Digha Nikaya 5
Kutadanta Sutta
Um Sacrifício sem Sangue
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1. Assim
ouvi. Em certa ocasião, o Abençoado estava perambulando pela região de Magadha
com uma grande Sangha de bhikkhus, com quinhentos bhikkhus, até que por fim ele
acabou chegando num vilarejo brâmane denominado Khanumata. Em Khanumata ele
ficou no Parque Ambalatthika.[1] Agora,
naquela ocasião, o Brâmane Kutadanta vivia em Khanumata, uma propriedade real
com muitos habitantes, rica em pastagens, árvores, rios e grãos, uma concessão
real, uma doação sagrada que lhe foi dada pelo rei Seniya Bimbisara de Magadha.
Justamente
nessa ocasião Kutadanta planejava fazer um grande sacrifício: setecentos
touros, setecentos bois, setecentos novilhos, setecentos bodes e setecentos
carneiros estavam todos amarrados nos postes de sacrifício.
2. Os
brâmanes chefes de família de Khanumata ouviram: “Gotama o contemplativo, o
filho dos Sakyas, que adotou a vida santa deixando o clã dos Sakyas, estava
perambulando pela região de Magadha com
uma grande Sangha de bhikkhus, com quinhentos bhikkhus, chegou em Khanumata e
está no Parque Ambalatthika. E acerca desse mestre Gotama existe essa boa
reputação: ‘Esse Abençoado é um arahant, Perfeitamente Iluminado, consumado
no verdadeiro conhecimento e conduta, bem-aventurado, conhecedor dos mundos, um
líder insuperável de pessoas preparadas para serem treinadas, mestre de devas e
humanos, desperto, sublime. Ele declara - tendo realizado por si próprio com o
conhecimento direto - este mundo com os seus devas, maras e brahmas, esta
população com seus contemplativos e brâmanes, seus príncipes e povo. Ele ensina o
Dhamma, com o significado e fraseado corretos, que é admirável no início,
admirável no meio, admirável no final; e ele revela uma vida santa que é
completamente perfeita e imaculada. É bom poder encontrar alguém tão nobre.’
Assim, os brâmanes chefes de família de Khanumata saíram de Khanumata em grupos
e bandos e se dirigiram para o Parque Ambalatthika.
3. Agora,
naquela ocasião, o brâmane Kutadanta havia se retirado para o andar superior do
seu palácio para a sesta. Então ele viu os brâmanes chefes de família de
Khanumata saindo de Khanumata em grupos e bandos e se dirigindo para o Parque
Ambalatthika. Ao vê-los perguntou ao seu ministro: “Estimado ministro, porque os brâmanes chefes
de família de Khanumata estão saindo de Khanumata em grupos e bandos e se
dirigindo para o Parque Ambalatthika?”
“Senhor,
ali se encontra Gotama o contemplativo, o filho dos Sakyas, que adotou a vida
santa deixando o clã dos Sakyas, que estava perambulando pela região de Magadha ... (igual ao verso 2) ... Eles estão
indo ver esse Mestre Gotama.”
4. Então,
Kutadanta pensou: “Eu ouvi que o contemplativo Gotama sabe como realizar da forma
correta o sacrifício de três modos com os seus dezesseis instrumentos. Agora,
eu não sei isso, mas quero fazer um grande sacrifício. E se eu fosse até o
contemplativo Gotama e perguntasse sobre esse assunto.” E assim ele mandou o
seu ministro até os Brâmanes e chefes de família de Khanumata para pedir-lhes
que esperassem por ele.[2]
5. E naquela ocasião muitas centenas de Brâmanes estavam em Khanumata
com a intenção de tomar parte no sacrifício de
Kutadanta. Ouvindo que a intenção dele era de visitar o contemplativo
Gotama, eles foram até onde ele estava para perguntar se aquilo era verdade.
“Assim é, senhores, eu irei visitar o contemplativo Gotama.”
6. “Senhor,
não vá ver o contemplativo Gotama ... (igual ao DN 4.5)
... Sendo assim, Mestre Kutadanta, não é apropriado que você vá ver o
contemplativo Gotama; ao invés disso, é apropriado que o contemplativo Gotama
venha vê-lo.”
7. Quando
isso foi dito, o brâmane Kutadanta disse para aqueles Brâmanes: “Agora,
senhores, ouçam de mim porque é apropriado que eu vá ver o contemplativo Gotama
e porque não é apropriado que o Mestre Gotama venha me ver ... (igual ao DN 4.6) ... Visto que o contemplativo Gotama chegou em Khanumata,
ele é nosso hóspede e como nosso hóspede ele deve ser honrado, respeitado,
reverenciado e venerado por nós. Sendo assim, senhores não é apropriado que o
Mestre Gotama venha me ver; ao invés disso, é apropriado que eu vá ver o Mestre
Gotama
8. Ao ouvir
isso, os Brâmanes disseram para Kutadanta: “Senhor, visto que você elogia tanto
o contemplativo Gotama, então mesmo estando a uma distância de cem yojanas
daqui, seria apropriado que aqueles que têm fé fossem visitá-lo. Portanto,
senhor, iremos visitar o contemplativo Gotama.”
E assim,
Kutadanta foi com uma grande comitiva de Brâmanes para o Parque Ambalatthika.
Ele foi até o Abençoado e ambos se cumprimentaram. Quando a conversa cortês e amigável
havia terminado ele sentou a um lado. Alguns brâmanes e
chefes de família homenagearam o Abençoado e sentaram a um lado; alguns
trocaram saudações corteses com ele e após a troca de saudações sentaram a um
lado; alguns ajuntaram as mãos em respeitosa saudação e sentaram a um lado;
alguns permaneceram em silêncio e sentaram a um lado.
9.
Kutadanta disse para o Abençoado: “Venerável Gotama, eu ouvi que você sabe como
realizar da forma correta o sacrifício de três modos com os seus dezesseis
instrumentos. Agora, eu não sei isso, mas quero fazer um grande sacrifício.
Seria bom se o contemplativo Gotama pudesse me explicar isso.” - “Então, brâmane,
ouça e preste muita atenção àquilo que eu vou dizer.” - “Sim senhor,” Kutadanta
respondeu. O Abençoado disse o seguinte:
10.
“Brâmane, certa vez houve um rei chamado Mahavijita. Ele possuía grande riqueza
e posses, uma grande quantidade de barras de ouro, uma grande quantidade de
celeiros, uma grande quantidade de campos, uma grande extensão de terras,
inúmeras esposas e uma grande quantidade de escravos e escravas. Certa ocasião,
quando o Rei Mahavijita refletia em particular, o seguinte pensamento lhe
ocorreu: ‘Eu adquiri grande riqueza em termos humanos, eu ocupo uma ampla
extensão de terra que conquistei. E se agora eu fizesse um grande sacrifício
que trouxesse proveito e felicidade por muito tempo?’ E chamando o seu
sacerdote, ele lhe disse o que havia pensado. ‘Eu quero fazer um grande
sacrifício. Instrua-me, venerável senhor, como devo fazer um grande sacrifício
que traga proveito e felicidade por muito tempo.’
11. “O
sacerdote respondeu: ‘O reino de vossa Majestade está assediado por ladrões,
vilarejos e cidades são pilhados, o campo está infestado por bandidos. Se vossa
Majestade impusesse um novo imposto nessa região, essa seria uma atitude incorreta.
Suponha que vossa Majestade pensasse: “Eu irei me livrar dessa praga de ladrões
através de aprisionamentos e execuções, ou através de multas, intimidação e
banimento,” assim não seria dado um fim apropriado a essa praga. Aqueles que
sobrevivessem, mais tarde causariam dano ao reino de vossa Majestade. No
entanto, com este outro plano vossa Majestade poderá eliminar por completo essa
praga. Para aqueles que no reino se dedicam ao cultivo e ao pastoreio, que
vossa Majestade lhes distribua grãos e ração; para aqueles que se dedicam ao
comércio, conceda capital; para aqueles no serviço público, pague salários
adequados. Então, essas pessoas, estando concentradas nas suas ocupações, não
irão causar dano ao reino. As receitas de vossa Majestade irão se incrementar,
o reino estará tranqüilo e não assediado por ladrões, e as pessoas, com alegria
nos seus corações, irão se entreter com os seus filhos e manter as suas casas
com as portas abertas.’”
“Dizendo:
‘Assim seja!’, o rei aceitou o conselho do sacerdote: ele deu grãos e ração,
... capital para o comércio, ... salários adequados ... e as pessoas com
alegria nos seus corações ... mantinham as suas casas com as portas abertas.”
12. “Então,
o Rei Mahavijita mandou buscar o sacerdote e disse: ‘Eu me livrei da praga dos
ladrões; seguindo o seu plano a minha renda cresceu, o reino está tranqüilo e
não assediado por ladrões, e as pessoas,
com alegria nos seus corações, se entretêm com os seus filhos e mantêm as suas
casas com as portas abertas. Agora eu gostaria de fazer um grande sacrifício.
Instrua-me como isso deve ser feito para que traga proveito e felicidade por muito tempo.’
‘“Quanto a
isso, Senhor, vossa Majestade deveria chamar os Khattiyas das cidades e do
campo, os conselheiros e ministros, os Brâmanes mais influentes e os ricos
chefes de família do reino, e dizer: “Eu
gostaria de fazer um grande sacrifício. Ajudem-me nisso, senhores, para
que traga proveito e felicidade por muito tempo.’”
“O Rei
concordou e assim fez. ‘Senhor, que o sacrifício tenha início, agora é o
momento, Majestade. Esses quatro grupos [3] que
ofereceram aprovação serão os instrumentos para o sacrifício.
13. “O Rei
Mahavijita estava dotado com oito qualidades. Ele era bem nascido pelos dois lados
... (igual ao DN 4.5) ... impecável com respeito ao nascimento. Ele era
belo ... digno de ser contemplado. Ele era rico, com grande riqueza e posses.
Ele era poderoso, possuindo um exército com quatro divisões, [4]
que era leal, confiável, fazendo luzir a sua reputação entre os
seus inimigos. Ele era um doador fiel e um anfitrião, que não fechava a porta
para os contemplativos, brâmanes e errantes, pedintes e necessitados – uma
fonte de bondade. Ele era bem estudado naquilo que deve ser estudado. Ele sabia
o significado daquilo que tinha sido dito, explicando: ‘Esse é o significado
disso que foi dito.’ Ele era inteligente, erudito, sábio, capaz de perceber a
vantagem no passado, no futuro ou no presente. [5] O Rei Mahavijita estava dotado com essas oito qualidades. Elas
constituíam os instrumentos para o sacrifício.
14. “O
sacerdote estava dotado com quatro qualidades. Ele era bem nascido ... Ele era sábio,
versado nos mantras ... Ele era virtuoso, com a virtude madura, possuindo
virtude amadurecida. Ele era inteligente, erudito, sábio, o primeiro ou segundo
a segurar a concha do sacrifício. Ele estava dotado com essas quatro
qualidades. Elas constituíam os instrumentos para o sacrifício.
15. “Então,
antes do sacrifício começar, o sacerdote orientou o Rei quanto aos três modos:
‘Pode ser que vossa Majestade sinta algum arrependimento com relação ao
sacrifício planejado: “Eu irei perder muita riqueza,” ou durante o sacrifício:
“Eu estou perdendo muita riqueza,” ou depois do sacrifício: “Eu perdi muita
riqueza.” Nesses casos, vossa Majestade não deve dar atenção a esse tipo de
pensamento.
16. “Então,
antes do sacrifício começar, o sacerdote dissipou os dez tipos de receio do Rei
com relação aos participantes: ‘Majestade, ao sacrifício virão aqueles que
matam seres vivos e aqueles que se abstêm de matar seres vivos. Aqueles que
matam seres vivos, que assim permaneçam; mas aqueles que se abstêm de matar seres
vivos terão um sacrifício bem sucedido e se regozijarão com isso, e os seus
corações estarão em paz. Virão aqueles que tomam o que não lhes é dado e
aqueles que se abstêm ... aqueles que praticam o comportamento sexual impróprio
e aqueles que se abstêm ... aqueles que mentem .... aqueles que empregam a
linguagem maliciosa, grosseira e frívola ... aqueles que são cobiçosos e
aqueles que não são, aqueles que têm má vontade e aqueles que não têm, aqueles
que têm o entendimento incorreto e aqueles que têm o entendimento correto.
Aqueles que têm o entendimento incorreto, que assim permaneçam; mas aqueles que
têm o entendimento correto terão um sacrifício bem sucedido e se regozijarão
com isso, e os seus corações estarão em paz.’ Assim o sacerdote dissipou os dez
tipos de receio do Rei com relação aos participantes.
17. “Então,
enquanto o Rei realizava o sacrifício, o sacerdote instruiu, estimulou, motivou
e alegrou o coração do Rei com relação aos dezesseis instrumentos. ‘Alguém
poderia dizer: “O Rei Mahavijita está fazendo um grande sacrifício, mas ele não
convidou os Khattiyas ... os seus conselheiros e ministros ... os Brâmanes mais
influentes ... os ricos chefes de família
...” Mas essas palavras não estariam de acordo com a verdade visto que o
Rei convidou a todos como assistentes. Assim o Rei deve saber que terá um
sacrifício bem sucedido e regozijar-se com isso, e o seu coração estará em paz.
Ou alguém poderia dizer: “O Rei Mahavijita está fazendo um grande sacrifício,
mas ele não é bem nascido pelos dois lados ...” Mas essas palavras não estariam
de acordo com a verdade ... Ou alguém poderia dizer: “O sacerdote não é bem
nascido ...” Mas essas palavras não estariam de acordo com a verdade.’ Assim o
sacerdote instruiu, estimulou, motivou e alegrou o coração do Rei com relação
aos dezesseis instrumentos.
18. “Nesse
sacrifício, Brâmane, não foram mortos touros, nem bois ou novilhos, nem bodes
ou carneiros, nem vários outros tipos de seres vivos, tampouco árvores foram
cortadas para os postes de sacrifício, nem o capim foi cortado para o capim de
sacrifício, e os escravos, mensageiros e serviçais não realizaram as suas
tarefas com os rostos cobertos de lágrimas, incitados pelas ameaças de punição
e pelo medo. Mas aqueles que queriam fazer algo, assim fizeram; aqueles que
nada queriam fazer, nada fizeram: eles fizeram aquilo que queriam e não aquilo
que não queriam. O sacrifício foi feito com manteiga clarificada, azeite, manteiga,
coalhada, mel e melaço.
19. “Então,
Brâmane, os Khattiyas das cidades e do campo, os conselheiros e ministros, os
Brâmanes mais influentes e os ricos chefes de família do reino, tendo ganho
muita riqueza foram até o Rei Mahavijita e disseram: ‘Nós trouxemos muita
riqueza, Majestade, por favor aceite.’ - ‘Mas, senhores, eu já acumulei riqueza
suficiente, produto de impostos equitativos. Mantenham aquilo que é de vocês e
levem algo mais.’
“Dada a
recusa do Rei, eles se afastaram para conversar: ‘Não é correto que levemos esta
riqueza de volta para as nossas casas. O Rei está fazendo um grande sacrifício.
Sigamos o seu exemplo.’
20. “Então
os Khattiyas colocaram as suas oferendas do lado leste da cova de sacrifício, os
conselheiros e ministros colocaram as suas do lado sul, os Brâmanes do lado oeste
e os ricos chefes de família do lado norte. E nesse sacrifício não foram mortos
touros, ... nem vários outros tipos de seres vivos ... aqueles que queriam
fazer algo, assim fizeram; aqueles que nada queriam fazer, nada fizeram ... O
sacrifício foi feito com manteiga clarificada, azeite, manteiga, coalhada, mel e
melaço. Desse modo houve a cooperação quádrupla com o Rei Mahavijita dotado com
oito qualidades pessoais e o sacerdote com quatro. O sacrifício foi realizado
de três modos. Isto, Brâmane, é chamado a celebração de um sacrifício de três
modos com os seus dezesseis instrumentos.”
21. “Quando
isso foi dito os Brâmanes ergueram as vozes em tumulto e disseram: ‘Que
sacrifício esplêndido! Que modo magnífico de realizar um sacrifício!’ Mas
Kutadanta ficou sentado em silêncio. E os Brâmanes perguntaram porque ele não
aprovava as boas palavras do contemplativo Gotama. Ele respondeu: ‘Não é que eu
não as aprove. Minha cabeça partiria se eu assim não o fizesse. [6]
Mas me ocorreu que o
contemplativo Gotama não disse: “Eu ouvi isso,” ou “Deve ter sido assim,” mas
ele diz: “Naquela época foi assim ou assado.” E portanto, senhores, parece-me
que naquela época o contemplativo Gotama devia ser o Rei Mahavijita, o senhor
do sacrifício, ou então o sacerdote que celebrou a cerimônia de sacrifício. O
Venerável Gotama confirma que ele realizou ou fez com que se realizasse esse
sacrifício e como conseqüência disso, com a dissolução do corpo, após a morte,
ele renasceu em uma boa destinação, nos planos celestiais?’ - ‘Eu confirmo,
Brâmane. Eu era o sacerdote que celebrou a cerimônia de sacrifício.’
22.
“Venerável Gotama, há algum outro sacrifício que seja mais simples, menos
complicado, mais frutífero e benéfico que esse sacrifício de três modos com os
seus dezesseis instrumentos?” - “Há, Brâmane.”
“Que
sacrifício é esse, Venerável Gotama?” - “Brâmane, sempre que as oferendas usuais
das famílias são dadas para contemplativos virtuosos, estas se constituem num
sacrifício mais frutífero e benéfico que aquele.”
23. “Qual a
razão, Venerável Gotama, porque este sacrifício é melhor?”
“Brâmane,
nenhum arahant ou aqueles que realizaram o caminho do arahant, irão participar
daquele primeiro sacrifício. Por que? Porque nesses sacrifícios eles testemunham
surras e violência e por isso eles não participam. [7] Mas eles irão participar dos sacrifícios nos quais as oferendas
usuais das famílias são dadas para contemplativos virtuosos, porque nesse caso
não há surras ou violência. Essa é a razão porque esse sacrifício é mais
frutífero e benéfico.”
24. “Mas,
Venerável Gotama, há algum outro sacrifício que seja mais frutífero e benéfico
que esses dois?” - “Há, Brâmane.”
“Que
sacrifício é esse, Venerável Gotama?” - “Brâmane, qualquer um que proporcione
abrigo para a Sangha vinda dos quatro quadrantes, isso se constitui num
sacrifício mais frutífero e benéfico.”
25. “Mas,
Venerável Gotama, há algum outro sacrifício que seja mais frutífero e benéfico
que esses três?” - “Há, Brâmane.”
“Que
sacrifício é esse, Venerável Gotama?” - “Brâmane, qualquer um que com o coração
puro busque refúgio no Buda, no Dhamma e na Sangha, isso se constitui num
sacrifício mais frutífero e benéfico do que qualquer um dos outros três.”
26. “Mas,
Venerável Gotama, há algum outro sacrifício que seja mais frutífero e benéfico
que esses quatro?” - “Há, Brâmane.”
“Que
sacrifício é esse, Venerável Gotama?” - “Brâmane, qualquer um que com o coração
puro adote os preceitos de virtude – abster-se de matar seres vivos, de tomar
aquilo que não é dado, da conduta sexual imprópria, da mentira e do vinho,
álcool e outros embriagantes - isso se constitui num sacrifício mais frutífero
e benéfico do que qualquer um dos outros quatro.”
27. “Mas,
Venerável Gotama, há algum outro sacrifício que seja mais frutífero e benéfico
que esses quatro?” - “Há, Brâmane.”
“Que
sacrifício é esse, Venerável Gotama?” - “Brâmane, um Tathagata surge no mundo,
um arahant, perfeitamente iluminado, consumado no verdadeiro conhecimento e
conduta, bem-aventurado, conhecedor dos mundos, um líder insuperável de pessoas
preparadas para serem treinadas, mestre de devas e humanos, desperto, sublime.
Ele declara - tendo realizado por si próprio com o conhecimento direto - este
mundo com os seus devas, maras e brahmas, esta população com seus contemplativos
e brâmanes, seus príncipes e povo. Ele ensina o Dhamma, com o significado e
fraseado corretos, que é admirável no início, admirável no meio, admirável no
final; e ele revela uma vida santa que é completamente perfeita e imaculada. Um
discípulo segue a vida santa e pratica a virtude, (DN
2.41- 74). Assim um bhikkhu tem a virtude perfeita. Ele alcança os quatro
jhanas, (DN 2.75-82). Isso, Brâmane, se constitui num
sacrifício mais frutífero e benéfico. Ele realiza vários insights, (DN 2.83-95), e a destruição das impurezas, (DN 2.97). Ele sabe: ‘Não há mais nada neste mundo.’
Isso, Brâmane, se constitui num sacrifício mais simples, menos complicado, mais
frutífero e benéfico que todos os outros. E além disso não há nenhum outro
sacrifício que seja superior ou mais perfeito.”
28.
“Magnífico, Mestre Gotama! Magnífico, Mestre Gotama! Mestre Gotama esclareceu o
Dhamma de várias formas, como se tivesse colocado em pé o que estava de cabeça
para baixo, revelasse o que estava escondido, mostrasse o caminho para alguém
que estivesse perdido ou segurasse uma lâmpada no escuro para aqueles que possuem
visão pudessem ver as formas. Eu busco refúgio no Mestre Gotama, no Dhamma e na
Sangha dos bhikkhus. Que o Mestre Gotama me aceite como discípulo leigo que
buscou refúgio para o resto da vida! E, Venerável Gotama, eu libertarei os
setecentos touros, setecentos bois, setecentos novilhos, setecentos bodes e
setecentos carneiros. Eu lhes concedo a vida, que eles sejam alimentados com
capim fresco, com água fresca para beber e que a brisa fresca os enleve.
29. Então,
o Abençoado transmitiu o ensino gradual ao Brâmane Kutadanta, isto é, ele falou
sobre a generosidade, sobre a virtude, sobre o paraíso; ele explicou o perigo,
a degradação e as contaminações dos prazeres sensuais e as vantagens da
renúncia. Quando ele percebeu que a mente do Brâmane Kutadanta estava pronta, receptiva, livre de obstáculos, satisfeita, clara, com serena confiança, ele explicou o ensinamento
particular dos Budas: o sofrimento, a sua origem, a sua cessação e o caminho.
Tal qual um pano limpo, com todas as manchas removidas, irá absorver um corante
de modo adequado, assim também, enquanto o Brâmane Kutadanta estava ali
sentado, a visão imaculada do Dhamma surgiu nele: “Tudo que está sujeito ao
surgimento está sujeito à cessação.”
30.
Kutadanta, tendo visto o Dhamma, realizado o Dhamma, compreendido o Dhamma,
examinado a fundo o Dhamma, superado a dúvida, eliminado a perplexidade, obtido
a intrepidez e se tornado independente dos outros na Revelação do Mestre,
disse: “Que o Venerável Gotama concorde em aceitar a refeição de amanhã junto com a
Sangha dos bhikkhus!” E o Abençoado concordou em silêncio. Então, sabendo que o
Abençoado havia concordado, Kutadanta levantou do seu assento, e depois de
homenagear o Abençoado, mantendo-o à sua direita, partiu. Então, quando havia
terminado a noite, ele fez com que se preparasse vários tipos de boa comida no
seu lugar de sacrifício e depois fez com que se anunciasse a hora para o
Abençoado: “É hora, Mestre Gotama, a refeição está pronta.”
Então, ao
amanhecer, o Abençoado carregando a sua tigela e o manto externo, foi com a Sangha
dos bhikkhus até o lugar de sacrifício de Kutadanta e sentou num assento que
havia sido preparado. Então, com as próprias mãos, Kutadanta serviu e satisfez
o Abençoado e os bhikkhus com os vários tipos de boa comida. Em seguida, quando
o Abençoado havia terminado de comer e retirado a mão da sua tigela, Kutadanta
sentou a um lado, num assento mais baixo.
Então, o
Abençoado tendo instruído, estimulado, motivado e encorajado Kutadanta com um
discurso do Dhamma, levantou do seu assento e partiu.
Notas:
[1] De acordo com DA este não é o mesmo local
mencionado no DN 1.1.2 que ficava a meio caminho
entre Rajagaha e Nalanda. [Retorna]
[2] Kutadanta significa ‘dentes afiados.’ Há
razões para desconfiar desta história pois não é concebível que um Brâmane fosse
consultar o Buda sobre como realizar um sacrifício, que supostamente era a
especialidade dos Brâmanes. [Retorna]
[3] Os Khattiyas (nobres), conselheiros e
ministros, Brâmanes e chefes de família. [Retorna]
[4] Elefantes, cavalaria, carruagens e
infantaria. [Retorna]
[5] DA: Por compreender o funcionamento de
kamma: a boa fortuna agora é devida ao kamma passado, e as boas ações
realizadas agora trarão resultados semelhantes no futuro. [Retorna]
[6] Conforme o DN
3.1.20. [Retorna]
[7] DA: os seguranças nesse tipo de sacrifício
empurram os participantes e empregam a violência para manter a ordem. [Retorna]
Revisado: 14 Setembro 2013
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