Majjhima Nikaya 51

Kandaraka Sutta

Para Kandaraka

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1. Assim ouvi. Em certa ocasião o Abençoado estava em Campa às margens do lago Gaggara com uma grande Sangha de bhikkhus. Então Pessa, o filho do treinador de elefantes e Kandaraka o errante foram até o Abençoado. Pessa, depois de homenagear o Abençoado, sentou a um lado, enquanto que Kandaraka cumprimentou o Abençoado e quando a troca de saudações corteses e amigáveis havia terminado, ele ficou em pé a um lado. [1] Estando ali em pé, ele inspecionou a Sangha de bhikkhus sentados em completo silêncio, [2] e então disse para o Abençoado:

2. “É maravilhoso, Mestre Gotama, é admirável como a Sangha de bhikkhus tem sido conduzida a praticar da forma correta pelo Mestre Gotama. Aqueles que foram Abençoados, arahants, perfeitamente iluminados no passado, no máximo, conduziram a Sangha de bhikkhus apenas a praticar da forma correta como é feito agora pelo Mestre Gotama. E aqueles que serão Abençoados, arahants, perfeitamente iluminados no futuro, no máximo, conduzirão a Sangha de bhikkhus apenas a praticar da forma correta como é feito agora pelo Mestre Gotama.” [3]

3. “Assim é, Kandaraka, assim é! Aqueles que foram Abençoados, arahants, perfeitamente iluminados no passado, no máximo, conduziram a Sangha de bhikkhus apenas a praticar da forma correta como é feito agora por mim. E aqueles que serão Abençoados, arahants, perfeitamente iluminados no futuro, no máximo, conduzirão a Sangha de bhikkhus apenas a praticar da forma correta como é feito agora por mim.

“Kandaraka, nesta Sangha de bhikkhus existem bhikkhus que são arahants, livres das impurezas e que têm vivido a vida santa, fizeram o que deve ser feito, depuseram o fardo, alcançaram o verdadeiro objetivo, destruíram os grilhões da existência e estão completamente libertados através do conhecimento supremo. Nesta Sangha de bhikkhus existem bhikkhus no treinamento superior, com a virtude constante, vivendo uma vida de virtude constante, com sabedoria, vivendo uma vida com sabedoria constante. Eles permanecem com as mentes bem estabelecidas nos quatro fundamentos da atenção plena. [4] Quais quatro? Nesse caso, Kandaraka, um bhikkhu permanece contemplando o corpo como um corpo, ardente, plenamente consciente e com atenção plena, tendo colocado de lado a cobiça e o desprazer pelo mundo. Ele permanece contemplando as sensações como sensações, ardente, plenamente consciente e com atenção plena, tendo colocado de lado a cobiça e o desprazer pelo mundo. Ele permanece contemplando a mente como mente, ardente, plenamente consciente e com atenção plena, tendo colocado de lado a cobiça e o desprazer pelo mundo. Ele permanece contemplando os objetos mentais como objetos mentais, ardente, plenamente consciente e com atenção plena, tendo colocado de lado a cobiça e o desprazer pelo mundo.

4. Quando isso foi dito, Pessa, o filho do treinador de elefantes, disse: “É maravilhoso, venerável senhor, é admirável quão bem os quatro fundamentos da atenção plena foram expostos pelo Abençoado: para a purificação dos seres, para a superação da tristeza e lamentação, para o desaparecimento da dor e da angústia, para realizar o caminho verdadeiro, para realizar Nibbana. De tempos em tempos, venerável senhor, nós pessoas leigas vestidas de branco também permanecemos com as nossas mentes bem estabelecidas nesses quatro fundamentos da atenção plena. [5] Nesse caso, venerável senhor, permanecemos contemplando o corpo como um corpo ... sensações como sensações ... mente como mente ... objetos mentais como objetos mentais, ardentes, plenamente conscientes e com atenção plena, tendo colocado de lado a cobiça e o desprazer pelo mundo. É maravilhoso, venerável senhor, é admirável como no meio do emaranhamento, corrupção e engano dos homens, o Abençoado compreenda aquilo que é benéfico e prejudicial para os seres. Pois a humanidade é emaranhada mas, um animal é mais simples. Venerável senhor, eu sou capaz de conduzir um elefante domável, e no tempo que irá tomar para fazer uma viagem de ida e volta até Campa, o elefante irá tentar todo tipo truque, duplicidade, desonestidade e logro (da qual ele é capaz). [6] Mas, aqueles que são os nossos escravos, mensageiros e serviçais se comportam de uma forma com o corpo, uma outra forma com a linguagem, enquanto que a mente deles opera ainda de uma outra forma. É maravilhoso, venerável senhor, é admirável como no meio do emaranhamento, corrupção e engano dos homens, o Abençoado compreenda aquilo que é benéfico e prejudicial para os seres. Pois a humanidade é emaranhada mas, um animal é mais simples.”

5. “Assim é, Pessa, assim é! A humanidade é emaranhada mas, um animal é mais simples. Pessa, existem quatro tipos de pessoas que podem ser encontradas no mundo. [7] Quais quatro? É o caso de um tipo de pessoa que atormenta a si mesma e se dedica à prática de torturar a si mesma. É o caso de um tipo de pessoa que atormenta os outros e se dedica à prática de torturar os outros. É o caso de um tipo de pessoa que atormenta a si mesma e se dedica à prática de torturar a si mesma e ela também atormenta os outros e se dedica à prática de torturar os outros. É o caso de um tipo de pessoa que não atormenta a si mesma nem se dedica à prática de torturar a si mesma e ela também não atormenta os outros nem se dedica à prática de torturar os outros. Visto que ela não atormenta a si mesma nem aos outros, ela está aqui e agora sem fome, saciada, arrefecida, permanece experimentando a bem-aventurança, tendo ela mesma se tornado santa.[8] Qual desses quatro tipos de pessoas satisfaz a sua mente, Pessa?”

“Os três primeiros não satisfazem a minha mente, venerável senhor, mas o último satisfaz a minha mente.”

6. “Mas, Pessa, porque os três primeiros tipos de pessoas não satisfazem a sua mente?”

“Venerável senhor, o tipo de pessoa que atormenta a si mesma e se dedica à prática de torturar a si mesma, atormenta e tortura a si mesma embora deseje o prazer e abomine a dor; é por isso que esse tipo de pessoa não satisfaz a minha mente. E o tipo de pessoa que atormenta os outros e se dedica à prática de torturar os outros, atormenta e tortura os outros que desejam o prazer e abominam a dor; é por isso que esse tipo de pessoa não satisfaz a minha mente. E o tipo de pessoa que atormenta a si mesma e se dedica à prática de torturar a si mesma e ela também atormenta os outros e se dedica à prática de torturar os outros, sendo que ambos desejam o prazer e abominam a dor; é por isso que esse tipo de pessoa não satisfaz a minha mente. Mas o tipo de pessoa que não atormenta a si mesma nem se dedica à prática de torturar a si mesma e ela também não atormenta os outros, nem se dedica à prática de torturar os outros; esta pessoa, visto que não atormenta a si mesma nem aos outros, está aqui e agora sem fome, saciada, arrefecida, permanece experimentando a bem-aventurança, tendo ela mesma se tornado santa – ela não atormenta nem tortura nem a si mesma, nem aos outros pois, ambos desejam o prazer e abominam a dor. É por isso que esse tipo de pessoa satisfaz a minha mente. E agora, venerável senhor, nós partiremos. Estamos ocupados e temos muito o que fazer.”

“Agora é o momento, Pessa, faça como julgar adequado.”

Então Pessa, o filho do treinador de elefantes, tendo ficado satisfeito e contente com as palavras do Abençoado, levantou-se do seu assento e depois de homenagear o Abençoado, mantendo-o à sua direita, partiu.

7. Pouco tempo depois dele haver partido, o Abençoado se dirigiu aos bhikkhus da seguinte forma: “Bhikkhus, Pessa, o filho do treinador de elefantes, é sábio, possui muita sabedoria. Se ele permanecesse sentado um pouco mais, enquanto eu expusesse em detalhe esses quatro tipos de pessoas, ele teria se beneficiado muito. Mas, mesmo assim, ele já obteve um grande benefício.” [9]

“Agora é o momento, Abençoado, agora é o momento, Iluminado, para que o Abençoado ensine em detalhe esses quatro tipos de pessoas. Tendo ouvido do Abençoado os bhikkhus o recordarão.”

“Então, bhikkhus, ouçam e prestem muita atenção àquilo que eu vou dizer.”

“Sim, venerável senhor,” os bhikkhus responderam. O Abençoado disse o seguinte:

8. “Bhikkhus, que tipo de pessoa atormenta a si mesma e se dedica à prática de torturar a si mesma? [10] Neste caso uma certa pessoa anda nua, rejeitando as convenções, lambendo as mãos, não atendendo quando chamada, não parando quando solicitada; não aceita que tragam comida ou comida feita especialmente para ela, ou convite para comer; ela não aceita comida diretamente de um pote ou de uma panela na qual foi cozida, ou comida colocada numa soleira, ou colocada onde está a lenha, ou colocada onde estão os pilões, ou de duas pessoas comendo juntas, ou de uma mulher grávida, ou de uma mulher amamentado, ou de uma mulher num grupo com homens, ou de um lugar que tenha divulgado a distribuição de comida, onde um cachorro esteja esperando, onde moscas estejam zunindo; ela não aceita peixe ou carne, ela não aceita bebidas alcoólicas, vinho, ou mingau de arroz fermentado. Ela se restringe a uma casa, a um bocado; ela se restringe a duas casas, a dois bocados…ela se restringe a sete casas, a sete bocados. Ela vive com um pires de comida por dia, dois pires de comida por dia …. sete pires de comida por dia; Ela come uma vez por dia, uma vez cada dois dias … uma vez cada sete dias, e assim por diante até uma vez cada quinze dias. Ou ela come ervas, ou capim, ou arroz selvagem, ou plantas aquáticas, ou farelo de arroz, ou escuma de arroz cozido, ou flores de plantas oleaginosas, ou estrume de vaca, ou raízes e frutas da floresta, ou frutas caídas. Ela se veste com cânhamo, com mortalhas, com trapos, com casca de árvores, com pele de antílopes, com tiras de pele de antílopes, com capim, com cabelos humanos, com pelos do rabo de cavalos, com penas das asas de corujas. Ela arranca cabelos e barba, dedicando-se à prática de arrancar os cabelos e a barba. Ela fica em pé continuamente, rejeitando assentos. Ela fica de cócoras continuamente, devotada a manter a posição de cócoras. Ela usa um colchão com espinhos; ela faz de um colchão com espinhos a sua cama. Ela dorme no chão. Ela dorme sempre do mesmo lado. O seu corpo está coberto com imundície. Ela vive e dorme ao ar livre. Ela se alimenta com imundície, dedicando-se à prática de comer os quatro tipos de imundície (esterco de vaca, urina de vaca, cinzas e argila). Ela nunca bebe água fria. Ela purifica o corpo com três imersões na água a cada dia. A isto se chama o tipo de pessoa que atormenta a si mesma e se dedica à prática de torturar a si mesma.

9. “ Que tipo de pessoa atormenta os outros e se dedica à prática de torturar os outros? Neste caso uma certa pessoa é um açougueiro de ovelhas, um açougueiro de porcos, uma caçadora de aves, arma armadilhas para capturar animais selvagens, uma caçadora, pescadora, ladra, carrasco, guarda de prisão, ou alguém que se dedique a qualquer uma dessas ocupações sanguinárias. A isto se chama o tipo de pessoa que atormenta os outros e se dedica à prática de torturar os outros.

10. “Que tipo de pessoa atormenta a si mesma e se dedica à prática de torturar a si mesma e ela também atormenta os outros e se dedica à prática de torturar os outros? Neste caso uma pessoa é um rei ungido ou um brâmane próspero. [11] Tendo construído um novo templo para sacrifícios no lado leste da cidade, e raspando o cabelo e a barba, vestindo-se com peles grosseiras de animais, tendo untado o corpo com manteiga líquida e óleo, arranhado as costas com um chifre de um gamo, ele entra no templo junto com a rainha e o alto sacerdote brâmane. Lá ele se deita sobre o chão coberto com capim. O rei se alimenta do leite da primeira mama de uma vaca com um bezerro da mesma cor enquanto que a rainha se alimenta do leite da segunda mama e o alto sacerdote brâmane se alimenta do leite da terceira mama; o leite da quarta mama eles derramam sobre o fogo e o bezerro sobrevive com o leite que restar. Ele diz o seguinte: ‘Que tantos touros sejam abatidos como sacrifício, que tantos bois sejam abatidos como sacrifício, que tantos novilhos sejam abatidos como sacrifício, que tantos bodes sejam abatidos como sacrifício, que tantos carneiros sejam abatidos como sacrifício, que tantas árvores sejam cortadas para postes de sacrifício, que tanto capim seja cortado para o capim de sacrifício.’ E então os seus escravos, mensageiros e serviçais realizam as suas tarefas com os rostos cobertos de lágrimas, incitados pelas ameaças de punição e pelo medo. A isto se chama o tipo de pessoa que atormenta a si mesma e se dedica à prática de torturar a si mesma e ela também atormenta os outros e se dedica à prática de torturar os outros.

11. “Que tipo de pessoa, bhikkhus, não atormenta a si mesma nem se dedica à prática de torturar a si mesma e ela também não atormenta os outros, nem se dedica à prática de torturar os outros – aquela que, visto que ela não atormenta a si mesma nem aos outros, está aqui e agora sem fome, saciada, arrefecida, permanece experimentando a bem-aventurança, tendo ela mesma se tornado santa?[12]

12. “Neste caso, bhikkhus, um Tathagata surge no mundo, um arahant, perfeitamente iluminado, consumado no verdadeiro conhecimento e conduta, bem-aventurado, conhecedor dos mundos, um líder insuperável de pessoas preparadas para serem treinadas, mestre de devas e humanos, desperto, sublime. Ele declara - tendo realizado por si próprio com o conhecimento direto - este mundo com os seus devas, maras e brahmas, esta população com seus contemplativos e brâmanes, seus príncipes e o povo. Ele ensina o Dhamma, com o significado e fraseado corretos, que é admirável no início, admirável no meio, admirável no final; e ele revela uma vida santa que é completamente perfeita e imaculada.

13. "Um chefe de família ou o filho de um chefe de família ou alguém nascido em algum outro clã ouve o Dhamma. Ouvindo o Dhamma ele adquire convicção no Tathagata. Possuindo essa fé ele reflete da seguinte forma: 'A vida em família é confinada, um caminho empoeirado; a vida santa é como o ar livre. Não é fácil viver em casa e praticar a vida santa completamente perfeita, totalmente pura, como uma concha polida. E se eu raspasse o meu cabelo e barba, vestisse os mantos de cor ocre e seguisse a vida santa.' Então após algum tempo ele abandona a sua fortuna, grande ou pequena; deixa o seu círculo de parentes, grande ou pequeno; raspa o seu cabelo e barba, veste o manto de cor ocre e segue a vida santa.

14. “Tendo seguido a vida santa e de posse do treinamento e estilo de vida de um bhikkhu, abandonando tirar a vida de outros seres, ele se abstém de tirar a vida de outro seres; ele permanece com a sua vara e arma postas de lado, bondoso e gentil, compassivo com todos os seres vivos. Abandonando tomar o que não seja dado, ele se abstém de tomar o que não é dado; tomando somente aquilo que é dado, aceitando somente aquilo que é dado, não roubando ele permanece puro. Abandonando o não celibato, ele vive uma vida celibatária, vive separado, abstendo-se da prática vulgar do ato sexual.

“Abandonando a linguagem mentirosa, ele se abstém da linguagem mentirosa; ele fala a verdade, mantém a verdade, é firme e confiável, não é um enganador do mundo. Abandonando a linguagem maliciosa, ele se abstém da linguagem maliciosa; o que ouviu aqui ele não conta ali para separar aquelas pessoas destas, nem o que ele ouviu lá não conta aqui para separar estas pessoas daquelas; assim ele reconcilia aquelas pessoas que estão divididas, promove a amizade, ele ama a concórdia, se delicia com a concórdia, desfruta da concórdia, diz coisas que criam a concórdia. Abandonando a linguagem grosseira, ele se abstém da linguagem grosseira. Ele diz palavras que são gentis, que agradam aos ouvidos, carinhosas, que penetram o coração, que são corteses, desejadas por muitos e que agradam a muitos. Abandonando a linguagem frívola, ele se abstém da linguagem frívola. Ele fala na hora certa, diz o que é fato, aquilo que é bom, fala de acordo com o Dhamma e a Disciplina; nas horas adequadas ele diz palavras que são úteis, racionais, moderadas e que trazem benefício.

“Ele se abstém de danificar sementes e plantas. Ele come somente uma vez ao dia, privando-se da refeição noturna e de alimentos nas horas incorretas. Ele se abstém de dançar, cantar, ouvir música e de ver espetáculos de entretenimento. Ele se abstém de usar ornamentos, usar perfumes e de embelezar o corpo com cosméticos. Ele se abstém de deitar em leitos elevados e luxuosos. Ele se abstém de aceitar ouro e dinheiro. Ele se abstém de aceitar grãos que não estejam cozidos. Ele se abstém de aceitar carne crua. Ele se abstém de aceitar mulheres e garotas. Ele se abstém de aceitar escravos homens e mulheres. Ele se abstém de aceitar cabras e ovelhas. Ele se abstém de aceitar aves e porcos. Ele se abstém de aceitar elefantes, gado, cavalos e éguas. Ele se abstém de aceitar terras e propriedades. Ele se abstém de fazer pequenas tarefas e levar mensagens. Ele se abstém de comprar e vender. Ele se abstém de lidar com balanças falsas, metais falsos, falsas medidas. Ele se abstém do suborno, burla e fraude. Ele se abstém de mutilar, executar, aprisionar, roubar, pilhar e violentar.

15. “Ele está satisfeito com os mantos que protegem o seu corpo e com os alimentos esmolados que mantêm o seu estômago, e aonde quer que vá ele apenas leva essas coisas consigo. Igual a um passarinho, aonde quer que ele vá, voa com as asas como seu único fardo, assim também, o bhikkhu está satisfeito com os mantos que protegem o seu corpo e com os alimentos esmolados que mantêm o seu estômago, e aonde quer que vá ele apenas leva essas coisas consigo. Possuindo esse agregado da nobre virtude, ele experimenta dentro de si uma felicidade que é imaculada.

16. “Ao ver uma forma com o olho, ele não se agarra aos seus sinais ou detalhes. Visto que, se permanecer com a faculdade do olho descuidada, ele será tomado pelos estados ruins e prejudiciais de cobiça e tristeza, ele pratica a contenção, ele protege a faculdade do olho, ele se empenha na contenção da faculdade do olho. Ao ouvir um som com o ouvido ... Ao cheirar um aroma com o nariz … Ao saborear um sabor com a língua … Ao tocar algo tangível com o corpo … Ao conscientizar um objeto mental com a mente, ele não se agarra aos seus sinais ou detalhes. Visto que, se permanecer com a faculdade da mente descuidada, ele será tomado pelos estados ruins e prejudiciais de cobiça e tristeza, ele pratica a contenção, ele protege a faculdade da mente, ele se empenha na contenção da faculdade da mente. Dotado dessa nobre contenção das faculdades, ele experimenta dentro de si uma felicidade que é imaculada.

17. “Ele age com plena consciência ao ir para a frente e retornar; age com plena consciência ao olhar para frente e desviar o olhar; age com plena consciência ao dobrar e estender os membros; age com plena consciência ao carregar o manto externo, o manto superior, a tigela; age com plena consciência ao comer, beber, mastigar e saborear; age com plena consciência ao urinar e defecar; age com plena consciência ao caminhar, ficar em pé, sentar, dormir, acordar, falar e permanecer em silêncio.

18. "Dotado desse nobre agregado da virtude, essa nobre contenção das faculdades sensoriais, essa nobre atenção plena e plena consciência, ele procura um local isolado: na floresta, à sombra de uma árvore, uma montanha, uma ravina, uma caverna em uma encosta, um cemitério, um matagal, um espaço aberto, uma cabana vazia.

19. Depois de esmolar alimentos, após a refeição, ele senta com as pernas cruzadas, com o corpo ereto colocando a atenção plena à sua frente. Abandonando a cobiça pelo mundo, ele permanece com a mente livre de cobiça; ele purifica a sua mente da cobiça. Abandonando a má vontade, ele permanece com a mente livre de má vontade, com compaixão pelo bem estar de todos os seres vivos; ele purifica a sua mente da má vontade. Abandonando a preguiça e o torpor, ele permanece livre da preguiça e do torpor, perceptivo à luz, atento e plenamente consciente; ele purifica sua mente da preguiça e do torpor. Abandonando a inquietação e a ansiedade, ele permanece calmo com a mente em paz; ele purifica sua mente da inquietação e da ansiedade. Abandonando a dúvida, ele assim permanece tendo superado a dúvida, sem perplexidade em relação a qualidades mentais hábeis; ele purifica a mente da dúvida.

20. “Tendo assim abandonado esses cinco obstáculos, imperfeições da mente que enfraquecem a sabedoria, um bhikkhu afastado dos prazeres sensuais, afastado das qualidades não hábeis, entra e permanece no primeiro jhana, que é caracterizado pelo pensamento aplicado e sustentado, com o êxtase e felicidade nascidos do afastamento.

21. “Além disso, abandonando o pensamento aplicado e sustentado, um bhikkhu entra e permanece no segundo jhana, que é caracterizado pela segurança interna e perfeita unicidade da mente, sem o pensamento aplicado e sustentado, com o êxtase e felicidade nascidos da concentração. Ele permeia e impregna, cobre e preenche esse corpo com o êxtase e o prazer nascidos da concentração.

22. “Além disso, abandonando o êxtase, um bhikkhu entra e permanece no terceiro jhana que é caracterizado pela felicidade sem o êxtase, acompanhada pela atenção plena, plena consciência e equanimidade, acerca do qual os nobres declaram: ‘Ele permanece numa estada feliz, equânime e plenamente atento.’

23. “Além disso, com o completo desaparecimento da felicidade, um bhikkhu entra e permanece no quarto jhana, que possui nem felicidade nem sofrimento, com a atenção plena e a equanimidade purificadas.

24. "Com a sua mente dessa forma concentrada, purificada, luminosa, pura, imaculada, livre de defeitos, flexível, maleável, estável e atingindo a imperturbabilidade, ele a dirige para o conhecimento da recordação de vidas passadas. Ele se recorda das suas muitas vidas passadas, isto é, um nascimento, dois nascimentos, três nascimentos, quatro, cinco, dez, vinte, trinta, quarenta, cinqüenta, cem, mil, cem mil, muitos ciclos cósmicos de contração, muitos ciclos cósmicos de expansão, muitos ciclos cósmicos de contração e expansão, ‘Lá eu tive tal nome, pertencia a tal clã, tinha tal aparência. Assim era o meu alimento, assim era a minha experiência de prazer e dor, assim foi o fim da minha vida. Falecendo desse estado, eu renasci ali. Ali eu também tinha tal nome, pertencia a tal clã, tinha tal aparência. Assim era o meu alimento, assim era a minha experiência de prazer e dor, assim foi o fim da minha vida. Falecendo daquele estado, eu renasci aqui.’ Assim ele se recorda das suas muitas vidas passadas nos seus modos e detalhes.

25. "Com a sua mente dessa forma concentrada, purificada, luminosa, pura, imaculada, livre de defeitos, flexível, maleável, estável e atingindo a imperturbabilidade, ele a dirige para o conhecimento do falecimento e reaparecimento dos seres. Por meio do olho divino, que é purificado e ultrapassa o humano, ele vê seres falecendo e renascendo, inferiores e superiores, bonitos e feios, afortunados e desafortunados. Ele compreende como os seres prosseguem de acordo com as suas ações desta forma: ‘Esses seres – dotados de má conduta com o corpo, linguagem e mente, que insultam os nobres, com o entendimento incorreto e realizando ações sob a influência do entendimento incorreto – com a dissolução do corpo, após a morte, renasceram num estado de privação, num destino infeliz, nos reinos inferiores, até mesmo no inferno. Porém estes seres - dotados de boa conduta com o corpo, linguagem e mente, que não insultam os nobres, com o entendimento correto e realizando ações sob a influência do entendimento correto – com a dissolução do corpo, após a morte, renasceram num destino feliz, no paraíso.’ Dessa forma - por meio do olho divino, que é purificado e ultrapassa o humano - ele vê seres falecendo e renascendo, inferiores e superiores, bonitos e feios, e ele compreende como os seres prosseguem de acordo com as suas ações.

26. "Com a sua mente dessa forma concentrada, purificada, luminosa, pura, imaculada, livre de defeitos, flexível, maleável, estável e atingindo a imperturbabilidade, ele a dirige para o conhecimento do fim das impurezas mentais. Ele compreende como na verdade é que: ‘Isto é sofrimento’; ele compreende como na verdade é que: ‘Esta é a origem do sofrimento’; ele compreende como na verdade é que: ‘Esta é a cessação do sofrimento’; ele compreende como na verdade é que: ‘Este é o caminho que conduz à cessação do sofrimento’; ele compreende como na verdade é que: ‘Essas são impurezas mentais’; ele compreende como na verdade é que: ‘Esta é a origem das impurezas’; ele compreende como na verdade é que: ‘Esta é a cessação das impurezas’; ele compreende como na verdade é que: ‘Este é o caminho que conduz à cessação das impurezas.’

27. “Ao conhecer e ver, a sua mente está livre da impureza do desejo sensual, da impureza de ser/existir, da impureza da ignorância. Quando ela está libertada surge o conhecimento, ‘Libertada.’ Ele compreende que ‘O nascimento foi destruído, a vida santa foi vivida, o que deveria ser feito foi feito, não há mais vir a ser a nenhum estado.’

28. “A isto, bhikkhus, se chama o tipo de pessoa que não atormenta a si mesma nem se dedica à prática de torturar a si mesma e ela também não atormenta os outros nem se dedica à prática de torturar os outros - aquela que, visto que não atormenta a si mesma nem aos outros, está aqui e agora sem fome, saciada, arrefecida, permanece experimentando a bem-aventurança, tendo ela mesma se tornado santa.”

Isso foi o que disse o Abençoado. Os bhikkhus ficaram satisfeitos e contentes com as palavras do Abençoado.

 


 

Notas:

[1] Por essa diferença na maneira de saudar o Buda é evidente que Pessa é um discípulo do Buda, enquanto que Kandaraka, apesar do respeito e admiração, pertence a uma comunidade religiosa distinta. [Retorna]

[2] MA: Por respeito ao Buda e devido ao seu treinamento, os bhikkhus não conversavam entre si, nem mesmo pigarreavam. Sem mexer o corpo, com a mente sem distrações, eles estavam sentados ao redor do Buda como nuvens de cor ocre ao redor do pico do monte Sineru. No seu íntimo Kandaraka devia estar comparando essa assembléia de bhikkhus com a assembléia de errantes descrita no MN 76.4. [Retorna]

[3] MA explica que Kandaraka não possuía o conhecimento direto dos Budas do passado e do futuro. Ele disse isto como forma de expressar a sua admiração pelo bom treinamento, disciplina e calma da Sangha de bhikkhus. O Buda, no entanto, confirma isso com base no conhecimento direto. [Retorna]

[4] MA: Os quatro fundamentos da atenção plena são mencionados para mostrar a causa do comportamento calmo e tranqüilo da Sangha. Com respeito aos fundamentos da atenção plena, veja o MN 10. [Retorna]

[5] MA observa: “Nós também, quando temos a oportunidade, de tempos em tempos nos dedicamos a isso; nós também praticamos; nós não negligenciamos a meditação completamente.” [Retorna]

[6] O ponto desta afirmação é que os truques e estratagemas de um animal são muito limitados, enquanto que os dos seres humanos são inesgotáveis. [Retorna]

[7] MA explica que este trecho é introduzido como continuação da afirmativa de Pessa que o Abençoado conhece aquilo que é benéfico e prejudicial para os seres; pois o Buda mostra que os primeiros três tipos de pessoas se comportam de forma prejudicial, enquanto que o quarto tipo se comporta de forma benéfica. O trecho também pode ser conectado com o elogio da Sangha por Kandaraka; pois o Buda irá mostrar as três formas pelas quais ele não treina a Sangha e a única forma pela qual todos os Budas do passado, presente e futuro treinam as suas Sanghas. [Retorna]

[8] Sukhapatisamvedi brahmabhutena attana. MA: Ela experimenta a bem-aventurança dos jhanas, dos caminhos supramundanos, dos seus frutos e de Nibbana. “Brahma” neste caso deve ser compreendido no sentido de santo ou excelente (settha). [Retorna]

[9] MA: Pessa teria alcançado o fruto de ‘entrar na correnteza’, mas ele se levantou do assento e partiu antes que o Buda tivesse completado o seu discurso. Os benefícios que ele obteve foram dois: maior confiança na Sangha e um novo método para compreender os fundamentos da atenção plena. [Retorna]

[10] Este trecho detalha as austeridades adotadas por muitos ascetas contemporâneos do Buda, bem como pelo próprio Bodisatva durante o processo da busca da Iluminação. Veja o MN 12.45 e também o DN 8.14. [Retorna]

[11] Este trecho mostra a prática de alguém que atormenta a si mesmo na expectativa de obter méritos e depois faz oferendas que envolvem o sacrifício de muitos animais e a opressão dos seus trabalhadores. [Retorna]

[12] Este é um arahant. Para mostrar de forma clara que ele não atormenta nem a si mesmo, nem aos outros, o Buda descreve o caminho da prática através do qual ele alcançou o estado de arahant. [Retorna]

 

 

Revisado: 16 Abril 2013

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