O Censor Oculto
O que o Cérebro não Permite Ver

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Foi uma noite de verão, quando Tony Cornell tentou fazer com que os moradores de Cambridge, Inglaterra, vissem um fantasma. Ele se vestiu com um lençol e atravessou um parque público agitando os braços. Enquanto isso, seus assistentes observavam os espectadores buscando qualquer indício de que eles tivessem notado algo estranho. Cornell era um pesquisador interessado nos fenômenos paranormais. A idéia era primeiro fazer com que as pessoas notassem o espetáculo, e depois determinar como elas entenderam o que os seus olhos estavam vendo. Será que elas veriam a aparição como um verdadeiro fantasma, ou como algo mais mundano, como um sujeito num lençol?

O plano foi frustrado quando nenhum espectador nem sequer deu uma olhada. Várias vacas no entanto notaram, e elas seguiram Cornell nos seus passeios fantasmagóricos. Foi apenas um evento fortuito, ou as pessoas "não queriam ver" a figura no lençol, tal como Cornell concluiu em seu relatório em 1959?

Está certo, essa façanha não foi um experimento muito bom, mas 20 anos mais tarde, o eminente psicólogo Ulric Neisser fez um trabalho melhor. Ele filmou um vídeo com duas equipes de estudantes passando uma bola de basquete, e sobrepôs um outro vídeo de uma moça com um guarda-chuva andando pelo centro da tela. Quando ele perguntou aos participantes do estudo para contar o número de vezes que a bola foi passada, surpreendentes 79 por cento dos participantes não perceberam a moça com o guarda-chuva. Nos anos seguintes, centenas de estudos têm reforçado a idéia de que quando a atenção está ocupada com uma coisa, as pessoas muitas vezes não conseguem perceber outras coisas bem diante de seus olhos.

Quando primeiro ouvimos sobre esses estudos, eles parecem profundamente estranhos. É realmente possível que estejamos constantemente deixando de perceber as coisas exatamente na nossa frente? Existe alguma força misteriosa selecionando o que vemos e o que permanece oculto? De acordo com Neisser a resposta seria sim, estamos constantemente deixando de lado grande parte do mundo à nossa volta e não, não há nada de misterioso nisso. A chave é perceber que isso é simplesmente o papel da atenção: seletividade. Para um cérebro com poder de computação finita, concentrar-se em uma coisa sempre significa pegar menos informações sobre todo o resto. É assim que somos capazes de nos concentrarmos em alguma coisa deixando para trás a ebulição, o pacote ruidoso de distrações que é o resto do mundo. Priorizar uma coisa e negligenciar todo o resto são os dois lados da mesma moeda.

Mas a simples seletividade não é o fim da história, porque pesquisas recentes sugerem que deixamos de lado algumas coisas mais do que outras. É isso mesmo - o cérebro é seletivamente seletivo. Numa nova pesquisa a idéia da seletividade seletiva foi expandida sugerindo que o seletor inconsciente pode ter prioridades próprias. Muitos estudos têm sugerido que a mente inconsciente está repleta de estereótipos e preconceitos, mesmo entre as pessoas que conscientemente são bem intencionadas.

Nesse estudo foi empregado um vídeo com duas equipes de estudantes passando uma bola de basquete, como no estudo inicial de Neisser. Depois foi sobreposto um vídeo de um jovem negro ou um jovem branco andando pela tela. Haveria uma disparidade racial em relação a qual jovem seria notado? Foi previsto que isso dependeria do tipo de objetivo que os participantes do estudo tinham em mente. Há décadas os cientistas sociais sabem que os preconceitos revelam um efeito de distanciamento social: as pessoas aprovam mais os grupos sociais estereotipados numa distância impessoal fria, do que quando estão próximos e no nível pessoal. Por exemplo, as pesquisas mostram que as pessoas brancas são mais propensas a apoiar a igualdade com relação aos negros quando há uma distância (por exemplo, dizendo que apóiam bairros e locais de trabalho integrados), do que apoiar laços pessoais (tal como dizer que aprovam ter alguém na sua família num casamento inter-racial). Embora desde a década de 1960 as atitudes para com todos esses temas tenham se tornado cada vez menos preconceituosas, a diferença nas atitudes em relação às distâncias sociais têm permanecido notavelmente constantes.

Foi dito a alguns grupos de mulheres brancas que, em poucos minutos, elas seriam convidadas a ver alguns perfis online para escolher o melhor candidato para um dos vários papéis. Dois grupos deveriam procurar por alguém compatível distante socialmente (um vizinho ou um colega de trabalho) e dois grupos iriam procurar por alguém compatível mais íntimo (um amigo ou alguém para um encontro). Para o grupo de controle não foi dito nada sobre a busca de perfis.

Depois que elas haviam entendido o que deveriam procurar, o estudo foi interrompido para dizer que primeiro elas tinham que realizar um teste de concentração para se certificar que estavam prestando atenção. O teste de concentração foi - vocês adivinharam - o vídeo da bola de basquete, e foi pedido que as participantes mantivessem os olhos na bola. A verdadeira questão era se as mulheres estariam mais propensas a ver o homem branco estando à procura de uma conexão mais íntima.

Cerca de dois terços das mulheres nunca viram o homem passar pela tela, semelhante aos estudos anteriores. Como havia sido suspeitado, o que elas viram dependia daquilo que elas tinham em mente. Quando as mulheres foram orientadas a buscar um vizinho ou colega de trabalho adequado, elas viram o homem negro e o homem branco com a mesma frequência. Mas quando elas foram orientadas a buscar um amigo ou alguém para um encontro, o homem branco foi notado mais do que o dobro de vezes do que o homem negro. O seletor inconsciente parecia ter preferências raciais, mas não houve um viés simples ao ver apenas brancos ou apenas negros. As mulheres decidiram inconscientemente se o homem que aparecia no vídeo seria o tipo de pessoa que elas estavam procurando. Se não era, ele nunca foi notado conscientemente.

O simples fato da seletividade tem enormes conseqüências: a qualquer momento, estamos conscientes de apenas um pequeno fragmento de tudo aquilo está ao nosso redor. Considere a sua experiência visual agora. Geralmente não há a experiência de uma linha na periferia onde a visão pára; há apenas o desaparecimento gradual daquilo que é notado. É claro que podemos mover os olhos ao redor para encontrar as bordas, mas normalmente nós não notamos as ausências. Se olharmos para baixo, até mesmo o nariz parece desaparecer: uma coisa meio transparente, que quase nunca vemos sem a ajuda de um espelho, apesar de ser perfeitamente visível para os olhos.

Alguns psicólogos e filósofos pensam que a experiência consciente rica e detalhada do mundo que nos rodeia é uma grande ilusão. A luz da geladeira sempre parece estar ligada porque quando está escuro, não estamos olhando. Da mesma forma, a nossa experiência consciente parece ser um retrato rico e detalhado do mundo, porque onde não é, não estamos prestando atenção.

A idéia da seletividade seletiva significa que a mente inconsciente pode estar moldando a nossa experiência de um modo ainda mais dinâmico do que se pensava, selecionando aquilo que vemos com base em objetivos e emoções. Os cientistas estão apenas começando a entender como a seletividade seletiva funciona. Consideremos o que acontece quando cada um dos olhos vê algo diferente. Isso não acontece na vida diária, mas os cientistas nos laboratórios usam um tipo especial de óculos que projeta imagens independentes para cada olho. Um olho vê um rosto, por exemplo, e o outro vê um elefante. As duas imagens são experimentadas ao mesmo tempo, ou o rosto se mistura com a tromba do elefante? Nenhuma das duas: a experiência consciente alterna-se entre o rosto em um momento e o elefante no próximo. A seletividade seletiva é instável, mas decisiva.

Os psicólogos Georg Alpers e Paul Pauli testaram recentemente se alguns tipos de fotos têm mais probabilidade de serem vistas do que outras. Em alguns testes do experimento, um olho via uma foto neutra, como uma lâmpada, e o outro olho via uma cena de violência sangrenta. Em outros testes, um olho via uma foto neutra e o outro via uma imagem nua erótica. As experiências conscientes dos participantes pulavam de uma foto para a outra, mas as cenas de sexo e violência eram mais propensas a serem as primeiras a serem vistas, e elas ocuparam a consciência por muito mais tempo do que as imagens neutras sem graça. Vários estudos já confirmaram que coisas perigosas, como cobras, homens furiosos, e cães raivosos podem interromper a concentração e se intrometer na consciência. Palavrões e imagens maliciosas têm o mesmo efeito. O traço comum parece ser a emoção. Se faz com que o coração acelere, irá chamar a atenção.

Isso faz muito sentido sob a perspectiva evolutiva. É importante ser seletivo de modo que a mente possa dedicar a maior parte dos seus recursos para a tarefa em mãos. Mas também é útil manter o olho ou o ouvido atento para o inesperado (especialmente se o inesperado pode comê-lo ou um ser parceiro(a) para o sexo). Num instante você está sentado numa mesa na calçada de um café, feliz imerso em seu jornal e no café expresso. O tráfego sussurrando, os pássaros cantando e os corredores ofegantes, tudo desaparece quando você se perde na última batalha política entre o seu partido favorito e os maníacos irracionais discordantes. E então passa um corredor(a) sexy com um pit bull rosnando. Quem é capaz de se concentrar na política?

Voltando ao ponto, quem decidiu que esse corredor(a) em particular deve dominar a sua consciência, sendo que os cinco anteriores foram consignados à invisibilidade? Não poderia ser o "você" consciente que decidiu, porque no momento em que você tomou conhecimento do atleta, a decisão já havia sido tomada. Deve haver alguma parte da mente que faz a triagem das imagens e dos sons, mas com base em quê, exatamente?

Os críticos desta pesquisa sugerem que o processo pode ser guiado por outra coisa que não a emoção. Em um estudo anterior foram projetadas imagens de símbolos religiosos para cada olho, os devotos católicos eram mais propensos a ver um crucifixo e os devotos judeus eram mais propensos a ver a estrela de David. Os críticos argumentaram que essa diferença não foi causada pelo significado pessoal, mas simplesmente o fato de que os católicos tinham visto mais crucifixos e os judeus tinha visto mais estrelas de David, que fez com que cada um fosse mais fácil de ser processado. Existe algo com relação ao vermelho do sangue ou a anatomia de um corpo nu que dispara alarmes inconscientes, independentemente do seu significado emocional?

A psicóloga Emily Balcetis abordou este problema, mantendo as imagens constantes e alterando o quanto elas significavam para as pessoas. Foi dito a um grupo de participantes no estudo que eles poderiam aumentar as chances de ganhar um sorteio para cada letra que pudessem identificar nos seus óculos. Outro grupo poderiam aumentar as chances para cada número identificado. Fotos de letras e números foram projetadas para cada olho tão rapidamente que apenas havia tempo suficiente para ver um ou outro. Quando a vantagem era ver um número, as pessoas viram um número. Quando a vantagem era ver uma letra, elas viram uma letra.

Os cientistas têm argumentado há décadas sobre o quão inteligente é o selecionador. Alguns acreditam que é simplório, capaz de detectar características sensoriais básicas como luz, cor e movimento, mas não seria capaz de ler o significado das palavras ou reconhecer o que é uma imagem. Se este ponto de vista for certo, seria fácil desmontar o selecionador em partes mais simples e compreendê-lo, porque ele estaria fazendo nada mais sofisticado do que uma câmera digital. Mas a hipótese simplória não é capaz de explicar a seletividade seletiva. Não é capaz de explicar porque alguns eventos tornam-se visíveis ou invisíveis com base no que eles significam para a pessoa. Este truque requer um selecionador mais inteligente.

A questão é o quão inteligente tem que ser o selecionador para explicar estes resultados? Nenhum cientista hoje acredita em um inconsciente freudiano, completo com os seus próprios caprichos e impulsos, tramando para deludiir a mente consciente. O inconsciente hoje é entendido como um vasto depósito de conhecimentos, hábitos e associações que ajudam a processar informações de forma eficiente ao invés de esperar na fila para o mais lento pensamento consciente. Para explicar a seletividade seletiva, o seletor inconsciente deve ser capaz de fazer pelo menos duas coisas. Primeiro, ele tem de saber qual é o objetivo. Em segundo lugar, ele deve fazer uma primeira aproximação para saber se o candidato para a consciência se encaixa no objetivo ou não.

Esta simples comparação em duas etapas pode explicar por que os eventos emocionais como coisas perigosas e sexuais irrompem na consciência, porque objetivos tão básicos como ter relações sexuais e não ser comido são sempre relevantes. Ainda não está claro o quão sofisticado o seletor pode ser. Os resultados relativos ao preconceito racial, no entanto, sugerem algo novo com relação aos pressupostos que o inconsciente faz. No mínimo, esses resultados sugerem que o inconsciente pode atuar de acordo com objetivos sociais, tais como a procura de um amigo, um encontro, ou um colega de trabalho. E parece ter opiniões sobre que tipo de pessoas são adequadas para cada um. Esse tipo de distinções são mais sofisticadas, e talvez mais perturbadoras, do que tem sido assumido.

Existe algo particularmente inquietante com relação a esse tipo de preconceito, porque existe uma assimetria de poder. O seletor inconsciente forma aquilo que o consciente "você" pode ver, mas o consciente "você" não tem poder de veto sobre essa decisão. Claro, você pode tentar mudar a atenção ou mudar os objetivos, uma vez que você esteja ciente disso, mas aí já pode ser tarde demais. O inconsciente sempre leva vantagem. [1]

O contato pessoal entre pessoas de diferentes raças sempre foi visto como uma poderosa forma de reduzir o preconceito. À medida que o mundo torna-se cada vez mais multicultural e globalizado, essas viseiras inconscientes podem nos tornar imunes a essa diversidade. Nós não poderemos conhecer ou aprender com as pessoas se as ignoramos. O mundo moderno pode ampliar estes efeitos de uma segunda maneira, visto que o poder do inconsciente é maior quando a nossa atenção está sob as mais pesadas demandas. No mundo multitarefa de hoje, quando dividimos nossa atenção entre o Facebook e os amigos de verdade, entre os tablets e os nossos filhos, entre os laptops e os nossos entes queridos, nós delegamos cada vez mais para o inconsciente. Dá prá pensar para quem olhamos hoje e não vimos.

 


 

[1] O Dr. Benjamin Libet foi um pioneiro nos estudos sobre a relação entre eventos neurais e a consciência. As suas descobertas foram surpreendentes, controvérsas a princípio, mas que têm sobrevivido a prova do tempo. Os estudos mencionados neste artigo são uma prova disso.

A sua fama provém da descoberta que a decisão para agir ocorre no inconsciente muito antes de termos pensado em agir. Essa descoberta tem implicações profundas numa das principais questões filosóficas e psicológicas que é o livre-arbítrio.

Em 2004 foi publicado o livro "Mind Time" no qual Benjamin Libet relata os seus estudos e descobertas. Na página 102 desse livro, Libet afirma que "há boas razões para acreditar que focar a atenção num determinado sinal sensorial pode ser o elemento para que a resposta a esse estímulo seja consciente." Em outras palavras o treinamento da atenção pode favorecer a resposta consciente aos estímulos dos sentidos e por conseqüência o livre-arbítrio que justamente é a confirmação de um dos pilares da prática Budista que é o desenvolvimento da atenção plena (mindfulness ou vipassana).

Leia mais sobre os estudos de Benjamin Libet: O Corônometro do Cérebro. [Retorna]

 

Fonte: http://news.yahoo.com/hidden-censor-mind-not-let-see-113000374.html

 

 

Revisado: 22 Junho 2013

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