A Bem-aventurança em Abrir Mão
Por
Ajaan Brahmavamso
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No mundo Budista de hoje há muita discussão entre os meditadores sobre a relevância de jhana. A primeira pergunta geralmente feita: "É necessário primeiro experimentar jhana para tornar-se plenamente iluminado (arahant), ou será possível realizar o objetivo supremo, sem qualquer experiência de jhana?"
Quem faz essa pergunta geralmente são aqueles que ainda não experimentaram jhana. É difícil fazer aquilo que é necessário para experimentar jhana; por isso a maioria das pessoas fazem essa pergunta querendo ouvir que jhana não é essencial. Elas querem ouvir que a sua inabilidade não é um obstáculo. Elas querem um acesso rápido e fácil a nibbana. Essas pessoas ficarão satisfeitas, e até mesmo inspiradas, por algum professor que lhes diga o que elas querem ouvir de qualquer jeito - que esses estados de jhana são desnecessários - e elas irão seguir esses ensinamentos, porque é conveniente. Infelizmente, a verdade raramente é conveniente, e raramente está de acordo com o que queremos ouvir.
Por outro lado, um meditador que tenha familiaridade com os jhanas irá reconhecê-los como estados de bem-aventurança originários de abrir mão, e é nesse ponto mesmo, na experiência de abrir mão, do abandono, que a relevância de jhana é compreendida. O primeiro jhana é o resultado natural do abandono da preocupação com o prazer dos sentidos (kama sukha), pelo qual se entende toda a preocupação com o mundo dos cinco sentidos externos (visão, audição, olfato, paladar e toque), e até mesmo com o mero conforto. No primeiro jhana, através da remoção completa e sustentada de todo o interesse pelos cinco sentidos, o praticante perde toda a noção do corpo, e os cinco sentidos externos desaparecem. Ele permanece por completo no sexto sentido que é a mente pura, na quietude, no prazer e felicidade do silêncio interior. O Buda chamou isso de "o prazer da renúncia", ou a felicidade em abrir mão. O segundo jhana é o resultado natural do abandono do movimento muito sutil da atenção na direção, e o apego, ao objeto mental prazeroso. Quando esta 'oscilação' da atenção é finalmente abandonada, o praticante experimenta ainda mais prazer e felicidade originário da completa quietude interior (samadhi), em que a mente está absolutamente unificada e imóvel. O terceiro jhana é o resultado natural do abandono da excitação sutil do prazer, e o quarto jhana é o resultado natural do abandono da própria felicidade, desfrutando então a mais profunda e imóvel equanimidade mental.
No Budismo, a experiência, não a especulação, e muito menos a crença cega, é o critério para o entendimento. Um meditador simplesmente não compreende o significado completo de quietude, prazer, felicidade ou equanimidade, até que tenha se familiarizado com os jhanas. Mas a experiência dos jhanas, esses estágios de abrir mão, proporcionam o entendimento direto, com base na experiência, desses fenômenos mentais, em especial a felicidade (sukha) e o sofrimento (dukkha).
É semelhante a um girino que passou toda a sua vida na água, mas que não é capaz de entender a água, porque ele não conhece nada além disso. Então, ao tornar-se um sapo, ele deixa a água e vai para a terra seca, e assim compreende tanto a natureza da água como a forma de superá-la. Nesta comparação, a água equivale a dukkha, a terra seca a jhana (não nibbana! - pois o sapo ainda leva para a terra seca um pouco de água na sua pele), e a forma de superá-la significa abir mão.
Desta forma, a prática de jhana revela o caminho para a completa extinção de dukkha. O meditador que experimenta jhana eventualmente irá se perguntar: "Por que esses jhanas são tão profundamente prazerosos?" Ele irá descobrir por si mesmo a resposta óbvia - "Porque são estágios de abandono daquilo que ele agora vê como formas sutis de sofrimento!" Quando alguém está familiarizado com os jhanas e compreende a origem da felicidade neles, irá ver por si mesmo que todos os prazeres mundanos, ou seja, dos cinco sentidos externos (que incluem a sexualidade), são simplesmente dukkha. O apego ao corpo e às suas aventuras sensoriais começará a desaparecer. Ele irá entender com clareza porque todos os Seres Iluminados são celibatários. Então, na medida em que progredir para os jhanas mais elevados e contemplar porque cada um é ainda mais prazeroso, ele compreende que é devido ao abandono de apegos mentais muito sutis, tais como o apego ao prazer, à felicidade e à equanimidade. Fica evidente que mesmo esses estados mentais mais sublimes são apenas formas refinadas de sofrimento, porque ao abrir mão deles, em seguida, mais sofrimento também é abandonado. Quanto mais longe for o praticante, mais dukkha é abandonado, e através deste processo ocorre a compreensão de dukkha. Não é possível conhecer por completo a Verdade do Sofrimento, e por conseguinte as Quatro Nobres Verdades do Buda, exceto abrindo mão do sofrimento através da experiência de jhana.
É muito estranho, portanto, que algumas pessoas sugerem que a prática de jhana conduz ao apego. Como é possível que a prática de abrir mão, do abandono, conduza ao apego? Na verdade, o Buda disse repetidamente que esses jhanas não devem ser temidos, mas devem ser desenvolvidos, e que quando alguém se entrega aos jhanas regularmente, estes conduzem aos estados de sotapanna, sakadagami, anagami, e arahant, os quatro estágios da Iluminação, (veja o Pasadika Sutta).
Uma vez que a completa iluminação seja atingida e que todos os apegos tenham sido removidos, então o processo de abrir mão e penetrar os jhanas se torna tão natural como uma folha que cai de uma árvore até o chão. Na verdade, a habilidade que alguém tenha para o abandono e experimentar jhana, é uma medida de sua verdadeira compreensão do Dhamma, e da conseqüente ausência de apego.
Fonte:
BSWA Newsletter, Mar / Jun 1997
Revisado: 15 Dezembro 2012
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