Samsara
Por
Ajaan Thanissaro
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Samsara tem
o sentido literal de “perambulação.” Muitas pessoas pensam que esse é o nome
Budista para o lugar em que vivemos no momento – o lugar que abandonamos quando
vamos para nibbana. Mas nos textos Budistas mais antigos samsara é a resposta,
não para a pergunta, “Onde nós estamos?” mas para a pergunta, “O que estamos
fazendo?” Ao invés de um lugar, é um processo: a tendência de ficar criando
mundos e depois se mudando para dentro deles. À medida que um mundo se
desintegra, você cria um outro e lá se instala. Ao mesmo tempo, você dá de cara
com outras pessoas que também estão criando os seus próprios mundos.
O jogo e a criatividade
desse processo pode algumas vezes ser prazeroso. Na verdade, isso seria perfeitamente
inócuo se não causasse tanto sofrimento. Os mundos que criamos insistem em
desmoronar e nos matar. Mudar para um novo mundo requer esforço: não somente as
dores e riscos do nascimento, mas também os severos golpes – mentais e físicos
– que resultam ao passar da infância para a maioridade repetidas vezes. O Buda
certa vez perguntou aos seus monges, “O que vocês acham que é maior: a água
nos grandes oceanos ou as lágrimas que
vocês derramaram nessa perambulação?” A resposta dele: as lágrimas. Pense nisso
na próxima vez que estiver mirando o oceano ou brincando nas suas ondas.
Além de criar sofrimento
para nós mesmos, os mundos que criamos se alimentam dos mundos dos outros, da
mesma forma como o deles se alimenta do nosso. Em alguns casos essa alimentação
pode ser prazerosa e benéfica para ambos, mas mesmo nesse caso essa situação
terá um fim. De modo mais típico, ela irá causar dano a pelo menos uma das
partes na relação, com freqüência a ambas. Quando você pensa em todo o
sofrimento incorrido para manter apenas uma pessoa vestida, alimentada,
abrigada e saudável – o sofrimento tanto daqueles que têm que pagar por essas
necessidades, bem como daqueles que labutam ou morrem na sua produção – você
verá o quão explorador pode ser mesmo o mais rudimentar processo de construção
de mundos.
É por isso que o Buda
tentou encontrar o caminho para parar essa ‘samsar-ização’. E uma vez que ele o
encontrou, ele encorajou outros a seguí-lo também. Porque a ‘samsar-ização’ é
algo que cada um de nós faz e cada um tem que parar isso por si mesmo. Se
samsara fosse um lugar, poderia parecer egoísta que uma pessoa buscasse a
escapatória, deixando os outros para trás. Mas quando você compreende que é um
processo, não há de modo algum nada de egoísta em dar-lhe um fim. É o mesmo que
abandonar um vício ou um hábito abusivo. Quando você aprende as habilidades
necessárias para parar de criar os seus próprios mundos de sofrimento, você
poderá compartir essas habilidades com os outros para que eles possam parar de
criar os deles. Ao mesmo tempo, você nunca mais terá que se alimentar dos
mundos dos outros, portanto, você estará reduzindo o fardo deles também.
É verdade que o Buda
comparava a prática de parar o samsara ao ato de ir de um lugar ao outro: desta
margem de um rio para a outra margem. Mas os trechos nos quais ele faz essa
comparação, com freqüência concluem com um paradoxo: a outra margem não possui
um “aqui,” nem um “ali,” nem um “no meio.” Sob essa perspectiva, é óbvio que os
parâmetros de tempo e espaço do samsara não se referem ao contexto preexistente
no qual perambulamos. Eles são o resultado da nossa perambulação.
Para alguém viciado em
construir mundos, a ausência de parâmetros conhecidos soa perturbadora. Mas se
você estiver cansado de criar sofrimento incessante e desnecessário, talvez
queira tentar algo novo. Afinal, você vai sempre poder recomeçar a construir se
a falta de “aqui” ou “ali” resultar maçante. Mas dentre aqueles que aprenderam
como romper esse hábito, ninguém se sentiu mais tentado a ‘samsar-izar’
outra vez.
Veja também: “Samsara
Dividido por Zero,” por Thanissaro Bhikkhu
Revisado: 11 Outubro 2003
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