Majjhima Nikaya 4
Bhayabherava Sutta
Medo e Terror
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1. Assim
ouvi. Em certa ocasião o Abençoado estava em Savatthi no Bosque de Jeta, no
Parque de Anathapindika.
2. Então o brâmane Janussoni [1] foi até o Abençoado e o cumprimentou. Quando a conversa
amigável e cortês havia terminado, ele sentou a um lado e disse: “Mestre
Gotama, quando membros de um clã deixam a vida em família pela vida santa por
fé no Abençoado, eles possuem o Mestre Gotama como seu líder, seu assistente e
seu guia? E essas pessoas seguem o exemplo do Mestre Gotama?”
“Assim é,
brâmane, assim é. Quando membros de um clã deixam a vida em família pela vida
santa por fé em mim, eles possuem em mim o seu líder, seu assistente e seu
guia. E essas pessoas seguem o meu exemplo.”
“Mas,
Mestre Gotama, bosques cerrados, afastados, são difíceis de suportar, o
isolamento é duro de praticar e é difícil desfrutar da solidão. Uma pessoa
pensaria que as florestas devem roubar a mente de um bhikkhu, se ele não tiver
concentração.”
“Assim é,
brâmane, assim é. Bosques cerrados, afastados, são difíceis de suportar, o
isolamento é duro de praticar e é difícil desfrutar da solidão. Uma pessoa
poderia pensar que as florestas devem roubar a mente de um bhikkhu, se ele não
tiver concentração.
3. “Antes
da minha iluminação, quando eu ainda era apenas um Bodisatva não iluminado, eu
também pensava assim: ‘Bosques cerrados, afastados são difíceis de suportar ...
as florestas devem roubar a mente de um bhikkhu, se ele não tiver
concentração.’
4. “Eu
pensei o seguinte: ‘Sempre que contemplativos ou brâmanes com a conduta
corporal não purificada recorrerem a bosques cerrados, afastados, então devido
à imperfeição da sua conduta corporal não purificada, esses bons contemplativos
e brâmanes evocarão o medo e o terror prejudiciais. Mas eu não recorro a
bosques cerrados, afastados com a conduta corporal não purificada. Eu tenho a
conduta corporal purificada. Eu recorro a bosques cerrados, afastados como um
dos nobres com a conduta corporal purificada.’ Vendo em mim essa pureza na
conduta corporal, eu encontrei consolo ao habitar na floresta.
5-7. “Eu
pensei o seguinte: ‘Sempre que contemplativos ou brâmanes com a conduta verbal
não purificada … conduta mental não purificada … modo de vida não purificado
recorrerem a bosques cerrados, afastados … evocarão o medo e o terror
prejudiciais. Mas … eu tenho o modo de vida purificado. Eu habito em bosques
cerrados, afastados como um dos nobres com o modo de vida purificado.’ Vendo em
mim essa pureza no modo de vida, eu encontrei grande consolo ao habitar na
floresta.
8. “Eu
pensei o seguinte: ‘Sempre que contemplativos ou brâmanes que são cobiçosos e
cheios de paixão … Eu não sou cobiçoso…’
9. “’...
têm má vontade na mente e intenções de ódio … Eu tenho amor bondade na
mente...’
10.
“’….subjugados pelo torpor e preguiça ... Eu não tenho torpor e preguiça…’
11. “’...subjugados pela inquietação e sem paz na mente … Eu tenho a
mente em paz…’
12.
“’…incertos e com dúvida … Eu superei a dúvida…’
13. “’...
dados ao auto engrandecimento e menosprezo dos outros … Eu não sou dado ao auto
engrandecimento e menosprezo dos outros…’
14.
“’...sujeitos ao medo e terror. Eu estou livre do medo e terror …’
15.
“’...desejosos de ganhos, honrarias e fama … Eu tenho poucos desejos…’
16. “’...preguiçosos e carentes de energia … Eu
sou energético…’
17.
“’...desatentos e sem plena consciência … Eu tenho a atenção plena
estabelecida…’
18.
“’...desconcentrados e com as mentes dispersas … Eu tenho concentração…’
19. “Eu
pensei o seguinte: ‘Sempre que contemplativos ou brâmanes desprovidos de
sabedoria, tolos, recorrerem a bosques cerrados, afastados, então devido à
imperfeição de estarem desprovidos de sabedoria, tolos, esses bons
contemplativos e brâmanes evocarão o medo e o terror prejudiciais. Mas eu não
recorro a bosques cerrados, afastados desprovido de sabedoria, um tolo. Eu tenho
sabedoria. Eu recorro a bosques cerrados, afastados como um dos nobres que tem
sabedoria.’ Vendo em mim essa sabedoria, eu encontrei grande consolo ao habitar
na floresta..
20. “Eu pensei o seguinte: ‘Existem essas noites particularmente
auspiciosas do décimo quarto, décimo quinto e oitavo dias da quinzena. [2] Agora, e se nessas
noites auspiciosas, eu habitasse naqueles lugares que inspiram o pavor, lugares
horripilantes como os santuários em jardins, santuários nas florestas e
santuários nas árvores? Talvez eu encontrasse aquele medo e terror.’ E mais
tarde, nessas noites particularmente auspiciosas do décimo quarto, décimo
quinto e oitavo dias da quinzena, eu habitei
naqueles lugares que inspiram o pavor, lugares horripilantes como os
santuários em jardins, santuários nas florestas e santuários nas árvores. E
enquanto lá estava, um animal selvagem veio até a mim ou um pavão quebrou um
galho, ou o vento murmurou nas folhas. Eu pensei: ‘E agora se esse for o medo e
o terror vindo?’ eu pensei: ‘Porque permaneço sempre esperando o medo e o
terror? E se eu subjugasse esse medo e terror mantendo a mesma postura em que
eu estiver quando ele vier me encontrar?” [3]
“Enquanto eu caminhava, o medo e terror vieram me encontrar; eu nem
fiquei parado, nem sentei, nem deitei até que tivesse subjugado aquele medo e
terror. Enquanto estava em pé, o medo e o terror vieram me encontrar; eu nem
andei, nem sentei nem deitei até que tivesse subjugado aquele medo e terror.
Enquanto estava sentado, o medo e o terror vieram me encontrar; eu nem andei,
nem fiquei em pé, nem deitei até que tivesse subjugado aquele medo e terror.
Enquanto estava deitado, o medo e o terror vieram me encontrar; eu nem andei,
nem fiquei em pé, nem sentei até que tivesse subjugado aquele medo e terror.
21.
“Existem, brâmane, alguns contemplativos e brâmanes que percebem o dia quando é
noite e a noite quando é dia. Eu digo que, por parte deles, isso é permanecer
na delusão. Mas eu percebo a noite quando é noite e o dia quando é dia. Falando
corretamente, se fosse para dizer de alguém que: 'Um ser não sujeito à delusão
apareceu no mundo para o bem-estar e felicidade de muitos, com compaixão pelo
mundo, pelo bem, pelo bem-estar e felicidade de devas e humanos,' é de mim
verdadeiramente que, falando o que é certo, isso deveria ser dito.
22. “A
energia infatigável foi despertada em mim e a atenção plena perseverante foi
estabelecida, meu corpo estava tranqüilo e sossegado, minha mente concentrada e
unificada. [4]
23. “Totalmente afastado dos prazeres sensuais, afastado das qualidades não hábeis,
entrei e permaneci no primeiro jhana, que é caracterizado pelo
pensamento aplicado e sustentado, com o êxtase e felicidade nascidos do afastamento.[5]
24. “Abandonando o pensamento aplicado e sustentado, entrei e permaneci no segundo jhana,
que é caracterizado pela segurança interna e perfeita unicidade da mente, sem o pensamento aplicado e sustentado,
com o êxtase e felicidade nascidos da concentração.
25. “Abandonando o êxtase, entrei e permaneci no
terceiro jhana que é caracterizado pela felicidade sem o êxtase, acompanhada pela atenção plena, plena consciência
e equanimidade, acerca do qual os nobres declaram: ‘Ele permanece numa estada feliz, equânime e plenamente atento.’
26. “Com o completo desaparecimento da felicidade,
entrei e permaneci no quarto jhana, que possui nem felicidade nem sofrimento, com a atenção plena e a equanimidade
purificadas.
27. “Com a minha mente dessa forma concentrada,
purificada, luminosa, pura, imaculada, livre de defeitos, flexível, maleável,
estável e atingindo a
imperturbabilidade, eu a dirigi para o conhecimento da recordação de vidas
passadas. [6] Eu me recordei das minhas muitas
vidas passadas, isto é, um nascimento, dois nascimentos, três nascimentos,
quatro, cinco, dez, vinte, trinta, quarenta, cinqüenta, cem, mil, cem mil,
muitos ciclos cósmicos de contração, muitos ciclos cósmicos de expansão, muitos
ciclos cósmicos de contração e expansão, ‘Lá eu tive tal nome, pertencia a tal
clã, tinha tal aparência. Assim era o meu alimento, assim era a minha
experiência de prazer e dor, assim foi o fim da minha vida. Falecendo desse
estado, eu renasci ali. Ali eu também tinha tal nome, pertencia a tal clã,
tinha tal aparência. Assim era o meu alimento, assim era a minha experiência de
prazer e dor, assim foi o fim da minha vida. Falecendo daquele estado, eu
renasci aqui.’ Assim eu me recordei das minhas muitas vidas passadas nos seus
modos e detalhes.
28. “Esse
foi o primeiro conhecimento verdadeiro que alcancei na primeira vigília da
noite. A ignorância foi extirpada e surgiu o verdadeiro conhecimento, a escuridão
foi extinta e surgiu a luz, como ocorre com aquele que permanece diligente,
ardente e decidido.
29. “Com a minha mente dessa forma concentrada, purificada, luminosa,
pura, imaculada, livre de defeitos, flexível, maleável, estável e atingindo a imperturbabilidade,
eu a dirigi para o conhecimento do falecimento e reaparecimento dos seres. [7] Por meio do olho divino, que é purificado e
sobrepuja o humano, eu vi seres falecendo e renascendo, inferiores e
superiores, bonitos e feios, afortunados e desafortunados. Eu compreendi como
os seres prosseguem de acordo com as suas ações desta forma: ‘Esses seres –
dotados de má conduta com o corpo, linguagem e mente, que insultam os nobres,
com o entendimento incorreto e realizando ações sob a influência do
entendimento incorreto – com a dissolução do corpo, após a morte, renasceram
num estado de privação, num destino infeliz, nos reinos inferiores, até mesmo
no inferno. Porém estes seres - dotados
de boa conduta com o corpo, linguagem e mente, que não insultam os nobres, com
o entendimento correto e realizando
ações sob a influência do entendimento correto – com a dissolução do corpo,
após a morte, renasceram num destino feliz, no paraíso.’ Dessa forma - por meio
do olho divino, que é purificado e sobrepuja o humano - eu vi seres falecendo e renascendo,
inferiores e superiores, bonitos e feios, e eu compreendi como os seres
continuam de acordo com as suas ações.
30. “Esse
foi o segundo conhecimento verdadeiro que alcancei na segunda vigília da noite.
A ignorância foi extirpada e surgiu o verdadeiro conhecimento, a escuridão foi
extinta e surgiu a luz, como ocorre com aquele que permanece diligente, ardente
e decidido.
31. “Com a minha mente dessa forma concentrada, purificada, luminosa,
pura, imaculada, livre de defeitos, flexível, maleável, estável e atingindo a
imperturbabilidade, eu a dirigi para o conhecimento do fim das impurezas
mentais. Eu compreendi como na verdade é que: ‘Isto é sofrimento’; eu
compreendi como na verdade é que: ‘Esta é a origem do sofrimento’; eu
compreendi como na verdade é que: ‘esta é a cessação do sofrimento’; eu
compreendi como na verdade é que: ‘este é o caminho que conduz à cessação do
sofrimento’; eu compreendi como na verdade é que: ‘essas são impurezas
mentais’; eu compreendi como na verdade é que: ‘esta é a origem das impurezas’;
eu compreendi como na verdade é que: ‘esta é a cessação das impurezas’; eu
compreendi como na verdade é que: ‘este é o caminho que conduz à cessação das
impurezas. [8]
32. “Ao conhecer e ver, a minha mente estava livre da impureza do desejo
sensual, da impureza de ser/existir, da impureza da ignorância. Com a
libertação, surgiu o conhecimento, ‘Libertado.’ [9] Eu compreendi que ‘O nascimento foi destruído, a vida santa foi
vivida, o que devia ser feito foi feito, não há mais vir a ser a nenhum
estado.’[10]
33. “Esse foi o terceiro conhecimento verdadeiro
que alcancei na terceira vigília da noite. A ignorância foi extirpada e surgiu
o verdadeiro conhecimento, a escuridão foi extinta e surgiu a luz, como ocorre
com aquele que permanece diligente, ardente e decidido.
34. “Agora,
brâmane, pode ser que você pense: ‘Talvez o contemplativo Gotama não esteja
livre da cobiça, raiva e delusão, mesmo hoje, e é por isso que ele ainda
recorra a bosques cerrados, afastados.’ Mas você não deve pensar assim. É
porque vejo dois benefícios que eu ainda recorro a bosques cerrados, afastados:
tenho uma permanência prazerosa no aqui e agora e tenho compaixão pelas gerações
futuras.” [11]
35. “De fato, é porque o Mestre Gotama é um arahant,
perfeitamente iluminado, que ele tem compaixão pelas gerações futuras.
Magnífico, Mestre Gotama! Magnífico, Mestre Gotama! Mestre Gotama esclareceu o
Dhamma de várias formas, como se tivesse colocado em pé o que estava de cabeça
para baixo, revelasse o que estava escondido, mostrasse o caminho para alguém
que estivesse perdido ou segurasse uma lâmpada no escuro para aqueles que
possuem visão pudessem ver as formas. Eu busco refúgio no Mestre Gotama, no
Dhamma e na Sangha dos bhikkhus. Que o Mestre Gotama me aceite como discípulo
leigo que buscou refúgio para o resto da vida.”
Notas:
[1] MA diz que Janussoni não era um nome próprio mas um título
honorífico que quer dizer “capelão real” (purohita), concedido pelo rei.
[Retorna]
[2] O calendário Hindu, de acordo com o antigo sistema herdado pelo
Budismo, é dividido em três estações – a estação fria, a estação quente e a
estação chuvosa – cada uma durando quatro meses. Os quatro meses são divididos
em oito quinzenas (pakkha), a terceira e a sétima contendo catorze dias
e as demais quinze dias. Em cada quinzena, as noites de lua cheia e lua nova
(décimo quarto ou décimo quinto dias) e a noite de quarto minguante ou
crescente (oitavo dia) são considerados muito auspiciosos. No Budismo esses
dias se tornaram os dias de Uposatha, dias de observância religiosa. Nas
noites de lua cheia e lua nova os bhikkhus recitam o código de preceitos
monásticos, (patimokkha), e os discípulos leigos visitam os monastérios para ouvir sermões e
praticar meditação. [Retorna]
[3] As quatro posturas (iriyapatha) que são mencionadas
com freqüência nos textos Budistas são caminhar, ficar em pé, sentar e deitar.
[Retorna]
[4] Começando com esta seção, o Buda mostra a prática que o conduziu ao
ápice da não delusão. [Retorna]
[5] MA diz que o Bodisatva desenvolveu os quatro jhanas usando a atenção
plena na respiração como objeto de meditação. [Retorna]
[6] Explicado em detalhe no Vsm Xlli; 13-71. [Retorna]
[7] Explicado em detalhe no Vsm Xlli, 72-101. [Retorna]
[8] MA: Tendo mostrado as Quatro Nobres Verdades de acordo com a sua
própria natureza (isto é, em relação ao sofrimento), o verso sobre as impurezas
é mencionado para mostrar as Verdades de forma indireta através das impurezas.
[Retorna]
[9] De acordo com MA, a frase “Ao
conhecer e ver” se refere ao insight e ao caminho, que chega ao seu ápice com o
caminho do arahant; a frase “a minha mente estava livre” mostra o momento do
fruto; e a frase “surgiu o conhecimento, ‘Libertado’” mostra o conhecimento do
fim das impurezas (veja o Vsm XXII, 20-21), da mesma forma com a frase a seguir
que começa com “Eu compreendi”. [Retorna]
[10] Este é um trecho recorrente no Cânone para
o anúncio do conhecimento supremo ou estado de arahant. MA explica que “O nascimento foi destruído”
quer dizer que qualquer tipo de nascimento que poderia surgir se o caminho não
tivesse sido desenvolvido passou a ser incapaz de surgir devido ao
desenvolvimento do caminho. A “vida santa” que foi vivida é a vida santa do
caminho. A frase “o que devia ser feito foi feito” indica que as quatro tarefas
do nobre caminho – plena compreensão do sofrimento, abandono da
sua origem, realização da sua cessação e desenvolvimento do
caminho – foram completadas para cada um dos quatro caminhos supramundanos. Com
relação à quarta frase, naparam itthattaya, MA aponta como: “Agora não é mais necessário
que eu desenvolva o caminho novamente para obter ‘tal estado,’ isto é, as
dezesseis tarefas ou a destruição das impurezas. Ou: depois de ‘tal estado,’
isto é, o contínuo dos agregados que agora operam, não haverá um futuro
contínuo de agregados para mim. Esses cinco agregados, tendo sido totalmente
compreendidos, permanecem como árvores cortadas pela raiz. Com a cessação da
última consciência, eles serão extintos como um fogo sem combustível.’ [Retorna]
[11] MA: Ele tem “compaixão pelas gerações
futuras,” as futuras gerações de bhikkhus, ao verem que o Buda recorria a
lugares afastados na floresta, irão seguir o seu exemplo e dessa forma acelerar
o seu progresso em dar um fim ao sofrimento. [Retorna]
Revisado: 2 Fevereiro 2008
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