Um Dharma

Uma entrevista com Joseph Goldstein

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Inquiring Mind: O que o levou a escrever esse novo livro, ‘Um Dharma’?

Joseph Goldstein: A motivação veio da minha experiência ao estudar com mestres de várias tradições Budistas, em diferentes escolas dentro do Theravada, bem como do Zen e da tradição Tibetana. Eu me dei conta que os ensinamentos e mestres estavam dizendo coisas bastante diferentes, e com freqüência contraditórias, sobre a natureza da mente ou a natureza da consciência e da libertação. Assim eu me vi confrontado com a questão sobre o que fazer quando meus mais respeitados mestres estavam dizendo coisas diferentes sobre aquilo que é da maior importância para mim. Minha primeira reação foi a pergunta, Quem está certo? Mas isso levantou a questão que se um está certo, então o outro tem que estar errado. Eu me atormentei por causa disso por um bom tempo. No final das contas, compreendi que através do raciocínio nunca poderia solucionar essas questões da verdade última, então, desisti de tentar compreendê-las no nível intelectual. Um mantra surgiu na minha mente, que agora uso tanto na minha prática como ao ensinar o Dharma: Quem sabe? Qual é a natureza do despertar do Buda? Quem sabe? E até que sejamos um Buda, nós não saberemos. Uma vez que aceitei isso, ao invés de me sentir confuso, senti como se tivesse me soltado de um monte de apegos. Eu me senti realmente aberto para ouvir todos os diferentes tipos de ensinamentos. E então comecei a compreender – e esse é um ponto crucial daquilo que tento expressar no livro – que todos os ensinamentos são vistos de uma forma mais benéfica quando encarados como meios hábeis ao invés de afirmações sobre a verdades última. Se tomarmos os ensinamentos como afirmações sobre a verdade, então idéias opostas irão levar inevitavelmente ao conflito. Podemos ver com facilidade como as idéias sectárias formam a base de tanto conflito no mundo de hoje. Mas, se virmos os ensinamentos como meios hábeis para libertar a mente, então poderemos adotar aquilo que tem valor de uma ampla gama de ensinamentos, mesmo quando eles digam coisas bastante diferentes. Nosso critério precisa apenas checar se os ensinamentos irão nos ajudar a libertar a mente. Isso levanta uma outra questão: O que significa libertar a mente? Da minha prática com as diferentes tradições, eu descobri que tudo se reduz a desenvolver uma mente que não se apegue a nada. Eu me lembro de um conhecido ensinamento do Buda: “Nada, seja o que for, deve ser agarrado como eu ou meu. Quem ouvir isto terá ouvido todo o ensinamento, quem praticar isso terá praticado todo o ensinamento, quem compreender isso terá compreendido todo o ensinamento.” O que emerge no final é uma tremenda simplicidade.

IM: Uma idéia especial ou ensinamento não poderia ter um efeito poderoso sobre a abordagem de uma pessoa para libertar a mente? Por exemplo, uma escola do Zen afirma que nós já estamos iluminados e que quando sentamos em meditação estamos expressando nossa iluminação, enquanto que outra escola diz que ainda não estamos iluminados e meditamos para alcançar este estado.

JG: Eu encontrei duas abordagens básicas para a prática. Uma chamo de “varrer por cima,” no sentido de que já estamos iluminados e sentamos para expressar ou compreender isso. A outra abordagem chamo de “construir por baixo,” onde começamos com o reconhecimento do nosso sofrimento, com um esforço para aliviar esse sofrimento. Existem vantagens e desvantagens em cada abordagem. Se alguém for pego numa situação de muito sofrimento, provavelmente não irá ajudar muito sugerir que ele já possui a pureza essencial. Ele precisa desenvolver uma atenção plena muito clara daquilo que está surgindo no momento e trabalhar a partir dessas dificuldades. Por outro lado, o perigo da abordagem de “construir por baixo” é que as pessoas podem passar a ter fixação pelo seu sofrimento e ao lutar contra ele poderão solidificar ainda mais a noção de um eu. Para essas pessoas, no momento correto, ouvir um ensinamento sobre a pureza essencial da mente pode ser a medida exata para fazer com que elas se abram para a transparência do eu. O ensinamento correto, ou meio hábil, realmente depende daquilo que cada indivíduo necessita.

IM: O subtítulo do seu livro é "The Emerging Western Buddhism," (O Emergente Budismo Ocidental) e você fala sobre o quão afortunados somos em ter todas essas diferentes correntes do Dharma do Buda disponíveis. Poderia haver algum perigo por termos opções em demasia, meios hábeis em excesso?

JG: A abundância de métodos nos permite encontrar um método adequado ao nosso temperamento e propensões. Mas é realmente importante, como praticantes, seguir um método de prática ao qual nos adaptemos bem e seguí-lo até alcançar um entendimento mais profundo. Em algum ponto pode ser possível e benéfico estudar em diferentes tradições, mas se fizermos isso muito cedo, apenas criaremos muita confusão. As pessoas algumas vezes podem se tornar diletantes, praticando um pouco disto e um pouco daquilo sem na verdade obter qualquer profundidade. No entanto, uma vez que tenhamos obtido uma base sólida numa prática, então poderemos integrar os outros ensinamentos nessa base.

IM: Como uma pessoa poderia saber o momento correto de tentar outros métodos ou ensinamentos?

JG: Podemos saber, antes de mais nada, por meio da nossa própria experiência. Se estivermos confusos, ou com muitas dúvidas sobre nossa prática, pode não ser o melhor momento para mesclar outros ensinamentos. Uma outra forma de sabermos é através da orientação de um mestre. Muitos estudantes têm me perguntado se devem fazer alguma outra prática e meu conselho sempre depende do seu nível de prática e se é apropriado para eles naquele momento ou não.

IM: Em que estágio nos encontramos no desenvolvimento de um verdadeiro Budismo Ocidental?

JG: Ao ser perguntado sobre qual seria a aparência do Budismo Ocidental, um mestre Asiático disse, “Saberemos em algumas centenas de anos.” Embora ainda estejamos no estágio inicial, já é possível ver as pessoas praticando em diferentes tradições. As pessoas com freqüência listam como seus mestres Sayadaws Birmaneses, Mestres Tibetanos ou Zen, Ajaans Tailandeses e Mestres Ocidentais de várias tradições. E se essa diversidade estiver fundamentada na estabilidade e profundidade de uma prática, poderá ser de grande ajuda. Também quero dizer que, para algumas pessoas, permanecer com apenas um método todo o tempo está perfeito. Uma abordagem não é melhor ou pior que outra. É tudo uma questão de meios hábeis. Se um método desenvolve o desapego, ele é um caminho para a mente liberta. Eu acredito que o Budismo Ocidental Emergente terá precisamente essa qualidade de pragmatismo que é tão característica da nossa cultura.

IM: Você diria que a sua própria prática é um exemplo do Budismo Ocidental Emergente, de “um dharma”?

JG: Quando as pessoas me perguntam sobre o que pratico – se é vipassana ou dzogchen? – eu digo que é “desapego.” A prática se tornou simples assim: desapego e em seguida os momentos de reconhecimento do apego, num próximo momento o desapego e assim por diante. O método próprio de realizar essa prática pode mudar constantemente: algumas vezes sentimos que é apropriado estabilizar a mente na respiração; em outras a intuição é de permanecermos com a atenção mais aberta, no vazio; outras vezes a intuição é de liberar a energia do corpo através da técnica de varredura. A prática é guiada pela intuição e ela é coerente, perfeitamente coerente. Ao tentar destilar os aspectos essenciais do Dharma do Buda da minha própria prática, encontrei, de uma forma ou de outra, a atenção plena como método, a compaixão como manifestação do dharma e a sabedoria como essência. Essas três qualidades – atenção plena, compaixão e sabedoria – parecem ser os elementos necessários. Esses três elementos compõem o oceano do dharma, para o qual fluem como rios todas as tradições. As diferentes tradições podem enfatizar um ou outro desses elementos, mas juntas elas tecem o dharma único da libertação.

 


 

Nota:

Entrevista de Joseph Goldstein para o Inquiring Mind – edição Primavera 2002. O Inquiring Mind é uma publicação independente e não representa nenhum professor ou ideologia em particular. O jornal é produzido para e apoiado pela sangha vipassana e dessa forma reflete os interesses dessa comunidade.

O novo livro de Joseph Goldstein ‘One Dharma: The Emerging Western Buddhism’ será publicado em Junho 2002 pela Editora Harper San Francisco. Visite o site www.onedharma.org para obter mais informações.

 

 

Revisado: 8 Junho 2002

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