Familiarizando-se com os Suttas
Algumas sugestões para a leitura dos discursos em Pali
O Cânone em Pali possui cerca de 11.500 suttas (discursos), dos quais quase 8.000 estão disponíveis em Português aqui no site ‘Acesso ao Insight’. Quando confrontado com esse imenso repositório de riquezas, três questões surgem naturalmente na mente:
Por que devo ler os suttas?
Quais suttas devo ler?
Como devo ler os suttas?
Não existem respostas únicas, definitivas para essas questões; no final das contas você terá que encontrar suas próprias respostas. Apesar disso, ofereço algumas idéias, sugestões, e dicas que ao longo dos anos têm ajudado na minha própria descoberta dos suttas. Talvez você também as considere úteis.
Eles são a fonte
original dos ensinamentos do Budismo Theravada.
Se você está interessado(a) em entender melhor os ensinamentos do Budismo
Theravada, então o Cânone em Pali – e os suttas nele contidos – é o lugar onde
encontrar informação e apoio confiável. Você não deve se preocupar se as
palavras nos suttas foram na realidade pronunciadas pelo Buda histórico (ninguém está em condições de provar isso). Ao invés disso, tenha em mente que
os ensinamentos dos suttas foram praticados – evidentemente com sucesso – por
um número incontável de pessoas por aproximadamente 2.600 anos. Se você quer
saber se os ensinamentos realmente funcionam, então estude os suttas e coloque
os seus ensinamentos em prática e descubra por si mesmo.
Eles apresentam um
conjunto completo de ensinamentos.
Os ensinamentos contidos nos suttas, considerando o seu conjunto total,
apresentam um guia completo que guiará o(a) estudioso(a) do seu atual estágio
de desenvolvimento espiritual em direção ao objetivo final. Não importa qual
seja o seu estágio atual (observador cético, iniciante, praticante leigo devoto
ou um monge (a) celibatário (a)), existe sempre algo nos suttas para auxiliá-lo
(a) no caminho em direção ao objetivo. O mais importante é que, conforme você
lê mais e mais extensamente o Cânone em Pali, você irá sentir menos necessidade
de tomar ensinamentos de outras tradições espirituais, já que os suttas contêm
a maior parte daquilo que você necessita saber.
Eles apresentam um
conjunto de ensinamentos fiel a si mesmo
Os ensinamentos do Cânone são amplamente fiéis a si mesmos, caracterizados por um único sabor – aquele da libertação. Na
medida que você percorre o seu caminho pelos suttas, no entanto, de tempos em
tempos você poderá encontrar ensinamentos
que questionem – ou claramente
contradigam – o seu entendimento do Dhamma naquele momento. Refletindo
profundamente acerca desses obstáculos, o conflito freqüentemente se dissolve
abrindo novos horizontes de compreensão. Por exemplo, você pode concluir da
leitura de um sutta [ Snp IV.1] que a sua prática
deve ser de evitar todo tipo de desejos. Porém lendo outro [SN LI.15], você aprende que o desejo é um dos
fatores necessários no caminho. Somente após alguma reflexão fica claro que o
ponto colocado pelo Buda é de que existem diferentes tipos de desejo, e que
algumas coisas valem a pena ser
desejadas – especialmente, a extinção de todo desejo. Nesse ponto a sua
compreensão se expande para um outro nível que pode facilmente incluir ambos
suttas, e a aparente contradição se evapora. Ao longo do tempo você irá
aprender a reconhecer essas aparentes “contradições” não como inconsistências
nos suttas mas como uma indicação de que os suttas o (a) conduziram até o
limite do seu próprio entendimento. Cabe a você ultrapassar essa barreira.
Eles oferecem muitos
conselhos práticos.
Nos suttas você encontrará uma abundância de conselhos acerca de uma grande
quantidade de assuntos relacionados com o mundo real, como por exemplo: como os
filhos e pais podem viver em harmonia [DN31],
como proteger suas propriedades materiais [AN
IV.255], que tipos de coisas valem a pena e não valem a pena ser faladas [AN X.69],
como lidar com o pesar [AN V.49], como
treinar a sua mente mesmo no leito de morte [SN
XXII.1], e muito, muito mais. Em resumo, eles oferecem conselho prático e
realista de como encontrar a felicidade, não importando qual seja a sua
situação de vida, não importando se você se considera um Budista ou não. E é
claro você encontrará muitas instruções sobre como meditar [ex.: MN 10, MN118].
Eles podem reforçar
a sua confiança nos ensinamentos do Buda.
Conforme você investiga os suttas irá encontrar coisas que já sabe são
verdadeiras pela sua própria experiência. Talvez você já tenha bastante
familiaridade com os riscos do alcoolismo [DN 31],
ou talvez você já tenha experimentado o refinado prazer que surge naturalmente
na mente que está concentrada [AN V.28]. Vendo
a sua própria experiência confirmada nos suttas – mesmo que em pequena escala –
pode facilitar a aceitação de que não é impossível alcançar os estados mais
refinados ou ‘avançados’ que o Buda descreve, e de que alguns dos ensinamentos
mais difíceis e contrários à intuição podem não ser na verdade, tão estranhos.
Essa validação pode gerar renovada confiança e energia que auxiliará a sua
meditação e a sua compreensão conquistar novos territórios.
Eles podem apoiar e energizar
sua prática de meditação.
Quando você lê nos suttas a respeito das experiências meditativas de outras
pessoas, você começa a ter uma noção do que já alcançou na sua prática, e o que
ainda resta por fazer. Esse entendimento pode proporcionar um poderoso impulso
para que você aplique os ensinamentos
com mais comprometimento ainda.
Ler os suttas
simplesmente lhe fará bem.
As instruções contidas nos suttas são inteiramente de uma natureza saudável, e
são todas acerca do desenvolvimento de qualidades elogiáveis tais como a
generosidade, virtude, paciência, concentração, atenção plena, etc. Portanto
quando você lê um sutta está preenchendo a sua mente com coisas saudáveis. Se
você considerar a quantidade de informação inútil e claramente destrutiva que a
sociedade moderna – especialmente a Internet -
impinge sobre os nossos sentidos, dia após dia, um pouco de estudo
rotineiro dos suttas pode se transformar em uma ilha de segurança e sanidade em
um mundo perigoso. Cuide bem da sua mente – leia um sutta hoje e leve-o a
sério.
A resposta rápida é: qualquer um que você queira.
Pode ajudar se pensarmos acerca do Dhamma como uma jóia multifacetada, com cada sutta proporcionando um vislumbre de uma ou duas facetas. Por exemplo, existem os ensinamentos das quatro Nobres Verdades e do Caminho Óctuplo; de dana e sila; de atenção plena na respiração e atenção plena na morte; sobre como viver de maneira hábil como um leigo ou como um monge ordenado; e mais, muito mais. Nenhum sutta sozinho diz tudo; cada um depende dos outros para formar um quadro completo dos ensinamentos do Buda. Quanto mais você puder ler dos suttas, mais completo ficará o seu quadro dessa jóia.
Como ponto de partida, todo estudante de Budismo deveria estudar, refletir, e aplicar os Cinco Preceitos e os Cinco Temas para Contemplação Diária. Além disso, deveríamos levar a sério o conselho do Buda para o seu jovem filho Rahula, que diz respeito às nossas responsabilidades básicas todas as vezes em que realizamos um ato intencional de qualquer tipo. A partir daí, você pode seguir com o caminho passo a passo ou sistema em ‘degraus’ dos ensinamentos do Buda, que compreende os tópicos da generosidade, virtude, paraíso, desvantagens, renúncia e as Quatro Nobres Verdades.
Se você está interessado (a) em uma base sólida acerca dos fundamentos dos ensinamentos do Buda, três suttas são amplamente respeitados como leitura obrigatória: Colocando a Roda do Dhamma em Movimento (SN LVI.11), As Características do Não Eu (SN XXII.59) e o Discurso do Fogo (SNXXXV.28). Juntos, esses suttas – os “Três Grandes” do Sutta Pitaka – definem os temas básicos dos ensinamentos do Buda que reaparecem em incontáveis variações por todo o Cânone. Nesses suttas somos apresentados a idéias fundamentais como: as Quatro Nobres Verdades, a natureza de dukkha; o Caminho Óctuplo; o “caminho do meio”; a “roda” do Dhamma; o principio de anatta (não-eu) e a análise da “identidade” como cinco agregados; o principio de deixar de lado o encantamento com a gratificação sensual; e os muitos planos de existência que caracterizam o amplo espectro da cosmologia Budista. Esses princípios básicos proporcionam uma estrutura sólida sobre a qual todos os demais ensinamentos do Cânone podem ser assentados.
Alem disso, esses três suttas demonstram com beleza a extraordinária habilidade do Buda como mestre: ele organiza o seu material de forma clara, lógica e memorável, utilizando listas (as Quatro Nobres Verdades, o Caminho Óctuplo, os cinco agregados, etc.); ele engaja a audiência em um diálogo, para auxiliá-los a revelar por si mesmos os erros no seu entendimento; ele comunica os seus pontos utilizando ilustrações e imagens que a sua audiência compreende rapidamente; e , o mais importante, freqüentemente ele estabelece uma conexão com a sua audiência tão eficaz que eles são capazes de perceber por si mesmos os resultados extraordinários que ele promete. Uma vez que temos a capacidade de ver o Buda como o mestre extraordinário e capaz que ele é, podemos prosseguir com confiança pelo resto do Cânone, confiando plenamente que os seus ensinamentos não nos deixarão perdidos.
Outros pontos de partida proveitosos:
Para as instruções básicas do Buda sobre a meditação da respiração, veja o Anapanasati Sutta; para as suas instruções para a prática da atenção plena, veja o Satipatthana Sutta.
Para aprender como cultivar um coração pleno de amor bondade, veja o Karaniya Metta Sutta.
No Devadaha Sutta o Venerável Sariputta explica como apresentar os ensinamentos do Buda para pessoas inteligentes e questionadoras – alguém como você.
Como decidir quais caminhos espirituais valem a pena ser desenvolvidos e quais não? O Kalama Sutta esclarece esse antigo dilema.
No Sigalovada Sutta o Buda oferece um “manual de instruções” conciso que mostra como leigos podem viver vidas felizes e plenas.
Para obter o máximo dos seus estudos dos suttas, pode ser de ajuda considerar alguns princípios gerais antes que você comece a sua leitura e uma vez que você começou a ler um sutta, tenha em mente algumas questões.
Não existe
algo como uma tradução “definitiva”.
Não esqueça que o Cânone em Pali foi registrado em Pali, não em Português.
Nenhuma vez durante a sua carreira o Buda falou acerca de “sofrimento” ou
“iluminação”, ele falava de coisas como dukkha e nibbana. Tenha
em mente também que toda tradução primeiro para o inglês e depois para o
português foi filtrada e processada por um tradutor – alguém que está
profundamente inserido na sua cultura em um momento particular no tempo, e
cuja experiência e compreensão inevitavelmente irão colorir a tradução. (Traduções Britânicas dos suttas feitas no final do século 19,
início do século 20, freqüentemente nos soam pesadas e sombrias nos dias de
hoje; daqui a cem anos, as traduções que desfrutamos hoje, também, sem
dúvida, soarão arcaicas). Tradução é, o mesmo que a tentativa de um
cartógrafo de representar a Terra redonda sobre uma superfície plana, uma
arte imperfeita.
Por essas razões, é melhor que você não se acomode totalmente com uma tradução em particular, quer seja de uma palavra ou de um sutta inteiro. Só porque, por exemplo, um tradutor equipara dukkha com “sofrimento” ou nibbana com “libertação”, não significa que você deve aceitar essas traduções como verdades absolutas, tome-as por base. Conceda espaço suficiente para que o seu entendimento mude e amadureça, e cultive a disposição de considerar traduções alternativas. Talvez, ao longo do tempo, suas próprias preferências irão mudar (você pode, por exemplo, achar “estresse” e “extinção” mais úteis). Lembre-se de que qualquer tradução é somente uma muleta conveniente – porém provisória – que você precisa usar até que você alcance o entendimento direto das idéias que ela descreve.
Se você quer levar realmente a sério o entendimento do que os suttas contêm, você terá de enfrentar o desafio e aprender algo de Pali. Porém existe um método melhor: leia as traduções e coloque os ensinamentos nelas contidos em prática até que você obtenha os resultados prometidos pelo Buda. O domínio do Pali não é, felizmente, um pré-requisito para a Iluminação
Nenhum sutta contém todos ensinamentos.
Para colher os maiores benefícios do Cânone explore muitos suttas diferentes,
não selecione apenas alguns. Os ensinamentos acerca da atenção plena por
exemplo, embora de grande valor, representam uma pequena porção dos ensinamentos
do Buda. Como princípio geral, sempre que você achar que entendeu os
ensinamentos do Buda, é um bom sinal de que está a hora de procurar
ir um pouco mais fundo.
Não se
preocupe se um sutta contém ou não as palavras tal como foram ditas pelo Buda
histórico.
Não há maneira de provar isso. Leia os suttas, coloque os ensinamentos em
prática da melhor maneira possível e veja o que acontece. Você não tem
nada a perder.
Se você
gostou de um sutta leia-o de novo.
Às vezes você encontrará um sutta que irá agarrar a sua atenção de alguma
maneira a primeira vez que você o ler. Confie nessa sua reação e leia-o
outra vez; significa que o sutta tem algo de valioso para lhe ensinar e de
que você está maduro para receber esses ensinamentos. De tempos em tempos
releia os suttas que você se recorda de ter gostado quando leu alguns
meses ou anos atrás. Você irá descobrir neles nuanças que não havia notado
antes.
Se você não
gostou de um sutta leia-o outra vez.
Às vezes você encontrará um sutta que é simplesmente irritante. Confie
nessa sua reação, isso significa que o sutta possui algo de valioso para
lhe ensinar, embora talvez você ainda não esteja plenamente preparado para
assimilá-lo. Faça uma marcação nesse sutta e coloque-o de lado por
enquanto. Retorne ao sutta após algumas semanas, meses ou mesmo anos.
Tarde ou cedo você irá se identificar com ele.
Se um sutta
é maçante, confuso ou inútil, simplesmente coloque-o de lado.
Dependendo dos seus interesses no momento e da profundidade da sua
prática, você pode achar que um determinado sutta simplesmente não faz
sentido ou parece totalmente
entediante e maçante. Simplesmente coloque-o de lado e tente um outro.
Continue tentando até que você encontre um que faça uma conexão direta e
pessoal.
Um bom sutta
é aquele que o inspira a parar de lê-lo.
A razão para leitura de suttas é para inspirá-lo (a) a desenvolver o entendimento correto,
viver uma vida correta e meditar corretamente. Então, se enquanto você
estiver lendo, você sentir um desejo de parar de ler e ir sentar-se em um
canto calmo, com os olhos fechados, e dar atenção à respiração, faça-o! O sutta terá dessa forma
realizado o seu propósito. O sutta lá estará quando você retornar mais
tarde.
Leia o sutta em voz alta do começo ao fim.
Isto auxilia de várias formas: força-o (a) a ler cada palavra do sutta,
proporciona a oportunidade de praticar a linguagem correta, e proporciona
aos seus ouvidos a experiência de ouvir o Dhamma.
Ouça os ensinamentos em diferentes níveis.
Muitos suttas oferecem ensinamentos em muitos níveis ao mesmo tempo, e é
bom desenvolver a sensibilidade para isso. Por exemplo, quando o Buda
explica para um discípulo as minúcias da linguagem correta, note como ele
mesmo (o Buda) usa a linguagem [MN58]. O Buda
pratica o que ensina?
Não ignore
as repetições.
Muitos suttas contêm passagens repetidas. Leia o sutta como você leria uma
peça musical: quando você canta ou ouve uma música, você não pula o refrão;
da mesma forma, quando você lê um sutta, você não deveria pular os
refrões. Como na música, os refrões nos suttas freqüentemente têm pequenas
e inesperadas porém importantes variações que você não deve perder.
Discuta o
sutta com seus amigos.
Compartilhando as suas observações e reações com um amigo, ambos podem
aprofundar o entendimento acerca do sutta. Pense em formar um grupo de
estudos dos suttas. Se você tem dúvidas persistentes acerca de um sutta,
pergunte a um mestre experiente em quem você confia. Se possível consulte
monges (as) mais experientes pois o ponto de vista único acerca dos
ensinamentos que eles têm poderá auxiliar a esclarecer os gargalos de
confusão.
Quando você lê um sutta tenha em mente que está ouvindo o Buda enquanto ele ensina outra pessoa. Ao contrário de muitos contemporâneos do Buda de outras tradições espirituais que freqüentemente aderiam a uma doutrina fixa quando respondiam a todas as questões [AN X.93], o Buda adequava os princípios básicos dos seus ensinamentos para atender as necessidades particulares do seu público. É portanto importante desenvolver uma sensibilidade para o contexto do sutta, para identificar de que maneira a situação dos ouvintes do Buda tem alguma semelhança com a sua, de forma que você possa medir de que forma aplicar as palavras do Buda à sua própria situação.
Pode ser útil manter algumas questões presentes na sua mente enquanto você lê, tanto para auxiliá-lo (a) a entender o contexto do sutta e para ajudá-lo (a) a captar os diferentes níveis de ensinamentos que freqüentemente estão ocorrendo ao mesmo tempo. Lembre-se, essas questões não têm o propósito de transformá-lo (a) em um acadêmico; elas simplesmente tem o objetivo de facilitar que cada sutta ganhe vida para você.
Qual é a
ambientação?
Na maioria dos suttas o parágrafo de abertura (" Assim ouvi...")
define o cenário do sutta. Ele
acontece em um vilarejo, em um monastério, na floresta? Qual é a estação
do ano? Quais eventos estão ocorrendo como pano de fundo? Fixando esses
detalhes na sua mente ajudará a lembrar que esse sutta descreve eventos reais que ocorreram a pessoas de verdade - como você e eu - e
assim pode auxiliar o sutta a ganhar vida.
Qual é a
história?
Um sutta pode oferecer muito pouco em termos de narrativa [AN VII.6],
enquanto que outro pode estar repleto de emoção e drama, em certas
ocasiões parecendo mesmo uma breve história [Mv X.2.3-20]. Como o enredo da história
por si mesmo reforça os
ensinamentos apresentados no sutta?
Quem inicia
os ensinamentos?
É o Buda quem toma a iniciativa [AN X.69], ou outra pessoa se dirige a ele com
perguntas [DN 2]? Se for outra pessoa
existem premissas ou atitudes por trás das questões que não foram ditas?
Alguém se dirige ao Buda com a intenção de derrotá-lo em um debate [MN 58]? Essas considerações podem lhe dar uma
idéia da motivação que está por detrás dos ensinamentos, e a receptividade
do ouvinte às palavras do Buda. Com que atitude você toma contato com esses ensinamentos?
Quem está
ensinando?
É o Buda [SN XV.3], um de seus discípulos
[SN XXII.85], ou ambos [SN XXII.1] ? Ele ou ela é ordenado (a) [SN XXXV.232] ou um leigo [AN VI.16]? Qual é a profundidade de
entendimento de quem está ensinando (isto é, se trata ”apenas" de um
anagami [AN VI.16], ou é um arahant
[Thig V.4]? Embora possa ser difícil identificar isso apenas com a
leitura do sutta, tendo alguma idéia do histórico do mestre e suas
credenciais pode ajudar a medir o nível dos ensinamentos que são
oferecidos. Comentários e discussões com membros da Sangha ou acadêmicos
podem ajudar nesse caso.
A quem se
dirigem os ensinamentos?
É para um monge [SN XXXV.85], monja [SN XXXV.85], ou um discípulo leigo? Se
trata de uma grande assembléia [MN 118] ou
um indivíduo [AN IV.184]? Ou são
seguidores de uma outra religião [MN 57] ? Qual
é a profundidade do seu entendimento? Se a audiência está composta de
anagamis buscando o estado de arahants, os ensinamentos apresentados
poderão ser significativamente mais avançados do que se a audiência nunca
teve nenhum contato anterior com os ensinamentos do Buda [AN III.65]. Isto pode ser útil para
identificar a adequação dos ensinamentos para o seu caso.
Qual é o
método de apresentação?
Se trata de uma palestra formal [SN LVI.11], uma sessão de perguntas e respostas [Snp V.6], o recontar de uma antiga história [AN
III.15], ou simplesmente um verso inspirado [Thig 1.11] ? O mestre
está transmitindo suas instruções somente através do conteúdo dos
ensinamentos [SN XII.2] ou a maneira como ele está tratando os
ouvintes também faz parte da mensagem [MN 57]? A grande variedade de estilos de ensino empregados pelo Buda e pelos
seus discípulos mostra que não existe um método fixo de ensinar o Dhamma;
o método empregado depende das exigências de uma situação em particular e
da maturidade espiritual da audiência.
Qual é o
ensinamento básico?
De que forma o ensinamento se encaixa com o sistema triplo progressivo de
treinamento do Buda: o foco principal está no desenvolvimento da virtude [MN 61],
concentração [ AN V.28], ou sabedoria [MN 140]? A apresentação é consistente com o
que está contido em outros suttas (ex. Snp
II.14 e DN 31)? Como esses ensinamentos
se encaixam no seu modelo dos ensinamentos do Buda? Se encaixa bem no seu
entendimento anterior, ou questiona algumas das suas suposições básicas
acerca do Dhamma?
Como é a
conclusão?
O ouvinte alcança o Despertar exatamente ali e naquele momento [SN XXXV.28], ou demora algum tempo após ouvir os ensinamentos [MN 57] ? Alguém se "converte" ao
caminho do Buda como aquele evidenciado pela passagem " Magnifico!
Magnifico! Como se tivesse colocado em pé o que estava de cabeça para baixo ..."
[AN IV.111]? Às vezes o simples ato de apagar uma
vela é suficiente para resultar no Despertar da pessoa [ Thig
V.10 ], às vezes o próprio Buda não pode fazer nada para que alguém supere
o seu kamma [DN 2]. As conclusões variadas
dos suttas servem para ilustrar o poder e a complexidade extraordinários
da lei do kamma.
O que este
sutta tem para me oferecer ?
Esta é a pergunta mais importante de todas, porque
ela desafia você a levar o sutta a sério. Afinal, é o coração que tem
que ser transformado por esses ensinamentos, não o intelecto.
Enquanto você lê um sutta, pergunte a si mesmo: Eu me identifico com alguma das situações ou personagens no sutta? As questões colocadas ou os ensinamentos apresentados são relevantes para mim? Quais lições posso aprender do sutta? Tenho dúvidas sobre se sou realmente capaz de fazer o que o Buda pede no sutta, ou tenho uma confiança ainda maior?
Qualquer que seja a mensagem positiva que você encontrou no sutta, qualquer que seja o sabor gratificante que restou, permita que eles cresçam e se desenvolvam ao longo da sua prática de meditação e na sua vida. Não tente equacionar ou entender um sutta como se fossem palavras cruzadas. Dê tempo ao tempo para que ele amadureça na sua mente. Ao longo do tempo, as idéias, impressões, e atitudes transmitidas pelo sutta irão gradualmente filtrar para a sua consciência, influenciando a maneira como você vê o mundo. Um dia você poderá estar no meio de uma experiência corriqueira quando de repente a lembrança de um sutta que você leu a muito tempo virá à mente, trazendo consigo um poderoso ensinamento do Dhamma que é perfeitamente adequado para aquele momento.
Para facilitar esse processo, pode ser de grande ajuda você criar um espaço para os suttas. Não comprima a leitura dos suttas juntamente com suas outras atividades e não leia demasiado suttas de uma só vez. Faça do estudo dos suttas uma atividade especial, contemplativa. Também deve ser uma atividade agradável. Se você achar que está se tornando árida e irritante, simplesmente ponha de lado e tente novamente após alguns dias, semanas ou meses. Após ler um sutta, não retorne imediatamente às suas atividades; tome algum tempo para fazer um pouco de meditação da respiração, dando uma oportunidade para que o seu coração se acalme de forma que possa absorver mais inteiramente os ensinamentos.
Como a meditação, a leitura de suttas é uma habilidade que pode ser desenvolvida. Conceda-se tempo suficiente para pacientemente desenvolver essa habilidade.
Revisado: 21 Outubro 2013
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