Digha Nikaya 5

Kutadanta Sutta

Um Sacrifício sem Sangue

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1. Assim ouvi. Em certa ocasião, o Abençoado estava perambulando pela região de Magadha com uma grande Sangha de bhikkhus, com quinhentos bhikkhus, até que por fim ele acabou chegando num vilarejo brâmane denominado Khanumata. Em Khanumata ele ficou no Parque Ambalatthika.[1] Agora, naquela ocasião, o Brâmane Kutadanta vivia em Khanumata, uma propriedade real com muitos habitantes, rica em pastagens, árvores, rios e grãos, uma concessão real, uma doação sagrada que lhe foi dada pelo rei Seniya Bimbisara de Magadha.

Justamente nessa ocasião Kutadanta planejava fazer um grande sacrifício: setecentos touros, setecentos bois, setecentos novilhos, setecentos bodes e setecentos carneiros estavam todos amarrados nos postes de sacrifício.

2. Os brâmanes chefes de família de Khanumata ouviram: “Gotama o contemplativo, o filho dos Sakyas, que adotou a vida santa deixando o clã dos Sakyas, estava perambulando pela região de Magadha com uma grande Sangha de bhikkhus, com quinhentos bhikkhus, chegou em Khanumata e está no Parque Ambalatthika. E acerca desse mestre Gotama existe essa boa reputação: ‘Esse Abençoado é um arahant, Perfeitamente Iluminado, consumado no verdadeiro conhecimento e conduta, bem-aventurado, conhecedor dos mundos, um líder insuperável de pessoas preparadas para serem treinadas, mestre de devas e humanos, desperto, sublime. Ele declara - tendo realizado por si próprio com o conhecimento direto - este mundo com os seus devas, maras e brahmas, esta população com seus contemplativos e brâmanes, seus príncipes e povo. Ele ensina o Dhamma, com o significado e fraseado corretos, que é admirável no início, admirável no meio, admirável no final; e ele revela uma vida santa que é completamente perfeita e imaculada. É bom poder encontrar alguém tão nobre.’ Assim, os brâmanes chefes de família de Khanumata saíram de Khanumata em grupos e bandos e se dirigiram para o Parque Ambalatthika.

3. Agora, naquela ocasião, o brâmane Kutadanta havia se retirado para o andar superior do seu palácio para a sesta. Então ele viu os brâmanes chefes de família de Khanumata saindo de Khanumata em grupos e bandos e se dirigindo para o Parque Ambalatthika. Ao vê-los perguntou ao seu ministro: “Estimado ministro, porque os brâmanes chefes de família de Khanumata estão saindo de Khanumata em grupos e bandos e se dirigindo para o Parque Ambalatthika?”

“Senhor, ali se encontra Gotama o contemplativo, o filho dos Sakyas, que adotou a vida santa deixando o clã dos Sakyas, que estava perambulando pela região de Magadha ... (igual ao verso 2) ... Eles estão indo ver esse Mestre Gotama.”

4. Então, Kutadanta pensou: “Eu ouvi que o contemplativo Gotama sabe como realizar da forma correta o sacrifício de três modos com os seus dezesseis instrumentos. Agora, eu não sei isso, mas quero fazer um grande sacrifício. E se eu fosse até o contemplativo Gotama e perguntasse sobre esse assunto.” E assim ele mandou o seu ministro até os Brâmanes e chefes de família de Khanumata para pedir-lhes que esperassem por ele.[2]

5. E naquela ocasião muitas centenas de Brâmanes estavam em Khanumata com a intenção de tomar parte no sacrifício de Kutadanta. Ouvindo que a intenção dele era de visitar o contemplativo Gotama, eles foram até onde ele estava para perguntar se aquilo era verdade. “Assim é, senhores, eu irei visitar o contemplativo Gotama.”

6. “Senhor, não vá ver o contemplativo Gotama ... (igual ao DN 4.5) ... Sendo assim, Mestre Kutadanta, não é apropriado que você vá ver o contemplativo Gotama; ao invés disso, é apropriado que o contemplativo Gotama venha vê-lo.”

7. Quando isso foi dito, o brâmane Kutadanta disse para aqueles Brâmanes: “Agora, senhores, ouçam de mim porque é apropriado que eu vá ver o contemplativo Gotama e porque não é apropriado que o Mestre Gotama venha me ver ... (igual ao DN 4.6) ... Visto que o contemplativo Gotama chegou em Khanumata, ele é nosso hóspede e como nosso hóspede ele deve ser honrado, respeitado, reverenciado e venerado por nós. Sendo assim, senhores não é apropriado que o Mestre Gotama venha me ver; ao invés disso, é apropriado que eu vá ver o Mestre Gotama

8. Ao ouvir isso, os Brâmanes disseram para Kutadanta: “Senhor, visto que você elogia tanto o contemplativo Gotama, então mesmo estando a uma distância de cem yojanas daqui, seria apropriado que aqueles que têm fé fossem visitá-lo. Portanto, senhor, iremos visitar o contemplativo Gotama.”

E assim, Kutadanta foi com uma grande comitiva de Brâmanes para o Parque Ambalatthika. Ele foi até o Abençoado e ambos se cumprimentaram. Quando a conversa cortês e amigável havia terminado ele sentou a um lado. Alguns brâmanes e chefes de família homenagearam o Abençoado e sentaram a um lado; alguns trocaram saudações corteses com ele e após a troca de saudações sentaram a um lado; alguns ajuntaram as mãos em respeitosa saudação e sentaram a um lado; alguns permaneceram em silêncio e sentaram a um lado.

9. Kutadanta disse para o Abençoado: “Venerável Gotama, eu ouvi que você sabe como realizar da forma correta o sacrifício de três modos com os seus dezesseis instrumentos. Agora, eu não sei isso, mas quero fazer um grande sacrifício. Seria bom se o contemplativo Gotama pudesse me explicar isso.” - “Então, brâmane, ouça e preste muita atenção àquilo que eu vou dizer.” - “Sim senhor,” Kutadanta respondeu. O Abençoado disse o seguinte:

10. “Brâmane, certa vez houve um rei chamado Mahavijita. Ele possuía grande riqueza e posses, uma grande quantidade de barras de ouro, uma grande quantidade de celeiros, uma grande quantidade de campos, uma grande extensão de terras, inúmeras esposas e uma grande quantidade de escravos e escravas. Certa ocasião, quando o Rei Mahavijita refletia em particular, o seguinte pensamento lhe ocorreu: ‘Eu adquiri grande riqueza em termos humanos, eu ocupo uma ampla extensão de terra que conquistei. E se agora eu fizesse um grande sacrifício que trouxesse proveito e felicidade por muito tempo?’ E chamando o seu sacerdote, ele lhe disse o que havia pensado. ‘Eu quero fazer um grande sacrifício. Instrua-me, venerável senhor, como devo fazer um grande sacrifício que traga proveito e felicidade por muito tempo.’

11. “O sacerdote respondeu: ‘O reino de vossa Majestade está assediado por ladrões, vilarejos e cidades são pilhados, o campo está infestado por bandidos. Se vossa Majestade impusesse um novo imposto nessa região, essa seria uma atitude incorreta. Suponha que vossa Majestade pensasse: “Eu irei me livrar dessa praga de ladrões através de aprisionamentos e execuções, ou através de multas, intimidação e banimento,” assim não seria dado um fim apropriado a essa praga. Aqueles que sobrevivessem, mais tarde causariam dano ao reino de vossa Majestade. No entanto, com este outro plano vossa Majestade poderá eliminar por completo essa praga. Para aqueles que no reino se dedicam ao cultivo e ao pastoreio, que vossa Majestade lhes distribua grãos e ração; para aqueles que se dedicam ao comércio, conceda capital; para aqueles no serviço público, pague salários adequados. Então, essas pessoas, estando concentradas nas suas ocupações, não irão causar dano ao reino. As receitas de vossa Majestade irão se incrementar, o reino estará tranqüilo e não assediado por ladrões, e as pessoas, com alegria nos seus corações, irão se entreter com os seus filhos e manter as suas casas com as portas abertas.’”

“Dizendo: ‘Assim seja!’, o rei aceitou o conselho do sacerdote: ele deu grãos e ração, ... capital para o comércio, ... salários adequados ... e as pessoas com alegria nos seus corações ... mantinham as suas casas com as portas abertas.”

12. “Então, o Rei Mahavijita mandou buscar o sacerdote e disse: ‘Eu me livrei da praga dos ladrões; seguindo o seu plano a minha renda cresceu, o reino está tranqüilo e não assediado por ladrões, e as pessoas, com alegria nos seus corações, se entretêm com os seus filhos e mantêm as suas casas com as portas abertas. Agora eu gostaria de fazer um grande sacrifício. Instrua-me como isso deve ser feito para que traga proveito e felicidade por muito tempo.’

‘“Quanto a isso, Senhor, vossa Majestade deveria chamar os Khattiyas das cidades e do campo, os conselheiros e ministros, os Brâmanes mais influentes e os ricos chefes de família do reino, e dizer: “Eu gostaria de fazer um grande sacrifício. Ajudem-me nisso, senhores, para que traga proveito e felicidade por muito tempo.’”

“O Rei concordou e assim fez. ‘Senhor, que o sacrifício tenha início, agora é o momento, Majestade. Esses quatro grupos [3] que ofereceram aprovação serão os instrumentos para o sacrifício.

13. “O Rei Mahavijita estava dotado com oito qualidades. Ele era bem nascido pelos dois lados ... (igual ao DN 4.5) ... impecável com respeito ao nascimento. Ele era belo ... digno de ser contemplado. Ele era rico, com grande riqueza e posses. Ele era poderoso, possuindo um exército com quatro divisões, [4] que era leal, confiável, fazendo luzir a sua reputação entre os seus inimigos. Ele era um doador fiel e um anfitrião, que não fechava a porta para os contemplativos, brâmanes e errantes, pedintes e necessitados – uma fonte de bondade. Ele era bem estudado naquilo que deve ser estudado. Ele sabia o significado daquilo que tinha sido dito, explicando: ‘Esse é o significado disso que foi dito.’ Ele era inteligente, erudito, sábio, capaz de perceber a vantagem no passado, no futuro ou no presente. [5] O Rei Mahavijita estava dotado com essas oito qualidades. Elas constituíam os instrumentos para o sacrifício.

14. “O sacerdote estava dotado com quatro qualidades. Ele era bem nascido ... Ele era sábio, versado nos mantras ... Ele era virtuoso, com a virtude madura, possuindo virtude amadurecida. Ele era inteligente, erudito, sábio, o primeiro ou segundo a segurar a concha do sacrifício. Ele estava dotado com essas quatro qualidades. Elas constituíam os instrumentos para o sacrifício.

15. “Então, antes do sacrifício começar, o sacerdote orientou o Rei quanto aos três modos: ‘Pode ser que vossa Majestade sinta algum arrependimento com relação ao sacrifício planejado: “Eu irei perder muita riqueza,” ou durante o sacrifício: “Eu estou perdendo muita riqueza,” ou depois do sacrifício: “Eu perdi muita riqueza.” Nesses casos, vossa Majestade não deve dar atenção a esse tipo de pensamento.

16. “Então, antes do sacrifício começar, o sacerdote dissipou os dez tipos de receio do Rei com relação aos participantes: ‘Majestade, ao sacrifício virão aqueles que matam seres vivos e aqueles que se abstêm de matar seres vivos. Aqueles que matam seres vivos, que assim permaneçam; mas aqueles que se abstêm de matar seres vivos terão um sacrifício bem sucedido e se regozijarão com isso, e os seus corações estarão em paz. Virão aqueles que tomam o que não lhes é dado e aqueles que se abstêm ... aqueles que praticam o comportamento sexual impróprio e aqueles que se abstêm ... aqueles que mentem .... aqueles que empregam a linguagem maliciosa, grosseira e frívola ... aqueles que são cobiçosos e aqueles que não são, aqueles que têm má vontade e aqueles que não têm, aqueles que têm o entendimento incorreto e aqueles que têm o entendimento correto. Aqueles que têm o entendimento incorreto, que assim permaneçam; mas aqueles que têm o entendimento correto terão um sacrifício bem sucedido e se regozijarão com isso, e os seus corações estarão em paz.’ Assim o sacerdote dissipou os dez tipos de receio do Rei com relação aos participantes.

17. “Então, enquanto o Rei realizava o sacrifício, o sacerdote instruiu, estimulou, motivou e alegrou o coração do Rei com relação aos dezesseis instrumentos. ‘Alguém poderia dizer: “O Rei Mahavijita está fazendo um grande sacrifício, mas ele não convidou os Khattiyas ... os seus conselheiros e ministros ... os Brâmanes mais influentes ... os ricos chefes de família ...” Mas essas palavras não estariam de acordo com a verdade visto que o Rei convidou a todos como assistentes. Assim o Rei deve saber que terá um sacrifício bem sucedido e regozijar-se com isso, e o seu coração estará em paz. Ou alguém poderia dizer: “O Rei Mahavijita está fazendo um grande sacrifício, mas ele não é bem nascido pelos dois lados ...” Mas essas palavras não estariam de acordo com a verdade ... Ou alguém poderia dizer: “O sacerdote não é bem nascido ...” Mas essas palavras não estariam de acordo com a verdade.’ Assim o sacerdote instruiu, estimulou, motivou e alegrou o coração do Rei com relação aos dezesseis instrumentos.

18. “Nesse sacrifício, Brâmane, não foram mortos touros, nem bois ou novilhos, nem bodes ou carneiros, nem vários outros tipos de seres vivos, tampouco árvores foram cortadas para os postes de sacrifício, nem o capim foi cortado para o capim de sacrifício, e os escravos, mensageiros e serviçais não realizaram as suas tarefas com os rostos cobertos de lágrimas, incitados pelas ameaças de punição e pelo medo. Mas aqueles que queriam fazer algo, assim fizeram; aqueles que nada queriam fazer, nada fizeram: eles fizeram aquilo que queriam e não aquilo que não queriam. O sacrifício foi feito com manteiga clarificada, azeite, manteiga, coalhada, mel e melaço.

19. “Então, Brâmane, os Khattiyas das cidades e do campo, os conselheiros e ministros, os Brâmanes mais influentes e os ricos chefes de família do reino, tendo ganho muita riqueza foram até o Rei Mahavijita e disseram: ‘Nós trouxemos muita riqueza, Majestade, por favor aceite.’ - ‘Mas, senhores, eu já acumulei riqueza suficiente, produto de impostos equitativos. Mantenham aquilo que é de vocês e levem algo mais.’

“Dada a recusa do Rei, eles se afastaram para conversar: ‘Não é correto que levemos esta riqueza de volta para as nossas casas. O Rei está fazendo um grande sacrifício. Sigamos o seu exemplo.’

20. “Então os Khattiyas colocaram as suas oferendas do lado leste da cova de sacrifício, os conselheiros e ministros colocaram as suas do lado sul, os Brâmanes do lado oeste e os ricos chefes de família do lado norte. E nesse sacrifício não foram mortos touros, ... nem vários outros tipos de seres vivos ... aqueles que queriam fazer algo, assim fizeram; aqueles que nada queriam fazer, nada fizeram ... O sacrifício foi feito com manteiga clarificada, azeite, manteiga, coalhada, mel e melaço. Desse modo houve a cooperação quádrupla com o Rei Mahavijita dotado com oito qualidades pessoais e o sacerdote com quatro. O sacrifício foi realizado de três modos. Isto, Brâmane, é chamado a celebração de um sacrifício de três modos com os seus dezesseis instrumentos.”

21. “Quando isso foi dito os Brâmanes ergueram as vozes em tumulto e disseram: ‘Que sacrifício esplêndido! Que modo magnífico de realizar um sacrifício!’ Mas Kutadanta ficou sentado em silêncio. E os Brâmanes perguntaram porque ele não aprovava as boas palavras do contemplativo Gotama. Ele respondeu: ‘Não é que eu não as aprove. Minha cabeça partiria se eu assim não o fizesse. [6] Mas me ocorreu que o contemplativo Gotama não disse: “Eu ouvi isso,” ou “Deve ter sido assim,” mas ele diz: “Naquela época foi assim ou assado.” E portanto, senhores, parece-me que naquela época o contemplativo Gotama devia ser o Rei Mahavijita, o senhor do sacrifício, ou então o sacerdote que celebrou a cerimônia de sacrifício. O Venerável Gotama confirma que ele realizou ou fez com que se realizasse esse sacrifício e como conseqüência disso, com a dissolução do corpo, após a morte, ele renasceu em uma boa destinação, nos planos celestiais?’ - ‘Eu confirmo, Brâmane. Eu era o sacerdote que celebrou a cerimônia de sacrifício.’

22. “Venerável Gotama, há algum outro sacrifício que seja mais simples, menos complicado, mais frutífero e benéfico que esse sacrifício de três modos com os seus dezesseis instrumentos?” - “Há, Brâmane.”

“Que sacrifício é esse, Venerável Gotama?” - “Brâmane, sempre que as oferendas usuais das famílias são dadas para contemplativos virtuosos, estas se constituem num sacrifício mais frutífero e benéfico que aquele.”

23. “Qual a razão, Venerável Gotama, porque este sacrifício é melhor?”

“Brâmane, nenhum arahant ou aqueles que realizaram o caminho do arahant, irão participar daquele primeiro sacrifício. Por que? Porque nesses sacrifícios eles testemunham surras e violência e por isso eles não participam. [7] Mas eles irão participar dos sacrifícios nos quais as oferendas usuais das famílias são dadas para contemplativos virtuosos, porque nesse caso não há surras ou violência. Essa é a razão porque esse sacrifício é mais frutífero e benéfico.”

24. “Mas, Venerável Gotama, há algum outro sacrifício que seja mais frutífero e benéfico que esses dois?” - “Há, Brâmane.”

“Que sacrifício é esse, Venerável Gotama?” - “Brâmane, qualquer um que proporcione abrigo para a Sangha vinda dos quatro quadrantes, isso se constitui num sacrifício mais frutífero e benéfico.”

25. “Mas, Venerável Gotama, há algum outro sacrifício que seja mais frutífero e benéfico que esses três?” - “Há, Brâmane.”

“Que sacrifício é esse, Venerável Gotama?” - “Brâmane, qualquer um que com o coração puro busque refúgio no Buda, no Dhamma e na Sangha, isso se constitui num sacrifício mais frutífero e benéfico do que qualquer um dos outros três.”

26. “Mas, Venerável Gotama, há algum outro sacrifício que seja mais frutífero e benéfico que esses quatro?” - “Há, Brâmane.”

“Que sacrifício é esse, Venerável Gotama?” - “Brâmane, qualquer um que com o coração puro adote os preceitos de virtude – abster-se de matar seres vivos, de tomar aquilo que não é dado, da conduta sexual imprópria, da mentira e do vinho, álcool e outros embriagantes - isso se constitui num sacrifício mais frutífero e benéfico do que qualquer um dos outros quatro.”

27. “Mas, Venerável Gotama, há algum outro sacrifício que seja mais frutífero e benéfico que esses quatro?” - “Há, Brâmane.”

“Que sacrifício é esse, Venerável Gotama?” - “Brâmane, um Tathagata surge no mundo, um arahant, perfeitamente iluminado, consumado no verdadeiro conhecimento e conduta, bem-aventurado, conhecedor dos mundos, um líder insuperável de pessoas preparadas para serem treinadas, mestre de devas e humanos, desperto, sublime. Ele declara - tendo realizado por si próprio com o conhecimento direto - este mundo com os seus devas, maras e brahmas, esta população com seus contemplativos e brâmanes, seus príncipes e povo. Ele ensina o Dhamma, com o significado e fraseado corretos, que é admirável no início, admirável no meio, admirável no final; e ele revela uma vida santa que é completamente perfeita e imaculada. Um discípulo segue a vida santa e pratica a virtude, (DN 2.41- 74). Assim um bhikkhu tem a virtude perfeita. Ele alcança os quatro jhanas, (DN 2.75-82). Isso, Brâmane, se constitui num sacrifício mais frutífero e benéfico. Ele realiza vários insights, (DN 2.83-95), e a destruição das impurezas, (DN 2.97). Ele sabe: ‘Não há mais nada neste mundo.’ Isso, Brâmane, se constitui num sacrifício mais simples, menos complicado, mais frutífero e benéfico que todos os outros. E além disso não há nenhum outro sacrifício que seja superior ou mais perfeito.”

28. “Magnífico, Mestre Gotama! Magnífico, Mestre Gotama! Mestre Gotama esclareceu o Dhamma de várias formas, como se tivesse colocado em pé o que estava de cabeça para baixo, revelasse o que estava escondido, mostrasse o caminho para alguém que estivesse perdido ou segurasse uma lâmpada no escuro para aqueles que possuem visão pudessem ver as formas. Eu busco refúgio no Mestre Gotama, no Dhamma e na Sangha dos bhikkhus. Que o Mestre Gotama me aceite como discípulo leigo que buscou refúgio para o resto da vida! E, Venerável Gotama, eu libertarei os setecentos touros, setecentos bois, setecentos novilhos, setecentos bodes e setecentos carneiros. Eu lhes concedo a vida, que eles sejam alimentados com capim fresco, com água fresca para beber e que a brisa fresca os enleve.

29. Então, o Abençoado transmitiu o ensino gradual ao Brâmane Kutadanta, isto é, ele falou sobre a generosidade, sobre a virtude, sobre o paraíso; ele explicou o perigo, a degradação e as contaminações dos prazeres sensuais e as vantagens da renúncia. Quando ele percebeu que a mente do Brâmane Kutadanta estava pronta, receptiva, livre de obstáculos, satisfeita, clara, com serena confiança, ele explicou o ensinamento particular dos Budas: o sofrimento, a sua origem, a sua cessação e o caminho. Tal qual um pano limpo, com todas as manchas removidas, irá absorver um corante de modo adequado, assim também, enquanto o Brâmane Kutadanta estava ali sentado, a visão imaculada do Dhamma surgiu nele: “Tudo que está sujeito ao surgimento está sujeito à cessação.”

30. Kutadanta, tendo visto o Dhamma, realizado o Dhamma, compreendido o Dhamma, examinado a fundo o Dhamma, superado a dúvida, eliminado a perplexidade, obtido a intrepidez e se tornado independente dos outros na Revelação do Mestre, disse: “Que o Venerável Gotama concorde em aceitar a refeição de amanhã junto com a Sangha dos bhikkhus!” E o Abençoado concordou em silêncio. Então, sabendo que o Abençoado havia concordado, Kutadanta levantou do seu assento, e depois de homenagear o Abençoado, mantendo-o à sua direita, partiu. Então, quando havia terminado a noite, ele fez com que se preparasse vários tipos de boa comida no seu lugar de sacrifício e depois fez com que se anunciasse a hora para o Abençoado: “É hora, Mestre Gotama, a refeição está pronta.”

Então, ao amanhecer, o Abençoado carregando a sua tigela e o manto externo, foi com a Sangha dos bhikkhus até o lugar de sacrifício de Kutadanta e sentou num assento que havia sido preparado. Então, com as próprias mãos, Kutadanta serviu e satisfez o Abençoado e os bhikkhus com os vários tipos de boa comida. Em seguida, quando o Abençoado havia terminado de comer e retirado a mão da sua tigela, Kutadanta sentou a um lado, num assento mais baixo.

Então, o Abençoado tendo instruído, estimulado, motivado e encorajado Kutadanta com um discurso do Dhamma, levantou do seu assento e partiu.

 


 

Notas:

[1] De acordo com DA este não é o mesmo local mencionado no DN 1.1.2 que ficava a meio caminho entre Rajagaha e Nalanda. [Retorna]

[2] Kutadanta significa ‘dentes afiados.’ Há razões para desconfiar desta história pois não é concebível que um Brâmane fosse consultar o Buda sobre como realizar um sacrifício, que supostamente era a especialidade dos Brâmanes. [Retorna]

[3] Os Khattiyas (nobres), conselheiros e ministros, Brâmanes e chefes de família. [Retorna]

[4] Elefantes, cavalaria, carruagens e infantaria. [Retorna]

[5] DA: Por compreender o funcionamento de kamma: a boa fortuna agora é devida ao kamma passado, e as boas ações realizadas agora trarão resultados semelhantes no futuro. [Retorna]

[6] Conforme o DN 3.1.20. [Retorna]

[7] DA: os seguranças nesse tipo de sacrifício empurram os participantes e empregam a violência para manter a ordem. [Retorna]

 

 

Revisado: 14 Setembro 2013

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