos que empregam a mente para pensar e criar estão em uma posição
vantajosa. Infelizmente, no entanto, não são muitos os seres humanos que usam
as suas sensações para desenvolver o seu humanismo ou qualidades humanas.
Existem muitos seres humanos que não aprenderam a usar as suas ilimitadas
capacidades mentais e as sensações para o seu próprio desenvolvimento mental.
Se alguém lhe perguntasse,
“Como vai você?” Você responderia “Muito bem.” Ou “Nunca me senti melhor.” Ou
“Eu estou bem e você?” ou “Eu não me sinto muito bem hoje.” Ou “Eu me sinto um
pouco enjoado.” Ou “Eu estou me sentindo muito mal hoje.” Você estaria
expressando as suas sensações sem dar uma razão particular porque estaria se
sentindo assim. Se você fosse fazer uma análise psicológica faria uma distinção
entre emoções e sensações. Na linguagem cotidiana, no entanto, você usa esses
dois termos indiscriminadamente. Para
manter a coerência neste artigo, eu também, portanto, usarei o termo
“sensações” indiscriminadamente significando ambos “emoções” e “sensações”. É
melhor deixar a diferença entre esses dois termos de lado até que você tenha
terminado de ler este artigo. Não estou tentando fazer aqui uma análise neurológica
de como a sensação ocorre. Meu objetivo é indicar como as sensações podem ser
usadas como um objeto para o treinamento da atenção plena, de forma que você
possa ser capaz de viver com todos os tipos de sensações sem que corra o risco
de sofrer um colapso nervoso.
A sensação deveria ser
usada como um mecanismo para obter um insight profundo sobre a realidade das
sensações. Sabemos que, do momento em que nascemos até o último suspiro,
funcionamos à base de sensações. As sensações surgem da periferia devido a um
contato específico, ou de dentro, do fundo do nosso próprio estado mental,
devido a um contato que deixou uma marca. Assim que os nossos sentidos entram
em contato com os objetos nos tornamos conscientes das nossas sensações
provocadas pelo contato periférico. As sensações principiam ao mesmo tempo que
o desenvolvimento do nosso sistema nervoso central, elas estiveram presentes
até mesmo quando nos encontrávamos dentro do ventre materno. Quando nossa mãe
comia uma comida quente, sentíamos o calor. Quando ela comia uma comida fria,
sentíamos o frio. Quando ela estava com raiva, sentíamos a sua agitação e
tensão. Quando ela se movia sentíamos os seus movimentos. Quando ela cantava
ouvíamos a sua voz. Quando ela chorava ouvíamos o seu choro. Também ouvíamos o
seu riso. Embora não sejamos capazes de nos lembrar de tudo isso, apesar disso,
sentimos tudo.
Assim que nascemos
choramos, não somente porque sentimos tristeza por ter que deixar o ventre
materno, ou porque pensamos que por não chorar não nos dariam atenção, mas
porque sentimos a mudança de ambiente. Do ambiente escuro, quente e confortável
na barriga da mãe, fomos empurrados para um ambiente desconfortável, frio, com
uma luz brilhante que nos cega, cercado por várias pessoas. Nunca havíamos experimentado
aquilo antes. Do momento em que começamos a luta pela vida como um organismo
unicelular, estivemos experimentando sensações. Do momento em que as nossas
células nervosas ou neurônios começaram a se desenvolver, experimentamos
sensações. Quando a sensação nos agrada queremos mais daquilo e quando a
sensação é desagradável queremos rejeitar aquilo. Essa é a nossa reação
natural. Toda nossa busca – esforço, realizações, melhorias, desenvolvimentos,
invenções, trabalhando duro ou não, desejando viver ou não – depende de como
nos sintamos. Nossa busca por comida, roupas, medicamentos, abrigo, sexo,
calor, frio e muito mais, depende das nossas sensações. Quando sentimos frio,
procuramos o calor. Quando estamos famintos, procuramos por comida. Quando queremos
evacuar, buscamos um lugar adequado para satisfazer aquela sensação. Temos
feito descobertas, produzido, desenvolvido ou melhorado muitas coisas devido
àquilo que sentimos. Criamos e procriamos de acordo com as nossas sensações.
Até mesmo o nosso raciocínio teve início a partir das nossas sensações. Tudo
aquilo que fazemos depende das nossas sensações. Nossa reação a uma dada
situação depende de como nos sintamos. Depois de reagir a uma determinada
situação pode ser que racionalizemos nossa reação. Todas as nossas reações
emocionais dependem de como nos sintamos em relação à situação. Repetidas
reações emocionais em relação a sensações gradualmente alimentam o nosso ego.
Quando a reação emocional se converte num hábito, racionalizamos a nossa reação
emocional e nos defendemos dizendo, “Tenho todo direito de defender-me se
alguém me magoa.”
Quando começamos a entender
a natureza universal das sensações começamos a treinar a nossa mente, a usá-la
para o benefício de todos os seres vivos, ao invés de sermos egoístas. Quando
aprendemos a treinar as nossas mentes para usar as sensações como objeto do
nosso desenvolvimento mental, aprendemos mais a seu respeito e fazemos pleno
uso delas com entendimento mais profundo. Ao universalizar as suas sensações,
você se torna mais atento, evitando dizer coisas que possam magoar outras
pessoas. Tampouco fará algo que resulte na destruição de qualquer ser vivo.
Todos os seres vivos temem a morte. É claro que se você ignorar os sentimentos
dos outros encontrará justificativa para fazer qualquer coisa. Na maioria das
vezes, a sua justificativa virá desprovida de qualquer sentimento. Você
racionalizará qualquer coisa se puder ignorar os sentimentos dos outros. Essa é
uma atitude típica dos fanáticos religiosos. Algumas pessoas, ao mesmo tempo em
que colocam a sua própria religião no pedestal mais alto, usam linguagem
abusiva e depreciativa para atacar as pessoas que pertencem a outras religiões,
porque elas ignoram os seus sentimentos.
Esses são apenas alguns
poucos exemplos de quanto você pode sofrer por causa das suas próprias
sensações. Se você encarasse as suas sensações com compreensão, você não se
sentiria tão perturbado em encontrar alguém diferente de você. Você não ficaria
irritado se alguém falasse num idioma que você não compreende. Se você
compreender a natureza das sensações poderá ouvir as queixas de dor de uma
outra pessoa sem que você mesmo comece a se queixar. Se você não compreender as
sensações você poderá ser bastante insolente, arrogante e ofensivo, e mais tarde
sofrer muito por tal comportamento.
Ao treinar a si mesmo para
ter a atenção plena nas sensações toda a sua atitude irá mudar e você se
sentirá mais à vontade ao notar as diferenças que há no mundo. Observe a sua
sensação – prazerosa, não prazerosa ou neutra – foque a sua total atenção na
sensação sem pensar ou dizer, “Ah! Minha cabeça dói,” ou “Minha perna dói,”
etc. A não ser que você dedique total atenção à sensação, você não conseguirá
saber o que está por detrás dela. Concentre total atenção na sua própria
sensação e comece a observar a sensação prazerosa que está por detrás da
sensação não prazerosa. Somente dando total atenção a algo você poderá notar o
que se encontra por trás daquilo. Se você tiver paciência suficiente para
observar a sua sensação, você também irá notar que ela está sempre mudando.
Você não notaria essa mudança na sensação se não prestasse atenção nela. É a
sua atenção, não a palavra, que traz as coisas para a superfície da sua mente.
Suponha que você se sinta
deprimido. Se você prestar total atenção a esse sentimento sem adicionar
nenhuma emoção, você irá notar a sua depressão diminuir gradualmente. É claro
que você poderá fazer com que a sua depressão se torne ainda mais miserável e
poderá até mergulhar num processo maníaco depressivo por vários dias, se você
se apegar a ela. Ou você poderá se livrar dela rapidamente, se aprender a
aceitar a realidade de que as suas sensações mudam a cada instante. Ainda bem
que até mesmo as sensações desagradáveis são impermanentes.
Suponha que você desperte
uma manhã com uma terrível dor de cabeça. Imediatamente encontre um lugar
razoavelmente tranqüilo na sua casa ou apartamento e passe algum tempo sentado
quieto, fechando os olhos e observando a sua dor de cabeça sem assumir ou
preocupar-se com nada, mas prestando total atenção na dor. Em breve você irá
notar que a sua dor de cabeça irá diminuir gradualmente. Mas se você ficar
preocupado por causa da dor, poderá fazer com que a dor de cabeça piore ao
adicionar-lhe mais pressão ou tensão porque você adicionou outra sensação
– preocupação – ao invés de lidar com
apenas uma sensação –dor de cabeça.
Suponha que numa noite ou
por várias noites seguidas você não consiga dormir. Na manhã seguinte você
acorda e se sente um tanto desconfortável. Se você começar a se preocupar pelo
fato de não dormir, poderá ter ainda mais sensações desconfortáveis. Agora, é
essa preocupação, não a falta de sono que causa o maior desconforto. Se, por
outro lado, você fica tranqüilo e não se preocupa por não ter uma boa noite de
sono, você se sentirá melhor. Isso significa que você poderá usar as suas
sensações para sentir-se confortável ou desconfortável, dependendo da forma
como você lida com as suas sensações.
Suponha que um certo dia você
se sinta bastante tranqüilo, feliz e contente. Olhe para essa sensação tal como
ela é e tente prestar total atenção nela. Enquanto você estiver se sentindo
tranqüilo, feliz e contente tente prestar total atenção a essa sensação e
permita que ela desapareça quando começar a desaparecer. Não tente fazer com
que ela seja permanente. Se essa sensação desaparecer não fique aborrecido;
simplesmente aceite o desaparecimento. Receba as coisas como elas são. Ao
aceitá-lo você permite a si mesmo recriar essa sensação na sua mente numa outra
ocasião. Se você se preocupa com o seu desaparecimento não irá permitir que ela
retorne. Aceitando o desaparecimento da sua sensação agradável, você na verdade
está aprendendo a relaxar e sentir-se confortável com as mudanças nas suas
sensações. Você não pode forçar uma sensação a permanecer com você de acordo
com os seus desejos. Ela escapa do seu controle. E quanto mais você tentar mantê-la com você, mais rápido ela
desaparecerá. Se você simplesmente aceitá-la quando surgir e soltá-la quando se
for, irá manter o seu equilíbrio e isso permitirá que você relaxe.
Da mesma forma, se surgir
uma sensação desagradável, não tente rejeitá-la ou afastá-la prematuramente.
Demora algum tempo para que uma sensação desapareça. Você também deve cultivar
a paciência com as sensações desagradáveis. Se você perder a paciência, irá
perder aquilo de agradável que pode vir em seguida ao desagradável e até
exagerá-lo. Quando você não dá muita importância ao fato, você simplifica as
coisas e as torna mais confortáveis para você mesmo. Simplesmente, preste total
atenção à sua sensação desagradável. Você pode sentir uma certa sensação
desagradável devido a um desequilíbrio químico no seu cérebro. Você tem que
admitir, quer goste ou não, que as coisas no seu corpo e mente estão mudando
todo o tempo. Se você experimentar sensações desagradáveis devido a um
desequilíbrio hormonal, você poderá prolongar o desequilíbrio pelo fato de se
preocupar ou de se impacientar. Se você relaxar e prestar total atenção ao
desequilíbrio hormonal, a sua mente irá gerar hormônios melhores e mais
positivos para superar o desequilíbrio.
Sem se dar conta, você
cultiva uma certa atitude mental em relação a muitas coisas e pessoas. Essa
atitude pode causar sensações agradáveis ou desagradáveis. Ao olhar para o seu
estado mental com atenção plena, você verá que é a sua própria atitude que
criou aquele estado mental que resulta numa sensação ou outra. A sensação não
se origina do objeto que você percebe mas do seu próprio estado ou atitude
mental. É por essa razão que quando várias pessoas olham para um mesmo objeto
elas podem ter diferentes sensações e diferentes opiniões sobre o objeto.
Se você observar a sua
mente e sensações com atenção plena, verá de modo claro e inequívoco que aquilo
que você está sentindo é a sua própria criação e que você é totalmente
responsável por ela. Observar com atenção plena a mudança contínua das suas
sensações poderá fazer você evitar as reações emocionais e ver a verdade das
suas sensações. A atenção plena nas sensações não fará com que você tenha
pensamentos obsessivos, ou pensamentos abusivos, ou pensamentos maléficos. Ao
pensar sem atenção plena você abusa da sua mente. A mente que é abusada sempre
produz sensações abusivas, que são sempre dolorosas.
Nota: Veja também o Sallatha
Sutta – SN XXXVI.6 e o Satipatthana Sutta – MN 10
Revisado: 9 Março 2002
Copyright © 2000 - 2021, Acesso ao Insight - Michael Beisert: editor, Flavio Maia: designer.