Majjhima Nikaya 95
Canki Sutta
Canki
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1. Assim
ouvi. [1] Em certa ocasião o Abençoado estava perambulando
por Kosala com uma grande sangha de bhikkhus até que por fim acabou chegando em um vilarejo brâmane denominado Opasada. Lá o Abençoado
ficou no Bosque dos Devas, [2] o Bosque da
árvore Sal ao norte de Opasada.
2. Agora naquela ocasião o brâmane Canki era o regente de Opasada, uma
propriedade real com muitos habitantes, rica em pastagens, árvores, rios e
grãos, uma concessão real, uma doação sagrada que lhe foi dada pelo rei
Pasenadi de Kosala.
3. Os
brâmanes chefes de família de Opasada ouviram: “Gotama o contemplativo, o filho
dos Sakyas, que adotou a vida santa deixando o clã dos Sakyas, andava
perambulando em Kosala com um grande número de bhikkhus, com quinhentos
bhikkhus, chegou em Opasada. E acerca desse mestre
Gotama existe essa boa reputação: ‘Esse Abençoado é um arahant,
perfeitamente iluminado, consumado no verdadeiro conhecimento e conduta,
bem-aventurado, conhecedor dos mundos, um líder insuperável de pessoas
preparadas para serem treinadas, mestre de devas e humanos, desperto, sublime.
Ele declara - tendo realizado por si próprio com o conhecimento direto - este
mundo com os seus devas, maras e brahmas, esta população com seus contemplativos
e brâmanes, seus príncipes e povo. Ele ensina o Dhamma, com o significado e
fraseado corretos, que é admirável no início, admirável no meio, admirável no
final; e ele revela uma vida santa que é completamente perfeita e imaculada. É
bom poder encontrar alguém tão nobre.’
4. Assim,
os brâmanes chefes de família de Opasada saíram de Opasada em grupos e bandos e
se dirigiram para o norte, para o Bosque dos Devas, o Bosque da árvore Sal.
5. Agora
naquela ocasião o brâmane Canki havia se retirado para o andar superior do seu
palácio para a sesta. Então ele viu os brâmanes chefes de família de Opasada
saindo de Opasada em grupos e bandos e se dirigindo para o norte, para o Bosque
dos Devas, o Bosque da árvore Sal. Ao vê-los ele perguntou ao seu ministro:
“Estimado ministro, porque os brâmanes chefes de família de Opasada estão
saindo de Opasada em grupos e bandos e se dirigindo para o norte, para o Bosque
dos Devas, o Bosque da árvore Sal?”
6. “Senhor,
ali se encontra Gotama o contemplativo, o filho dos Sakyas, que adotou a vida
santa deixando o clã dos Sakyas, que andava perambulando em Kosala...(igual
ao verso 3)...Eles estão indo ver esse Mestre Gotama.”
‘Então,
estimado ministro, vá até os brâmanes chefes de família de Opasada e lhes diga:
‘Senhores, o brâmane Canki diz o seguinte: ‘Por favor
esperem, senhores. O Brâmane Canki também irá ver o contemplativo Gotama.’”
“Sim,
senhor,” o ministro respondeu e foi até os brâmanes chefes de família de
Opasada e lhes disse a mensagem.
7. Agora
naquela ocasião quinhentos brâmanes de várias regiões estavam em Opasada por questões
de negócios. Eles ouviram: “Estão dizendo, que o brâmane Canki está indo ver o
contemplativo Gotama.” Eles foram até o brâmane Canki e lhe perguntaram:
“Senhor, é verdade que você irá ver o contemplativo Gotama?” “Assim é, senhores. Eu irei ver o contemplativo Gotama.”
8. “Senhor,
não vá ver o contemplativo Gotama. Não é apropriado, Mestre Canki, que você vá
ver o contemplativo Gotama; ao invés disso, é apropriado que o contemplativo
Gotama venha vê-lo. Pois você, senhor, é bem nascido pelos dois lados, com a
descendência pura por parte da mãe e do pai por sete gerações, inatacável e
impecável com respeito ao nascimento. Sendo assim, Mestre Canki, não é
apropriado que você vá ver o contemplativo Gotama; ao invés disso, é apropriado
que o contemplativo Gotama venha vê-lo. Você, senhor, é rico, com grande
riqueza e grandes posses. Você, senhor, é um mestre dos três Vedas com os seus
mantras, liturgia, fonologia e etimologia e as histórias como quinto elemento;
hábil em filologia e gramática, você é um perito em filosofia natural e nas
marcas de um grande homem. Você, senhor, é belo, atraente e elegante, possuindo
uma complexão de beleza suprema, com uma beleza e uma presença sublime, digno
de ser contemplado. Você, senhor, é virtuoso, com a virtude madura, possuindo
virtude amadurecida. Você, senhor, é um bom orador com boa comunicação; você
diz palavras que são corteses, distintas, imaculadas e que transmitem o
significado. Você, senhor, ensina os mestres de muitos e ensina
a recitação dos mantras para trezentos estudantes brâmanes. Você, senhor, é
honrado, respeitado, reverenciado, venerado e estimado pelo brâmane
Pokkharasati. [3] Você, senhor, governa
Opasada, uma propriedade real com muitos habitantes...uma doação sagrada que
lhe foi dada pelo rei Pasenadi de Kosala. Sendo assim, Mestre Canki, não é
apropriado que você vá ver o contemplativo Gotama; ao invés disso, é apropriado
que o contemplativo Gotama venha vê-lo.”
9. Quando isso foi dito, o brâmane Canki disse para aqueles brâmanes:
“Agora, senhores, ouçam de mim porque é apropriado que eu vá ver o
contemplativo Gotama e porque não é apropriado que o Mestre Gotama venha me
ver. Senhores, o contemplativo Gotama é bem nascido pelos dois lados, com a
descendência pura por parte da mãe e do pai por sete gerações, inatacável e
impecável com respeito ao nascimento. Sendo assim, é apropriado que eu vá ver o
contemplativo Gotama e não é apropriado que o Mestre Gotama venha me ver.
Senhores, o contemplativo Gotama adotou a vida santa abandonando muito ouro e riquezas armazenados em cofres e depósitos. Senhores, o
contemplativo Gotama deixou a vida em família e seguiu a vida santa ainda
jovem, um homem jovem com o cabelo negro, dotado com as bênçãos da juventude,
na flor da juventude. Senhores, o contemplativo Gotama raspou o cabelo e barba,
vestiu o manto de cor ocre e deixou a vida em família e seguiu a vida santa
embora a sua mãe e o seu pai desejassem outra coisa e chorassem com o rosto
coberto de lágrimas. Senhores, o contemplativo Gotama é belo, atraente e
elegante, possuindo uma complexão de beleza suprema, com uma beleza e uma
presença sublime, digno de ser contemplado. Senhores, o contemplativo Gotama é
virtuoso, com a virtude madura, possuindo virtude amadurecida. Senhores, o
contemplativo Gotama é um bom orador com boa comunicação; ele diz palavras que
são corteses, distintas, imaculadas e que transmitem o significado. Senhores, o
contemplativo Gotama é o mestre dos mestres de muitos. Senhores, o
contemplativo Gotama está livre da cobiça sensual e sem vaidade pessoal.
Senhores, o contemplativo Gotama possui a doutrina da eficácia moral da ação, a
doutrina da eficácia moral dos atos; ele não busca prejudicar os brâmanes. Senhores,
o contemplativo Gotama deixou uma família aristocrática, uma das famílias
nobres originais. Senhores, o contemplativo Gotama deixou uma família rica, uma
família com grande riqueza e grandes posses. Senhores, as pessoas vêm de reinos
remotos, de distritos remotos para inquirir o contemplativo Gotama. Senhores,
muitos milhares de devas buscaram refúgio pelo resto da vida no contemplativo
Gotama. Senhores, acerca desse contemplativo Gotama existe essa boa reputação:
‘Esse Abençoado é um arahant, perfeitamente iluminado, consumado no
verdadeiro conhecimento e conduta, bem-aventurado, conhecedor dos mundos, um
líder insuperável de pessoas preparadas para serem treinadas, mestre de devas e
humanos, desperto, sublime.’ Senhores, o
contemplativo Gotama possui as trinta e duas marcas de um Grande Homem.
Senhores, o rei Seniya Bimbisara de Magadha e a sua esposa e filhos buscaram
refúgio pelo resto da vida no contemplativo Gotama. Senhores, o rei Pasenadi de
Kosala e a sua esposa e filhos buscaram refúgio pelo resto da vida no
contemplativo Gotama. Senhores, o brâmane Pokkharasati e a sua esposa e filhos
buscaram refúgio pelo resto da vida no contemplativo Gotama. Senhores, o
contemplativo Gotama chegou em Opasada e está no
Bosque dos Devas, o Bosque da árvore Sal ao norte de Opasada. Agora todos os
contemplativos e brâmanes que chegam na nossa cidade
são nossos hóspedes e hóspedes devem ser honrados, respeitados, reverenciados e
venerados por nós. Visto que o contemplativo Gotama chegou em
Opasada, ele é nosso hóspede e como nosso hóspede ele deve ser honrado,
respeitado, reverenciado e venerado por nós. Sendo assim, senhores
não é apropriado que o Mestre Gotama venha me ver; ao invés disso, é
apropriado que eu vá ver o Mestre Gotama.
“Senhores,
esse é o tanto de méritos do Mestre Gotama que eu aprendi, mas o mérito do
Mestre Gotama não está limitado a isso, pois o mérito do Mestre Gotama é
imensurável. Visto que o Mestre Gotama possui cada um desses fatores, não é
apropriado que ele venha me ver; ao invés disso, é apropriado que eu vá ver o
Mestre Gotama. Portanto, senhores, vamos todos ver o contemplativo Gotama.”
10. Então o
brâmane Canki, junto com um grande grupo de brâmanes, foi até o Abençoado e
ambos se cuprimentaram. Quando a conversa amigável e cortês havia terminado ele
sentou a um lado.
11. Agora
naquela ocasião o Abençoado estava sentado concluindo uma conversa amigável com
um grupo de brâmanes eminentes. Sentado na assembléia estava um estudante
brâmane chamado Kapathika. Jovem, com a cabeça raspada, dezesseis anos de
idade, ele era um mestre nos três Vedas, os seus mantras, liturgia, fonologia e
etimologia e as histórias como quinto elemento; hábil em filologia e gramática,
um perito em filosofia natural e nas marcas de um grande homem. Enquanto os
brâmanes eminentes estavam conversando com o Abençoado ele com freqüência
interrompia a conversa. Então o Abençoado censurou o estudante brâmane
Kapathika da seguinte forma: “Que o venerável Bharadvaja não interrompa a
conversa dos eminentes brâmanes. Que o venerável Bharadvaja espere até que a
conversa termine.”
Quando isso
foi dito, o brâmane Canki disse para o Abençoado: “Que o Mestre Gotama não
censure o estudante brâmane Kapathika, o estudante brâmane Kapathika é um
membro de um clã, ele é um erudito, ele comunica bem, ele é sábio; ele tem
capacidade para participar desta discussão com o Mestre Gotama.”
12. Então o
Abençoado pensou: “Com certeza, já que os brâmanes o respeitam dessa forma, o
estudante brâmane Kapathika deve ter maestria nas escrituras dos três Vedas.”
Então o
estudante brâmane Kapathika pensou: “Quando o contemplativo Gotama olhar nos
meus olhos, eu lhe farei uma pergunta.”
Então,
sabendo com a sua própria mente do pensamento na mente do estudante brâmane
Kapathika, o Abençoado virou os olhos na direção dele.
Então o estudante brâmane Kapathika pensou: “O contemplativo Gotama virou na
minha direção. E se eu lhe fizesse uma pergunta.” Então ele disse para o
Abençoado: “Mestre Gotama com relação aos antigos mantras e a coleção de
escrituras dos brâmanes que foram transmitidas oralmente, os brâmanes chegam a
uma conclusão definitiva: ‘Somente isto é verdadeiro, todo o restante é falso.
O que o Mestre Gotama diz disso?’”
13. Como então, Bharadvaja, entre os brâmanes existe pelo menos um
brâmane que diga isto: ‘Eu conheço isso, eu vi isso: somente isso é verdadeiro,
todo o restante é falso’?” – “Não, Mestre Gotama.”
Como então,
Bharadvaja, entre os brâmanes existe pelo menos um mestre ou um mestre de um
mestre nas últimas sete gerações de mestres que tenha dito isto: ‘Eu conheço
isso, eu vi isso: somente isso é verdadeiro, todo o restante é falso’?” – “Não, Mestre Gotama.”
Como então, Bharadvaja, os antigos brâmanes videntes, os criadores dos
mantras, os compositores dos mantras antigos, que antigamente eram recitados,
falados e compilados, e que ainda hoje os brâmanes recitam e repetem, repetindo
o que foi dito e recitando o que foi recitado – isto é, Atthaka, Vamaka,
Vamadeva, Vessamitta, Yamataggi, Angirasa, Bharadvaja, Vasettha, Kassapa e
Bhagu [4] – pelo menos esses antigos brâmanes
videntes diziam isto: ‘Nós conhecemos isso, nós vimos isso: somente isso é verdadeiro, todo o
restante é falso’?” – “Não, Mestre Gotama.”
“Portanto,
Bharadvaja, parece que entre os brâmanes não existe nem pelo menos um que diga
isto: ‘Eu conheço isso, eu vi isso: somente isso é verdadeiro, todo o restante
é falso.’ E entre os brâmanes não existe nem pelo
menos um mestre ou um mestre de um mestre nas últimas sete gerações de mestres
que tenha dito isto: ‘Eu conheço isso, eu vi isso: somente isso é verdadeiro,
todo o restante é falso.’ E entre os antigos brâmanes videntes, os criadores
dos mantras, os compositores dos mantras ... até mesmo esses antigos brâmanes videntes
não diziam isto: ‘Nós conhecemos isso, nós vimos isso: somente isso é
verdadeiro, todo o restante é falso.’ Suponha que houvesse uma fila de homens
cegos cada um em contato com o seguinte: o primeiro não vê, o do meio não vê, e
o último não vê. Da mesma forma, Bharadvaja, em relação às suas afirmações os
brâmanes se parecem a uma fila de homens cegos: o primeiro não vê, o do meio
não vê, e o último não vê. O que você pensa, Bharadvaja, em sendo assim, a fé
dos brâmanes não se torna sem fundamento?”
14. “Os brâmanes honram isso não somente pela fé, Mestre Gotama. Eles
também honram isso como tradição oral.”
“Bharadvaja,
primeiro você tomou uma posição com a fé, agora você fala de tradição oral.
Existem cinco coisas, Bharadvaja, que podem ter dois tipos de resultados no
aqui e agora. Quais cinco? [Conhecimento baseado na] Fé, preferência, tradição,
razão e idéias. [5] Essas cinco
coisas podem ter dois tipos de resultados no aqui e agora. Agora, algo pode ser
completamente aceito pela fé e ainda assim ser vazio, oco e falso; mas, alguma
outra coisa pode não ser completamente aceita pela fé e mesmo assim pode ser
factual, verdadeira e certa. Novamente, algo pode ser preferido
... pode ser tradicional ... pode ser cogitado com base na razão ...
pode ser baseado em idéias e no entanto ser vazio, oco e falso; mas alguma
outra coisa pode não ser preferida ... pode não ser tradicional ... pode não
ser cogitada com base na razão ... pode não ser baseada em idéias e mesmo assim
ser factual, verdadeira e certa. Sob essas condições não é apropriado que um
homem sábio, que preserva a verdade, chegue a essa conclusão definitiva:
‘Somente isso é verdadeiro, todo o restante é falso.’”[6]
15. “Mas, Mestre Gotama, de que forma ocorre a preservação da verdade? [7] De que forma uma pessoa preserva a verdade?
Nós perguntamos ao Mestre Gotama sobre a preservação da verdade.”
“Se uma pessoa
possui fé, Bharadvaja, ela preserva a verdade quando ela diz: ‘Minha fé é
assim’; mas ela ainda não chega a esta conclusão definitiva: ‘Somente isso é
verdadeiro, todo o restante é falso.’ Dessa forma,
Bharadvaja, ocorre a preservação da verdade; dessa forma ela preserva a
verdade; dessa forma nós descrevemos a preservação da verdade. Mas até esse
ponto não existe a descoberta da verdade. [8]
“Se uma pessoa prefere algo ... se ela aceita
uma tradição ... se ela chega a uma conclusão baseada na razão ... se
ela aceita alguma idéia, ela preserva a verdade quando ela diz: ‘Eu prefiro
isso ... aceito esta tradição oral ... cheguei a esta conclusão baseado na
razão ... aceito esta idéia’; mas ela ainda não chega a esta conclusão
definitiva: ‘Somente isso é verdadeiro, todo o restante é falso.’ Dessa forma,
Bharadvaja, ocorre a preservação da verdade; dessa forma ela preserva a
verdade; dessa forma nós descrevemos a preservação da verdade. Mas até esse
ponto não existe a descoberta da verdade.”
16. “Dessa
forma, Mestre Gotama, ocorre a preservação da verdade;
dessa forma uma pessoa preserva a verdade; dessa forma nós reconhecemos a
preservação da verdade. Mas de que forma, Mestre Gotama, ocorre a descoberta da
verdade? De que forma uma pessoa descobre a verdade? Nós perguntamos ao Mestre
Gotama sobre a descoberta da verdade.”
17. “Aqui,
Bharadvaja, um bhikkhu pode estar vivendo na dependência de algum vilarejo ou
cidade. [9] Então, um chefe de família, ou o
filho de um chefe de família vai até ele e o examina em relação a três tipos
de estados: em relação aos estados baseados na cobiça, em relação aos estados
baseados na raiva e em relação aos estados baseados na delusão: ‘Nesse
venerável existe algum estado baseado na cobiça de tal forma que com a mente
obcecada por esse estado e apesar de não saber, ele possa dizer, “Eu sei,” ou
sem ver, ele possa dizer, “Eu vejo,” ou ele possa incitar os outros a agirem de
forma a causar o próprio dano e sofrimento por muito tempo?’
Ao examiná-lo ele chega à conclusão: ‘Não existem estados baseados na cobiça
neste venerável. O comportamento corporal e o comportamento verbal deste
venerável não são aqueles de alguém afetado pela cobiça. E o Dhamma que este
venerável ensina é profundo, difícil de ser visto e difícil de ser
compreendido, pacífico, sublime, que não pode ser alcançado pelo mero
raciocínio, sutil, para ser experimentado por um sábio. Este Dhamma não pode ser facilmente
ensinado por alguém afetado pela cobiça.’
18. “Ao
tê-lo examinado e visto que ele está purificado de estados baseados na cobiça,
ele em seguida o examina com relação a estados baseados na raiva: ‘Nesse
venerável existe algum estado baseado na raiva de tal forma que com a mente
obcecada por esse estado e apesar de não saber, ele possa dizer, “Eu sei,” ou
sem ver ele possa dizer, “Eu vejo,” ou ele possa incitar os outros a agirem de
forma a causar o seu próprio dano e sofrimento por muito tempo?’
Ao examiná-lo ele chega à conclusão: ‘Não existem estados baseados na raiva
neste venerável. O comportamento corporal e o comportamento verbal deste
venerável não são aqueles de alguém afetado pela raiva. E o Dhamma que este
venerável ensina é profundo, difícil de ser visto e difícil de ser
compreendido, pacífico, sublime, que não pode ser alcançado pelo mero
raciocínio, sutil, para ser experimentado por um sábio. Este Dhamma não pode
ser facilmente ensinado por alguém afetado pela raiva.’
19. “Ao
tê-lo examinado e visto que ele está purificado de estados baseados na raiva,
ele em seguida o examina com relação a estados baseados na delusão: ‘Nesse
venerável existe algum estado baseado na delusão de tal forma que com a mente
obcecada por esse estado e apesar de não saber, ele possa dizer, “Eu sei,” ou
sem ver ele possa dizer, “Eu vejo,” ou ele possa incitar os outros a agirem de
forma a causar o seu próprio dano e sofrimento por muito tempo?’
Ao examiná-lo ele chega à conclusão: ‘Não existem estados baseados na delusão
neste venerável. O comportamento corporal e o comportamento verbal deste
venerável não são aqueles de alguém afetado pela delusão. E o Dhamma que este
venerável ensina é profundo, difícil de ser visto e difícil de ser
compreendido, pacífico, sublime, que não pode ser alcançado pelo mero
raciocínio, sutil, para ser experimentado por sábio. Este Dhamma não pode ser
facilmente ensinado por alguém afetado pela delusão.’
20. “Ao
tê-lo examinado e visto que ele está purificado de estados baseados na delusão,
então ele deposita fé nele; cheio de fé ele o visita e o homenageia; ao homenageá-lo,
ele lhe dá ouvidos; ao dar ouvidos, ele ouve o Dhamma; ao ouvir
o Dhamma, ele o memoriza e examina o significado dos ensinamentos que
ele memorizou; ao examinar o significado, ele aceita esses ensinamentos com base
na reflexão; ao obter a aceitação desses ensinamentos baseado na reflexão, a
aspiração brota; ao brotar a aspiração, ele aplica a sua vontade; ao aplicar
a sua vontade, ele examina cuidadosamente; [10] ao examinar cuidadosamente, ele se esforça; [11]
com esforço decidido, ele
realiza com o corpo a verdade suprema, vendo-a e penetrando-a com sabedoria.[12] Dessa forma, Bharadvaja, ocorre a descoberta da verdade; dessa
forma uma pessoa descobre a verdade; dessa forma descrevemos a descoberta da
verdade. Mas ainda não existe a chegada final à verdade.” [13]
21. “Dessa forma, Mestre Gotama, ocorre a
descoberta da verdade; dessa forma uma pessoa descobre a verdade; dessa forma
nós reconhecemos a descoberta da verdade. Mas de que forma, Mestre Gotama,
ocorre a chegada final à verdade? De que forma uma pessoa chega finalmente à
verdade? Nós perguntamos ao Mestre Gotama sobre a chegada final à verdade.”
“A chegada
final à verdade, Bharadvaja, encontra-se na repetição, desenvolvimento e
cultivo dessas mesmas coisas. Dessa forma, Bharadvaja, ocorre a chegada final à verdade; dessa forma uma pessoa chega
finalmente à verdade; dessa forma descrevemos a chegada final à verdade.”
22. “Dessa
forma, Mestre Gotama, ocorre a chegada final à
verdade; dessa forma uma pessoa chega finalmente à verdade; dessa forma nós
reconhecemos a chegada final à verdade. Mas o que, Mestre Gotama, é de maior
auxílio para a chegada final à verdade? Nós perguntamos ao Mestre Gotama qual é
a coisa de maior auxílio para a chegada final à verdade.”
“O esforço
é o que mais auxilia para a chegada final à verdade, Bharadvaja. Se a pessoa
não se esforçar, ela não irá chegar finalmente à verdade; mas porque a pessoa
se esforça, ela irá chegar finalmente à verdade. É por isso que o esforço é o
maior auxílio para a chegada final à verdade.”
23. “Mas o
que, Mestre Gotama, é de maior auxílio no esforço? Nós
perguntamos ao Mestre Gotama qual é a coisa de maior auxílio no esforço.”
“O exame
cuidadoso é o que mais auxilia no esforço, Bharadvaja. Se a pessoa não examinar
cuidadosamente, ela não irá se esforçar; mas porque a pessoa examina
cuidadosamente, ela se esforça. É por isso que o exame cuidadoso é o maior
auxílio no esforço.”
24. “Mas o
que, Mestre Gotama, é de maior auxílio para o exame
cuidadoso? Nós perguntamos ao Mestre Gotama qual é a coisa de maior auxílio no
exame cuidadoso.”
“Aplicação da
vontade é o que mais auxilia no exame cuidadoso, Bharadvaja. Se a pessoa não
aplicar a vontade, ela não irá examinar cuidadosamente; mas porque a pessoa
aplica a vontade, ela examina cuidadosamente. É por isso que a aplicação da
vontade é o maior auxílio no exame cuidadoso.”
25. “Mas o
que, Mestre Gotama, é de maior auxílio na aplicação da
vontade? Nós perguntamos ao Mestre Gotama qual é a coisa de maior auxílio na
aplicação da vontade.”
“Aspiração
é o que mais auxilia na aplicação da vontade, Bharadvaja. Se a pessoa não
despertar a aspiração, ela não irá aplicar a vontade; mas porque a pessoa
desperta a aspiração, ela aplica a vontade. É por isso que a aspiração é o
maior auxílio na aplicação da vontade.”
26. “Mas o
que, Mestre Gotama, é de maior auxílio para a
aspiração? Nós perguntamos ao Mestre Gotama qual é a coisa de maior auxílio
para a aspiração.”
“A
aceitação dos ensinamentos com base na reflexão é o que mais auxilia a
aspiração, Bharadvaja. Se a pessoa não aceitar os ensinamentos com base na
reflexão, a aspiração não irá brotar; mas porque a pessoa aceita os
ensinamentos com base na reflexão, a aspiração brota. É por isso que a
aceitação dos ensinamentos com base na reflexão é o maior auxílio para a
aspiração.”
27. “Mas o
que, Mestre Gotama, é de maior auxílio na aceitação
dos ensinamentos com base na reflexão? Nós perguntamos ao Mestre Gotama qual é
a coisa de maior auxílio na aceitação dos ensinamentos com base na reflexão.”
“O exame do
significado é o que mais auxilia a aceitação dos ensinamentos com base na reflexão,
Bharadvaja. Se a pessoa não examinar o seu significado, a pessoa não irá obter
a aceitação dos ensinamentos baseada na reflexão; mas porque a pessoa examina o
seu significado, ela obtém a aceitação dos ensinamentos baseada na reflexão. É
por isso que o exame do significado é o maior auxílio na aceitação dos
ensinamentos com base na reflexão.”
28. “Mas o
que, Mestre Gotama, é de maior auxílio no exame do
significado? Nós perguntamos ao Mestre Gotama qual é a coisa de maior auxílio
no exame do significado.”
“Memorizar
os ensinamentos é o que mais auxilia no exame do significado, Bharadvaja. Se a
pessoa não memoriza os ensinamentos, a pessoa não irá examinar o seu
significado; mas porque a pessoa memoriza os ensinamentos, ela examina o seu
significado. É por isso que memorizar os ensinamentos é o maior auxílio para o
exame do seu significado.”
29. “Mas o
que, Mestre Gotama, é de maior auxílio para memorizar
os ensinamentos? Nós perguntamos ao Mestre Gotama qual é a coisa de maior
auxílio para memorizar os ensinamentos.”
“Ouvir o
Dhamma é o que mais auxilia a memorizar os ensinamentos, Bharadvaja. Se a
pessoa não ouve o Dhamma, ela
não irá memorizar os ensinamentos; mas porque a pessoa ouve o
Dhamma, ela memoriza os ensinamentos. É por isso que ouvir o Dhamma é o maior
auxílio para memorizar os ensinamentos.”
30. “Mas o
que, Mestre Gotama, é de maior auxílio para ouvir o
Dhamma? Nós perguntamos ao Mestre Gotama qual é a coisa de maior auxílio para
ouvir o Dhamma.”
“Dar
ouvidos é o que mais auxilia para ouvir o Dhamma, Bharadvaja. Se a pessoa não dá ouvidos, ela não
irá ouvir o Dhamma; mas porque a pessoa dá ouvidos, ela ouve o Dhamma. É por
isso que dar ouvidos é o maior auxílio para ouvir o Dhamma.”
31. “Mas o
que, Mestre Gotama, é de maior auxílio para dar
ouvidos? Nós perguntamos ao Mestre Gotama qual é a coisa de maior auxílio para
dar ouvidos.”
“Homenagear
é o que mais auxilia a dar ouvidos, Bharadvaja. Se a pessoa não homenageia, ela não irá dar ouvidos;
mas porque a pessoa homenageia, ela dá ouvidos. É por isso que para dar ouvidos
o maior auxílio é homenagear.”
32. “Mas o
que, Mestre Gotama, é de maior auxílio para
homenagear? Nós perguntamos ao Mestre Gotama qual é a coisa de maior auxílio
para homenagear.”
“Visitar é o
que mais auxilia homenagear, Bharadvaja. Se a pessoa não visita um mestre, ela não irá
homenageá-lo; mas porque a pessoa visita um mestre, ela o homenageia. É por
isso que visitar é o maior auxílio para homenagear.”
33. “Mas o
que, Mestre Gotama, é de maior auxílio para visitar?
Nós perguntamos ao Mestre Gotama qual é a coisa de maior auxílio para visitar.”
“Fé é o que
mais auxilia a visitar, Bharadvaja. Se a fé em um mestre não surgir, a pessoa
não irá visitá-lo; mas porque a fé em um mestre surge, ela o visita. É por isso
que fé é o maior auxílio para visitar.”
34. “Nós
perguntamos ao Mestre Gotama sobre a preservação da verdade e o Mestre Gotama
respondeu sobre a preservação da verdade; nós aprovamos e aceitamos a resposta
e assim estamos satisfeitos. Nós perguntamos ao Mestre Gotama sobre a
descoberta da verdade e o Mestre Gotama respondeu sobre a descoberta da
verdade; nós aprovamos e aceitamos a resposta e assim estamos satisfeitos. Nós
perguntamos ao Mestre Gotama sobre a chegada final à verdade e o Mestre Gotama
respondeu sobre a chegada final à verdade; nós aprovamos e aceitamos a resposta
e assim estamos satisfeitos. Nós perguntamos ao Mestre Gotama sobre a coisa que
mais auxilia para finalmente chegar à verdade e o Mestre Gotama respondeu sobre
a coisa que mais auxilia para finalmente chegar à verdade; nós aprovamos e
aceitamos a resposta e assim estamos satisfeitos. Tudo que perguntamos ao
Mestre Gotama, ele nos respondeu; nós aprovamos e aceitamos a resposta e assim
estamos satisfeitos. Antes, Mestre Gotama, costumávamos
pensar: ‘Quem são esses contemplativos carecas, esses subalternos com a tez
escura, descendentes dos pés do Ancestral, que seriam capazes de entender o
Dhamma?’ [14] Mas o Mestre Gotama incutiu em
mim amor por esses contemplativos, confiança nesses contemplativos, reverência
por esses contemplativos.
35.
“Magnífico, Mestre Gotama! Magnífico! Mestre Gotama esclareceu o Dhamma de
várias formas, como se colocasse em pé o que estava de cabeça para baixo,
revelasse o que estava escondido, mostrasse o caminho para alguém perdido ou
segurasse uma lâmpada no escuro para aqueles que possuem visão pudessem ver as
formas. Eu busco refúgio no Mestre Gotama, no Dhamma e na comunidade de
bhikkhus. Que o Mestre Gotama se lembre de mim como o discípulo leigo que tomou
refúgio, deste dia em diante para o resto da sua vida.”
Notas:
[1] Até o verso 10 este sutta é quase idêntico ao Sonadanda
Sutta (DN 4). [Retorna]
[2] MA: era assim chamado porque ali se faziam oferendas aos devas. [Retorna]
[3] Pokkharasati era um outro próspero brâmane que residia em Ukkattha,
uma propriedade real que lhe havia sido dada pelo rei Pasenadi. No DN 3 ele ouve um discurso do Buda, alcança o estado de
‘entrar na correnteza’ e busca refúgio no Buda, Dhamma e Sangha junto com toda
a família e os seus acompanhantes. [Retorna]
[4] Esses eram os antigos rishis que os brâmanes consideravam como sendo
os autores, mediante inspiração divina, dos mantras védicos. [Retorna]
[5] Em Pali: saddha, ruci, anussava, akaraparivitakka,
ditthinijjhanakkhanti. Dessas cinco razões para estabelecer uma convicção,
as duas primeiras parecem ser na essência emotivas, a
terceira uma aceitação cega da tradição e as duas últimas em sua essência racionais
ou cognitivas. Os ‘dois tipos de resultados’ que cada uma pode ter é verdadeiro
ou falso. [Retorna]
[6] Não é apropriado que ele chegue a essa conclusão porque ele não
verificou pessoalmente a verdade da sua convicção mas
apenas a aceita baseado numa razão que não é capaz de produzir a certeza. [Retorna]
[7] Saccanurakkhana: ou a salvaguarda da verdade, a proteção da
verdade. [Retorna]
[8] Saccanubodha: ou o despertar para a verdade. [Retorna]
[9] O procedimento para a descoberta da verdade recomendado neste sutta
parece ser um aprimoramento da abordagem descrita no MN 47.
[Retorna]
[10] Aplica a vontade com o sentido de desenvolver a mente, fazer aquilo
que é necessário para desenvolver a mente. Examina cuidadosamente, tuleti,de
acordo com MA, ele investiga as coisas em termos das três
características: impermanência, sofrimento e não-eu. Este estágio portanto corresponde à meditação de insight. Tuleti também pode ser interpretado como contempla,
pesa, compara. [Retorna]
[11] Embora a aplicação da vontade (ussahati) pareça ser similar
ao esforço (padahati), o primeiro pode ser entendido como o esforço
realizado antes do insight e o último como o esforço que leva o insight até o
nível dos caminhos supramundanos. [Retorna]
[12] MA: Ele realiza nibbana com o caminho de ‘entrar na correnteza’ e
tendo penetrado as impurezas, ele vê nibbana com sabedoria, fazendo com que se
torne claro e evidente. [Retorna]
[13] Enquanto a descoberta da verdade neste contexto pareça significar realizar
o estado de ‘entrar na correnteza,’ a chegada final à
verdade é a realização completa do estado de arahant. [Retorna]
[14] O “ancestral” (bandhu) é Brahma, que assim era chamado pelos
brâmanes porque eles o consideravam como o seu ancestral. MA explica que os
brâmanes acreditavam que eles eram originários da boca de Brahma, os khattiyas
do peito, os vessas da barriga, os suddas das pernas e os samanas, (contemplativos), das solas dos pés. [Retorna]
Revisado: 20 Fevedreiro 2008
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